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Brasil fez lobby para mudar relatório climático, diz Greenpeace

Brasil pressionou para que trechos promovendo dieta vegetariana fossem removidos de relatório, segundo o Greenpeace

DW Brasil

Documentos vazados obtidos pela ONG mostram que país está entre grandes produtores de carne bovina, carvão e petróleo que pressionaram por mudanças em texto do IPCC sobre o aquecimento global.

Vários países, entre eles o Brasil, tentaram fazer mudanças em um crucial relatório da ONU sobre como combater o aquecimento global, afirmou o Greenpeace nesta quinta-feira (21/10), citando um grande vazamento de documentos.

Os documentos aos quais a equipe jornalística do projeto Unearthed, do Greenpeace, teve acesso consistem de comentários feitos por governos e outras entidades relativos ao rascunho de um relatório elaborado por um grupo de trabalho internacional do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O relatório deverá ser divulgado no ano que vem.

Embora a maioria dos comentários encaminhados ao IPCC por governos tenham tido como intenção melhorar o relatório, diversos grandes produtores de carvão, petróleo, carne bovina e ração animal pressionaram por mudanças para satisfazer seus interesses econômicos, relatou o Greenpeace.

As tentativas de lobby foram reveladas a poucos dias da abertura das negociações climáticas no âmbito da próxima Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, a ser realizada em Glasgow, na Escócia, a partir de 31 de outubro. O encontro é visto por muitos como crucial para determinar se o aquecimento global causado pelo homem causará danos irreparáveis ao planeta.

Brasil, Argentina e o lobby da carne

Em comentários vistos pela equipe do Greenpeace, o Brasil e a Argentina, dois dos maiores produtores de carne bovina e ração animal do mundo, fizeram lobby junto ao IPCC para que fossem removidas menções a dietas baseadas em vegetais e à redução do consumo de carne e laticínios como benéficas para o clima.

Segundo o Greenpeace, ambos os países também pediram aos autores do relatório que fossem removidas passagens que descrevem a carne bovina como um alimento de "alto carbono".

Apesar das evidências científicas, o Brasil, "onde o desmatamento da Amazônia relacionado à agricultura está aumentando acentuadamente sob o presidente próximo ao agronegócio Jair Bolsonaro", tentou fazer com que o IPCC retirasse do relatório a ser divulgado no ano que vem conexões diretas entre o consumo de carne e o aquecimento global, diz a ONG.

"Por exemplo, em comentários registrados em março deste ano, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro tenta remover do rascunho formulações que afirmam que uma transição para dietas com maior proporção de 'proteínas baseadas em vegetais' em regiões onde pessoas ingerem um excesso de calorias e alimentos baseados em animais poderia levar para uma redução substancial das emissões de gases de efeito estufa e fornecer benefícios à saúde", aponta o Greenpeace.

A ONG diz ainda que o Brasil pediu que fosse deletado o seguinte trecho: "Dietas com pouca carne e laticínios já são prevalentes em muitos países e culturas e sua aceitação está aumentando em relação aos atuais níveis baixos em outros lugares. Dietas baseadas em vegetais podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 50% em comparação à dieta média ocidental, intensiva em emissões."

Como justificativa para as exclusões propostas, o revisor do Brasil escreveu: "Não se pode pressupor que dietas vegetais e dietas saudáveis são a mesma coisa, que ambas terão um baixo impacto ambiental ou que uma dieta sustentável será saudável", segundo o Greenpeace.

O revisor brasileiro argumenta então que a sustentabilidade "depende da realidade local", que é influenciada pelo solo e as condições climáticas locais e, portanto, pela "aptidão agrícola da região para produzir alimentos", de acordo com os documentos vazados.

A Argentina, por sua vez, também pressionou pela exclusão de referências a impostos sobre carne bovina e até à campanha internacional Segunda-feira sem Carne, que encoraja as pessoas a adotarem uma dieta vegetariana um dia por semana, aponta a ONG.

De olho no petróleo

Em outro comentário vazado, um integrante do governo da Austrália questionou a conclusão do relatório, considerada indiscutível por cientistas, de que o fechamento de usinas a carvão é um grande passo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global. Grande parte da renda nacional da Austrália provém das exportações de carvão.

Segundo o Greenpeace, comentários também mostraram a Arábia Saudita, o Irã, a Austrália, o Japão e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opec) argumentando que a captura e a armazenagem de carbono poderiam ser usadas para evitar as emissões de gases de efeito estufa pela indústria, em vez de acabar com a produção de CO2.

O argumento contradiz estudos que apontam que métodos para manter o CO2 longe da atmosfera já empregados foram em grande parte malsucedidos.

O que dizem cientistas climáticos?

A grande maioria dos cientistas climáticos afirma que descontinuar rapidamente o uso de combustíveis fósseis é necessário para que o mundo não sofra os efeitos catastróficos do aquecimento global, muitos dos quais já vêm dando sinais nos últimos anos.

No rascunho do documento "Resumo para formuladores de políticas", que também vazou no início deste ano, o IPCC afirma que limitar o aquecimento global a 2 °C, idealmente a 1,5 °C, deverá "envolver reduções substanciais do uso de combustíveis fósseis, grandes investimentos em formas de energia de baixo carbono, transição para veículos movidos a energia de baixo carbono e esforços para eficiência energética e conservação [ambiental]".

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/brasil-fez-lobby-para-mudar-relat%C3%B3rio-clim%C3%A1tico-diz-greenpeace/a-59573814


El País: “Bolsonaro promete um muro de vergonha para o meio ambiente”, diz Astrini, do Greenpeace

Para coordenador do Greenpeace, saída do país do Acordo de Paris também poderia agravar a imagem lá fora. “É como o país dizer que não quer ajudar na solução, mas no problema”

“Uma derrota”. É assim que Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace e membro da coordenação do Observatório do Clima, classifica a retirada da candidatura do Brasil para sediar a próxima Conferência sobre as Mudanças Climáticas da ONU no ano que vem, a COP25. Durante a Conferência do ano passado, o Brasil anunciou a candidatura para sediar o evento em 2019. Para isso, teve que negociar ao longo de quase um ano com a Venezuela para que apoiasse a oferta, já que, para receber a COP, é preciso que haja consenso entre o grupo dos países latinos. Com o consenso, o Grupo de Países Latino-americanos (Grulac) confirmou à ONU a candidatura brasileira.

Mas nesta semana, às vésperas do início da COP24, que neste ano ocorre na cidade de Katowice, na Polônia, o Itamaraty anunciou o revés: por meio de nota, afirmou que “restrições fiscais e orçamentárias” e o “processo de transição” de Governo obrigaram o país a retirar a oferta de sediar o evento. De acordo com Astrini, porém, países que não têm condição financeira de sediar a conferência recebem ajuda da ONU. “O dinheiro não seria o [problema] principal”, afirmou em entrevista ao EL PAÍS por telefone, pouco antes de embarcar para Katowice. A decisão do Itamaraty foi ratificada, em seguida, pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, que afirmou ter recomendado que se evitasse o evento no país. "Houve participação minha nessa decisão. Até porque está em jogo o Triplo A nesse acordo". Ele se refere a proposta de criação de um corredor ecológico que ligaria os Andes, passando pela Amazônia e terminando no Atlântico, que abrangeria mais de 300 áreas protegidas e cerca de 1.000 territórios indígenas.

Embora essa proposta não tenha nenhuma relação com a conferência do clima, ou mesmo com a ONU, Bolsonaro acredita que a criação do Triplo A tem relação com o Acordo de Paris e poderia colocar em risco a soberania brasileira. O Acordo, que tem como objetivo reduzir a emissão de gases do efeito estufa, foi negociado durante a Conferência do Clima de 2015, na cidade francesa, e tem o Brasil como um dos signatários. Para Astrini, a decisão da retirada da candidatura vem exatamente na esteira da possível saída do Brasil do Acordo. “[A retirada da candidatura da COP] é a primeira pedra que ele colocou no muro da vergonha que ele promete para o meio ambiente”, afirmou.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Pergunta. O que significa, em termos ambientais e em termos diplomáticos, a retirada da candidatura do Brasil para sediar a Conferência do Clima do ano que vem?

Marcio Astrini, coordenador do Greenpeace e do Observatório do Clima.
Marcio Astrini, coordenador do Greenpeace e do Observatório do Clima. CAIO PAGANOTTI/ GREENPEACE

Resposta. É uma derrota. Se você olhar para as promessas de Bolsonaro durante a campanha, já era esperado. Mas é uma derrota do ponto de vista do país. O Brasil é maior do que Bolsonaro e o Governo dele. A gente sempre teve um papel de destaque nessas negociações internacionais e são poucos os pontos diplomáticos onde o Brasil tem destaque. Isso porque, claro, temos a Amazônia, mas temos também uma matriz energética mais limpa que outros países. Além disso, já sediamos outras duas conferências, a Eco 92 e a Rio +20. Fazer a Conferência no Brasil seria uma demonstração do compromisso do país com o meio ambiente e ajudaria na hora das negociações internacionais. Além disso, uma parte grande da nossa economia é baseada na agricultura, que depende basicamente de equilíbrio climático. Países com essas características têm apelo maior nas negociações nessas conferências. Em Copenhague [cidade que sediou a conferência em 2009], o Brasil foi o primeiro país a apresentar metas concretas de redução de gases [de efeito estufa]. Enfim, temos um corpo diplomático excelente nessas negociações climáticas.

P. Após esse anúncio da retirada, qual clima é esperado nesta Conferência?

R. O Brasil irá com uma imagem muito delicada para a Conferência. Primeiro, porque o aumento do desmatamento sempre fragilizou o Brasil. É uma coisa meio vergonhosa nessa questão de negociações com a ONU. Aumentar [o desmatamento], em pleno século 21, passa esse ar de incapacidade. Aí você junta no mesmo ano a negativa em sediar [a próxima conferência] por questões políticas. E junto com isso, vem as declarações do novo ministro das relações exteriores [Ernesto Araújo], de que a esquerda criou a ideologia da mudança climática. É meio vergonhoso. Então nesta COP, eu acho que perderemos um pouco o espírito dos negociadores brasileiros. Se você é de um país que faz muito pelo clima, cumpre suas metas e é um exemplo, quando você se senta numa mesa de negociação, você se senta com um certo peso. Mas não adianta ser bom em retórica se você tem dívidas. O que levaríamos para uma mesa de negociação como ativo, agora virou passivo. Todo mundo sabe da importância do Brasil e das promessas do Bolsonaro, mas quando elas começam a ser colocadas em prática, você vê que o que já era ruim, está virando realidade. Bolsonaro antes mesmo de assumir, começa a dar concretude à agenda que prometeu. Isso atrapalha a imagem do país. [A retirada da candidatura da COP] é a primeira pedra que ele colocou no muro da vergonha que ele promete para o meio ambiente.

P. O Itamaraty utilizou-se de um argumento financeiro para justificar sua decisão. Quanto custa sediar um evento como esse?

"Ninguém quer comprar um quilo de carne que venha do desmatamento da Amazônia"

R. Não sei exatamente o valor. Mas alguns senadores conseguiram colocar a previsão dos gastos para o ano que vem, e havia também uma movimentação do Governo Temer para conseguir investimento externo. O dinheiro não seria o [problema] principal, porque caso o país queira sediar uma conferência e tenha alguma dificuldade, a ONU ajuda.

P. Quais são as consequências dessa retirada?

R. A retirada da candidatura afeta o nosso poder de negociação internacional. Em termos econômicos, boa parte dos clientes de produtos agropecuários do Brasil exige que a gente dê garantias de sustentabilidade do nosso produto. Ninguém quer comprar um quilo de carne que venha do desmatamento da Amazônia. Então nesse sentido, o Governo está dando um duplo mortal carpado: está voltando atrás sobre a candidatura para sediar a COP, ao mesmo tempo em que os índices de desmatamento estão aumentando. São dois dados que apontam retrocesso no âmbito das mudanças climáticas.

P. Mas apesar da retirada da candidatura para sediar a Conferência, o Brasil ainda segue como participante dela, correto?

R. Correto. O Brasil continua participando da COP, porque ainda é parte. Uma coisa é ser signatário do Acordo de Paris, outra coisa é ser membro das discussões de clima da ONU. Por exemplo, Donald Trump disse que sairia do Acordo de Paris, mas continua participando das conferências. O Brasil é signatário e também parte do grupo. Mas Bolsonaro já fez acenos para sair do Acordo, depois voltou atrás...

P. Acha que ainda está em jogo a saída do Acordo de Paris?

R. Está sob risco. Bolsonaro declarou que sairia, durante a campanha. E acho que isso teve uma relação direta na retirada da candidatura. Mas os trâmites não são tão simples. Para sair do Acordo, é preciso a aprovação do Congresso. Além disso, pelas regras da ONU, um país só pode romper com o Acordo depois de passados quatro anos da entrada em vigor, ou seja, em novembro do ano que vem. A saída definitiva ocorre depois de um ano da notificação, que seria novembro de 2020.

P. Se o Brasil sair do Acordo de Paris, o que pode ocorrer, na prática?

R. Os problemas de imagem e comerciais vão se agravar para o Brasil. Seria como se o Governo dissesse: eu estou dando as costas para qualquer ação em defesa do clima. Para a imagem do país é dizer que está contra o mundo. São 190 países, centenas de cientistas, milhares de estudos nos quais os acordos se baseiam. Sair dele é como o país dizer que não quer ajudar na solução e sim, fazer parte do problema. Isso pode ter um peso muito grande para a economia do Brasil. Inclusive quando Bolsonaro disse que sairia do Acordo de Paris, grandes exportadores do agronegócio se manifestaram contra, porque sabem o peso econômico que essa decisão pode ter.

P. Quais as expectativas, então, com o novo Governo em relação ao meio ambiente?

"As promessas principais de Bolsonaro para o meio ambiente são desfazer as unidades de conservação e acabar com o poder de atuação do Ibama, ou seja, desmontar o que deu certo no combate ao desmatamento"

R. As piores possíveis. Nós vamos atuar diariamente para ele não cumprir as promessas que fez na eleição. Entre 2004 e 2014, houve cerca de 80% de redução do desmatamento da Amazônia. Essa redução se deu, basicamente, devido à criação de áreas protegidas, que são terras indígenas e unidades de conservação, e às ações de fiscalização e repressão ao crime. Só que as promessas principais de Bolsonaro para o meio ambiente são desfazer as unidades de conservação e acabar com o poder de atuação do Ibama, ou seja, desmontar o que deu certo no combate ao desmatamento. Fora isso, ainda há a mensagem dele de dizer que o Ibama, que é quem faz a repressão ao crime ambiental, está errado. Esse combo pode fazer explodir o desmatamento na Amazônia. E a última coisa que quem exporta os produtos produzidos na Amazônia quer é que o desmatamento aumente. Se o Estado incentivar o desmatamento, algo que nunca ocorreu de forma deliberada como agora, as empresas não vão conseguir provar que o que elas fazem é o suficiente [pelo meio ambiente].

P. Durante a eleição, Bolsonaro fez reiteradas críticas ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Acredita que o futuro dessas entidades está em jogo?

R. Algumas coisas prometidas por Bolsonaro durante a campanha não sei como poderão se concretizar. Por exemplo, ele vai ter que mudar a lei para poder vender terras indígenas. Nem sei se a Constituição permite isso. Mas, por outro lado, para acabar com o poder de ação do Ibama, por exemplo, é da noite para o dia. É só ele cortar orçamento. Então acho que isso está em jogo sim.

P. Acha que é possível que o Brasil volte atrás quanto à decisão da retirada da candidatura da COP?

R. Acho difícil. Até porque, se o Governo não é sério para essas coisas, a ONU é.