hamilton mourão

Os dentes e os espaços: As forças armadas e a política partidária

Alon Feuerwerker

Quando você age sobre a realidade, necessariamente a transforma. Mas aí ela também acaba transformando você. Ação e reação. Parece inevitável que a participação cada vez maior, e institucional, das Forças Armadas na política partidária termine abrindo espaço para a explicitação de debates político-partidários no interior mesmo da corporação.

Aliás o vice-presidente Hamilton Mourão já advertiu sobre isso.

Digo “explicitação”, e não “introdução”, pois seria ingenuidade, a qualquer momento, interpretar como apoliticismo a falta de manifestações explícitas de partidarismos no estamento militar.

Dois dos presidentes do período 1964-85 cuidaram com esmero de prevenir esse jogo recíproco, em que as Forças politizam e ao mesmo tempo são politizadas, ou partidarizadas: Humberto de Alencar Castelo Branco e Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro operou uma reforma militar também com esse objetivo, e o segundo decapitou a resistência à distensão.

Ações que contribuíram de maneira importante para fechar o ciclo da anarquia militar no Brasil do século 20, cujo marco inaugural havia sido a eclosão do tenentismo. Ter deixado isso para trás era apontado até outro dia como conquista da Nova República. Não parece estar sobrando muito das conquistas da Nova República.

Em parte, os militares têm sido puxados para a política nos anos recentes pelo vácuo nascido da desmoralização e do desgaste das demais instituições nacionais. Isso ganhou nova dimensão quando Jair Bolsonaro, sem um partido para chamar de seu, acabou recorrendo aos fardados, da ativa e da reserva, como estoque de quadros e de doutrinas para tocar o governo.

A realidade é implacável, e o poder não se resume às delícias dele, carrega também os riscos decorrentes das delícias. E aí o noticiário começa a trazer confusões ligando duas coisas: militares e verbas orçamentárias. E agora com números de alto impacto vindos dos recursos destinados pelo governo e pelo Congresso ao combate da Covid-19.

Na falta de eventos de ruptura, a vida segue, e nela sempre chega a hora de ter de dar alguma explicação. Na escalada da politização, as recentes manifestações do Ministério da Defesa e dos comandantes militares vêm reiterando: as Forças estão aí para defender a liberdade e a democracia. Ecoam palavras do próprio presidente da República. Falta, até o momento, dizer se ambas estão sob ameaça.

E falta também, nesse caso, a explicação mais importante: quem ameaça.

Enquanto tal detalhe não fica claro, ao menos segue o baile. No terreno por eles pouco conhecido da política, até agora os militares estão levando uma certa canseira dos políticos. Os lprimeiros andam ocupados em mostrar os dentes, estes últimos preferem concentrar-se em tomar espaços de poder daqueles.

E nem Jair Bolsonaro pode ajudar muito, já que depende dos políticos para se manter na cadeira, inclusive depois de 2022, se se reeleger. O que pelo jeito vai ser decidido mesmo na urna eletrônica, apesar das dúvidas e arranca-rabos. Se bem que neste ponto é sempre adequado contar com novas emoções. 

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Seria o semipresidencialismo uma boa alternativa?

O Brasil é um país jovem. Em 2022, comemoraremos 200 anos da nossa Independência, após três séculos marcados pelo escravismo colonial. A República fará 133 anos de existência. Até 1930, tivemos um período dominado pelas oligarquias regionais, onde analfabetos e mulheres não tinham direito a voto e as eleições eram visivelmente manipuladas. Mesmo a Revolução de 30 foi liderada por elites excluídas do pacto do poder. Logo à frente, Vargas decretaria o Estado Novo, iniciando seu período ditatorial.

Períodos democráticos foram poucos. De 1945 a 1964, tivemos a primeira experiência democrática. Ainda assim, os analfabetos não votavam, o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade, tivemos o traumático suicídio de Getúlio Vargas, sucessivas tentativas de derrubar JK, a renúncia de Jânio Quadros, o arranjo parlamentarista de 1962 e a queda de João Goulart. Experimentamos 21 anos de governos autoritários.

Derivado da histórica campanha das Diretas-Já, assistimos o reestabelecimento da democracia com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, e a nova Constituição democrática de 1988. Esse ciclo sobrevive até hoje, representando os 36 anos mais livres e democráticos de nossa história. Ainda assim, tivemos diversas crises econômicas desestabilizadoras e dois impeachments, com o afastamento de Collor e Dilma. Agora, novamente o Congresso analisa a possibilidade de um processo de impeachment.

Até quando viveremos uma verdadeira montanha russa política entre golpes e impeachments? O parlamentarismo, vigente na maioria dos países de democracia avançada, foi derrotado nos plebiscitos de 1963 e 1993. A cultura política predominante no Brasil é personalista, caudilhesca, centrada em personagens e não em partidos políticos e programas.

Recentemente, instalou-se a discussão sobre o semipresidencialismo correlato às exitosas experiências da França e Portugal. Diferente dos parlamentarismos da Espanha, Itália, Inglaterra, Alemanha, entre outros, onde a dinâmica política é dada pelo Parlamento, o semipresidencialismo reserva ao Presidente da República um forte papel, com o comando das Forças Armadas e da política externa, capacidade de vetar e propor iniciativas legais, indicar o primeiro-ministro, decidir por eleições ou por um novo primeiro ministro no caso de queda do gabinete. O primeiro-ministro e a maioria parlamentar seriam responsáveis pela gestão das políticas públicas de governo.

Obviamente, se adotado, só poderá sê-lo em 2027. Serão mais 4 anos de emoções fortes. As eleições de 2022 já seriam realizadas sob as novas regras. Há méritos na proposta. Delinearia claramente situação e oposição no Congresso, responsabilizaria o Parlamento em relação à condução do país e evitaria as sucessivas crises turbulentas dos impeachments.

Mas para isso algumas pré-condições são necessárias: i. existência de um quadro partidário mais nítido e sólido; ii. fortalecimento da burocracia estatal, no sentido weberiano, para assegurar a continuidade das políticas públicas; e, mudança do sistema eleitoral na direção da lista partidária ou do voto distrital, para permitir eleições rápidas em caso de queda do gabinete sem formação de nova maioria congressual.

Sou parlamentarista de carteirinha. Mas, certamente, o semipresidencialismo proposto seria um enorme avanço.         

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Demétrio Magnoli: Quem é a polícia do B?

Tudo bandido!, decretou Hamilton Mourão horas depois do massacre no Jacarezinho, em 6 de maio, quando indagado sobre 27 das 28 vítimas fatais. O vice-presidente só conhecia a identidade do policial morto. Os supostos criminosos não tinham sido processados, julgados ou condenados. A segunda maior autoridade do país oferecia seu amparo a execuções extrajudiciais.

Mais: classificando como “bandidos” as vítimas ainda não identificadas, dizia implicitamente que são criminosos os que residem ou simplesmente circulam pelo Jacarezinho. A frase, síntese da barbárie nacional, esclarece os protocolos ocultos de ação da polícia no Rio de Janeiro. Desde o fracasso da política das UPPs, restaurou-se o padrão de invasão de favelas em operações letais. O pressuposto é que as favelas são terra estrangeira e seus moradores, combatentes inimigos.

Exige-se a investigação da Operação Exceptis, cujo nome de batismo enviava uma mensagem voluntária de deboche ao STF e uma outra, involuntária, a todo o país: a polícia do Rio não reconhece as leis regulares, mas apenas suas próprias leis, de “exceção”. O que procurar, porém, na investigação?

A resposta depende da hipótese inicial. Se acreditamos que a polícia do Rio é um corpo armado que opera sem planejamento e sem protocolos, a investigação deveria restringir-se aos desvios em relação aos padrões normais de ação policial e terminar com a punição dos agentes culpados. Mas tudo indica que a polícia segue planejamento e protocolos bem definidos, embora ocultos.

Na cidade do Rio, quase 60% da superfície dos territórios controlados por grupos armados irregulares encontram-se sob o comando de milícias, ou seja, da polícia do B. Apenas 15% são controlados por facções do crime, enquanto 25% são áreas de parceria ou disputa. Contudo a imensa maioria das operações policiais incide sobre os territórios de facções. É coisa incomum a ação da polícia oficial nos territórios de milícias — e mais raros ainda, os eventos de choques entre policiais e milicianos. Não estaríamos diante de uma aliança tácita entre a polícia e as milícias para estender o controle territorial das segundas?

O Jacarezinho situa-se nas vizinhanças da Cidade da Polícia, base principal das chefias e unidades operacionais da Polícia Civil. A favela vive sob a maior facção criminosa do Rio, um grupo sanguinário que nunca faz parceria com as milícias. A facção concorrente, pelo contrário, não rejeita parcerias baseadas numa nítida divisão de trabalho: os traficantes cuidam da venda de drogas, enquanto os milicianos dedicam-se à extorsão de comerciantes e moradores. A seleção do Jacarezinho para a Operação Exceptis parece obedecer a uma lógica de negócios. Quem ganha com uma eventual troca de guarda na favela?

A estúpida “guerra às drogas” é o pano de fundo e o álibi, mas não a causa, do massacre mais recente. Polícia é política. Uma investigação verdadeira do banho de sangue teria que ir muito além da operação no Jacarezinho, em busca das conexões subterrâneas entre a polícia oficial e a polícia do B.

O prefeito Eduardo Paes oscilou entre a condenação à violência da polícia e a crítica às restrições impostas pelo STF às ações policiais. “Se a reação for tão radical quanto a operação de ontem, um ‘ah, então libera geral esse território aqui para fazerem o que quiserem’, nós vamos viver esse pêndulo terrível que vitimiza principalmente as pessoas que moram em comunidades.” O “pêndulo terrível”, porém, instalou-se há décadas, e o “libera geral” exprime a postura estatal diante das milícias.

Paes identifica corretamente “as pessoas que moram em comunidades” como as vítimas da crônica guerra suja no Rio. Contudo finge que a solução encontra-se em olhar para outro lado, isto é, voltar à estranha “normalidade” vigente na segunda maior metrópole do país. Se ele se preocupa com as vítimas, deve clamar por uma “reação radical”: a implantação do Estado de Direito no conjunto da cidade que administra. Para isso, antes de tudo, é preciso reconhecer que a polícia oficial já não se distingue da polícia do B.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/quem-e-policia-do-b.html


Hamilton Mourão: O que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas

Que não se esqueçam de seus compromissos com a Pátria, que juraram defender

É bom que os brasileiros se preocupem com o que fazem, ou podem fazer, as suas Forças Armadas. Afinal, a sua segurança e, em última instância, a garantia da lei e da ordem dependem delas, para não falar no enfrentamento de situações de crise que ultrapassam a capacidade das agências governamentais e requerem o emprego da competência logística e organizacional das Forças singulares: Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Aeronáutica.

Hoje, no entanto, a sociedade brasileira espera algo mais de seus militares.

Desde antes da pandemia de covid-19, o Brasil vem enfrentando uma situação difícil causada pela postergação de reformas imprescindíveis – a tributária, a administrativa e a política – e pelo desvirtuamento da administração pública, atingida em cheio pela corrupção e pelo clientelismo político. Nas eleições de 2018 o País fez uma clara escolha pela condenação do maior caso de corrupção da História, pelas reformas que promovam a retomada do desenvolvimento e pelo combate à violência, compromissos deste governo com a sociedade brasileira.

Os militares que foram chamados a trabalhar no governo que se iniciou em janeiro de 2019 vieram tão somente participar – como cidadãos no pleno exercício de seus direitos e como profissionais de Estado capazes – do esforço de racionalização, efetividade e moralização da administração pública, em prol do soerguimento do País.

Para tarefa de tal monta pode parecer pouco o mero aporte de valores caros à profissão militar, como lealdade e probidade, e de competência técnica, requerida para qualquer função no serviço público. Mas é muito para um país que teve sua máquina administrativa aparelhada pela política partidária e, não raro, pela ideologia.

E é esse pouco, que é muito em termos de contribuição à administração pública, porventura tido por excessivo em termos numéricos, mas que, na verdade, é ínfimo se comparado às bateladas de cargos comissionados ou simplesmente inventados que incharam a máquina administrativa nos últimos governos, que vem prejudicando o entendimento do papel dos militares no Brasil, neste e em outros momentos.

Não é a presença de militares no governo que o define. Sempre houve e continuará a haver militares no governo. Estejam onde eles estiverem, na ativa ou na reserva, nos quartéis ou em repartições, os militares são cumpridores de suas obrigações e seus deveres. Se assim não fosse, o País viveria uma anarquia armada, incompatível com a democracia. E os militares simplesmente não seriam militares. A questão é outra.

As Forças Armadas são instituições de Estado, porque são regulares, permanentes, nacionais e se destinam à defesa da Pátria e à garantia dos Poderes constitucionais, estando sob a autoridade do presidente da República, que é responsável perante os demais Poderes e a Nação pelas ordens que transmite a elas.

No que diz respeito aos militares, em qualquer país do mundo o que distingue as democracias das ditaduras são as ordens que lhes são dadas e, o mais importante, como eles lhes obedecem. Nas democracias, as ordens são legais e emitidas por quem de direito, sendo integralmente cumpridas na forma da lei. Fora disso, transita-se perigosamente entre a desordem e o autoritarismo. Políticos e soldados profissionais das grandes democracias já sabem disso.

Recentemente o mundo assistiu, com alguma perplexidade, à Junta de Chefes de Estado-Maior dos Estados Unidos, os comandantes das Forças Armadas norte-americanas, virem a público garantir a transição presidencial na maior democracia do mundo, em meio a contestações do processo eleitoral e aos tumultos que atingiram a sede do Legislativo em Washington, DC. Nenhuma democracia está livre de crises e os seus militares fazem parte da sua superação.

O presente ordenamento constitucional do Brasil é fruto de uma longa evolução desde a Independência, cujo bicentenário comemoraremos no ano que vem. Deixamos para trás um regime que não mais atendia às aspirações da cidadania, uma República calcada na fraude eleitoral, um federalismo de oligarquias e seguidas revoltas, revoluções, autoritarismos e ditadura que envolveram os militares. Goste-se ou não, foi o regime instalado em 1964 que fortaleceu a representação política pela legislação eleitoral, que deu coerência à União e afastou os militares da política, legando ao atual regime, inaugurado em 1985 e escoimado de instrumentos de exceção, uma República federativa à altura do Brasil.

Uma compreensão mais equilibrada e menos passional do passado do País pode nos ajudar a entender o presente e os caminhos que se abrem à nossa frente. Por tudo o que aconteceu ao longo da História do Brasil, a sociedade brasileira sabe que as Forças Armadas continuarão a cumprir rigorosamente suas missões constitucionais. Mas neste momento de dificuldades por que passa o País ela espera mais. Ela conta que seus militares, da ativa e da reserva, não se esqueçam dos seus compromissos com a Pátria que juraram defender, servindo-lhe com ou sem uniforme, ciosos de sua cidadania, orgulhosos do que fizeram e confiantes no que podem fazer de bom para o bem do País.

É o que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas.

VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Ricardo Noblat: Como não pode demiti-lo, Bolsonaro cancela Mourão

À procura de um vice que diga apenas "sim, senhor"!

Sem poder demiti-lo porque foi eleito junto com ele, sem poder fazer de conta que ele simplesmente inexiste, o presidente Jair Bolsonaro decidiu cancelar o vice-presidente Hamilton Mourão.

Faz tempo que já não conversa com ele, mas, ontem, foi muito além: excluiu-o de uma reunião ministerial no Palácio do Planalto. Compareceram 22 ministros. O único que faltou estava viajando.

 “Não fui convidado, não fui chamado. Então, acredito que o presidente julgou que era desnecessária a minha presença”, disse o  general que faz parte do Conselho de Governo.

Mourão deixou passar algumas horas e deu o troco: embora convidado, não foi à cerimônia de lançamento de um programa destinado a atrair investimentos privados para a Amazônia.

A cerimônia contou com a presença de Bolsonaro e de outros ministros. Perguntando por que não foi, Mourão respondeu: “Estava trabalhando, tinha outras coisas para fazer”.

Mourão foi escolhido por Bolsonaro para ser vice na última hora. E mesmo assim porque outros nomes convidados para a função alegaram variados motivos para não ocupá-la.

Bolsonaro queria um vice que não lhe fizesse sombra. Mourão desejava ser um vice com atribuições executivas. Bolsonaro queria um vice que não falasse. Mourão não se faz de mudo.

O presidente é capaz de dizer os maiores absurdos do mundo, mesmo os que o prejudicam. Mourão tentou ser a voz da sensatez e, em alguns casos, o tradutor de Bolsonaro.

Apesar dos desencontros, fingiram dar-se bem até recentemente. Nada pior do que um vice decorativo. Bolsonaro nomeou Mourão para presidir o Conselho Nacional da Amazônia. Não adiantou.

A gota d’água que entornou o copo foi uma troca de mensagens entre um assessor de Mourão e um assessor de um deputado sobre um eventual processo de impeachment contra Bolsonaro.

Mourão só soube das mensagens pela imprensa. No mesmo dia, demitiu o assessor. Com mania de perseguição, Bolsonaro acha que o vice conspira contra ele, e ninguém o convence do contrário.

Daí o cancelamento de Mourão. Que poderá não ser definitivo porque Bolsonaro não tem compromisso com o que diz e faz. Não desqualificava as vacinas? Agora, não as recomenda?

Bolsonaro se comporta na presidência como se fosse um general dentro do quartel. Ninguém pode pensar diferente dele. Ordem dada é para ser cumprida sem maiores discussões.

Há militares que o servem, como os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria do Governo) e Eduardo Pazuello (Ministério da Saúde), que batem continência e dizem “sim, senhor”.

Mourão bate continência, mas nem sempre diz “sim, senhor”. É por isso que Bolsonaro procura um novo vice para a eleição do ano que vem. O Centrão topa indicar. O Centrão topa tudo.

Um general que se sente à vontade na companhia do Centrão

“Brasil acima de tudo” (grito de guerra da Infantaria Paraquedista)

Se o presidente Jair Bolsonaro está à procura de um vice que lhe diga amém, que em eventos eleitorais saiba manter-se à distância para não lhe fazer sombra, e que ainda por cima possa ajudá-lo a atrair apoios políticos, por que não o general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria de Governo?

Ramos entende do riscado. Uma foto que mostrou Bolsonaro disparado, quase sem fôlego, em uma pista de corrida, mostrou também o general tentando imitá-lo, mas bem atrás, sem o risco de ultrapassá-lo. Ramos tem uma sincera admiração pelo presidente. Os dois foram paraquedistas e ainda são bons amigos.

De resto, ao contrário de muitos, militares ou não, que fazem cara feia para o Centrão, Ramos não faz, e orgulha-se de ter servido de ponte entre o grupo e Bolsonaro. Criticado por um general da reserva por andar com más companhias, Ramos respondeu: “Não me envergonho. Não tenho vergonha nenhuma”.

E justificou-se: “Tomei uma atitude coerente. Meu desprendimento de ter aberto mão da minha carreira no Exército mostra que estou a serviço do Brasil. O governo hoje é do Bolsonaro, mas é do Brasil”. Em 2018, Ramos foi uma voz isolada em defesa de Bolsonaro dentro do Estado Maior do Exército.

Até que todos, finalmente, acabaram lhe dando razão. Era preciso evitar a volta da esquerda ao poder. Brasil acima de tudo!


Felipe Frazão: Ernesto Araújo dorme prestigiado e acorda fritado

Demissão foi ‘lançada’ por Mourão mesmo após chanceler participar de cerimônia, na véspera, com Bolsonaro

BRASÍLIA – O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dormiu prestigiado pelo presidente Jair Bolsonaro e acordou com a cabeça a prêmio, “fritado” (no linguajar político) pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Cogitada há meses, a demissão do chanceler foi lançada pelo general como passo do governo num futuro próximo, passada a eleição interna no Congresso, marcada para a próxima segunda-feira.

Antes de falar no Fórum Econômico Mundial para tentar limpar a imagem do País perante a nata do PIB mundial, Mourão citou nesta quarta-feira, 27, o ministro das Relações Exteriores como um dos possíveis demitidos na reforma ministerial que deverá acomodar a “nova composição política do governo”. “Talvez, nisso aí, alguns ministros sejam trocados, entre eles o próprio MRE (Ministério das Relações Exteriores). No caso específico das Relações Exteriores, é algo que fica na alçada do presidente”, afirmou Mourão, em entrevista à rádio Bandeirantes.

Mourão foi a primeira autoridade do governo a falar abertamente sobre o plano de demissão de Araújo. O vice reclama de ser cada vez menos ouvido por Bolsonaro e seus gabinetes trabalham sem coordenação, ao menos em matéria de política internacional. Mas Mourão não fala apenas por si. Ele vocalizou o apetite político do Centrão, grupo aliado em que Bolsonaro aposta para vencer a eleição da Câmara e no Senado e blindar seu mandato. No Palácio do Planalto, outros auxiliares do presidente já discutiram a substituição e, reservadamente, especularam nomes de substitutos, entre diplomatas e políticos. Araújo desagrada o meio militar desde o início do governo, quando generais palacianos recebiam embaixadores e tutelavam a condução da diplomacia.

A troca tem apoio de setores econômicos, como os ruralistas, parlamentares, acadêmicos e embaixadores aposentados. No Itamaraty, até diplomatas da ativa e em início de carreira perderam a inibição de comentar nos corredores a demissão. Por temerem retaliações, eles falam apenas sob anonimato e avaliam que, embora haja nomes experientes em alta conta com o discurso de Bolsonaro, como Maria Nazareth Farani Azevêdo e Luís Fernando Serra, cairia bem um político para dar à chancelaria a liberdade e a desenvoltura que Araújo demonstrou não ter.

O calendário que sugerem coincide com o do vice. A substituição ocorreria após as eleições na Câmara e no Senado, foco principal do governo, e algum tempo depois da posse de Joe Biden como presidente nos Estados Unidos. Seria uma forma de desvincular os episódios e de não parecer que Bolsonaro faz uma concessão ao democrata. O timing, porém, contrasta com atitudes recentes do presidente. Na noite de terça-feira, dia 26, o chanceler e sua mulher, a diplomata Maria Eduarda de Seixas Corrêa, sentaram-se à mesa presidencial na celebração do 72.º Dia da República da Índia. O país asiático é o novo queridinho de Bolsonaro por ter liberado, com atraso, a exportação de 2 milhões de vacinas AstraZeneca/Oxford contra a covid-19, fabricadas em laboratório indiano. A vacina é uma das apostas do governo para reduzir a pressão contra o impeachment.

O casal diplomático dividiu a mesa com Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, e a mulher, Kathya Braga Netto. Além deles, só os anfitriões do convescote, o embaixador indiano, Suresh Reddy, e a embaixatriz, Sneha Reddy. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente da Câmara dos DeputadosBaleia Rossi, candidato de Rodrigo Maia, e Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro, lideram corrida pela presidência da Casa; siga distribuição de votos por deputado, partidos e Estados

“Ouso dizer que o Brasil cada vez mais fortalece suas relações exteriores, nos projetando num cenário de muita prosperidade para esses países e para nós”, disse Bolsonaro ao lado de Araújo na recepção concorrida entre ministros e diplomatas no Clube Naval. O chanceler depois cumprimentou convidados e conversou de pé com outros expoentes ideológicos do governo, como Filipe Martins, assessor internacional do Palácio do Planalto, e o diplomata Roberto Goidanich, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty.

Na quinta-feira passada, mais um sinal de prestígio às gestões diplomáticas. Bolsonaro escalou o chanceler para ir pessoalmente receber e ciceronear, com o embaixador Reddy, e os ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Fábio Faria (Comunicações), o lote de vacinas enviadas pela Índia nos aeroportos de Guarulhos (SP) e do Galeão (RJ). Também convidou o ministro para aparecer na live semanal, momento em que fortaleceu sua atuação, ao citar a política externa como “excepcional”. 

“Quem demite ministro sou eu”, afirmou Bolsonaro, rechaçando a especulação de que a China teria cobrado sua demissão, algo considerado improvável e inaceitável por diplomatas de todos os lados. Em verdade, parlamentares com trânsito na embaixada chinesa, como Fausto Pinato (PP-SP), cobram há meses a saída de Araújo, ecoando a insatisfação de Pequim. Além do atraso na vacina da Índia, Araújo foi questionado nas últimas semanas pelos percalços em conseguir a liberação de insumos chineses para produção de vacinas no Brasil, pela Fiocruz e pelo Instituto Butantan. 

O governo Bolsonaro disputou o protagonismo na negociação e liberação com o governador João Doria (PSDB), de São Paulo. Doria disse que o empenho foi das autoridades estaduais e chamou Bolsonaro de “parasita”. Secretários do Itamaraty afirmam, porém, que a rede diplomática estava envolvida nos trâmites desde dezembro do ano passado, a pedido da Anvisa. Eles dizem que nunca houve problema político afetando a relação com a China, mas sim de burocracias chinesas para importação e que a embaixada em Pequim atuou ativamente para conseguir os insumos.

O presidente, mais uma vez, usou as redes sociais para elogiar e fortalecer Araújo, que possui pouca interlocução com os chineses e chegou a ser isolado de conversas. Em defesa dele, auxiliares ponderam que, na praxe diplomática, o chanceler costuma se relacionar com governos estrangeiros, cujos representantes em Brasília têm liberdade e credenciais para lidar diretamente com os demais ministros e autoridades do governo brasileiro. Dessa forma, Araújo não participaria de algumas negociações, nem atenderia com frequência a todos os embaixadores estrangeiros. Ele, no entanto, sempre prestigiou embaixadores que representam presidentes alinhados a Bolsonaro.

Outra operação mal sucedida foi o pedido de ajuda para o abastecimento de oxigênio no Amazonas. O empréstimo de aviões cargueiros militares dos EUA e de remessa de oxigênio hospitalar não prosperou. Houve apelos diplomáticos em Brasília e Washington, além de um telefonema de Ernesto Araújo ao então secretário de Estado Mike Pompeo, já fora do cargo com a saída de Trump. Chegou primeiro o socorro liberado pela Venezuela, onde a empresa fornecedora White Martins localizou uma carga disponível. O regime do presidente Nicolás Maduro, com quem Bolsonaro não mantém relações, liberou o apoio, o que gerou um constrangimento ao Planalto.

A demissão de Ernesto Araújo tem um custo para o presidente. Ao desalojá-lo do Palácio Itamaraty, Bolsonaro corre risco de desapontar apoiadores radicais que veem no embaixador um dos últimos ministros olavistas da Esplanada. Ele é cada vez mais popular nesses grupos nas redes sociais e difunde discursos que caem no gosto da nova direita conservadora. A militância reclamou da demissão a contragosto do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub. Exonerado por disparar ameaças contra ministros do Supremo, ele ganhou uma saída honrosa ao ser indicado para cargo no Banco Mundial.

O chanceler deu palanque a blogueiros e youtubers bolsonaristas, que ganharam espaço e divulgação oficial por meio de seminários e debates promovidos pela Fundação Alexandre de Gusmão. “O legado do Barão (do Rio Branco, patrono da diplomacia) está bem guardado: soberania, segurança, grandeza da nação. Só estamos ameaçando o legado da política terceiro mundista, muito ‘pragmática’ em financiar tiranos e facilitar criminosos, obsequiosa ao multilateralismo antinacional, desdenhosa do povo brasileiro”, escreveu o chanceler, em recado há três dias.

Atritos com embaixador chinês

Araújo ficou marcado ainda por se indispor com o embaixador chinês, Yang Wanming, ao intervir em atritos criados por comentários entendidos como ofensivos do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Araújo não questionou Eduardo e repreendeu o chinês. Em textos, o ministro também classificou o ex-presidente Donald Trump como potencial “salvador” do Ocidente e usou o termo “comunavírus”, numa referência que ecoou as acusações de negligência de Pequim e especulações sem prova de que o vírus teria sido criado e ocultado pelo Partido Comunista Chinês.

A manutenção de Araújo, por outro lado, se torna mais cara com mudança na Casa Branca, onde é visto como “trumpista”. A divergência com o discurso de Biden é evidente. Enquanto o presidente norte-americano condenou a invasão do Capitólio por “terroristas domésticos”, como chamou extremistas incitados por Trump, o chanceler brasileiro lamentou as mortes de 6 de janeiro, mas escolheu outras palavras. Falou em “cidadãos de bem” e cogitou a hipótese de haver elementos “infiltrados”. Para ele, parte do povo americano se sentiu “agredida e traída pela classe política”.

O embaixador Todd Chapman, dos Estados Unidos, mudou o tom com a derrota de Trump e, num recado ao Palácio e ao Itamaraty, pediu “atenção às palavras” nas comunicações entre Bolsonaro e o gabinete democrata de Joe Biden. Com trânsito livre no governo brasileiro, ele também falou em “respeito” e pediu adesão à realidade. Questionado sobre a narrativa de fraude eleitoral nos EUA endossada por Bolsonaro, respondeu em conversa com jornalistas que não é correto espalhar informações falsas.

O chanceler tem promovido algumas moderações para ganhar sobrevida. Um exemplo foi a carta em tom diplomático enviada por Bolsonaro a Biden. Os americanos entenderam o tom da missiva como “construtivo”, mas cobram avanços concretos em questões de atrito, como a política do meio ambiente. Diplomatas ponderam que Araújo é profissional de carreira e, como tal, está acostumado a transições de governo, podendo moldar o discurso e se adaptar às circunstâncias políticas. Além disso, fez carreira ligado a temas de EUA, serviu no país e conhece a política de Washington. 

Na última sexta-feira, Araújo disse ao SBT sentir-se feliz e tranquilo no cargo. “Abundam fake news de maneira impressionante em Brasília”, respondeu, quando indagado sobre sua demissão. Afirmou que Bolsonaro lhe dá segurança desde o primeiro dia no cargo e confia no seu trabalho. Aproveitou para se colocar como capaz de permanecer à frente do Itamaraty, dizendo ter “condições de implementar a política externa que o presidente quer”.


Ricardo Noblat: Bom dia, general Hamilton Mourão, vice-presidente do Brasil

Prenda a respiração

Governos de países do primeiro mundo já teriam caído com a revelação de que pessoas estão morrendo nos seus domínios há mais de uma semana por falta de oxigênio.

Segure a respiração o máximo de tempo possível. E em seguida, tente ir um pouco além. Sentiu o pavor que tomaria conta de você? É assim que já morreram cerca de 40 habitantes de Manaus.

A falta de oxigênio matou, ontem, pelo menos 7 pessoas em Coari, cidade a 360 quilômetros de Manaus. E começou a matar também em pequenas cidades do Pará.

Em Faro, município de 12 mil habitantes na divisa com o Estado do Amazonas, morreram asfixiadas 6 pessoas de uma mesma família. Outras foram transferidas para Itaituba, área de garimpo.

É dramática a  situação de mães internadas em maternidades prestes a dar à luz, e de bebês que dependem de respiração artificial para seguir  lutando pela vida.

Há 49 bebês em UTIs de hospitais de Manaus. A produção de oxigênio na cidade é de 28 mil metros cúbicos por dia. Na semana passada, por dia, o consumo bateu a casa dos 70 mil.

Como é possível que tudo isso esteja em curso no Norte e as populações das demais regiões do país apenas se mostrem condoídas, abaladas e, se muito, solidárias?

Somente uma gigantesca operação de socorro, montada pelo governo federal, capaz de mobilizar todos os seus recursos, poderá deter a mortandade cruel de mais inocentes. Cadê?

Avisado desde novembro sobre o colapso iminente do sistema de saúde do Amazonas, o Ministério da Saúde mal se mexeu. Informado que faltaria oxigênio, mexeu-se aquém do necessário.

Eduardo Pazuello, o general especialista em logística militar, visitou Manaus há 10 dias. A ocasião serviu para que ele voltasse a recomendar o tratamento precoce à base de cloroquina.

Serviu também para que ele adiantasse ao governador o nome do futuro superintendente do Ministério da Saúde no Amazonas: Paulo Ricardo Loureiro. Não é médico, mas coronel da infantaria.

O que se conhece por vacinação em massa resume-se até agora a  milhões de pessoas aflitas no aguardo de vacinas que não se sabe quando estarão disponíveis.

A Índia mandou dizer que seus clientes preferenciais são os países que a cercam. A China não deu sinal da remessa de insumos para a fabricação da vacina que Bolsonaro tanto execrou.

Talvez não falte boa vontade à China, o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. Sobra gente por lá que precisa ser vacinada. Mas por que facilitar a vida de um presidente que só a agride?

Donald Trump tinha cacife para maltratar a China porque era presidente dos Estados Unidos. Bolsonaro nunca teve, e nem tem mais Trump para chamar em sua defesa.

O Congresso está de recesso. Em modo virtual desde o início da pandemia há nove meses, só se materializará em 1º de fevereiro para eleger os novos presidentes da Câmara e do Senado.

De férias, o Supremo Tribunal Federal teve o cuidado de escalar três ou quatro ministros para despachar casos urgentes. Mas eles só podem agir se provocados como manda a lei.

Na verdade, o Dia D e a Hora H do desembarque nos Estados das tropas de imunizadores do general Pazuello nem tem dia nem hora marcados para de fato acontecer.

Segure, portanto, a respiração se você preza por sua vida e pela vida dos outros. Bolsonaro admitiu em um rasgo de modéstia: “Não vou dizer que sou um excelente presidente, mas…”

Não há governo, há só um arremedo. E dificilmente haverá pelos próximos dois anos, salvo se… Bom dia, general Hamilton Mourão, vice-presidente do Brasil.

 Augusto Aras acena com o fantasma do Estado de Defesa

Nota com jabuti

Pressionado por milhares de e-mails que o acusam de omissão, e criticado duramente por isso nas redes sociais, Augusto Aras, Procurador-Geral da República, soltou uma nota oficial para se defender – e nela pendurou um tremendo jabuti.

Usou vários parágrafos para dizer que atos ilícitos cometidos por autoridades da “cúpula dos poderes da República” durante a pandemia — e que gerem responsabilidade — devem ser julgados pelo Congresso – e até aí, nenhuma novidade.

Mas quer dizer: não contem com ele para investigar se o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, cometeram crimes de responsabilidade. Não que falte poderes a Aras para isso, ele simplesmente não quer investigar.

O jabuti ocupou dois robustos parágrafos:

“O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa. A Constituição Federal, para preservar o Estado Democrático de Direito e a ordem jurídica que o sustenta, obsta alterações em seu texto em momentos de grave instabilidade social. A considerar a expectativa de agravamento da crise sanitária nos próximos dias, mesmo com a contemporânea vacinação, é tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional.

Neste momento difícil da vida pública nacional, verifica-se que as instituições estão funcionando regularmente em meio a uma pandemia que assombra a comunidade planetária, sendo necessária a manutenção da ordem jurídica a fim de preservar a estabilidade do Estado Democrático”.

O que diz a Constitução sobre o estado defesa:

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

I – restrições aos direitos de:

a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

b) sigilo de correspondência;

c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.

3º Na vigência do estado de defesa:

I – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial;

II – a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;

III – a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;

IV – é vedada a incomunicabilidade do preso.

4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta.

5º Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias.

6º O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa.

7º Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa.

Quando a presidente Dilma Rousseff estava para cair, estrelas do PT consultaram o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, sobre a eventualidade adoção do estado de defesa. Os militares apoiariam a medida? A confusão nas ruas era grande.

Villas Bôas sentiu cheiro de golpe no ar. E negou o apoio das Forças Armadas.


Hamilton Mourão: Tudo pela Amazônia!

A sociedade confiou no governo Bolsonaro e nós daremos a resposta que ela espera

Há dois anos tomavam posse o 38.º presidente e o 25.º vice-presidente do Brasil, com a convicção de haver muitos desafios a ser enfrentados num Brasil desmotivado, machucado por recorrentes crises políticas e econômicas e que se envergonhava ao olhar no espelho e ver refletidos tantos episódios de desentendimentos e corrupção.

A Amazônia sofria com a ausência do Estado, projetos inconsistentes e crenças ambientais equivocadas que por anos foram deliberadamente plantadas e cultivadas na mente dos brasileiros como verdadeiras. Por ser uma região distante e de difícil acesso, que poucas pessoas de fato conheciam, muitas acabaram aceitando essas verdades criadas por especialistas de suas vontades, plantadas como “boas sementes” e cuidadosamente regadas até criarem raízes.

No lugar de árvores, as verdades plantadas germinaram ervas daninhas, que, como é da natureza da espécie, se alastraram rapidamente, trazendo danos incalculáveis, que impediram o desenvolvimento sustentável da Amazônia e de seu povo, enclausurando-os em estufas isoladas do resto do Brasil, com infraestrutura e serviços públicos insuficientes e acesso mínimo a avanços econômicos, tecnológicos e científicos, como os providos à Região Centro-Sul, agregando à distância geográfica o distanciamento econômico e social entre essas regiões. Pouco pela Amazônia...

Reconhecendo a necessidade de coordenação de esforços e maior presença do Estado em prol de preservação, proteção e desenvolvimento sustentável da Amazônia, o presidente Bolsonaro recriou, em 11/2/2020, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (Cnal), delegando-me a tarefa de conduzi-lo. A gestão efetiva da porção brasileira da Amazônia constitui enorme desafio, só comparável à dimensão da maior floresta tropical do planeta, que ocupa cerca de 60% do território nacional. Desde então, trabalhamos incessantemente, buscando integração e prioridade dos diversos projetos, ações e políticas relacionados àquela área.

Também nos dedicamos a ouvir, unir esforços e estabelecer diálogo com líderes políticos, estaduais, empresariais, sociais, estrangeiros, formadores de opinião, instituições científicas, academias e comunidades locais, em prol da melhoria dos índices de sustentabilidade e desenvolvimento humano, enxergando a Amazônia como um todo – fauna, flora, riquezas minerais, hídricas e pessoas, num quadro de desafios, mas também de muitas oportunidades.

Conduzi três reuniões com os ministérios que compõem o Cnal. Articulei com Estados e municípios a cooperação e gestão integrada e compartilhada de políticas públicas entre as três esferas de governo. Com exceção do Tocantins, visitei todos os Estados da Amazônia Legal para conhecer suas realidades, ouvir as preocupações e demandas de governadores e sociedade e alinhar ações. Apresentei a embaixadores estrangeiros os verdadeiros índices brasileiros de preservação ambiental (84% da vegetação nativa na Amazônia e 66% em todo o território nacional) e os levei para verificar in loco a complexidade, os desafios, oportunidades e projetos da região. Articulei parcerias público-privadas. Ouvi os anseios de grupos representativos da sociedade civil e comunidades locais, considerando suas percepções e necessidades no desenvolvimento dos trabalhos e planejamento de ações futuras. Contribuímos para o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Criamos a Comissão Brasileira da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, permanente do Cnal. Buscamos a retomada do Fundo Amazônia e novas fontes de financiamento, entre outras iniciativas.

Estruturamos diversos instrumentos norteadores para a região e os trabalhos do conselho, como Mapa Estratégico e Plano de Comunicação do Cnal, Iniciativas Estratégicas Prioritárias, Plano de Ações Imediatas e, em finalização, o Plano de Coordenação e Integração de Políticas Públicas e o Plano Estratégico 2020-2030, documento orientador para as ações dos ministérios que integram o Cnal, representando um pacto a favor da Amazônia e compromisso com o fortalecimento das ações governamentais na região.

Com atuação no campo da Operação Verde Brasil 2, com as Forças Armadas em apoio aos órgãos de segurança e fiscalização estaduais e federais, avançamos no combate a crimes ambientais e outros ilícitos, obtendo resultados expressivos, como na apreensão de madeira ilegal (187,147 m3), embarcações (1.518), minerais (154.050.045 kg), drogas (392 kg), tratores (261); e nos índices de desmatamento, que estão em queda desde junho, na faixa de 20% a 30%, com exceção de outubro, que teve um pico, mas voltando a cair 44% em novembro em relação ao mesmo período de 2019.

Em 2021 continuaremos atuantes, aperfeiçoando nossos esforços em benefício da Amazônia e das gerações presentes e futuras, tendo como prioridades o monitoramento e o combate a crimes ambientais e fundiários, fortalecimento das agências ambientais, incremento de fontes de financiamento, regularização fundiária e ordenamento territorial e estímulo à inovação e à bioeconomia.

A sociedade brasileira confiou no governo Bolsonaro e nós daremos a resposta que ela espera: tudo pela Amazônia, enxergando a Amazônia como um todo!

VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Folha de S. Paulo: Bolsonaro tem relação de adversário com Mourão, em postura similar à de Dilma

Presidente tem evitado fazer consultas ao vice e desautoriza declarações públicas do general

Gustavo Uribe e Julia Chaib, Folha de S. Paulo

No comando do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão pretendia solicitar ao presidente Jair Bolsonaro que o escalasse para liderar a representação brasileira na COP-26, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que será promovida em novembro, no Reino Unido.

A intenção do general de fazer o pedido, porém, foi informada previamente ao presidente por integrantes do governo. Irritado com o militar da reserva, o mandatário se antecipou.

"E deixar bem claro: quem vai representar o Brasil lá é você”, anunciou o presidente ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em live semanal promovida no início deste mês.

O veto do presidente ao general é o episódio mais recente em uma escalada de desgaste na relação entre Bolsonaro (sem partido) e Mourão (PRTB).

O presidente sempre fez questão de salientar, em conversas reservadas, que nunca confiou totalmente no general, mas agora, de acordo com assessores palacianos, ele passou a considerar o militar da reserva uma espécie de adversário.

A relação conturbada, que se agravou nos últimos meses, é comparada por deputados governistas à fase final do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando ela passou a ignorar e a desconfiar de seu vice-presidente Michel Temer (MDB).

Como reação, Temer enviou, na época, carta a Dilma na qual a acusou de mentir e de transformá-lo em um "vice decorativo".

Em postura similar à da petista, Bolsonaro tem evitado consultar Mourão sobre questões estratégicas, desautorizado de forma indireta declarações públicas do general e criticado em reservado a disposição do vice-presidente em responder a perguntas da imprensa sobre assuntos diversos, muitos sem relação com as suas atribuições no governo.

No gabinete do presidente, o militar da reserva ganhou o apelido de Walter Casagrande, uma referência ao ex-jogador de futebol conhecido por fazer comentários sobre diferentes temas. Segundo assessores do governo, Bolsonaro avalia que, ao fazer declarações quase que diárias, muitas delas em contraponto às dele, Mourão tenta se apresentar como uma alternativa de poder.

Em conversas com militares próximos, que foram relatadas à Folha, Mourão tem refutado, no entanto, a intenção. Ciente da piora na relação com Bolsonaro, o general sinalizou recentemente a intenção de submergir neste fim de ano. E de, no começo do próximo ano, iniciar movimento de reaproximação com o presidente, inclusive por meio de uma conversa presencial.

Para integrantes da cúpula militar, um gesto de pacificação seria estratégico para que o presidente repensasse a decisão de não escalar Mourão para representar o Brasil na COP-26.

Além disso, o aceno poderia ser uma oportunidade para que o general pedisse ao presidente mais participação da equipe ministerial na preservação da floresta amazônica.

Segundo assessores presidenciais, ao longo do ano o vice-presidente se deu conta de que reduzir o número de queimadas e as taxas de desmatamento é mais difícil do que ele imaginava.

Além disso, ele demonstra sinais de frustração com o pouco engajamento da equipe ministerial na discussão de políticas para o desenvolvimento das populações locais.

O anúncio sobre a COP-26 não foi o único episódio recente de tensão entre Bolsonaro e Mourão. Na terça-feira (8), em discurso no Palácio do Planalto, o presidente deu um recado indireto ao vice-presidente.

Segundo ele, ninguém fala com o presidente sobre a tecnologia do 5G “sem antes conversar com o ministro Fábio Faria”, do Ministério das Comunicações.

No dia anterior, em palestra na Associação Comercial de São Paulo, o vice-presidente havia afirmado que o Brasil pagará mais caro caso a empresa chinesa Huawei não forneça equipamentos na transição para a nova tecnologia, posição compartilhada pelas operadoras de telefonia, mas refutada pelo núcleo ideológico do Palácio do Planalto.

No mês passado, o presidente também se irritou com o militar da reserva após ele ter reconhecido, em conversa com a imprensa, a vitória do democrata Joe Biden nas eleições americanas. Aliado do republicano Donald Trump, derrotado na disputa eleitoral, Bolsonaro ainda não parabenizou o vencedor.

Como mostrou a Folha em outubro, Bolsonaro não pretende disputar a reeleição ao cargo com o general como candidato a vice-presidente. A intenção já foi inclusive, de acordo com assessores palacianos, informada ao militar da reserva por interlocutores do presidente.

Uma hipótese avaliada por Mourão é concorrer ao cargo de senador pelo Rio Grande do Sul.

Para militares do governo, uma candidatura dele no estado do Sul poderia até mesmo, se bem articulada, ter o apoio de Bolsonaro, que contaria com um palanque forte em um importante colégio eleitoral.

A insegurança de Bolsonaro em relação a Mourão não é uma exceção na postura do presidente com sua equipe de governo. O mandatário ganhou a fama no Palácio do Planalto de ser um presidente ressabiado e centralizador, com dificuldades de confiar em sua equipe de ministros.

A desconfiança permanente remonta ao tempo do serviço militar. Segundo velhos aliados, Bolsonaro tinha como hábito olhar embaixo do carro para checar se alguém poderia ter instalado uma bomba na intenção de cometer um atentado.

No Palácio do Alvorada, com receio de ser grampeado pela sua própria equipe, ele evita ter conversas de caráter reservado na área externa da residência oficial. Para assuntos sigilosos, prefere o espaço privativo, onde instalou uma espécie de escritório vizinho ao dormitório presidencial.​​


Janio de Freitas: 'No Brasil não existe racismo', fala de Mourão, é a mais racista das frases

Considerar que inexiste racismo é dizer que discriminação compõe tratamento correto aplicado pelos brancos e merecido pelos negros

“No Brasil não existe racismo.” Essa é a mais racista das frases entre nós. Seu autor é um general, um dia eleito presidente do Clube Militar como reconhecimento às suas manifestações extremistas. Com a elevação à liderança do radicalismo de direita, no mesmo ano foi indicado pelo comando do Exército para completar a candidatura de Jair Bolsonaro, assim chegando à mais alta condição atual de um militar brasileiro —general-vice-presidente da República.

Considerar que inexiste racismo no Brasil é dizer que toda a discriminação social sofrida pela negritude, sua desvalorização remuneratória, a maior vitimação nas ações policiais, a proporção maior na pobreza, e tanto mais, compõem um tratamento correto aplicado pelos brancos e merecido pelos negros. Em tal caso, o que é racismo, raiz da violência mais disseminada no tempo e no planeta, seria considerado o humanamente normal e o legalmente adequado para os negros. É o que a sentença do general-vice proclama.​

Nos últimos anos, temos convivido com uma forma de poder em que se combinam a anti-ideia, a obturação dos canais da percepção, a disfunção da experiência, a recusa ao conhecimento e à compreensão. Não é exclusividade do Brasil, Trump e metade dos Estados Unidos mostram-se com autenticidade, para engasgo dos que jamais quiseram vê-los como são. Aqui, porém, chega a parecer que os últimos anos cumprem programas perversos para exibir as cruezas da realidade.

É o que faz o batalhão de generais na ativa do governo e adjacências. Caso houvesse um programa para arruinarem a imagem do Exército, não seria diferente do que nos mostram. O Exército que chegou ao governo Bolsonaro era um, outro é o que a opinião pública vê. Bolsonaro, até na volta ao “capitão”, e Exército se entrelaçam. A noção, entre militares, desse dano institucional ficou perceptível em referências à desvinculação entre Exército e governo. Embora sem efeito, que palavras não desfazem esse nó muito cego.

Ao contrário, a coisa até se complica. Como as eleições de agora insinuam. Os resultados suscitam muitas interpretações diferentes, mesmo opostas, e ainda assim não desprezíveis. Está visto que o centrão e a direita tiveram segmentos de ganho, o status do DEM elevou-se e fortaleceu-o bastante. Mas Boulos, Manuela D’Ávila e Marília Arraes, entre outros, revelam recuperação de saúde surpreendente, e promissora, da esquerda. É muito e não é tudo. Só com o segundo turno haverá maior nitidez da nova disposição de forças. Exceto em um caso, que dispensa a espera.

Bolsonaro é o derrotado. O importante, no entanto, é não se tratar só dele, em pessoa. É o dispositivo de que ele é o ativador, nem sabe por quê. O crescimento de partidos como o PSL, o PP e o PSD é de correntes que, apesar de identificações ideológicas, são caras e inconfiáveis. Dos candidatos que apresentaram o sobrenome Bolsonaro, só o filho Carlos se elegeu, em devastadora perda de energia do símbolo no eleitorado. Perdas e inseguranças assim são numerosas.

E outras serão decorrentes.

As perspectivas para 2021 não são simpáticas a soluções dos problemas que crescem. Não o são também, portanto, à rejeição a Bolsonaro, já em 50% em São Paulo, e ao derrotado dispositivo. Lembra o lugar-comum que Bolsonaro passa e o Exército fica. Caso não haja mesmo a recuperação, as perdas não serão iguais para as duas partes enlaçadas. Daí que Exército não deva se ligar a governo, sendo instituição do Estado. Ideia clássica e lembrada agora, com muito aplauso na imprensa, pelo comandante do Exército. Mas não foi na história do Brasil que o general Edson Pujol se baseou.

CO-AUTORIA

O governo do Rio Grande do Sul também é responsável pela monstruosidade que assassinou João Alberto Silveira Freitas. Policial militar temporário é excrescência. Inconstitucional e já repudiada pelo Supremo. Apesar disso, mantida pelo governador Eduardo Leite, para ver agora, na pessoa de um temporário assassino, o resultado de sua própria excrescência.


Míriam Leitão: Muitas dimensões de uma derrota

A maior derrota do presidente Jair Bolsonaro é no campo das ideias. Ele defendeu o descuido com a vida, o eleitor premiou quem a defendeu. Ele quis extremismo, o eleitor, moderação. Ele ofende minorias, e as urnas elevaram a diversidade das câmaras de vereadores. Ele administra de forma errática, o eleitor quis boa gestão. Ele ameaça a democracia, o eleitor a defendeu. Sua derrota tem várias dimensões. A mais importante está ligada à pandemia. O “e daí?” pra vida dos brasileiros levou uma surra nas urnas.

Saiu perdedora a ideia de que sem estrutura partidária, com apenas os filhos e a milícia digital, ele poderia decidir o voto dos brasileiros. O principal recado do eleitor foi o de que confia na democracia e no sistema eleitoral, alvos contra os quais dispara constantemente. Ontem, voltou a atacar, logo cedo, depois de uma confessada noite mal dormida.

É natural que perdedores apresentem versões para atenuar as dimensões da derrota. E foi isso que fizeram ontem o presidente e seu vice, Hamilton Mourão. Bolsonaro disse que ganhou a direita conservadora e que a esquerda perdeu. Mourão disse que “sem uma estrutura partidária fica difícil”, e que ele “não entrou de cabeça”.

Há vários erros nessa reação. Quem implodiu a própria estrutura partidária foi Bolsonaro. E por quê? Porque ele sempre desprezou os partidos, esteve em 10, levou o PSL a ter a segunda maior bancada e o maior fundo eleitoral. Esse capital eleitoral foi destroçado pelo presidente e seus seguidores. Em dois anos, o PSL virou um nada. Repete o PRN de Collor, de existência curta. Com o Aliança, ele colheu a maior derrota da história da criação de partidos. A visão falsa dos fatos é a forma de Bolsonaro negar aos seus seguidores que ele seja um derrotado, que de fato é. O segundo turno de São Paulo, entre o PSDB e o PSOL, é apenas o exemplo mais visível disso.

Houve um aumento da representatividade de negros, mulheres, pessoas trans, grupos que ele ofende de forma jocosa. Desses grupos, Bolsonaro tira tudo. Internamente, nega-lhes o apoio de políticas públicas, externamente tira-lhes a voz com uma diplomacia estreita e alinhada aos países mais preconceituosos e fundamentalistas. Nesse aspecto, é dupla a sua derrota. Primeiro, os grupos que quer apagar da política ganharam mais espaço nas câmaras de vereadores. Segundo, esse aumento de representação amplia a democracia, que ele tem tentado minar. A democracia se fortalece quando é capaz de ter pessoas de todos os grupos da sociedade dentro dos espaços de decisão. São mais valiosos ainda nesse processo os que entendem a importância de combate às velhas discriminações. Pessoas negras que neguem o fosso racial histórico — visível, inegável — acabam tendo um efeito bumerangue. A mesma coisa ocorre no caso de mulheres que defendem a submissão aos homens. Consolidam o que se deve combater.

O presidente amanheceu admitindo não estar bem. É compreensível. Mas, mesmo indormido, permanece incansável no ataque à democracia. Ontem, voltou a dizer que o sistema brasileiro de apuração de votos, através da urna eletrônica, não é confiável. “Se nós não tivermos uma forma confiável de apurar as eleições, a dúvida vai permanecer”, disse ele disseminando mais uma vez a dúvida sobre o sistema brasileiro. Desacreditar a apuração é o método — aqui e nos Estados Unidos — de conspirar contra a própria democracia. O que houve foi que o sistema brasileiro foi atacado mas não foi atingido. Bolsonaro prometeu apresentar provas de que houve fraude na eleição que ele venceu em 2018. Nunca as apresentou.

Há muitas contas provando que ele é o derrotado nas eleições. Em São Paulo, o fiasco foi imenso. Na maior cidade do Brasil os dois candidatos confirmaram na primeira fala após o resultado que são contra as suas ideias. Bruno Covas (PSDB) deixou isso claro quando falou em “tolerância, valores democráticos e respeito à diversidade religiosa”. Seu adversário, Guilherme Boulos (PSOL), disse que era uma vitória contra Bolsonaro. Os balanços não deixam dúvidas de quem é o derrotado nesta eleição. Mas o mais importante não é um governo de estado a mais ou a menos, mas a ampla consagração das ideias de moderação, diversidade, boa gestão e proteção da vida ameaçada pela pior pandemia em um século, cuja gravidade ele ignora.


Eliane Cantanhêde: Sem saliva, sem pólvora

Como Geisel e Aureliano, Mourão dá um choque de realidade nos absurdos

A ira despudorada do presidente Jair Bolsonaro não é só contra o futuro presidente da maior potência do planeta e o governador do principal Estado do Brasil, mas também contra o seu próprio vice-presidente, o general de quatro estrelas Hamilton Mourão, que parece, no íntimo, se divertir com o descontrole e os absurdos do presidente, que vira piada mundo afora.

“Quando acaba a saliva, tem de ter pólvora.” A patética ameaça de Bolsonaro foi dirigida a Joe Biden, mas poderia ter sido para Mourão, já que os dois estão sem se falar. Acabou a saliva e sobrou a pólvora entre eles, lembrando João Figueiredo e Aureliano Chaves. A diferença é que Figueiredo era general e Aureliano, civil; Bolsonaro é capitão e Mourão, general.

O último presidente do regime militar também era destrambelhado, não raro ridículo, mas não estimulava golpistas, nunca ameaçou presidente nenhum, muito menos o dos EUA, nem pôs a saúde dos brasileiros em risco por ignorância e autoritarismo. O médico sanitarista Paulo Almeida Machado foi muito bem no Ministério da Saúde.

Figueiredo também abandonou o governo para lá, mas na ditadura não havia votos nem reeleição e ele não se lançou nos braços do “Centrão” da época e não saiu agredindo o Guaraná Jesus e as pessoas como “maricas” e “boiolas”. Quanto mais Figueiredo afundava no ridículo, mais Aureliano liderava a dissidência, civil e logo militar, pela redemocratização.

Por trás disso, impunha-se a autoridade do general Ernesto Geisel, que antecedeu Figueiredo, patrocinou sua ascensão à Presidência e depois se tornou fator decisivo para acordar as Forças Armadas contra o desmando, a bagunça e o próprio Figueiredo. Entre o Brasil e o seu apadrinhado, Geisel ficou com o País.

Em outras dimensões e circunstâncias, Mourão tem mais diplomacia do que Geisel e Aureliano, mas corrige e tenta justificar o presidente e sua força é sua fraqueza: Bolsonaro não engole as comparações com seu vice, homem culto, que morou fora, fala línguas, gosta de livros, história e geopolítica. Como não suporta as comparações, Bolsonaro não suporta o próprio Mourão.

Quando o presidente desmentiu o general Eduardo Pazuello e disse que o governo não compraria a vacina “da China” ou “do Doria”, Mourão declarou: “Vai comprar, sim. Lógico que vai”. Quando o presidente fez birra e se recusou a cumprimentar o vitorioso nos EUA, Mourão foi mais ameno: ele deve estar esperando o resultado oficial…

Do outro lado, só pólvora. Bolsonaro já descartou Mourão em 2022, disse que não gasta saliva com o vice sobre assunto nenhum e ontem atacou uma proposta feita pelo Conselho da Amazônia como “mentira” do Estadão, que a publicou, ou “delírio” de “alguém do governo”. Bem… o conselho é presidido por Mourão.

Está em estudo a expropriação de terras de quem cometer crime ambiental e o presidente, furioso, disse que “o Brasil não é socialista/comunista” e que demitiria o autor – “a não ser que seja indemissível”. Só há um indemissível no governo. Logo, a pólvora teve destino certo.

Bolsonaro diz que sua vida “é uma desgraça”, ataca tudo e todos, isola-se no mundo, no País e nas suas patologias, com pólvora, armas, ameaças e zero medo do ridículo. Sobram o Centrão, que pula fora num estalar de dedos, a “ala ideológica”, dos filhos enrolados e um punhado de bobos, e os militares, que fazem o “toma lá (cargos), dá cá (apoio)” que sempre condenaram nos políticos.

Mourão cria horizonte para o Centrão, desdenha de filhos e ideológicos e repete Geisel no fim da ditadura, dando um choque de realidade nos militares. Não é à toa que Sérgio Moro inclui o vice nas articulações que se dizem “de centro” e para 2022, mas são de resistência. Bolsonaro passou dos limites.