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Merval Pereira: Com a boca na botija

 “Prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa”. Essa é a lista de crimes e ações administrativas ilegais que o suposto auxílio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) à defesa do senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente da República, pode acarretar, na opinião da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, que mandou que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, saísse de sua inércia para investigar o caso.

Aras havia considerado “grave” a denúncia do repórter Guilherme Amado, da revista Época, confirmada por outros órgãos de imprensa, mas disse que não era possível tomar providências, pois não havia provas. Foi o que a ministra Carmem Lucia mandou que fizesse: investigar para tentar descobrir tais provas, ou demonstrar que a denúncia é inepta.

A situação é muito grave, as próprias advogadas de defesa do senador Flavio confirmaram que receberam dois relatórios sobre como atuar na tentativa de invalidar as provas conseguidas pelo Ministério Público do Rio sobre a “rachadinha” no gabinete de Flavio da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, coordenada pelo notório Fabricio Queiroz.

Elas alegam que não seguiram nenhuma das sugestões, pois estariam fora de sua capacidade de intervenção. Da mesma maneira que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, admitiu que participou de uma reunião no gabinete do presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto, ao lado do diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, e das advogadas de Flávio Bolsonaro para tratar do assunto.

Segundo Heleno, como o assunto não dizia respeito à segurança institucional, como achava anteriormente, mandou que não se fizesse nada. O General Heleno e o delegado Ramagem, assim como as advogadas do senador Flavio, agiram como o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, que admitiu que fumou maconha, mas garantiu que não tragou.

De acordo com a revista eletrônica Crusoé, os relatórios partiram do delegado Marcelo Bormevet, apelidado de “homem do capitão” devido à proximidade com Jair Bolsonaro desde que participou, com Ramagem, da segurança pessoal do então candidato eleito. Uma reunião com órgãos de inteligência governamental para tratar de problemas legais do filho do presidente é, no mínimo, desvio de finalidade e improbidade administrativa.

Um dos documentos, conseguido pela Época e confirmados por outras publicações, tinha um título explícito: "defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj, demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB". A sugestão que as advogadas comentam que estava fora de seus controles se referia à substituição de "postos", provavelmente da Receita Federal, lembrando que desde 2019 haviam sugerido esse procedimento: "Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir os postos conforme relatório anterior.

Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca repercussão em processo interno na RFB [Receita Federal]".

As investigações do Procurador-Geral Augusto Aras não serão difíceis. Basta que ele requisite às advogadas cópias dos relatórios que elas confirmam ter recebido. A gravidade da situação já levou a que a palavra “impeachment” volte a circular no Congresso, e deu tons mais dramáticos à sucessão da presidência da Câmara dos Deputados, que é quem dá início a um processo desse tipo. O atual presidente, Rodrigo Maia, tem mais de 30 pedidos de abertura do processo de impeachment contra o presidente, nenhum tão grave e consubstanciado quanto este, que o futuro presidente da Câmara terá certamente que avaliar.


Gabriela Prioli: Os arroubos de Jair são propositais

Presidente ampliou seu poder na Abin, acusada agora de ajudar na defesa de Flávio Bolsonaro

Era abril desse perturbador 2020 quando o então ministro da Justiça Sergio Moro convocou uma coletiva para comunicar a sua saída do governo. Disse que não poderia mais continuar, pois teria ouvido expressamente do presidente da República que ele “queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente”. Era a admissão da tentativa de aparelhar a Polícia Federal. Segundo Moro, Bolsonaro queria só uma das 27 superintendências da PF, a do Rio.

Moro saiu do governo rompido com Bolsonaro e sua acusação gerou o inquérito no âmbito do qual o STF decidiu pelo acesso ao vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril.

Na ocasião, Bolsonaro reclamava da falta de informações e dizia querer trocar alguém da ponta da linha: “Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”.

E foi o que ele tentou fazer. Bolsonaro nomeia Alexandre Ramagem para a direção geral da Polícia Federal em 27 de abril e Alexandre de Moraes barra a nomeação no dia 29. Mas Bolsonaro, nas suas palavras, não poderia ser surpreendido com notícias. Não podia viver sem informação.

Sem Ramagem na PF, restou ao presidente ampliar o seu poder dentro da Abin. No dia 30 de julho de 2020, Bolsonaro assinou o decreto 10.445 eliminando condicionantes para a requisição de informações pela Abin que constavam no decreto anterior (vejam, no STF, a ADI 6529).

A Abin dirigida por Ramagem atualmente se vê envolvida em acusações de atuar para ajudar na defesa do senador Flávio Bolsonaro. Voltemos à reunião de 22 de abril. O presidente disse expressamente: “Não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu”. Enquanto isso, o Brasil, sem a condução da Presidência no enfrentamento à pandemia, segue distraído pelos arroubos de Jair.


Merval Pereira: O quebra-cabeça

A versão de que o presidente se referia à sua segurança pessoal não se sustenta, pois quem cuida dela é o GSI

A novela da reunião ministerial só terá seu fim se o ministro Celso de Mello autorizar a divulgação integral do vídeo. Só assim será possível entender o contexto em que as frases foram ditas.

Além do mais, a disposição do presidente Jair Bolsonaro de distribuir uma versão oficial editada dos melhores momentos contribui para toldar mais ainda o ambiente político.

A versão de que o presidente se referia à sua segurança pessoal não se sustenta, pois quem cuida dela é o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado pelo General Augusto Heleno com homens do Exército e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Se sua insatisfação fosse nesse âmbito, quem deveria ter sido demitido seria o General, não Moro. E o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Abin. Ao contrário, Ramagem foi indicado por Bolsonaro para comandar a Polícia Federal, com vastos elogios.

Essa versão, que surgiu do nada, de repente, após a exibição do vídeo, foi corroborada pelo chefe do Gabinete Civil, General Braga Neto. Mas não casa com o que aconteceu depois da reunião. O então ministro Sergio Moro, logo depois da reclamação do presidente em termos agressivos, deixou a reunião.

Depois, procurou os três ministros de origem militar que trabalham no Planalto – General Augusto Heleno, General Braga Neto e General Luiz Eduardo Ramos – para mostrar sua indignação com a tentativa de Bolsonaro de intervir na Polícia Federal. Segundo confirmação nos depoimentos, os ministros palacianos pediram que ele se acalmasse, e aceitasse as mudanças.

Se tivessem entendido que a preocupação do presidente era com sua segurança pessoal, por que não tentaram acalmar Moro dizendo que a reclamação não era contra ele, mas contra o General Heleno?

Além do mais, Bolsonaro admite que falou em segurança de seus familiares e aliados. Desde quando aliados do presidente têm direito a segurança institucional? Não é bom esquecer a mensagem que Bolsonaro enviou a Moro, com uma informação do site O Antagonista reproduzindo uma notícia sobre uma coluna minha que informava que 10 a 12 deputados bolsonaristas estavam na mira da Policia Federal no inquérito do Supremo sobre fake news. Bolsonaro escreveu: “Mais um razão para a mudança”.

Tudo indica que será difícil arquivar esse processo, pois as provas se acumulam. O constitucionalista Gustavo Binemboim, muito antes do caso do vídeo da reunião ministerial, escreveu um artigo em que explica os padrões decisórios consolidados para situações de incerteza no direito processual penal: in dúbio pro societate (em dúvida, a favor da sociedade), pelo recebimento da denúncia, no início do processo; in dúbio pro réu (em dúvida, a favor do réu) quando do julgamento final.

“Na instauração da ação penal, prefere-se correr o risco de processar suposto inocente a inocentar possível culpado. No veredicto final, havendo dúvida razoável, prefere-se inocentar eventual culpado a condenar virtual inocente”.

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é o dono da ação penal, e cabe a ele fazer uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou arquivar o processo. Ele está pressionado pelas duas partes. Por um lado, a pressão interna dos procuradores é pela denúncia, depois de terem visto o vídeo e interrogado as testemunhas. Há informações de que, ao receber os primeiros detalhes sobre o vídeo, o Procurador-Geral soltou um palavrão de espanto diante dos relatos.

De outro lado, o Palácio do Planalto pressiona Aras com recados indiretos. O presidente Bolsonaro teria comentado com pessoas próximas que o Procurador-Geral seria um bom nome para uma vaga do Supremo Tribunal Federal, mas a indicação dependeria de sua atuação.

Toda investigação é um quebra-cabeça que vai sendo montado peça por peça, e se alguma for esquecida, não se forma a figura final. O Procurador-Geral da República, por isso, não pode deixar de levar em conta as atitudes pregressas do presidente Bolsonaro, que desde agosto fala publicamente que queria mudar a superintendência da Polícia Federal do Rio. E também não pode deixar de analisar o ambiente todo da reunião ministerial.

Bolsonaro disse que em nenhum momento se referiu à Policia Federal, já os ministros Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos dizem que ele falou, sim, mas em outro momento da reunião, em outro contexto. É preciso ver o vídeo inteiro para juntar as peças do quebra-cabeça. Um bom passatempo na quarentena.


O Globo: Ao lado de generais, Bolsonaro defende fala sobre militares e democracia

Presidente realizou transmissão ao vivo com ministro do GSI e porta-voz da Presidência

Daniel Gullino, o Globo

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro recorreu nesta quinta-feira ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, para defender sua fala de que a democracia e a liberdade "só existem quando as Forças Armadas querem". Bolsonaro realizou uma transmissão ao vivo em uma rede social, ao lado de Heleno e do porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros. Tanto Heleno como Rêgo Barros são generais do Exército.

Bolsonaro disse que sua declaração, feita durante cerimônia da Marinha no Rio de Janeiro, está dando origem às "mais variadas interpretações possíveis", e perguntou a Heleno, descrito como alguém "mais antigo, mais idoso, mais experiente", se ele considerou a frase polêmica.

— É claro que não. Isso não tem nada de polêmico, ao contrário. Suas palavras foram ditas de improviso, para uma tropa qualificada, e foram colocadas exatamente para aqueles que amam a sua pátria, aqueles que vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade, e exortando para que continuem a fazer o papel que vem fazendo, de serem os guardiões da democracia e da liberdade — afirmou Heleno.

O ministro do GSI disse que houve uma tentativa de distorcer a frase de Bolsonaro e ressaltou que a democracia não é um "presente" das Forças Armadas:

— Tentaram distorcer isso como se fosse um presente das Forças Armadas para os civis. Não é nada disso. As Forças Armadas são, por determinação constitucional e legal, os detentores do emprego legal da violência.

Heleno usou a situação da Venezuela para exemplificar seu ponto de vista e afirmou que o presidente Nicolás Maduro apenas continua no poder porque os militares do país "estão segurando" ele.

Rêgo Barros citou o cientista político americano Samuel Huntington para também defender a atuação dos militares brasileiros:

— O controle civil objetivo, propugnado por Samuel Huntington, advoga que as Forças Armadas devem ser a fortaleza desse controle civil. Naturalmente, as Forças Armadas brasileiras já o são, por defenderem veementemente a democracia.

Segundo o presidente, os militares passarão a ser tratados com "dignidade e respeito", o que, de acordo com ele, não acontecia nos governos anteriores:

— Os militares, diferentemente do que aconteceu nos últimos 20 anos, serão tratados com dignidade e com respeito. Afinal de contas, em todas as pesquisas, geralmente, as Forças Armadas estão em primeiro lugar na aceitação da opinião pública.

Bolsonaro anunciou que pretende fazer transmissões ao vivo todas as quinta-feiras, às 18h30. Duranta a campanha eleitoral, ele também costumava fazer transmissões semanais. A prática foi reduzida durante a transição de governo e havia sido abandonada após a posse. O presidente pediu para a população enviar dúvidas e sugestões:

— Gostaríamos muito que vocês apresentassem propostas, ideias, do que nós poderíamos fazer para atender a população e também, obviamente, deixar a vida de vocês mais fácil.


Míriam Leitão: Erros do governo na Amazônia

Generais se preocupam com o Sínodo católico sobre Amazônia, e ministro do meio ambiente ataca Chico Mendes. Os problemas da região são outros

Em termos de Amazônia, o atual governo está se especializando em criar falsas polêmicas, como se já não fossem suficientes os problemas que a região realmente enfrenta. O Planalto considera que é preciso monitorar uma reunião da Igreja Católica sobre Amazônia, porque entende que será um atentado à soberania brasileira na região se líderes católicos criticarem o governo. “Nós não damos palpite sobre o deserto do Saara, ou o Alasca”, disse ontem o general Augusto Heleno. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou um morto. Fez acusações irresponsáveis contra Chico Mendes, assassinado há 30 anos.

A vitória de Jair Bolsonaro se deveu em parte à forte militância dos líderes das igrejas evangélicas. O ideal é que nenhuma religião fizesse militância partidária e eleitoral, porque essa mistura de púlpito e palanque interfere no direito de escolha do eleitor. Contudo, qualquer denominação religiosa é livre para defender temas que achar mais coerente com seus valores. O mesmo grupo político que não se preocupou com o uso das igrejas evangélicas na caminhada eleitoral de Jair Bolsonaro agora acha perigoso o que a Igreja Católica discutirá no Sínodo sobre Amazônia a ser realizado em outubro, em Roma.

O Estado é laico. Isso todos sabem, mas é sempre bom lembrar nestes tempos em que ministros acham que podem fazer proselitismo religioso nas decisões de políticas públicas. As igrejas também são livres para terem as suas visões dos fatos. É delirante a ideia de que se houver críticas ao governo Bolsonaro a soberania do Brasil estará ameaçada. Primeiro, crítica ao governo não é atentado à pátria. Segundo, a Amazônia não é apenas brasileira, é um bioma que se espalha por nove países. Terceiro, a Igreja Católica vem alertando sobre a urgência de proteção do meio ambiente muito antes de haver o governo Bolsonaro. É de 2015 a Encíclica Laudato Si do Papa Francisco.

Em entrevista à repórter Tânia Monteiro, do “Estado de S. Paulo”, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), admitiu que há uma preocupação do Planalto com as reuniões preparatórias do Sínodo. Disse que o assunto “vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI”. E promete: “Vamos entrar fundo nisso.”

Melhor faria o GSI se aproveitasse a experiência que o general Heleno e outros integrantes da cúpula do governo acumularam quando serviram na Amazônia para entrar fundo nos problemas reais da região: a invasão de grileiros em florestas e parques nacionais, o desmatamento ilegal e predatório, a ameaça aos indígenas, a destruição da biodiversidade, os documentos falsos de propriedade de terra, o uso da região como rota do crime organizado.

As divergências que os especialistas de diversas áreas, as entidades do terceiro setor e eventualmente integrantes do clero tenham em relação às posições do governo Bolsonaro sobre questões ambientais e climáticas são apenas isso: divergências. Uma sociedade democrática é, por natureza, plural. As pessoas divergem, discutem, se manifestam, são convencidas, convencem, mudam de ideia. Hoje os partidos que se opõem à atual administração estão enfraquecidos em grande parte por seus próprios equívocos políticos. Mas isso não significa que o governo não enfrentará, na sociedade, vozes discordantes às decisões que tomar em qualquer área, principalmente nos temas mais sensíveis.

Os militares que comandaram o Exército brasileiro na Amazônia, e que hoje estão no governo, são pessoas inteligentes, preparadas e conhecem o terreno de andar nele. Quem não demonstra entendimento mínimo é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A acusação que fez a Chico Mendes desqualifica o próprio ministro e não o líder seringueiro. Salles fez no Roda Viva acusação sem prova, e sem fonte, contra quem não pode se defender. Disse que “as pessoas do agro da região disseram”. E o que disseram? “Que Chico Mendes usava os seringueiros para se beneficiar e fazia manipulação de opinião.” Sem fontes, sem fatos, a aleivosia do ministro do Meio Ambiente revela muito sobre o próprio ministro e o seu caráter.

Há adversários a enfrentar na Amazônia, os militares brasileiros os conhecem porque sempre estiveram presentes na região. Não é o Vaticano. Não é Chico Mendes.


O Estado de S. Paulo: Sínodo vira pauta de governo pela primeira vez nos últimos anos

Edição de 2019 que terá como tema principal a Amazônia começou a ser acompanhada pela Abin; entenda os conflitos de interesses do governo federal e da Igreja

Carla Bridi, de O Estado de S.Paulo

Agendado para outubro deste ano, o Sínodo da Amazônia virou pauta nos últimos dias após reportagem do Estado ter identificado documentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) relacionados a encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco sobre o evento. Para o governo brasileiro, as pautas discutidas pertencem a uma "agenda de esquerda", e servirão como base para críticas ao governo de Jair Bolsonaro durante o evento, que acontecerá no Vaticano.

Sínodo dos Bispos
Prelados rezam antes da abertura da sessão da manhã, no Vaticano. Foto: Alessandra Tarantino/AP
O Sínodo trata-se de um encontro de bispos de todo o mundo, convocado pelo papa, para discutir temas ou problemas relacionados à Igreja. Nos últimos anos, as Assembleias Especiais, categoria no qual está enquadrado o Sínodo da Amazônia, trataram de temas como África e Oriente Médio, realizadas respectivamente em 2009 e 2010.

Os eventos mais recentes foram classificados como Assembleias Gerais, podendo ser ordinárias ou extraordinárias. Em 2018, o tema discutido pelos cardeais foi "Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. Em 2014 e 2015, a pauta era “Os desafios Pastorais da Família no contexto da evangelização”. Não há uma peridiocidade fixa para a realização dos sínodos.

O objetivo principal que cerceia as discussões dos eventos, além de definir como a Igreja Católica pode intervir em conflitos, também tem como base sólida novas maneiras de catequese de grupos em regiões onde há empecilhos para a disseminação dos ideais católicos. Participam 250 bispos, em evento de 23 dias de duração no Vaticano. Dois pré-eventos também fazem parte da agenda, um já ocorrido no Peru em janeiro e um seminário agendado para março na Arquidiocese de Manaus.

Como aponta o texto, redigido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, “o objetivo principal desta convocação é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta".

Dividido em três subtítulos, "Ver", "Discernir" e "Agir", o material serve como uma orientação de análise dos povos amazônicos para depois definir o método de ação da Igreja Católica na região. Dos 13 autores do documento, três são brasileiros e membros da REPAM-Brasil.

"Agenda de esquerda". A preocupação expressa pelo general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que classificou pautas a serem discutidas no evento da Igreja como de "interesse da segurança nacional", reflete no alinhamento histórico do chamado "clero progressista" ao Partido dos Trabalhadores (PT).

O cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, d. Cláudio Hummes, era próximo ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Hummes também tem proximidade com o papa Francisco. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também apresentava alinhamento histórico a vertentes democráticas, na época da ditadura, e posteriormente ao PT, tendo apresentado afastamento no governo de Dilma Rousseff. Então candidata defensora da descriminalização do aborto, apresentou ideologia contrária a CNBB.

O secretário-geral da instituição, dom Leonardo Steiner, criticou a intenção de interferência governamental no evento, afirmando que é "da Igreja para a Igreja". Heleno, representando o governo federal, apontou preocupação com intervenção externa em assuntos domésticos, como é o caso da Amazônia brasileira. Dom Steiner ressaltou que oito países compõem a Floresta Amazônica, assim sendo difícil incluir a presença de representantes de diversas nações, como foi solicitado à CNBB pelo governo federal.

Em artigo publicado no site da CNBB sob a autoria de Dom Demétrio Valentini, Bispo emérito de Jales, consta que "alguns logo propuseram que, desta vez, o Sínodo fosse realizado em algum lugar da própria Amazônia. Mas logo se chegou à conclusão que, ao contrário, mais ainda o Sínodo sobre a Amazônia deveria ser realizado em Roma para mostrar que a Amazônia interessa ao mundo todo." Não há registros de representantes governamentais em nenhum dos últimos eventos.

O presidente Jair Bolsonaro tem histórico polêmico com representantes indígenas e questões relacionadas ao meio ambiente. A Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a ser vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em seu governo, gerando protestos de entidades indígenas. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) também foi deslocado para a pasta, gerando dúvidas sobre a demarcação de terras. A pretensão de saída do Brasil do Acordo de Paris também era um dos pontos do início do governo, revogado posteriormente pelo Ministério do Meio Ambiente, que inicialmente deixaria de ter o status de ministério.


O Estado de S. Paulo: Governo prepara pacote de obras para Amazônia

Projetos incluem ponte sobre o Rio Amazonas, hidrelétrica e extensão da BR-163 até o Suriname; militares querem marcar posição contra ‘pressões globalistas’

Tânia Monteiro e André Borges, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O governo vai começar o seu plano de desenvolvimento pela região amazônica e enviará três ministros ao oeste do Pará para avaliar investimentos de infraestrutura e definir grandes obras na região. A escolha não é casual. O avanço nessas áreas isoladas da floresta e na fronteira atende também a um compromisso de campanha do presidente Jair Bolsonaro de aumentar a presença do Estado no chamado Triplo A. Trata-se de uma área que se estende dos Andes ao Atlântico, onde organismos internacionais supostamente pretendem criar uma faixa independente para preservação ambiental.

A região é estratégica para os militares, que querem marcar posição contra o que chamam de “pressões globalistas”. Como parte dessa estratégia, os ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) desembarcam nesta quarta-feira, 13, em Tiriós (PA) para discutir com líderes locais a construção de uma ponte sobre o Rio Amazonas na cidade de Óbidos, uma hidrelétrica em Oriximiná e a extensão da BR-163 até a fronteira do Suriname.

A hidrelétrica teria, na avaliação do governo, o propósito de abastecer a Zona Franca de Manaus e região, reduzindo apagões. A ampliação da BR-163 – construída nos anos 1970, ainda inacabada e notícia por causa de seus atoleiros – cumpriria uma meta de integração da Região Norte. Já a ponte ligaria as duas margens do Amazonas por via terrestre, ainda feita por travessia de barcos e balsas. O projeto serviria como mais um caminho para o escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste.

Bebianno comparou as iniciativas à retomada do Calha Norte, projeto do governo José Sarney para fixação da presença militar na Amazônia. “A retomada do Calha Norte é fundamental para o Brasil como um todo. Estamos fazendo um mapeamento da região e vamos lá olhar pessoalmente”, afirmou o ministro ao Estado.

O movimento coincide com ação do governo para combater a influência do chamado “clero progressista” da Igreja Católica naregião. O pano de fundo é a realização do Sínodo sobre Amazônia, que será organizado em outubro, em Roma, pelo Vaticano. Entre os temas que serão discutidos estão a situação dos povos indígenas e de quilombolas e os investimentos na região – considerados “agendas de esquerda” pelo Planalto.

A última série de grandes investimentos na Amazônia ocorreu ainda no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o início das obras das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. Nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, os canteiros foram abandonados ou perderam o ritmo.

O Planalto justifica a escolha dos projetos com o argumento de que a população dos municípios da margem norte do Amazonas está abandonada e seu objetivo é implementar um plano de ocupação para estimular o mercado regional e definir um “marco” da política do governo de incentivo econômico.

Resistências. Um auxiliar de Bolsonaro afirmou que a presença dos ministros do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos na comitiva tem por objetivo reduzir eventuais ataques de ativistas e ambientalistas. A área delimitada para o início do plano estratégico é formada por reservas ambientais e territórios de comunidades isoladas, como a dos índios zoés, na região de Santarém.

 

Para tentar quebrar resistências, o governo vai incluir termos de responsabilidade socioambiental em todas as obras e firmar compromisso de diálogo com as comunidades locais. A equipe do presidente já antevê, no entanto, reações especialmente de países da União Europeia, que têm ligações com as entidades mais influentes da área de defesa da preservação da floresta.

Militares com cargo no governo recusam a comparação com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula com obras em todo o País, especialmente no Norte e no Nordeste. Ainda está prevista a retomada do projeto de revitalização dos afluentes do Rio São Francisco.

A viabilidade dos projetos de infraestrutura na Amazônia desenhados pelo Planalto esbarra numa série de dificuldades. As tentativas de se instalar uma usina no Rio Trombetas já fracassaram em outros governos por obstáculos socioambientais. O mesmo problema já comprometeu a continuidade da BR-163. A região é de mata densa, sem estradas. Seria necessário abrir uma rodovia na floresta, região marcada por áreas protegidas.

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‘Sínodo é encontro da Igreja para a Igreja’, diz secretário-geral da CNBB

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Um dia após o Estado revelar que o governo federal quer neutralizar potenciais críticas de líderes católicos ao presidente Jair Bolsonaro no Sínodo da Amazônia, encontro religioso convocado pelo papa Francisco, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, afirmou nesta segunda-feira, 11, que o evento é “da Igreja para a Igreja”.

“É um evento, uma celebração da Igreja para a Igreja. É claro, da Igreja para a Igreja, envolve toda a questão da Pan-Amazônia: os povos, o meio ambiente, toda essa realidade certamente será abordada”, disse dom Leonardo, em vídeo divulgado pela CNBB.

Conforme o Estado mostrou, o governo Bolsonaro acionou o Itamaraty para buscar interlocução com o Vaticano. Uma das tentativas era que um representante diplomático do Brasil participasse da reunião de bispos, o que causou reação negativa entre os religiosos brasileiros. Segundo ele, nunca houve políticos no evento. A Santa Sé é a responsável pela organização e qualquer convite passa pelo crivo do papa.

No vídeo, a CNBB reproduziu falas do papa Francisco explicando a importância do Sínodo da Amazônia. A entidade destacou que o encontro estava programado desde 2017 – ou seja, antes da eleição de Bolsonaro. Depois de uma série de reuniões preparatórias nas dioceses pelo Brasil, que despertaram a atenção da inteligência e dos militares, ocorrerá em outubro, em Roma, na Itália.

“Como ouvimos e vimos, o santo padre Francisco convocou um Sínodo para a Pan-Amazônia já em 2017. Neste ano, celebraremos o Sínodo para a Pan-Amazônia. Para isso, nós contamos com a presença e a oração de todas as pessoas do Brasil, mas também dos outros oito países que envolvem a Amazônia”, pede dom Leonardo. “O santo padre deseja que encontremos caminhos para evangelização.”


Oposição quer convocar general Heleno para explicar 'espionagem' de bispos
Deputado Marcio Jerry, do PCdoB, promete protocolar requerimento de convocação do ministro na Câmara; cabe a Maia convocar comissão

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A oposição ao governo Jair Bolsonaro quer convocar o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para prestar explicações das atividades de inteligência sobre o "clero progressista", reveladas pelo Estado. O Palácio do Planalto recebeu relatórios de inteligência com detalhes das reuniões de preparação do Sínodo da Amazônia, encontro religioso convocado pelo papa Francisco para outubro, em Roma, e tenta neutralizar o que considera uma brecha para críticas internacionais ao governo por parte de bispos brasileiros da Igreja Católica.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O deputado Marcio Jerry (PCdoB-MA) promete protocolar nesta terça-feira, 12, na Câmara, um requerimento de convocação do general Heleno. No entendimento do parlamentar, há "espionagem política das atividades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)".

O deputado pede que o plenário da Câmara aprove, por maioria simples, a convocação do ministro, conforme cópia do requerimento obtida pela reportagem. Se isso ocorrer, Heleno será obrigado a ir à tribuna da Casa para se pronunciar e depois responder aos questionamentos dos parlamentares. Cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), convocar a comissão para ouvir o ministro. Uma falta configura crime de responsabilidade.

O deputado Marcio Jerry comparou o monitoramento das reuniões católicas pelo governo a uma retomada de políticas do regime militar, ao justificar o pedido de convocação.

"Esse tipo de procedimento é muito grave e inadmissível num Estado Democrático de Direito, contraria as garantias constantes da Constituição Federal e precisa ser urgentemente explicado pelo governo. Se de fato a Presidência da República, por meio da Abin, estiver espionando e tratando a CNBB como 'inimiga interna', estará diante de um dos maiores escândalos deste começo de ano. É inaceitável a volta da 'doutrina da segurança nacional' utilizada de maneira nefasta pela ditadura banida do nosso País há três décadas", escreveu o deputado.


Forças Armadas consideram Triplo A como uma ‘ameaça’
Para alguns oficiais de Estado-Maior, pode ser uma 'das mais preocupantes' hipóteses de conflito do Brasil

Roberto Godoy, O Estado de S.Paulo

O Corredor Triplo A, ligação gigante entre os Andes, a Amazônia e uma linha larga no litoral do oceano Atlântico, é amplamente considerado, sempre como ameaça, entre os estudos estratégicos das Forças Armadas. Para alguns oficiais de Estado-Maior, pode ser uma “das mais preocupantes” hipóteses de conflito do Brasil. O quadro – que há cinco meses mereceu do ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas vigoroso comentário de alerta no Twitter (“Minha missão como comandante do Exército, preocupado com interesses nacionais, é indicar os riscos dessa proposta para o País”) – é tema de análises militares há cerca de 45 anos.

Nos anos 1970, ainda não era o Triplo A. Um grupo de entidades da Europa defendia a tese da declaração de um território em regime de administração especial para abrigar a etnia ianomâmi. Um dos argumentos da época era a preocupação com a preservação da matriz genética dos índios. A área pretendida era grande e estaria sobreposta a reservas naturais de metais raros. A ideia não pegou.

O modelo mudou até o atual AAA, desenhado pelo antropólogo americano Martin von Hildebrand, envolvendo 135 milhões de hectares, uma faixa que começa nos Andes, pega a parte norte do Rio Maranõn, no Peru, segue pela Amazônia do Equador e da Colômbia, abrange o Estado do Amazonas na Venezuela, entra pela Guiana, o Suriname, a Guiana Francesa, e segue pela calha dos rios Solimões e Amazonas. Nessa imensa passagem, a estimativa é de que haja perto de 1.200 terras indígenas distribuídas por sete países – um bolsão do tamanho de 1,2 milhão de km².


Ricardo Noblat: O risco de um Estado repressor

Sinais de que a democracia pode ser minada

O esforço bem intencionado de muitos em tentar normalizar o presidente Jair Bolsonaro e seu governo de extrema direita sofreu um duro golpe com a revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sob o controle do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, está de olho nas atividades do que chama de clero de esquerda da Igreja Católica.

E não só a ABIN, com escritórios em Manaus, Belém, Marabá e Boa Vista, já acionados. Relatórios a respeito também foram produzidos pelo Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e o Comando Militar do Norte, sediado em Belém. Trata-se, pois, de uma operação abrangente de inteligência que permite ao governo monitorar os passos de autoridades religiosas e de ONGs.

Em outubro próximo, sob a presidência do Papa Francisco, cerca de 250 bispos do Brasil, Peru, Venezuela e de outros países do continente se reunirão em Roma para discutir os principais problemas da Amazônia e dos povos que a habitam. O governo acha que isso representará encrenca certa para sua imagem lá fora e para a política ambiental que defende.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, no entendimento de generais que cercam Bolsonaro, a Igreja Católica por aqui sempre foi “um braço do PT” e, agora, com a derrota eleitoral colhida pelo partido no ano passado, ela imagina assumir de vez a liderança da oposição ao governo. O encontro em Roma é visto pelo general Heleno como uma clara “interferência em assunto interno do Brasil”.

O Ministério das Relações Exteriores pressionará o governo italiano para que interfira junto ao Papa em favor dos interesses do governo brasileiro. A embaixada do Brasil no Vaticano foi avisada de que deverá fazer o mesmo. Planeja-se a realização em Roma de um simpósio para divulgar as ideias ambientais de Bolsonaro na mesma data da reunião dos bispos com o Papa Francisco.

Onde no mundo das redes sociais, da economia globalizada, pode-se ainda falar em “assunto interno” ou exclusivo de um país? Nos Estados Unidos de Donald Trump, sob a suspeita de ter sido eleito com a colaboração do governo russo? Na Venezuela do ditador Nicolás Maduro, ameaçado de ser deposto por um movimento também apoiado pelo governo de Bolsonaro?

O mais ridículo da ofensiva contra a Igreja é que os generais de Bolsonaro parecem nada ter aprendido com seus colegas da ditadura de 64 que perseguiram o que chamavam de “ala progressista” do clero e se deram mal. A expressão “ala progressista”, tão comum naquela época, por sinal foi ressuscitada pelo general Heleno. Ele parece ignorar que a Igreja Católica mudou desde então.

João Paulo II, o terceiro Papa mais longevo da história da Igreja, aproveitou seu reinado de quase 26 anos e meio para liquidar com a “ala progressista” em toda parte onde ela existia. Seu sucessor, Bento XVI, foi um implacável adversário da Teologia da Libertação que tantas dores de cabeça deu a governos conservadores ou simplesmente de direita mundo a fora.

Se comparado com seus antecessores, o Papa Francisco estaria à esquerda deles no enfrentamento dos problemas sociais e de outros temas contemporâneos como a globalização, por exemplo, e a questão ambiental. O governo Bolsonaro conceber que Francisco será sensível aos seus apelos e pressões é não conhecê-lo nem um pouco. É também dar-se uma importância que não tem.

É no laboratório do general Heleno que estão sendo manipuladas as primeiras e mais escandalosas restrições ao pleno Estado de Direito. Envolver comandos militares na espionagem à Igreja e a movimentos sociais a ela ligados pode ser a mais explosiva, mas a única não é. Foi do laboratório de Heleno que saiu o Decreto 9.690 que desfigurou a Lei da Transparência.

Há poucos dias, Heleno disse que mandou investigar como vazou para a imprensa a minuta do projeto de reforma da Previdência. Com isso o que ele quer não é necessariamente descobrir o responsável pelo vazamento, mas sim intimidar funcionários que possam colaborar com os jornalistas para tornar públicas informações que o governo prefere manter escondidas.

Tudo que atente contra a liberdade e os direitos dos cidadãos serve para minar a democracia. Bolsonaro e seus devotos, fardados ou não, sempre foram partidários de um Estado autoritário. Uma vez no poder, convenhamos, estão sendo apenas coerentes com o que pensam e pregaram durante a campanha. De estelionato eleitoral, não serão jamais acusados.

À queima roupa (3)

Curto e seco
+ Com vocês, a Nova Política: 1. Governo espiona a Igreja Católica com a ajuda do Exército; 2. PSL, o partido do presidente, desviou dinheiro público por meio de laranjas; 3. Ministério Público espera há meses que filho do presidente vá depor sobre rolos; (Acabou o espaço)

+ O que o ministro Gilmar Mendes acha de uma agência de inteligência que investiga padres, bispos e cardeais? Seria algo, por exemplo, parecido com a Gestapo da época do nazismo?

+ Não sei onde está escrito que ministro do Supremo Tribunal Federal pode virar consultor do governo para projetos a serem submetidos ao Congresso. Mas de uns tempos para cá eles podem tudo, desde que não sejam investigados.

+ Quando estourou o caso do mensalão do PT em 2005, teve ministro do Supremo que procurou líderes de partidos para que desistissem da ideia de derrubar Lula. Mais recentemente, um ministro foi grampeado em conversa com senador que pedia sua ajuda. O sistema é foda, parceiro.

+ Roga-se a quem saiba informar onde podem ser encontrados os 8 funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro que depositaram parte dos seus salários na conta de Queiroz. Eles desapareceram de suas casas e empregos. Familiares e amigos se recusam a informar onde eles se esconderam.

+ “Quem foram os responsáveis por determinar que o Adélio praticasse aquele crime em Juiz de Fora?” – pergunta com razão o presidente Jair Bolsonaro em sua página no Twitter. Quem sabe não foram os mesmos que mandaram matar Marielle Franco? Por que ele não manda investigar os dois casos com o mesmo rigor?

+ Pelo visto, 2018, como 1968, é também no Brasil um ano que não terminou por aqui.


O Estado de S. Paulo: Planalto recorrerá à Itália para evitar ataques de bispos

Governo tenta se blindar de críticas a políticas ambientais durante Sínodo sobre Amazônia, visto como parte da ‘agenda da esquerda’

Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Como parte de uma estratégia para combater a ação do que chama de "clero progressista", o Palácio do Planalto recorrerá à relação diplomática com a Itália, que vive um bom momento desde o esforço do presidente Jair Bolsonaro para garantir a prisão de Cesare Battisti. A equipe de auxiliares de Bolsonaro tentará convencer o governo italiano a interceder junto à Santa Sé para evitar ataques diretos à política ambiental e social do governo brasileiro durante o Sínodo sobre Amazônia, que será promovido pelo papa Francisco, em Roma, em outubro.

O Estado revelou ontem que o Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo, como efeito da perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Em nota divulgada na noite deste domingo, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) confirmou que existe "preocupação funcional com alguns pontos da pauta” do evento e que parte dos temas "tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional".

Nos 23 dias do Sínodo, as discussões vão envolver temas como a situação dos povos indígenas e quilombolas e mudanças climáticas - consideradas "agendas de esquerda" pelo Planalto. O governo quer ter representantes nas reuniões preparatórias para o encontro em Roma.

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A ação diplomática do Planalto terá várias frentes. Numa delas, o governo brasileiro quer procurar os representantes da Itália e do Vaticano no Brasil - Antonio Bernardini e d. Giovanni D'Aniello, respectivamente - para pedir a ajuda deles na divulgação dos trabalhos brasileiros nas áreas social, de meio ambiente e de atuação indígena. Serviria como contraponto aos ataques que o governo está certo que sofrerá no Sínodo, por ver influência de partidos de esquerda nesses setores. Os embaixadores do Brasil na Itália e no Vaticano também terão a missão de pressionar a cúpula da Igreja para minimizar os estragos que um evento como esse poderia trazer, dada a cobertura da mídia internacional.

Simpósio
Em outra ação diplomática, o Brasil decidiu realizar um simpósio próprio também em Roma e em setembro, um mês antes do evento organizado pelo Vaticano. Na pauta, vários painéis devem apresentar diferentes projetos desenvolvidos no País com intuito de mostrar à comunidade internacional a "preocupação e o cuidado do Brasil com a Amazônia". "Queremos mostrar e divulgar as ações que são desenvolvidas no Brasil pela proteção da Amazônia na área de meio ambiente, de quilombolas e na proteção dos índios", disse um dos militares do Planalto.

Também no Brasil, o governo quer fazer barulho e mostrar projetos sustentáveis. O primeiro evento já será nesta quarta-feira, na aldeia Bacaval, do povo Paresi - a 40 quilômetros de Campo Novo do Parecis, no norte de Mato Grosso. Ali, será realizado o 1.º Encontro do Grupo de Agricultores Indígenas, que tem por objetivo celebrar a Festa da Colheita.

O evento já estava marcado, mas o governo Bolsonaro quer aproveitar o encontro para enfatizar o projeto de agricultura sustentável tocado pelos índios naquela região. Trata-se do plantio de dois mil hectares de soja sob o regime de controle biológico de pragas, ou seja, sem pesticidas. Mais de dois mil indígenas (dados do último censo do IBGE) têm se revezado também no plantio de milho, mandioca, abóbora, batata, batata-doce e feijão. A nova direção da Funai afirma que pretende incentivar projetos semelhantes em áreas onde os índios tenham interesse em plantar em suas terras.

A apresentação de projetos de extração legal de madeira, assim como o apelo às empresas estrangeiras para que só comprem material certificado, é uma outra ideia para divulgar trabalhos realizados no Brasil. Com isso, o governo espera abrir outra frente de contraponto ao que vê como tentativa de interferência externa na Amazônia e ataque a políticas governamentais.

'Desnecessária'. Para o presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), d. Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), essa preocupação do governo é desnecessária. "O Sínodo não tem a intenção de dar norma para o governo, mas de encontrar caminhos que nos ajudem a viver a solidariedade e a fraternidade com as populações que vivem na Amazônia há milhares de anos", disse d. Roque. / COLABOROU FELIPE FRAZÃO

» Leia a nota divulgada pelo Gabinete de Segurança Institucional:

Em relação à matéria publicada hoje no Jornal o Estado de São Paulo com o título “Planalto vê Igreja Católica como potencial opositora”, informamos o seguinte:

1. A Igreja Católica não é objeto de qualquer tipo de ação por parte da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que, conforme a legislação vigente, acompanha cenários que possam comprometer a segurança da sociedade e do estado brasileiro;

2. Não há críticas genéricas à Igreja Católica. Existe a preocupação funcional do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional com alguns pontos da pauta do Sínodo sobre a Amazônia que ocorrerá no Vaticano, em outubro deste ano;

3. Parte dos temas do referido evento tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional. Por isso, reiteramos o entendimento do GSI de que cabe ao Brasil cuidar da Amazônia Brasileira.

Brasília, DF, 10 de Fevereiro de 2019.

Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação do GSI


O Estado de S. Paulo: Bispos se opõem a políticos em evento

Organizadores argumentam que Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, não tem participação de governos

Felipe Frazão e José Maria Mayrink, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O grupo de bispos brasileiros que prepara o Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, critica a presença de representantes do governo federal no evento. O cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, d. Cláudio Hummes, um dos mais próximos do papa Francisco, foi indicado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para levar ao Vaticano o pedido do Planalto para participar do encontro, mas ele sugeriu à equipe do presidente Jair Bolsonaro buscar outro interlocutor. “Sugeri que o governo acionasse a Embaixada do Brasil na Santa Sé como contato, pois se trata de uma questão diplomática”, disse ele ao Estado.

Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB e prefeito emérito da Congregação para o Clero em Roma, Hummes afirmou que a Igreja Católica não pretende prejudicar Bolsonaro nem dar uma “resposta” a repressões sofridas nos tempos do regime militar. “Deve-se ter a preocupação de não olhar para o passado, mas para o futuro, pois não é a mesma coisa agora”, disse, referindo-se a setores da Igreja que temem a repetição da conturbada relação do clero com a ditadura militar.

Um dos principais nomes da Igreja Católica em atividade na região Norte, o bispo emérito do Xingu (PA), d. Erwin Kräutler, reagiu com estranheza ao interesse do Planalto em influenciar o encontro religioso para tratar de temas como meio ambiente e índios. “Nós conhecemos a Amazônia muito melhor do que qualquer integrante do governo federal”, afirmou. “Como vão contribuir quando falarmos da situação da floresta, que vivemos há tantos anos?”, questionou.

Entre os integrantes do Planalto, estão ex-comandantes militares da Amazônia, como os generais Augusto Heleno Ribeiro, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Eduardo Villas Bôas, assessor da pasta, além do vice-presidente, general Hamilton Mourão, cuja família é do Amazonas e comandou em São Gabriel da Cachoeira, interior do Estado.

Aos 79 anos, sendo 54 no Pará, d. Erwin disse que é incomum a participação de autoridades políticas nesses encontros globais promovidos pelo Vaticano.

“Não, meu irmão. É um Sínodo de bispos!”, disse à reportagem. “Nunca vi membro de governo de qualquer país convidado”, acrescentou. “O que um representante do governo vai dizer quando estivermos tratando de novos caminhos da evangelização?”

D. Erwin foi um dos autores da Encíclica do Meio Ambiente, documento assinado pelo papa Francisco em 2015, que serviu de base para a decisão da Igreja em realizar o Sínodo. Ele afirmou que os representantes dos governos dos outros oito países da Amazônia – Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa) – também deveriam ser convidados. “Se convidar alguém do Brasil, o papa terá de chamar também pessoas de outros países. Isso me parece até um absurdo.”

‘Responsabilidade’. Outro envolvido nos preparativos do Sínodo, o presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), d. Roque Paloschi, disse que o encontro focará uma “realidade” de “direitos negados” a índios, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas. “Não estamos jogando culpa em ninguém, estamos assumindo uma responsabilidade histórica que exige de nós clareza”, afirmou. “A Igreja tem de ficar do lado de quem? Ao lado de quem promove a morte ou de quem busca a vida?”, questionou.

D. Roque discorda da visão do Planalto de que os religiosos agem por simpatia à esquerda e antipatia a Bolsonaro. “A missão da Igreja é viver o Evangelho”, afirmou. “Não temos nada a esconder. Mas também não temos de nos encolher porque há uma preocupação do governo.”

O Estado questionou o Itamaraty sobre as tratativas com o Vaticano, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. A Embaixada da Santa Sé em Brasília disse que só falaria nesta semana.

D. Erwin Kräutler

BISPO EMÉRITO DO XINGU (PA)

1. O governo Bolsonaro vai ser criticado no Sínodo?
Se os bispos fazem crítica é querendo ajudar, não derrubar. Eles sabem onde o sapato aperta. Vão falar da situação dos povos e do bioma ameaçado. Mas não para atacar frontalmente o governo.

2. O governo mudou a demarcação e quer abrir economicamente as terras indígenas.
Isso fere a Constituição, que é exemplar. Que nisso não se mexa. Se o governo ousar ferir, vamos nos levantar.

3. O governo editou decreto para fiscalizar ONGs.
É supérfluo. O que deve ser fiscalizado é o que se faz clandestinamente. Tem tanta roubalheira aqui na Amazônia que só Deus sabe. Não precisa ter medo das ONGs.

4. Houve aumento de conflitos florestais?
Nunca parou. Desde 1.º de janeiro tem gente invadindo e derrubando onde não pode. Essa conversa de que vai ser aberto é nefasta. Vai conspurcar a imagem do Brasil no exterior.

SÍNODO
O que é?
É o encontro global de bispos no Vaticano para discutir a realidade de índios, ribeirinhos e demais povos da Amazônia, políticas de desenvolvimento dos governos da região, mudanças climáticas e conflitos de terra.

Participantes
Participam 250 bispos.

Cronograma do Sínodo
19 de janeiro de 2019: início simbólico com a visita do papa Francisco a Puerto Maldonado, na selva peruana;

7 a 9 de março: seminário preparatório na Arquidiocese de Manaus;

6 a 29 de outubro: fase final no Vaticano, com missas na Basílica de São Pedro celebradas por Francisco.

Tema do encontro
Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.

As três diretrizes do evento
“Ver” o clamor dos povos amazônicos;

“Discernir” o Evangelho na floresta. O grito dos índios é semelhante ao grito do povo de Deus no Egito;

“Agir” para a defesa de uma Igreja com “rosto amazônico”


O Estado de S. Paulo: Planalto vê Igreja Católica como potencial opositora

Com base em relatórios de inteligência, o GSI avalia que setores da Igreja pretendem aproveitar o Sínodo sobre a Amazônia, em outubro, em Roma, para criticar o governo Bolsonaro, informa Tânia Monteiro. O temor é de que o chamado “clero progressista”, ligado a movimentos sociais, tome o lugar da oposição com a perda do protagonismo dos partidos de esquerda. Durante 23 dias, serão discutidos pelo Vaticano temas como situação dos povos indígenas e quilombolas e mudanças climáticas, considerados “agenda de esquerda” pelo Planalto. Na tentativa de neutralizar a ação, o governo vai procurar governadores, prefeitos e autoridades eclesiais, principalmente nas regiões de fronteira. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”, disse o ministro do GSI, general Augusto Heleno. Bispos que preparam o Sínodo são contra a presença de representantes do governo.

Tânia Monteiro, de O Estado de S. Paulo

O Palácio do Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo Jair Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.

O alerta ao governo veio de informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares. Os informes relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco, no Vaticano, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia, que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes.

Durante 23 dias, o Vaticano vai discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma “agenda da esquerda”.

O debate irá abordar a situação de povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas. “Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí”, disse o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que comanda a contraofensiva (mais informações nesta página).

Com base em documentos que circularam no Planalto, militares do GSI avaliaram que os setores da Igreja aliados a movimentos sociais e partidos de esquerda, integrantes do chamado “clero progressista”, pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo Bolsonaro e obter impacto internacional. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”, disse Heleno.

Escritórios da Abin em Manaus, Belém, Marabá, no sudoeste paraense (epicentro de conflitos agrários), e Boa Vista (que monitora a presença de estrangeiros nas terras indígenas ianomâmi e Raposa Serra do Sol) estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões preparatórias para o Sínodo em paróquias e dioceses.

O GSI também obteve informações do Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e do Comando Militar do Norte, em Belém. Com base nos relatórios de inteligência, o governo federal vai procurar governadores, prefeitos e até autoridades eclesiásticas que mantêm boas relações com os quartéis, especialmente nas regiões de fronteira, para reforçar sua tentativa de neutralizar o Sínodo.

O Estado apurou que o GSI planeja envolver ainda o Itamaraty, para monitorar discussões no exterior, e o Ministério do Meio Ambiente, para detectar a eventual participação de ONGs e ambientalistas. Com pedido de reserva, outro militar da equipe de Bolsonaro afirmou que o Sínodo é contra “toda” a política do governo para a Amazônia – que prega a defesa da “soberania” da região. “O encontro vai servir para recrudescer o discurso ideológico da esquerda”, avaliou ele.

Assim que os primeiros comunicados da Abin chegaram ao Planalto, os generais logo fizeram uma conexão com as críticas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Órgãos ligados à CNBB, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT),

não economizaram ataques, que continuaram após a eleição e a posse de Bolsonaro na Presidência. Todos eles são aliados históricos do PT. A Pastoral Carcerária, por exemplo, distribuiu nota na semana passada em que critica o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, como juiz, condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato.

Na campanha, a Pastoral da Terra divulgou relato do bispo André de Witte, da Bahia, que apontou Bolsonaro como um “perigo real”. As redes de apoio a Bolsonaro contra-atacaram espalhando na internet que o papa Francisco era “comunista”. Como resultado, Bolsonaro desistiu de vez da CNBB e investiu incessantemente no apoio dos evangélicos. A princípio, ele queria que o ex-senador e cantor gospel Magno Malta (PR-ES) fosse seu candidato a vice. Eleito, nomeou a pastora Damares Alves, assessora de Malta, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

A relação tensa entre militares e Igreja Católica começou ainda em 1964 e se manteve mesmo nos governos de “distensão” dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, último presidente do ciclo da ditadura. A CNBB manteve relações amistosas com governos democráticos, mas foi classificada pela gestão Fernando Henrique Cardoso como um braço do PT. A entidade criticou a política agrária do governo FHC e a decisão dos tucanos de acabar com o ensino religioso nas escolas públicas.

O governo do ex-presidente Lula, que era próximo de d. Cláudio Hummes, ex-cardeal de São Paulo, foi surpreendido, em 2005, pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso se opôs à transposição do Rio São Francisco.

Com a chegada de Dilma Rousseff, a relação entre a CNBB e o PT sofreu abalos. A entidade fez uma série de eventos para criticar a presidente, especialmente por questões como aborto e reforma agrária. A CNBB, porém, se opôs ao processo de impeachment, alegando que “enfraqueceria” as instituições.

‘Vamos entrar a fundo nisso’, afirma Heleno
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, afirmou que há uma “preocupação” do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios do Sínodo sobre a Amazônia, que ocorrem nos Estados.

“Há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na floresta”, disse. Mais próximo conselheiro do presidente Jair Bolsonaro, Heleno criticou a atuação da Igreja, mas relativizou sua capacidade de causar problemas para o governo.

“Não vai trazer problema. (O trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro) vai apenas fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia”, afirmou. “A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso.”

Tanto o ministro Augusto Heleno quanto o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, hoje na assessoria do GSI e no comando do monitoramento do Sínodo, foram comandantes militares em Manaus. O vice-presidente Hamilton Mourão também atuou na região, à frente da 2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira.


Andrea Jubé: O comandante na tropa de choque do Planalto

Villas Bôas estará um lance de escadas acima de Bolsonaro

Num momento em que o presidente Jair Bolsonaro atravessa uma turbulência mais persistente do que o esperado para 22 dias de governo - a crise envolvendo as movimentações atípicas do primogênito Flávio Bolsonaro, o iminente envio da reforma da Previdência ao Congresso, a terceira cirurgia - uma das principais lideranças políticas chega ao Planalto para reforçar o seu time de conselheiros. Um líder político que, por ironia, veste farda.

O general Eduardo Villas Bôas transmitiu o comando do Exército há dez dias para o general Edson Pujol. Perdeu o posto, mas não a liderança. O gaúcho de Cruz Alta assume nos próximos dias um gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, um lance de escadas acima do gabinete presidencial. Longe do quartel, estará mais próximo do que nunca de Bolsonaro.

Os laços de confiança e lealdade entre ambos ficaram evidentes no dia 2, na posse do general Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa. Diante de uma plateia de oficiais das três Forças, Bolsonaro atribuiu sua vitória nas urnas ao general, e em tom solene, disse que levarão para o túmulo os segredos que trocaram: "o que nós já conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui".

A leitura automática dessa declaração remonta à polêmica postagem de Villas Bôas em sua conta no Twitter, que constrangeu os ministros do Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do "habeas corpus" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". A mensagem mobilizou os mais de 400 mil seguidores na rede social e estremeceu os pilares da República.

A relação de ambos, no entanto, vem dos anos 90 quando ele percorreu os corredores do Congresso como chefe da assessoria parlamentar do Exército, e Bolsonaro já era o eloquente deputado defensor das prerrogativas militares.

A experiência da assessoria parlamentar moldou o lado político do oficial, que galgou postos na carreira a partir de um perfil, simultaneamente, conciliador e estratégico.

"Ele captura o ambiente político para suas falas", concorda o general de divisão Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, que durante quatro anos o assessorou à frente do Centro de Comunicação Social do Exército (CComsex).

Villas Bôas tornou-se influente na esfera federal, o que se tornou visível à medida em que quadros próximos a ele assumiam cargos estratégicos na Esplanada. No ano passado, ele indicou o general Fernando Azevedo e Silva para a chefia de gabinete do presidente do STF, ministro Dias Toffoli - que lhe pediu a recomendação.

Meses depois, indicou o mesmo general Fernando ao presidente Bolsonaro para o comando do Ministério da Defesa. Nos últimos dias, Bolsonaro o requisitou mais uma vez para a escolha do porta-voz da Presidência, e ele referendou o nome do general Rêgo Barros.

Villas Bôas já tomou decisões importantes para fugir do conflito, da agressividade, a fim de construir o consenso, considerando de que forma o Exército poderia contribuir nessa ou naquela questão nacional. "Ele procura resolver sem fricção, mesmo que tenha que ceder", diz Rêgo Barros.

Comunicador nato, criou a conta no Twitter e um canal no YouTube - "O comandante responde" - para estreitar os laços da Força com a sociedade. A controversa postagem sobre o julgamento do "habeas corpus" de Lula foi precedida de cálculo e estratégia. Rêgo Barros argumenta que Villas Bôas "tinha a compreensão do momento que se vivia, mediu o impacto junto ao público interno e externo e não disse nada que outra pessoa não quisesse dizer".

Com curso de infantaria e de combate na selva no currículo, Villas Bôas poderia ir para casa com a sensação do dever cumprido após 50 anos de Exército. Duelando há anos com a doença neuromotora degenerativa, que limita seus movimentos e dificulta a respiração, ele nem pensou em desertar.

Encomendou ternos novos e na última sexta-feira, visitou as instalações do Planalto, onde vai despachar no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), subordinado ao general Augusto Heleno. Heleno é o "guru" do Planalto, nas palavras do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Na prática, serão dois "gurus" de Bolsonaro com assento no palácio.

Apesar de todas as intempéries, aos 67 anos, Villas Bôas é lúcido, bem disposto e bem humorado. Intelectual, leitor devotado, "ele fala do alfinete ao foguete", define o amigo Rêgo Barros.

A indicação do ex-comandante da Marinha, o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, para a presidência do Conselho de Administração da Petrobras, evoca um episódio anedótico da instauração do regime militar em 1964, quando um marechal passou a rasteira no general em meio à disputa pelo comando da estatal.

O fato é narrado pelo jornalista e escritor Elio Gaspari, no livro "A ditadura envergonhada".

Comandante da tropa que marchou de Juiz de Fora até o Rio de Janeiro para depor o presidente João Goulart, o general Olympio Mourão Filho reivindicava um posto de relevo no novo governo, e lhe foi sugerida a presidência da estatal de petróleo.

Ao chegar à sede da empresa para assumir o cargo, foi recebido pelo secretário-geral, que lhe exigiu os documentos necessários para a posse.

Era preciso apresentar uma carteira de identidade provando que era brasileiro nato e um recibo de caução de ações da empresa, visto que somente um acionista poderia exercer a presidência. O general cedeu ao burocrata, e marchou de volta a Juiz de Fora em busca dos documentos.

Quando voltou, dias depois, o marechal Ademar de Queiroz, com os papéis em ordem, já estava sentado na cadeira de presidente.

O último militar a presidir o conselho de administração da companhia foi o general de brigada Araken de Oliveira, entre 1974 e 1979.