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Cristina Serra: A ultradireita se prepara para 2022

Mudanças nas estruturas das polícias preparam terreno para radicalização em 2022

Reportagem de Felipe Frazão em "O Estado de S. Paulo" revelou que tramitam na Câmara dos Deputados projetos para diminuir o poder e o controle dos governadores dos estados e do Distrito Federal sobre as polícias civis e militares.

São várias propostas de mudança na estrutura desses aparatos policiais. Uma delas é a criação da patente de general para os policiais militares, nível hierárquico exclusivo das Forças Armadas. Hoje, os PMs chegam, no máximo, a coronel. Os comandantes-gerais também seriam nomeados a partir de uma lista tríplice formulada pelos oficiais.

Os chefes das duas polícias passariam a ter mandato de dois anos e haveria regras estritas para suas exonerações. O governador só poderia destituir o comandante da PM por motivo "relevante" e "devidamente comprovado". Já o chefe da Civil só perderá o cargo se a dispensa for aprovada pelo Legislativo estadual, "por maioria absoluta" de votos. E as polícias civis seriam ligadas a um certo Conselho Nacional da Polícia Civil, no âmbito do governo federal.

Há uma extensa e perniciosa tradição de rebeliões nas polícias, e nisso elas não diferem da atuação das Forças Armadas no Brasil. Mais recentemente, episódios corroboram a preocupação com o extremismo cada vez maior desses contigentes. Foi o que se viu, por exemplo, em 2017, no Espírito Santo, e quase um ano atrás no motim de policiais militares no Ceará, que terminou com um senador baleado.

As propostas abrem as portas, definitivamente, para a partidarização das forças de segurança e a formação de esquemas de poder paralelos que escapariam totalmente de qualquer forma de controle político-institucional. Se aprovadas, teriam o efeito de um anabolizante nas fileiras policiais, sob a égide escancarada do bolsonarismo. Os partidos progressistas têm que exigir do candidato à presidência da Câmara que apoiam o firme compromisso de conter a agenda da ultradireita. Esses projetos preparam o terreno para a radicalização em 2022.


O Estado de S. Paulo: Projeto que tira poder de governadores sobre polícias prevê status de secretário para comandante

Cargo teria prerrogativas equiparadas aos demais integrantes do primeiro escalão do governo; proposta foi revelada pelo ‘Estadão’

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

projeto de lei orgânica da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros prevê ampliar o status político dos comandantes-gerais dessas corporações em todo o País. Além da criação do cargo de general nas PMs e nos bombeiros, uma patente mais elevada que a de coronel, como relevou o Estadão na segunda-feira, 11, os comandantes também serão equiparados aos secretários de Estado, com todas as prerrogativas a que têm direito os demais integrantes do primeiro escalão. 

O projeto que trata da PM é antigo e foi apresentado pelo Executivo em 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. O texto em discussão, porém, é uma proposta de substitutivo preparada pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP), ouvindo associações e comandantes. Aliado do governo de Jair Bolsonaro, ele também é o relator do projeto.

O novo modelo é defendido por aliados do governo no momento em que Bolsonaro endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade na segunda metade do mandato.

A inovação que dá mais poder às polícias está prevista nos casos em que o comandante da PM e dos bombeiros não ocupem um cargo de secretário. Atualmente, apenas alguns Estados têm uma estrutura semelhante à proposta. O Rio é um deles.

O governador em exercício, Cláudio Castro (PSC), manteve o modelo criado pelo governador afastado Wilson Witzel (PSC), eleito com discurso próximo ao governo Jair Bolsonaro de valorização dos policiais e endurecimento no combate à criminalidade. Witzel extinguiu a antiga Secretaria de Segurança Pública e transformou cada chefia de polícia em uma secretaria separada, dando prestígio político às duas corporações.

Uma antiga reivindicação em todo o País era uma elevação semelhante, para evitar atritos entre as instituições. Quando um secretário tinha uma delas como origem, era comum que a outra aumentasse as queixas de favorecimento. Assim, o comandante-geral da PM do Rio, coronel Rogério Figueiredo Lacerda, é secretário de Polícia Militar. E o delegado-geral, Allan Turnowski, é secretário de Polícia Civil.

Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés (PSL), coronel dos Bombeiros, também promoveu mudanças, dando autonomia a cada instituição. Ele acabou com a figura do secretário de Segurança Pública e deu autonomia aos chefes dos bombeiros, policiais militares, civis e peritos. Moisés criou o Colegiado Superior de Segurança Pública, formado pelo comandante-geral da PM, delegado-geral da PC, comandante-geral do Corpo de Bombeiros e perito-geral do Instituto Geral de Perícias. Eles se reportam diretamente ao governador, embora não tenham status de secretário. 

Governadores atacam proposta

Como mostrou o Estadãogovernadores já se mobilizam contra os projetos que restringem o poder político dos Estados sobre as tropas armadas e os bombeiros em todo o País. Parte dos chefes dos Executivos estaduais apontou inconstitucionalidade e interferência do Palácio do Planalto nas polícias, uma das bases de apoio do presidente Jair Bolsonaro. A reação mais forte partiu do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que acusou Bolsonaro de querer “intimidar governadores através de força policial militar”.

Os projetos limitam o controle político dos governadores sobre as polícias ao prever mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais, e impor condições para que eles sejam exonerados antes do prazo. No caso da Polícia Militar, a sugestão é para que a nomeação do comandante saia de uma lista tríplice indicada pelos oficiais. O texto prevê que a destituição, por iniciativa do governador, seja “justificada e por motivo relevante devidamente comprovado”.

Na Polícia Civil, o delegado-geral poderá ser escolhido diretamente pelo governador entre aqueles de classe mais alta na carreira. A dispensa “fundamentada”, porém, precisa ser ratificada pela Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital, em votação por maioria absoluta dos parlamentares.

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O Estado de S. Paulo: Congresso avalia reduzir poder de governadores sobre PM e polícia civil

Projetos sugerem criação de patentes e de conselho nacional ligado à União, além de mandatos para comandantes; modelo é defendido por aliados de Jair Bolsonaro

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Congresso se prepara para votar dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que restringem o poder de governadores sobre braços armados dos Estados e do Distrito Federal. As propostas trazem mudanças na estrutura das polícias, como a criação da patente de general, hoje exclusiva das Forças Armadas, para PMs, e de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União.

O novo modelo é defendido por aliados do governo no momento em que o presidente Jair Bolsonaro endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade, na segunda metade do mandato.

Os projetos limitam o controle político dos governadores sobre as polícias ao prever mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais e impor condições para que eles sejam exonerados antes do prazo. No caso da Polícia Militar, a sugestão é para que a nomeação do comandante saia de uma lista tríplice indicada pelos oficiais. O texto prevê que a destituição, por iniciativa do governador, seja “justificada e por motivo relevante devidamente comprovado”.

Na Polícia Civil, o delegado-geral poderá ser escolhido diretamente pelo governador entre aqueles de classe mais alta na carreira. A dispensa “fundamentada”, porém, precisa ser ratificada pela Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital, em votação por maioria absoluta dos deputados.

Os textos foram obtidos pelo Estadão e esses mecanismos são vistos nas polícias como formas de defesa das corporações contra ingerência e perseguição política. Estudiosos do tema alertam, no entanto, que o excesso de autonomia administrativa e financeira – e até funcional, como proposto para as PMs – pode criar um projeto de poder paralelo. A avaliação é que, dessa forma, os governadores se tornam “reféns” dos comandantes.

O sociólogo Luis Flávio Sapori, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), considera que as propostas estão em “sintonia ideológica” com o governo Bolsonaro. “É um retrocesso o que está para ser votado no Congresso, e a sociedade brasileira não está sabendo. São acordos intramuros. O projeto está muito de acordo com a perspectiva do governo Bolsonaro: há um alinhamento ideológico claro pela maior militarização e maior autonomia das polícias militares em relação ao comando político”, disse Sapori.

Para o pesquisador, isso cria um problema grave em relação aos governadores, “uma autonomia política e administrativa absurdas”. “A PM se torna uma organização sem controle político e civil, mais próxima do modelo de Forças Armadas e afastada do cidadão. As PMs vão sendo dominadas por interesses corporativos, para ter ganhos, e se afastando da sociedade”, observou.

Simetria

A maior evidência disso, no diagnóstico de Sapori, é a proposta de criação de um novo patamar hierárquico, equivalente ao posto dos oficiais-generais, por “simetria” com o padrão das Forças Armadas. Haveria, assim, três níveis: o mais alto seria o tenente-general, seguido do major-general e do brigadeiro-general. Atualmente, a hierarquia das PMs vai até os oficiais-superiores; a patente no topo é a de coronel. Enquanto na Aeronáutica, no Exército e na Marinha, os comandantes são considerados generais, nas PMs e nos Corpos de Bombeiros eles são coronéis.

“Por mais relevantes e por mais que sejam instituições de Estado, e não de governo, as polícias são executoras de política pública e o governador precisa ter controle para definir as linhas e quem serão os gestores. A política não é Judiciário, nem Ministério Público. Mandato não vai resolver perseguição”, afirmou a advogada Isabel Figueiredo, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-diretora de Ensino e Pesquisa na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça.

Uma das entidades consultadas para o projeto de lei, a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais e do DF (Feneme) argumenta que a similaridade deve existir porque os policiais e os bombeiros militares constituem a força auxiliar e reserva do Exército. A legislação das polícias é de 1969 e, de acordo com a Feneme, as leis aprovadas nos Estados – sem uma padronização nacional – acabam desfigurando as polícias por “interesses particulares”.  A federação compara a situação dos militares estaduais à da advocacia, do Ministério Público e da magistratura, classes do sistema de Justiça que já possuem leis orgânicas.

Apesar da restrição da liberdade de escolha e de demissão sugerida, a entidade alega que os governadores não perdem autonomia sobre a PM, que continua vinculada aos Estados, e que não há no projeto de lei “nenhuma premissa ideológica ou partidária”.

Governo participa da discussão dos projetos

O Palácio do Planalto vem sendo consultado e chegou a dar sugestões para os projetos de lei orgânica desde a gestão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Questionado sobre o apoio político aos projetos, o atual titular da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, disse que “os pontos de discussão encontram-se sob análise”.

O ministério confirmou ao Estadão que foram realizadas reuniões com conselhos nacionais, associações e sindicatos das polícias estaduais para discutir e receber sugestões ao texto.

Na eleição de 2018, Bolsonaro, que é capitão reformado do Exército, encampou o discurso de endurecimento na segurança pública e valorização de policiais, uma plataforma de campanha que também impulsionou a representação da classe no Legislativo.

No ano passado, um motim de PMs no Ceará expôs a politização latente pró-Bolsonaro entre policiais militares. O movimento grevista ilegal não foi condenado pelo presidente e ocorreu contra um governo de esquerda, de Camilo Santana (PT), que denunciou a “partidarização” nos batalhões. Em agosto, uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da empresa de inteligência digital Decode identificou que 41% dos praças das PMs interagiam em ambientes virtuais bolsonaristas no Facebook e 25% deles ecoavam ideias radicais.

Em dezembro de 2019, o Congresso aprovou uma proposta de reforma previdenciária para as Forças Armadas, de autoria do governo Bolsonaro, e equiparou as regras aos policiais e bombeiros militares estaduais, por lobby dos comandantes e da bancada da bala, os deputados eleitos pelo voto dos profissionais da segurança pública. A lei foi sancionada sem vetos por Bolsonaro.

No fim de 2020, o presidente também assinou, pelo segundo ano consecutivo, indulto de Natal que beneficia com o perdão da pena agentes de segurança condenados por crimes culposos – aqueles cometidos sem intenção. O presidente já fez outros acenos à categoria, como o reajuste em maio, durante a pandemia da covid-19, para as forças de segurança do DF, Amapá, Rondônia e Roraima, enquanto outros servidores teriam aumentos congelados. Além disso, virou “habitué” de formaturas de policiais egressos das academias e também costuma ir a velórios ou homenagear nas redes sociais policiais mortos.

Cor da farda e regra de promoção são impasses

Das duas leis orgânicas, o projeto mais adiantado politicamente é o das PMs. O texto vigente, porém, ainda não foi formalmente apresentado na Câmara.

O relator do projeto é o deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala no Congresso – que reúne cerca de 300 parlamentares – e aliado do governo. Havia acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para votá-lo ainda no ano passado, mas a pandemia e as eleições municipais adiaram a pauta. Além disso, falta consenso sobre boa parte das mudanças previstas, entre elas a padronização nacional de viaturas e uniformes.

Capitão Augusto admite que seu texto ainda deve passar por mudanças. O deputado apontou, por exemplo, a resistência da PM de Minas Gerais a adotar um fardamento padrão nacional diferente do atual, na cor cáqui, e a contrariedade da PM de São Paulo em exigir curso superior para ingresso na corporação.

Em algumas praças, há diferentes critérios de promoção e os PMs conseguiram benefícios no plano de carreira similares ao dos servidores estaduais. Se alterados por uma lei orgânica de alcance nacional, esse grupo poderia sair prejudicado.

“Está difícil chegar a consenso. Falta aparar algumas arestas para ter o texto pronto, mas, se não tiver consenso, vou pedir para pautar da mesma forma. A gente retira o que não tem acordo e aprova-se o resto”, disse Capitão Augusto. “Desde a Constituição, faz 32 anos que estamos aguardando uma lei orgânica básica.”


Carlos Pereira: Maldição ou virtude?

Virtude governativa emerge de instituições de controle fortes e independentes

Nos últimos anos, cinco dos ex-governadores do Rio de Janeiro (Moreira Franco, Antony Garotinho, Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão) já foram ou ainda estão presos. Por ampla maioria, o Superior Tribunal de Justiça manteve o afastamento do governador Wilson Witzel.

A Assembleia Legislativa acaba de aprovar, por 69 votos a zero, a continuidade do processo de impeachment do governador por crime de responsabilidade. O prefeito da capital, Marcelo Crivella, foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral por abuso de poder político e está inelegível por 8 anos.

O que esses eventos recentes dizem do que de fato está acontecendo no Rio de Janeiro? Estaria o Rio de Janeiro condenado à maldição de maus governantes?

O sistema democrático não nasceu necessariamente para gerar eficiência ou resultados consistentes com as nossas preferências. Mas para garantir liberdade competitiva à população na escolha de seus representantes e proporcionar resolução pacífica de conflitos sociais a partir da representação/inclusão dos mais variados interesses no jogo político. Raramente a democracia seleciona os melhores governantes. E mesmo quando o faz, não demora muito para que os eleitos frustrem as expectativas dos eleitores.

A qualidade da democracia, portanto, não é produto dos atributos ou crenças particulares do eleito, mas da qualidade institucional e da capacidade das organizações de controle de fiscalizar e impor medidas repressivas a comportamentos desviantes.

Impor sanções políticas e judiciais a seis de seus governantes não é trivial nem frequente em democracias. Essa performance sugere robustez das organizações de controle estaduais e capacidade de atuação coordenada e conjunta com organizações de controle de outras esferas, principalmente a federal.

É, portanto, míope quem enxerga na situação do Rio de Janeiro apenas a maldição da corrupção, sem perceber que há também virtude institucional.

Com isso não se está ingenuamente argumentando que as instituições de controle no Rio de Janeiro seriam perfeitas. Na maioria das vezes elas agem tardiamente e de forma retrospectiva ao invés de preventiva. As punições ocorrem quando os maus governantes já não estão mais no poder e os prejuízos de suas administrações predatórias já foram consumados.

Embora as organizações de controle tenham apresentado relativa capacidade na responsabilização e punição de governantes, elas ainda não o fazem de forma tão eficiente a ponto de desencorajar o mau comportamento.

Parece que os ganhos esperados com comportamentos desviantes continuam sendo maiores que os riscos de os governantes serem pegos em práticas desonestas. Isso acontece porque as chances de se detectar corrupção são ainda relativamente muito baixas.

O fortalecimento das organizações de controle não é linear. Além do mais, o sistema político é por demais protetivo dos governantes de plantão que dispõem de várias garantias legais e procedimentais que tornam a atividade criminosa atrativa e de relativo baixo risco.

A virtude na administração pública não decorre da conversão moral ou de compromissos políticos de governantes eleitos. Bons governos surgem da existência de organizações de controle fortes e independentes.


Demétrio Magnoli: Ciência serve para políticos fugirem à responsabilidade por suas decisões

Na guerra, o poder deve ser transferido aos generais? Na emergência sanitária, devemos recorrer ao 'governo dos epidemiologistas'? A resposta democrática é duas vezes 'não'

O físico Neils Bohr, um dos fundadores da teoria quântica, sabia o que não sabia. “A predição é muito difícil, especialmente sobre o futuro”, afirmou ironicamente, para explicar que a ciência cuida, essencialmente, da descrição. É útil recordar sua frase, nesses tempos em que líderes políticos —com o apoio de não poucos cientistas presunçosos— enchem a boca para dizer que suas decisões sobre a emergência sanitária fundamentam-se “na ciência”.

João Doria decidiu, “com base em ciência”, conservar regras lineares de isolamento social no estado de São Paulo, até 10 de maio. Já Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, resolveu flexibilizar as restrições no interior de seu estado —claro, “com base em ciência”. Os cenários são similares, embora não idênticos. A ciência também poderia ser invocada por cada um deles para adotar as iniciativas do outro.

O finado Mandetta justificou o isolamento social com o argumento de evitar o colapso hospitalar, um raciocínio que propicia flexibilizações em áreas de baixa pressão sobre leitos e UTIs.

O neurocientista Miguel Nicolelis, que assessora os governadores do Nordeste no mapeamento da epidemia, discorda veementemente. Segundo ele, em entrevista à TV, o isolamento social tem a finalidade muito mais ambiciosa de “evitar contágios”, o que exigiria rígidas quarentenas em todos os lugares, por período indefinido. Os dois falam —adivinhe!— em nome “da ciência”.

A ciência está na moda —o que é sempre bom, e melhor ainda nessa era de Bolsoneros, rezas coletivas para assustar o vírus, presidentes que receitam remédios, teorias conspiratórias veiculadas por ignorantes com cargo público. Contudo, o fetiche da ciência não ajuda a ciência e, sobretudo, serve como vereda para os políticos fugirem à responsabilidade por suas decisões, que são sempre políticas.

A ciência faz descrições e, no limite, formula hipóteses probabilísticas sobre o futuro. Um modelo sobre a pandemia da Universidade de Washington recomenda que nenhum estado dos EUA reabra a economia antes de maio —e que alguns deles só o façam no longínquo julho. Mas, rejeitando o fetichismo, o responsável pelo estudo disse que “se fosse um governador, certamente não tomaria decisões baseadas apenas no nosso modelo”.

O modelo da Universidade de Washington reflete, exclusivamente, uma especialidade científica: a epidemiologia. Não desapareceram, contudo, na tempestade viral, outros campos do conhecimento, como a sociologia e a economia (a “ciência sombria”, na definição de Thomas Carlyle). Essas ciências têm algo a dizer sobre os efeitos não epidemiológicos do congelamento prolongado de amplos setores da produção e do consumo.

A maior depressão mundial desde a Grande Depressão terá fortes implicações sobre a saúde pública. A ONU alerta para o risco de uma “fome de proporções bíblicas” em países pobres, como resultado da ruptura do sistema econômico. Investigações (científicas!) realizadas nos EUA indicam que o desemprego de longa duração corta a expectativa de vida em algo entre cinco e dez anos. Há mais coisas sob o sol do que o vírus.

O fundamentalismo epidemiológico (“evitar contágios”) pode ser tão desastroso quanto a negligência criminosa (“uma gripezinha”). A saída encontra-se na ciência desfetichizada —ou seja, numa visão holística da emergência sanitária.

A Alemanha, com folga no sistema de saúde, reduz paulatinamente as restrições na hora em que ainda se registram milhares de novos contágios diários. É uma decisão política, certa ou errada, tomada pelos representantes eleitos, não por epidemiologistas.

Na guerra, o poder deve ser transferido aos generais? Na emergência sanitária, devemos recorrer ao “governo dos epidemiologistas”? A resposta democrática é duas vezes “não”. No segundo caso, inclusive, para não converter a ciência em superstição.

*Demétrio Magnoli é sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Bruno Boghossian: Motim na PM dá dimensão nacional à política dos batalhões

Governadores querem evitar que tropas se tornem área de influência de Bolsonaro

A muitos quilômetros do quartel de Sobral, um governador convocou comandantes de sua Polícia Militar para cobrar disciplina das tropas. Em outro palácio, um mandatário decidiu refazer as contas do reajuste que havia sido prometido aos agentes de segurança locais.

Governadores enxergaram de longe a fumaça da exploração política após a explosão do motim da PM cearense. Nos últimos dias, muitos deles agiram não só para reduzir o risco de que a insurreição se alastre pelo país mas principalmente para evitar que seus batalhões se tornem áreas de influência de Brasília.

Entre os chefes de governo que passaram a vigiar o humor das tropas, os mais céticos minimizam o perigo de contaminação. Mesmo eles, porém, reconhecem que Jair Bolsonaro poderia sair ganhando com o clima de apreensão nos estados.

A tensão se deve em parte à barbeiragem de um dos integrantes desse clube. A decisão de Romeu Zema (Novo) de conceder aumento de 41,7% aos policiais de Minas vem sendo tratada como um estímulo irresponsável a outros rebeldes, nas palavras de um governador.

Mas o episódio toma contornos nacionais no ambiente de conflito aberto entre governadores e o presidente. Declarações de Bolsonaro sobre o preço da gasolina e sobre a morte de um miliciano ligado a sua família já mereceram cartas de protesto de chefes estaduais nas últimas semanas. Agora, alguns deles temem uma nova investida do Planalto.

O presidente fala o idioma dos insurretos. Ele fez carreira cobrando aumentos de salários para policiais e defendendo agentes violentos. Na greve de 2017 da PM capixaba, abriu uma campanha para que o governo cedesse ao achaque dos amotinados.

Parte dos chefes estaduais crê que Bolsonaro age para esvaziar seus poderes e reforçar o próprio alinhamento com os batalhões. Se uma tropa enfrentar seu governador por acreditar que tem guarida no Planalto, fecha-se uma panela de pressão. A polícia estaria a um passo de se transformar em uma falange política.


Folha de S. Paulo: Em carta, 20 governadores criticam fala de Bolsonaro sobre morte de miliciano ligado a Flávio

Presidente insinuou que polícia da Bahia, governada pelo PT, matou Adriano de propósito

Vinte governadores elaboraram uma carta "em defesa do pacto federativo" na qual criticam declarações de Jair Bolsonaro, feitas no último final de semana, sobre a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, na Bahia.

Na nota, divulgada nesta segunda (17), os governadores citam recentes falas de Bolsonaro "confrontando os governadores" e "se antecipando a investigações policiais para atribuir graves fatos à conduta das polícias e seus governadores".

A iniciativa de se posicionar contra as falas de Bolsonaro partiu do governador Wilson Witzel (PSC-RJ), endossada em seguida por João Doria (PSDB-SP). Ambos são adversários políticos do presidente. Depois, outros governadores chancelaram a proposta.

A carta, divulgada pelo Fórum dos Governadores, começou a ser gestada no final de semana, após Bolsonaro ter acusado a "PM da Bahia, do PT" ​de ter promovido a "provável execução" de Adriano, ex-capitão do Bope morto em operação conjunta das polícias baiana e fluminense no último dia 9.

O presidente insinuou que pode ter havido queima de arquivo pela polícia da Bahia, o que foi rebatido pelo governador do estado, Rui Costa (PT).

Investigações apontam que Adriano atuava em diferentes atividades ilegais: milícia, jogo do bicho, máquinas caça-níqueis e homicídios profissionais.

Homenageado duas vezes na Assembleia Legislativa do Rio pelo hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido), o ex-PM é citado na investigação que apura a prática de "rachadinha" (esquema de devolução de salários) no gabinete do filho do presidente quando ele era deputado estadual.

O miliciano teve a mãe e uma ex-mulher nomeadas por Flávio.

O próprio Bolsonaro defendeu Adriano em discurso no plenário da Câmara dos Deputados, em 2005, quando era deputado federal. Ele criticou a condenação por homicídio do ex-policial militar e o chamou de “brilhante oficial”.

Na época, Adriano havia sido condenado pelo assassinato do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24. Mais tarde, em um novo julgamento, foi absolvido.

A carta dos governadores também aborda declarações de Bolsonaro sobre a reforma tributária. Segundo eles, o presidente se referiu à reforma, "sem expressamente abordar o tema, mas apenas desafiando governadores a reduzir impostos vitais para a sobrevivência dos estados".

No último dia 5, Bolsonaro disse que zeraria o imposto federal sobre os combustíveis se os gestores estaduais zerassem o ICMS. "Eu zero o [imposto] federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito. Tá ok?", disse.

A conduta do presidente, avaliam os governadores, não contribui "para a evolução da democracia no Brasil".

"É preciso observar os limites institucionais com a responsabilidade que nossos mandatos exigem. Equilíbrio, sensatez e diálogo para entendimentos na pauta de interesse do povo é o que a sociedade espera de nós", diz a nota.

"Trabalhando unidos conseguiremos contribuir para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, pela redução da desigualdade social e a busca pela prosperidade econômica. Juntos podemos atuar pelo bem do Brasil e dos brasileiros", continua a carta.

Ao final, eles convidam Bolsonaro a participar de um encontro do fórum em 14 de abril.

Assinam a nota governadores de 20 estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Sergipe, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Acre, Amapá, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Mato Grosso do Sul e Amazonas.

Não assinaram a carta Carlos Moisés (PSL-SC), Marcos Rocha (PSL-RO), Antonio Denarium (PSL-RR), Ronaldo Caiado (DEM-GO), Mauro Mendes (DEM-MT), Mauro Carlesse (DEM-TO) e Ratinho Júnior (PSD-PR).

Em entrevista à imprensa nesta segunda-feira, Rui Costa afirmou que as últimas declarações do presidente foram recebidas com indignação pelos governadores.

“Estados e municípios não podem ser agredidos de forma regular e constante pelo presidente da República. Governar não é isso, não é agredir prefeitos e governadores toda semana. É preciso dar um basta”, afirmou o petista.

Além de criticar o comportamento de Bolsonaro, Costa sugeriu que o presidente se ocupasse mais dos problemas do país e menos dos problemas dos filhos.

“Espero que o presidente dedique seu tempo para cuidar do desemprego, do aumento da pobreza e de parar de tirar o Bolsa Família do Nordeste. [...] Ao invés de ficar cuidando os problemas dos filhos, ele deveria cuidar dos problemas do país”, afirmou.

Ele afirmou ainda que não será a polícia da Bahia, mas a do Rio, que vai investigar as possíveis relações do miliciano Adriano da Nóbrega com autoridades do país. Os celulares apreendidos com o ex-capitão, diz o governador, foram remetidos para o Ministério Público do Rio.

“Se há receio de alguém em saber se naqueles telefones existem contatos com autoridades do país, quem vai responder isso é o Ministério Público do Rio de Janeiro. Não é a Bahia que vai apurar com quem aquele bandido, aquele marginal, mantinha conversas e negociações”.

Na primeira vez em que falou sobre a morte do ex-PM, no sábado (15), o presidente driblou antigas convicções para colocar em xeque a gravidade da atuação criminosa do miliciano.

Bolsonaro criticou a polícia da Bahia por não ter preservado a vida do ex-capitão durante a operação. Normalmente, o presidente é um forte apoiador das polícias, mesmo quando as ações resultam em mortes.

Ele é crítico de defensores de direitos humanos, aos quais geralmente se refere com deboche.

Em outubro do ano passado, por exemplo, durante solenidade no Palácio do Planalto para lançamento de campanha do pacote anticrime, o presidente defendeu policiais que acumulam autos de resistência (mortes em decorrência de ação da polícia).

"Muitas vezes a gente vê que um policial militar ser alçado para uma função e vem a imprensa dizer que ele tem 20 autos de resistência. Tinha que ter 50! É sinal que ele trabalha, que ele faz sua parte e que ele não morreu", afirmou.

No sábado, Bolsonaro também ensaiou uma defesa da presunção de inocência, não replicada no passado diante de condenações de adversários. "Não tem nenhuma sentença transitada em julgado condenando capitão Adriano por nada, sem querer defendê-lo", afirmou.

Quando o ex-presidente Lula foi solto, em novembro do ano passado, Bolsonaro disse que o petista estava momentaneamente livre, mas carregado de culpa, e o chamou de criminoso. Assim como o ex-PM, Lula não tem sentença transitada em julgado.

Os laços de Adriano com a família do presidente podem ir além das contratações. Segundo o MP-RJ, contas do ex-capitão foram usadas para transferir dinheiro a Fabrício Queiroz, suspeito de comandar o esquema de devolução de salários no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro.

PERGUNTAS SEM RESPOSTA

  • Por que Adriano estava escondido na Bahia?
  • Por que Leandro Guimarães deu abrigo a Adriano em sua fazenda?
  • Por que Adriano deixou a fazenda de Leandro para se esconder no sítio de Gilsinho? Ele ficou sabendo que a polícia planejava uma operação? Se sim, como?
  • A casa onde Adriano foi morto tinha um colchonete, alguns móveis e alimentos, sinais de que pode ter sido preparada para receber alguém. Alguém ajudou Adriano a se esconder?
  • Se Adriano estava em um terreno cercado e com chances mínimas de fuga, por que a polícia, em vez de invadir a casa, não fez um cerco, reduzindo as chances de confronto e morte?
  • Se a Secretaria de Segurança Pública da Bahia vai investigar as circunstâncias da morte, ​por que o local onde Adriano foi morto não foi protegido ou isolado, evitando contaminação?
  • Qual a real extensão do relacionamento entre Adriano e a família Bolsonaro?

O Estado de S. Paulo: Guedes diz que metade dos servidores vai se aposentar e descarta concursos 

‘Me ajuda a fazer a reforma da Previdência que o dinheiro cai naturalmente’ afirma ministro sobre governadores

Stephanie Tondo, de O Estado de S. Paulo

RIO - O ministro da Economia, Paulo Guedes afirmou na manhã desta sexta-feira, durante evento na Fundação Getulio Vargas, que o governo conta com o apoio dos entes federativos (estados e muncípios) para aprovar a reforma da Previdência . Guedes disse ainda que o governo não pretende realizar concursos públicos nos próximos anos, apesar da previsão de que muitos servidores vão se aposentar.

— Cerca de 40% a 50% do funcionalismo federal irá se aposentar nos próximos anos, e a ideia é não contratar pessoas para repor. Vamos investir na digitalização.

De acordo com Guedes, a recuperação econômica do país depende da aprovação de medidas efetivas, como a reforma da Previdência, e a revisão do pacto federativo com estados e municípios. Sobre a dificuldade financeira enfrentada por governadores e prefeitos, o ministro afirmou que, sem aprovação da reforma, não haverá possibilidade de ajuda da União:

— Me ajuda a fazer a Reforma, que o dinheiro cai naturalmente — disse.

Guedes destacou ainda a importância de desvincular os orçamentos dos limites mínimos constitucionais e dar mais autonomia para que estados e municípios, em conjunto com o Legislativo, organizem o orçamento de acordo com suas necessidades específicas.— Nosso diagnostico é que o descontrole sobre gastos públicos corrompeu a política e estagnou a economia. A culpa da degeneração política é da economia — declarou o ministro, acrescentando que acredita que esta mesma classe política está amadurecendo:

— Assumam o orçamento, senhores. É preciso reabilitar a classe política brasileira.

Sobre a reforma da Previdência, Guedes afirmou que o regime de repartição, atualmente utilizado no Brasil e pelo qual os trabalhadores da ativa contribuem para financiar os benefícios de quem está aposentado, é um sistema insustentável.

‘O regime de repartição já quebrou’
Ele defendeu a migração para o modelo de capitalização, no qual cada trabalhador contribui para seu próprio fundo de aposentadoria. Pelos planos do governo, este novo modelo só será criado para novos trabalhadores, que não entraram ainda no mercado de trabalho.

Por isso, Guedes voltou a afirmar que a reforma da Previdência precisa economizar pelo menos R$ 1 trilhão, para ser viável criar o novo regime de capitalização.
— O regime de repartição já quebrou antes mesmo de a população envelhecer. Mas preciso de pelo menos R$ 1 trilhão para sangrar o sistema antigo, até que todo o sistema chegue na capitalização.

De acordo com Guedes, é preciso "coragem" de implementar a capitalização, pensando nas gerações futuras.

— Se não temos coragem, vamos expor nossos filhos e netos à mesma armadilha do sistema previdenciário que vai cair.

Sobre as críticas ao modelo chileno de capitalização, Paulo Guedes alegou que o pais hoje cresce cerca de 6% ao ano graças à adoção do novo regime previdenciário.


O Globo: Sob pressão de aliados, governo prepara plano para o Nordeste

Bolsonaro foi derrotado por Haddad na região, onde todos os governadores são de oposição

Por Jussara Soares, Eduardo Bresciani e Karla Gamba, de O Globo

BRASÍLIA - Sob pressão de aliados , o governo Jair Bolsonaro começa a preparar na próxima segunda-feira as primeiras ações de seu plano para o Nordeste . Uma reunião na Casa Civil, comandada pelo ministro Onyx Lorenzoni, vai reunir titulares de diversas pastas com o objetivo de elaborar medidas concretas para serem submetidas ao presidente. A movimentação ocorre depois de o Executivo ter descumprido sua primeira promessa: apresentar as prioridades de cada ministério após dez dias de gestão.

Segundo cronograma definido por Onyx no fim do ano passado, as primeiras medidas do governo Bolsonaro estabeleceriam metas a serem cumpridas em dez, 30, 60, 90 e 100 dias. Para a primeira fase (de 1º a 10 de janeiro), documento da Casa Civil definiu que cada pasta deveria enviar à Presidência a relação de suas propostas prioritárias.

Desde a posse, foram realizadas duas reuniões de Bolsonaro com os 22 ministros, mas nenhuma delas terminou com o anúncio de políticas públicas. A meta de reavaliar os atos normativos dos últimos dois meses da gestão de Michel Temer também não foi atingida.

Ao divulgar a agenda do governo para os primeiros dias, Onyx chegou a dizer que cada um dos titulares das pastas havia apresentado, no mínimo, dois projetos. Às vésperas da posse, caberia ao presidente analisar mais de 50 propostas de políticas públicas e definir a prioridade de cada área.

As ações dirigidas à população do Nordeste passaram a integrar a lista de medidas importantes a serem adotadas logo no início do governo. Na região, Bolsonaro foi derrotado na disputa presidencial — e todos os governadores eleitos são de partidos da oposição. A reunião sobre o Nordeste é uma resposta a aliados, que manifestaram ao presidente a necessidade de o governo sinalizar que não haverá retaliação à região pelo resultado das urnas.

Políticos do Nordeste que apoiaram Bolsonaro fizeram chegar ao presidente descontentamento com o fato de a região não ter recebido atenção nos primeiros dias da nova gestão. Ontem mesmo, Bolsonaro comandou reunião no Planalto com um grupo de ministros para avaliar os riscos enfrentados por moradores de um bairro de Maceió, onde foram encontradas rachaduras em vários imóveis, ainda sem causa conhecida.

Em novembro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, disse ao GLOBO que “o Nordeste é o centro das atenções para mudar o Brasil”. Até agora, a proposta mais vistosa verbalizada pelo presidente é de buscar cooperação tecnológica com Israel para dessalinizar água. Além disso, concluir as obras de transposição do Rio São Francisco é uma meta de longo prazo.

Participarão do encontro os ministros do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, do Meio Ambiente, Ricardo Salles, da Agricultura, Tereza Cristina, e de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. A ideia é que cada pasta apresente suas primeiras contribuições para a elaboração de um plano envolvendo diferentes áreas.

A demora em apresentar metas vem sendo alvo de reclamações desde a primeira reunião ministerial, no dia 3 de janeiro. Na ocasião, Onyx afirmou que as propostas seriam anunciadas no encontro seguinte, na última terça-feira. Ao final, não houve pronunciamento sobre as medidas. Heleno, chegou a dizer que os jornalistas deveriam cobrar a resposta de Onyx.

Prioridades “entregues”
Integrantes do primeiro escalão afirmam, sob condição de anonimato, que Bolsonaro recebeu as propostas de medidas para os cem dias apenas na última reunião. No encontro, o presidente teria voltado a insistir para revisão dos últimos atos do governo Temer.

Na noite de quinta-feira, o Planalto divulgou um vídeo nas redes sociais afirmando que os 22 ministérios estão trabalhando em “40 metas estruturantes, 20 entregas para a sociedade. Tudo para entregar serviços públicos de qualidade”. As imagens mostram os ministros em reunião. A propaganda, no entanto, não explicita quais as medidas que estão sendo trabalhadas.

O GLOBO procurou a Secretaria de Comunicação da Presidência para perguntar quais seriam as metas estipuladas para esses primeiros 10 dias e qual a avaliação sobre o cumprimento dessas metas, mas foi comunicado que apenas a Casa Civil tinha essa informação.

A assessoria da Casa Civil informou que “as linhas prioritárias foram entregues esta semana pelos ministérios e estão neste momento em fase de consolidação”.


O Globo: Nordeste resiste à onda bolsonarista e se torna último reduto da esquerda

Região elege governadores como os petistas Camilo Santana (CE) e Rui Costa (BA); Renan Filho, aliado de Lula, consegue quase 80% dos votos em Alagoas

Por Bernardo Araújo, de O Globo

RIO — Se candidatos como Wilson Witzel (PSC), que surpreendeu e obteve 40% na corrida pelo governo do Rio, e Romeu Zema (Novo), que vai para o segundo turno em Minas Gerais após conseguir 43% dos votos, surfaram na candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência e dispararam nas urnas, contrariando as pesquisas, a guinada à direita não chegou ao Nordeste, desde o começo da campanha tido como um bastião da esquerda, onde se concentrava uma grande fatia de eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu partido, o PT. Petistas como Camilo Santana, no Ceará, e Rui Costa, na Bahia, além de nomes de partidos mais à esquerda como Flávio Dino — o único governador do PCdoB, do Maranhão — e Paulo Câmara (PSB-PE) venceram suas eleições no primeiro turno.

Em Alagoas, o governador Renan Filho (MDB) foi reeleito no primeiro turno, com 77% dos votos, quilômetros à frente de Josan Leite (PSL), que teve 10,77%. O filho de Renan Calheiros não é um representante da esquerda, mas sua campanha foi marcada pela proximidade com as ideias do presidente Lula. Renan Filho inclusive recebeu o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, que tratou de “presidente” em uma visita em setembro. Como aconteceu na maioria dos estados nordestinos, Haddad foi o mais votado em Alagoas, com 45% dos votos contra 34% de Bolsonaro.

Dos candidatos do PT, as performances mais impressionantes vieram do Ceará e da Bahia. O cearense Camilo Santana foi reeleito governador de seu estado com quase 80% dos votos, contra apenas 11% do rival mais próximo, o General Teophilo, do PSDB. A vitória foi comemorada inclusive por Ciro Gomes, candidato derrotado do PDT à presidência. Na Bahia, Rui Costa também foi reeleito no primeiro turno, com 75% dos votos válidos, contra 22% de Zé Ronaldo (Democratas). Assim, o PT manteve a cadeira de governador da Bahia, que ocupa desde 2007, com Jacques Wagner. O partido também venceu no Piauí, com Wellington Dias.


Luiz Carlos Azedo: Hábitos inconfessáveis

Marun trombou com oito governadores do Nordeste, todos escolados na velha cultura de chantagear o governo para obter benesses nos momentos em que o Palácio do Planalto mais precisa de apoio

O “sincericídio” do novo ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), responsável pela articulação política no Congresso, pode ter posto tudo a perder. Certas práticas governistas nos bastidores da política são inconfessáveis, como a pressão sobre os governadores para apoiar a reforma da Previdência utilizando o poder de barganha do Palácio do Planalto na liberação de empréstimos dos bancos oficiais (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES).

Resultado: Marun trombou com oito governadores do Nordeste, quase todos escolados na velha cultura de chantagear o governo para obter benesses nos momentos em que o Palácio do Planalto mais precisa dos aliados. A carta dos governadores ameaçando o novo ministro foi duríssima: “Protestamos publicamente contra essa declaração e contra essa possibilidade, e não hesitaremos em promover a responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos, caso a ameaça se confirme.”

Com toda razão, os governadores invocaram o pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição, para protestar contra o que caracterizaram como “atos arbitrários para extrair alinhamentos políticos, algo possível somente na vigência de ditaduras cruéis”. Há que se considerar que seis governadores são de oposição, mas os dois do PMDB, Jackson Barreto, de Sergipe, e Renan Filho, de Alagoas, também subscreveram a carta. Somente Robson Faria, do PSD, não participou do piquenique na sombra do ministro.

Em tom de puxão de orelhas, a carta sugere que o presidente Michel Temer “reoriente os seus auxiliares, a fim de coibir práticas inconstitucionais e criminosas”. Há duas leituras subjacentes: a primeira, é o fato de que o Nordeste saiu da esfera de controle do Palácio do Planalto, o que é um péssimo sinal político, uma vez que, tradicionalmente, o eixo da “política de conciliação” é a relação da União com os governadores da região, independentemente de partido; a segunda, de que Marun terá que mudar o estilo trombador que caracterizava sua atuação na Câmara, sob risco de não sobreviver na função.

Uma das mudanças positivas do governo Temer no começo de sua gestão foi tirar as empresas estatais da esfera de barganha dos políticos, dando a elas uma gestão mais profissional e eficiente. Pedro Parente à frente da Petrobras é o melhor exemplo. O executivo tem larga experiência no setor público, faz parte de uma elite de gestores formada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua atuação serve de paradigma para os outros gestores de estatais. Por isso mesmo, as declarações de Marun também provocaram uma reação contrária, embora surda, nas diretorias dos bancos oficiais.

É evidente, porém, que Marun não é um desmiolado na articulação política. Suas declarações certamente foram escandalosamente inábeis, mas refletiram um reposicionamento do Palácio do Planalto em pleno curso, mas que jamais poderia ter sido revelado. Ou seja, se o novo ministro falou o que disse, é porque a conversa no Palácio do Planalto sobre a utilização dos financiamentos dos bancos oficiais para pressionar os governadores existiu.

Além dos governadores nordestinos, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também criticou Marun. Disse que a declaração foi um equívoco e que o governo “tem a obrigação de trabalhar pela reforma, mas não pode vincular financiamento à votação de deputado”.

Emprego
O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, filiado ao PTB, pediu demissão do cargo ontem, dia em que o governo colheu seu maior revés na economia neste ano: em novembro, foram fechadas 12.292 vagas de trabalho com carteira assinada, segundo números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério do Trabalho. É a diferença entre as contratações, que somaram 1.111.798, e o de demissões no mês passado, que totalizaram 1.124.090. Será substituído pelo deputado Pedro Fernandes (PTB-MA), também indicado pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, e pelo líder do partido na Câmara dos Deputados, Jovair Arantes (GO).

Não se sabe ainda se a onda de demissões será compensada pela contratação dos trabalhadores de acordo com as novas regras da reforma trabalhista, cujo impacto ainda é pequeno: 3.067 trabalhadores via contrato intermitente e 231 trabalhadores com contrato parcial (a nova lei elevou de 24 horas para até 30 horas semanais os contratos desse tipo).