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O Estado de S. Paulo: 'O grande inimigo do meio ambiente é a pobreza', diz Guedes, em Davos

Ministro da Economia discursou na manhã desta terça-feira, 21, em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial

Célia Froufe, enviada especial, O Estado de S.Paulo

DAVOS - O ministro da EconomiaPaulo Guedes, disse, na manhã desta terça-feira, 21, durante o painel "Shaping the Future of Advanced Manufacturing", realizado durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), que o grande inimigo do meio ambiente é a pobreza. "Destroem porque estão com fome", justificou o brasileiro.

Em outro momento do mesmo evento, ele disse que o mundo precisa de mais comida e salientou que é preciso usar defensivos para que seja possível produzir mais. "Isso é uma decisão política, que não é simples, é complexa", afirmou. Ainda sobre o tema, Guedes disse que a busca dos humanos é sempre pela criação de vidas melhores. Ele ressaltou, porém, que "somos animais que escapamos da natureza".

O ministro disse que o Brasil está criando um ambiente melhor para os negócios e que é preciso agora qualificar as pessoas para terem um emprego no sistema, que está mais tecnológico. "Num país como o Brasil, que está um pouco atrás (em relação às inovações), temos um pouco de preocupação", lamentou, acrescentando que a primeira ação a ser feita é acabar com os "obstáculos".

Ele também falou sobre os três centros que o Brasil está criando para se aproximar das atividades do Fórum Econômico Mundial. Um é ligado à promoção da educação, da pesquisa acadêmica e a ligação com as pessoas de negócios. O outro é um acelerador de qualificações. "Há habilidades para ampliar como as coisas estão se colocando no mundo. Estamos aderindo ao comitê do Fórum e basicamente trazendo pessoas que estão na fronteira", comentou.

Para Guedes, a inovação vem ocorrendo no mundo por meio de um processo descentralizado, mas a busca é fazer com que o País se integre a esse sistema. "Para um País como o Brasil é ainda mais crucial, pois precisamos ter a certeza de que teremos um ambiente de negócios, acadêmico, que permita conhecimento", salientou.

Durante o evento que falava sobre as inovações tecnológicas da última geração, Guedes citou que, ao contrário do que os americanos dizem, foi o Brasil que criou o avião, pelas mãos do inventor Santos Dumont. Ainda sobre descentralização, ele citou que Israel se desenvolveu em tecnologia, mas que o país não conta com escala. "Nós temos escala, agora precisamos investir em educação", afirmou. "Podemos atingir isso se tivermos educação e mais conexões."

Para trás na globalização 

Brasil ficou para trás em relação ao acompanhamento das modernidades do mundo, na avaliação do ministro da EconomiaPaulo Guedes, expressa no painel “Shaping the Future of Advanced Manufacturing”, realizado durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça). “Perdemos a grande onda da globalização e da inovação, então essa mudança vai levar um tempo (para ocorrer no Brasil), mas estamos a caminho”, afirmou.

O ministro fez um trocadilho com um neologismo em inglês sobre o futuro da indústria no mundo. “O futuro da manufacture (indústria, que tem origem na palavra mão em Latim) será a mindfacture (uma expressão que funde as palavras mente e indústria)”, afirmou. O principal, de acordo com ele, será instruir os trabalhadores para que estejam preparados para um novo mundo no mercado de trabalho.

Antes de seu discurso, o ministro ressaltou que teve uma reunião “muito positiva” com o engenheiro alemão fundador e CEO do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab. “Dissemos a ele que queremos estreitar o relacionamento do Brasil com o Fórum Econômico Mundial. Queremos lançar pelo menos umas três iniciativas”, disse ao Estadão/Broadcast rapidamente, sem entrar em detalhes.


Leandro Colon: Datafolha reforça quais devem ser as prioridades de Bolsonaro

Guedes deveria aproveitar para falar menos e entender que deve focar na economia

Os brasileiros desconfiam das declarações de Jair Bolsonaro, mas estão otimistas com a economia. E os ministros Sergio Moro e Paulo Guedes lideram como os mais conhecidos na Esplanada ao término do primeiro ano de governo.

Bolsonaro entrará em 2020 sem o benefício de poder cometer erros comuns de um começo de gestão. Ademais, o presidente precisará controlar seus desejos de conduzir impulsiva e desmedidamente temas de relevância interna e externa.

O Datafolha mostra que os brasileiros estão preocupados com o desemprego, a melhoria da saúde e da educação, o desempenho da economia e o crescimento do país e fiam-se nas expectativas em torno dos ministros da Economia e da Justiça.

No caso de Moro, menos pela performance na pasta e mais pelo rescaldo de popularidade que o ex-juiz da Lava Jato levou para Brasília. A dificuldade em aprovar no Congresso suas bandeiras do pacote anticrime e o vazamento de mensagens trocadas com integrantes da operação não abalaram a imagem de Moro.

Ao mesmo tempo, o ministro parece ter superado os estranhamentos políticos com Bolsonaro, sendo inclusive cotado para uma eventual vaga de vice na chapa para 2022.

Segundo o Datafolha, 43% dos brasileiros acham que a economia vai melhorar no curto prazo. A taxa de aprovação do trabalho da equipe de Paulo Guedes subiu de 20% para 25%.
Guedes deveria aproveitar os dados da pesquisa para entender que seu trabalho é tentar tirar o país do atoleiro, avançar nas reformas, e não sair por aí falando barbaridades autoritárias, como a da volta do AI-5.

Assim como Bolsonaro poderia refletir (se é que costuma fazê-lo) sobre o índice de 80% da população que diz desconfiar de suas declarações.

Não à toa, 28% avaliam que seu comportamento nunca é condizente com o cargo de presidente —e 25% acham que ele se comporta adequadamente apenas algumas vezes.

O Datafolha reforça as prioridades urgentes do país e a necessidade de Bolsonaro cuidar somente delas.

*Leandro Colon, Diretor da Sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo.


Maria Clara R. M. do Prado: Pacote de Guedes, erros e acertos

Ignorância, indigência, falta de esgoto, saúde precária e violência nunca foram estímulos para o desenvolvimento

O pacote de três PECs - proposta de emenda constitucional - encaminhado pelo governo na semana passada ao Congresso suscitou reações antagônicas entre os economistas brasileiros. Festejadas pelos analistas do mercado financeiro, as propostas foram recebidas com ressalvas, e até mesmo com algumas sérias críticas, por economistas do meio acadêmico ou vinculados a instituições de pesquisa.

O ponto de discórdia não está no objetivo maior de promover o ajuste nas contas do setor público, pois, quanto a isto, estão todos de acordo, mas no método de passar uma régua de forma linear nas despesas, independentemente do caráter que tenham e das consequências para o país no médio e longo prazos. Ou seja, questiona-se a visão do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a função do governo é a de equilibrar receitas com despesas, sem considerar a qualidade das despesas sacrificadas.

Cortar gastos com pessoal de uma administração direta inchada e custosa não é o mesmo que comprometer despesas com serviços fundamentais para o desenvolvimento do país como educação, saúde e segurança. A finalidade maior dos recursos captados na forma de impostos não se restringe à sustentação da máquina do setor público pura e simplesmente. Afinal, o governo não existe para proveito próprio.

Nessa linha, fazem sentido as medidas contidas nas PECs destinadas a abater o tamanho do governo, como a redução de 25% da jornada de trabalho dos servidores públicos, com a concomitante queda equivalente de salário, sempre que as despesas ultrapassarem 95% das receitas, situação caracterizada como de emergência.

Também são defensáveis as intenções de acabar com o aval da União nos empréstimos tomados por Estados e municípios, além da extinção dos municípios com menos de cinco mil habitantes, cuja arrecadação própria não alcance 10% das despesas.

Não se sabe se as propostas serão exequíveis. O corte de 25% do salário do servidor público em consonância com a redução da jornada de trabalho tem potencial para se transformar em uma ruidosa mobilização do funcionalismo contra o governo. Não é um ponto de fácil tramitação no Congresso, ainda mais no escopo de uma mudança constitucional.

A extinção de municípios também é tema sujeito a pressões políticas, sem falar no desaparecimento do aval da União para Estados e municípios. Quanto a este último, seria preciso que viesse acompanhado de uma profunda reforma federativa e tributária. Sem isso, não se vislumbra como funcionaria na prática, em especial na esfera estadual, cujo principal imposto, o ICMS, está intimamente atrelado ao comportamento da atividade econômica. Uma alternativa seria ampliar a “autonomia” dos Estados para que criem livremente seus próprios impostos, mas certamente isso não agradaria à União.

Há aspectos que ainda não estão claros, como a revisão da isenção de impostos a determinados segmentos. Em tese, pode englobar desde títulos privados de renda fixa negociados no mercado financeiro como o imposto de renda sobre a aposentadoria de doentes terminais com câncer, Aids, Parkinson, entre outras. Também não se sabe ainda que fundos o governo vai extinguir para alocar os recursos na dedução da dívida pública.

A mais polêmica de todas é a proposta que flexibiliza os gastos com educação e saúde para a União e para os Estados, de modo a que os recursos sejam distribuídos mais livremente. Os Estados poderiam aplicar naqueles dois setores, a seu critério, os 25% e os 12% do orçamento hoje obrigatoriamente destinados à educação e à saúde, respectivamente. Isso abre uma grande brecha para que a educação pública brasileira, que já é ruim, fique ainda pior.

Todos sabem que o ministro Guedes é um neoliberal autêntico, convicto de que os pobres consomem todos os recursos que recebem por não saberem poupar. No entanto, se tivesse tempo para ler o estudo “Síntese de Indicadores Sociais - uma análise das condições de vida da população brasileira - 2019”, divulgado este ano pelo IBGE, órgão subordinado ao seu ministério, o ministro depararia com uma realidade incontestável.

Em 2018, 25,3% da população brasileira vivia com rendimentos inferiores a US$ 5,50 PPC (paridade do poder de compra), aproximadamente R$ 420 mensais, ou cerca de 44% do salário mínimo então vigente. Abrange um universo de cerca de 53 milhões de pessoas, um potencial enorme de gente para a ampliação do mercado e da renda no país. O IBGE também apurou que 6,5% da população recebeu no ano passado rendimento inferior à linha de US$ 1,90 PPC por dia, usada como corte para a definição de pobreza. Equivale a 13,5 milhões de pessoas, superior à população da Bélgica, Grécia e Portugal.

Apesar de ainda ser visto com preconceito, além de sujeito a opiniões sectárias de quem insiste em confundir alhos com bugalhos, o tema da distribuição de renda há muito deixou de limitar-se aos discursos das esquerdas e das igrejas para ganhar os bancos acadêmicos. É apontado hoje como um dos principais motivos do atraso econômico pelo fato objetivo de inviabilizar o aumento da produtividade no país, como destacou Edmar Bacha na conferência da Academia Brasileira de Letras sobre “O que falta ao Brasil?”, em agosto deste ano.

Também o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, tem se dedicado à análise da questão. “O combate à desigualdade é mais do que um imperativo moral - é condição necessária para a construção e execução de uma agenda de crescimento sustentável e inclusivo”, diz ele no paper “Estado, desigualdade e crescimento”, rechaçando os erros de 1960 e 1970, quando se defendia crescer primeiro para depois distribuir. Para enfatizar a importância da distribuição de renda, Armínio destaca no texto que há 60 anos o PIB per capita brasileiro não cresce em comparação com o dos Estados Unidos, “tendo caído nos últimos 40 anos”. Para ele, uma resposta eficaz ao quadro de estagnação desigual “passa obrigatoriamente por aumento dos investimentos públicos nas grandes áreas sociais: educação, saúde, infraestrutura, saneamento, transportes, segurança e meio ambiente”.

Ignorância, indigência, falta de esgoto, saúde precária e violência nunca foram estímulos para o desenvolvimento, em nenhuma parte do mundo.


Míriam Leitão: Guedes x Maia: razões de cada um

Guedes atacou o Congresso para evitar nova desidratação na reforma e Maia reagiu se afastando de um governo ‘usina de crises’

O ministro Paulo Guedes ficou dois dias engasgado. Não engoliu a mudança nas regras de transição que favoreceram a elite do funcionalismo, mas o que ele detestou mesmo foi a retirada da capitalização. Tentou ficar em silêncio, mas não se segurou e atacou o Congresso. O deputado Rodrigo Maia tinha que reagir. Ao fazê-lo passou recados estratégicos e uma alfinetada: disse que pode fazer a capitalização, menina dos olhos de Guedes, pelas mãos da oposição. Mais precisamente do PDT.

Guedes acha que ao dar declarações duras conseguiu criar um impedimento a novas desidratações da reforma. Rodrigo Maia, ao responder duramente, se distancia mais do governo, essa “usina de crises”, como definiu. Para o ministro da Economia, a capitalização era o início do seu projeto econômico para o país, mesmo que isso pareça a quem o ouve como muito abstrato. Para o presidente da Câmara dos Deputados, se a capitalização continuasse no projeto, poria tudo a perder.

A discussão da capitalização sempre foi sobre o futuro. Na reforma havia um pedido para que o Congresso autorizasse o governo a apresentar uma proposta. Se autorizasse, o novo regime não precisaria ser por emenda constitucional. Desde o começo dessa tramitação, o ministro da Economia falava mais da capitalização, uma hipótese sem contornos definidos, do que sobre a proposta concreta que apresentara. Isso gerou horas de discussões ociosas, que deveriam estar dedicadas aos novos parâmetros da atual previdência.

Para o ministro, o novo regime permitiria que os trabalhadores passassem a fazer o que os ricos já fazem: capitalizar seus fundos para o futuro. Se isso acontecesse, na visão dele, o país conseguiria democratizar o ato de poupar, criar empregos, aumentar a eficiência dos investimentos e elevar a produtividade do trabalho. Tudo parece resolvido quando ele desenha o futuro com a capitalização.

Na Câmara, no entanto, o que se diz é que o ministro errou desde o começo ao defender o modelo chileno, que está neste momento sendo alterado: não tinha a contribuição patronal e passará a ter. Introduzir esse novo sistema é uma questão muito complexa. As perguntas feitas insistentemente pelos parlamentares nunca foram respondidas, sobre o custo da transição e sobre as bases em que ela será oferecida.

O deputado Mauro Benevides era o economista-chefe da campanha de Ciro Gomes em 2018. Foi o primeiro a falar do sistema de capitalização e enfrentou uma onda de perguntas difíceis sobre o assunto. Minucioso, ele se debruçou e desenhou uma proposta, cuja explicação era árida demais para uma campanha eleitoral. Ontem ela foi providencial para Maia.

— Se a capitalização não está nessa proposta, ela no segundo semestre pode ser aprovada. Até porque os partidos de esquerda têm uma ótima proposta de capitalização, do deputado Mauro Benevides — disse o deputado.

Paulo Guedes acusou o Congresso de ter privilegiado os funcionários do Legislativo que ganharam regras de transição mais suaves para os servidores de antes de 2003. Esse é o grupo que não foi atingido pela reforma do ex-presidente Lula, em 2003. O relatório do deputado Samuel Moreira permitiu que quem tem menos de dez anos para se aposentar, seja no setor público, seja no setor privado, escape da idade mínima de 62 e 65 anos, pagando um pedágio de 100% do que ainda falta para se aposentar hoje. Guedes acha que isso custou R$ 30 bilhões e que, ao ampliar para o regime geral, a conta ficou em R$ 100 bilhões.

— Cederam às corporações e abortaram a Nova Previdência — disse o ministro.

Rodrigo Maia respondeu lembrando as concessões feitas na reforma dos militares, que foi enviada junto com um aumento dos soldos e adicionais. Do ponto de vista líquido, permite uma economia de R$ 10,4 bilhões. Isso é um terço do esforço que os mais pobres fariam se fosse mantida a mudança do BPC.

— O projeto de lei (com a reforma) das Forças Armadas é que pressionou as corporações em cima do Parlamento. Mas criamos a regra de transição porque acreditamos que ela é justa — disse Maia.

O fato é: governo e Legislativo cederam às corporações, mas a proposta ainda permite uma economia de pouco mais de R$ 800 bilhões. O problema é que a tramitação está só começando e outras concessões podem acabar sendo feitas. No Brasil, quem tem mais poder sempre soube se fazer ouvir.


José Roberto de Toledo: O presidente inseguro

Enquanto Guedes e Mourão tratam do que importa, Bolsonaro demite civis do segundo escalão

Quem assegura o presidente? Jair Bolsonaro mandou demitir a suplente de uma comissão de segundo escalão para provar que ainda manda. Ilona Szabó havia sido nomeada horas antes por Sérgio Moro para um cargo simbólico, sem poder nem salário. Daria aparência de diversidade a um governo que – como o episódio provou – se preocupa mais com as redes antissociais do que com a sociedade. Mas bastou uma campanha contra ela no Twitter para Bolsonaro ignorar seus conselheiros, desmoralizar Moro e mandar o ministro demiti-la.

Queimou, assim, mais um punhado de fichas de seu declinante cacife político – e sem ganhar nada com isso: nenhum voto a mais no Congresso, nenhum simpatizante que já não fosse convertido.
Não, não foi apenas uma demissão. Foi ato de quem carece de autoafirmação. O presidente agiu em defesa da própria autoridade, numa tentativa de impor a aceitação de seu poder por quem o cerca. É atitude de quem se acha fragilizado ou de quem busca se libertar de algum tipo de tutela. Qual governante faz isso com dois meses no cargo? E pela segunda vez em poucas semanas? Sim, porque a demissão de Szabó tem a mesma matriz que levou à defenestração precoce do ministro Gustavo Bebianno.

Nos áudios de WhatsApp da conversa que ele disse não ter tido com o ministro, ouve-se Bolsonaro invocar o próprio cargo – “como presidente da República” – para mandar Bebianno cancelar um encontro e uma viagem também desimportantes. Como se precisasse lembrar a si próprio e aos subordinados quem é quem.

Tanto uma quanto outra demissão nasceram da paranoia antiesquerdista de Bolsonaro e família. Da necessidade de perseguir inimigos reais ou imaginários para afirmar a própria identidade. Mas, se fosse só isso, a reação intempestiva do presidente seria acalmada por conselhos temperados de assessores mais experientes e racionais. Sua intransigência mesmo quando confrontado com o desgaste que imporia ao próprio governo é sinal de que a insegurança presidencial tem causa mais complexa.

Talvez Bolsonaro precise de episódios assim para perceber-se empoderado. Enquanto o agora único superministro Paulo Guedes comanda a reforma da Previdência, enquanto o vice Hamilton Mourão se junta aos demais presidentes sul-americanos para tentar evitar um conflito armado na Venezuela, Bolsonaro vai ao hospital, participa de cerimônias decorativas ou mofa no palácio. Demitir civis desimportantes é uma compensação.

Os generais que avalizaram a chegada de Bolsonaro à Presidência devem estar se perguntando quantos outros surtos libertários do presidente eles terão que administrar daqui pra frente. Quem será o próximo sacrificado para assegurar ao chefe que ele é respeitado, que manda, que faz e acontece? E essa próxima vítima vestirá terno, toga ou farda?

Além de tornar evidentes as fragilidades do governo, a demissão forçada de Szabó escancarou a passividade de Moro diante do clã Bolsonaro. O subministro já parecia titubeante ao ter que investigar os laranjas do PSL e as conexões milicianas. Agora, desautorizado publicamente pelo presidente, optou pelo cargo à própria autoridade. Deu mais um passo do laranjal ao bananal.

Aonde tudo isso vai dar? Já está dando. Em apenas um mês, Bolsonaro perdeu dez pontos de popularidade. Uma pesquisa feita no fim de janeiro e que nunca chegou a ser divulgada dava 67% de aprovação ao presidente. A da CNT, feita um mês depois, apontou 57%. Significa que Bolsonaro ainda tem a aprovação da maioria, mas está gastando à toa e rápido demais o estoque de boa vontade dos brasileiros. E faz isso antes de um momento crítico, quando precisará de popularidade para convencer deputados e senadores das mudanças que quer fazer no sistema de aposentadorias e pensões.

Como tubarões que sentem uma gota de sangue no mar, os congressistas perceberam a fragilidade do governo, impuseram uma derrota simbólica revogando um decreto presidencial e estão exigindo contrapartida em cargos e emendas ao orçamento. Já os grupos de pressão e lobbies corporativos vão cobrar sua parte em exceções e privilégios na reforma da Previdência. As demissões autoafirmativas de Bolsonaro custam caro. E, a se repetirem, custarão muito mais.

Quem segura o presidente?

*José Roberto de Toledo, Jornalista da piauí, foi repórter e colunista de política na Folha e no Estado de S. Paulo e presidente da Abraji


Malu Delgado: Mais Brasília, menos Brasil

Sob FHC e sob Lula, alguns conselhos marcaram a história

Exatos 15 dias separam a data de criação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em 16 de março de 1964, do golpe militar. Nem mesmo sob a ditadura houve a ousadia de admitir abertamente a extinção do colegiado. Relatos da época comprovam, obviamente, manobras do governo militar para esvaziar e controlar politicamente o conselho que defendia os direitos humanos. Ainda que desidratado, o CDDPH sobreviveu à ditadura. Hoje, após uma luta de quase duas décadas no Congresso, foi transformado, pela Lei 12.986, em Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em 2014, com definições claras sobre a paridade dos membros, mandatos, eleição e, sobretudo, suas atribuições.

Significa dizer que nem com caneta Bic ou Montblanc, caso se queira dar mais glamour à medida, o CNPH poderá ser extinto por decreto presidencial, ainda que Jair Bolsonaro já tenha associado direitos humanos a "politicagem", "bandidagem" e "esterco da vagabundagem". O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afeito a bravatas, antecipou a pedido do chefe que "todos os conselhos que existem nos últimos anos" serão revisados pelo atual governo. São centenas de colegiados, alegou o ministro, "todos eles com um volume muito grande de pessoas, o que traz custos para a administração pública".

O pente-fino dos conselhos está em curso e pouco se sabe sobre o assunto, definido a portas fechadas no Palácio do Planalto. É difícil crer, pelas circunstâncias, que o governo vai analisar em profundidade o mérito das atividades por muitos destes colegiados que expõem as disparidades de um Brasil que está a léguas de distância da burocracia do Planalto Central, parafraseando o presidente, que passou a campanha prometendo "Mais Brasil e menos Brasília".

A canetada do primeiro dia de governo, a Medida Provisória 870, extinguiu o Consea, Conselho Nacional de Segurança Alimentar. A atuação do colegiado foi fundamental para que o Brasil passasse a ter uma política nacional de segurança alimentar e nutricional. Políticas públicas implementadas com ajuda do Consea permitiram, por exemplo, que a merenda escolar tivesse 30% de produtos de agricultura familiar. Inclusões produtivas de pequenas comunidades foram impulsionadas.

O Brasil deixou o Mapa da Fome em 2014, de acordo com relatório global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO): de 1990 a 2014, 84,7% dos brasileiros deixaram a situação de subalimentação. O Consea também travou embates sérios sobre o uso abusivo de agrotóxicos. São exemplos de medidas práticas, com resultados favoráveis ao Brasil. Talvez nem tanto a Brasília. Mas essa história foi apagada pela Bic de Bolsonaro.

Para evitar que a carga de uma caneta que parece bastante cheia possa produzir danos irreversíveis, a Mesa Diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos vai estar com a ministra Damares Alves amanhã, em Brasília. Como o CNDH tem paridade entre representantes da sociedade civil e do governo federal, estarão na audiência também representantes da Defensoria Pública da União, do Ministério Público e da Secretaria Nacional da Cidadania, ligada à pasta da ministra.

Damares se mostra disposta a receber entidades da sociedade civil, mas quem passou por seu gabinete nas primeiras semanas de governo reparou mais na vestimenta azul que a ministra insiste em usar do que em seu discurso obsessivo sobre a "família brasileira". Tem também preocupação peculiar em enfatizar que sua pasta não desmontou a estrutura de proteção a direitos da população Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (LGBTI). Pouco se escuta, em seu gabinete, sobre população ribeirinha, população em situação de rua, população carcerária, liberdade de expressão, povos indígenas e quilombolas, conflitos fundiários, racismo, trabalho em condições análogas à escravidão. Ou seja, setores em que os direitos humanos são flagrante e constantemente violados, o que reflete muito do que é o Brasil.

O presidente do CNDH, Leonardo Pinho, vai enfatizar à ministra a necessidade de o conselho ser preservado, agir com autonomia e ter o reconhecimento do governo federal, para que trabalhem em parceria e em favor do Brasil. A lei de 2014 previu dotação orçamentária ao colegiado, mas a liberação da verba depende, mais uma vez, da caneta - neste caso a da ministra Damares.

Na vida real, fora dos gabinetes de Brasília, o Conselho Nacional de Direitos Humanos mandou missões, em 2017, a áreas indígenas com alto grau de violência. Em 2018, conselheiros foram ao Vale do Ribeira, em que um processo de titulação de terra quilombola agravava ainda mais os conflitos agrários locais. Em Anapu (Pará), o CNDH interveio em disputas envolvendo extração ilegal de madeira. Em 2018, a atuação do colegiado foi fundamental para assegurar a aprovação da Lei 13.769, que alterou o Código de Processo Penal para permitir que mulheres gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou com deficiência tivessem o direito de substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar. A lei surgiu depois que uma missão do CNDH visitou mulheres detidas em presídio do Distrito Federal e constatou situações de desrespeito a direitos humanos a mulheres gestantes ou lactantes.

O presidente da CNDH está disposto a ter um "papo reto" com a ministra Damares, como gosta o governo. Os conselheiros acham que é preciso esgotar todas as possibilidades de diálogo e aguardar ações concretas do governo federal. Sob Lula e FHC, o Consea e o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), respectivamente, marcaram a história. Em 2014 o Brasil deixou o Mapa da Fome, mas brasileiros voltaram a enfrentar o desnutrição no triênio 2015-2017, como constatou a ONU recentemente. Em 1995, FHC reconheceu a existência de trabalho escravo no Brasil e criou o Conatrae para combater esse drama. Bolsonaro terá que definir qual registro histórico quer deixar sobre sua relação com esses conselhos.