golpe militar

Bolsonaro estimula celebração do golpe militar de 1964; generais pedem prudência

Presidente orienta Forças Armadas a comemorar aniversário do golpe militar de 31 de março

Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a “data histórica” do aniversário do dia 31 de março de 1964, quando um golpe militar derrubou o governo João Goulart e iniciou um regime ditatorial que durou 21 anos.

Generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo, porém, pedem cautela no tom para evitar ruídos desnecessários diante do clima político acirrado e dos riscos de polêmicas em meio aos debates da reforma da Previdência.

Em um governo que reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura (1964-1985) – o que já gerou insatisfação de parlamentares –, a comemoração da data deixou de ser uma agenda “proibida”. Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos. Veja onde estão os oficiais das Forças Armadas no governo no "mapa dos militares".

Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff, ex-militante torturada no regime ditatorial, orientou aos comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha a suspensão de qualquer atividade para lembrar a data nas unidades militares.

O Planalto pretende unificar as ordens do dia, textos preparados e lidos separadamente pelos comandantes militares. Pelos primeiros esboços que estão sendo feitos pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o texto único ressaltará as “lições aprendidas” no período, mas sem qualquer autocrítica aos militares. O período ficou marcado pela morte e tortura de dezenas de militantes políticos que se opuseram ao regime.

O texto também deve destacar o papel das Forças Armadas no contexto atual. De volta ao protagonismo no País, militares são os principais pilares de sustentação do governo Bolsonaro. Por isso, generais da reserva disseram à reportagem que no entendimento da cúpula das Forças Armadas e do próprio presidente, a mensagem precisa ser “suave”. Eles afirmam que não querem nenhum gesto que gere tumulto porque não é hora de fazer alarde e/ou levantar a poeira. O momento, dizem, é de acalmar e focar em reverter os problemas econômicos, como reduzir o número de desempregados.

Investigações. A suspensão da festa em comemoração a 1964 por Dilma coincidiu com a criação da Comissão Nacional da Verdade. O grupo foi criado pela presidente em meio à pressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Estado brasileiro pelo desaparecimento de guerrilheiros na região do Araguaia, e da Justiça Federal, que cobrava a entrega de restos mortais a familiares de vítimas da ditadura.

Embora não tenha avançado nos esclarecimentos dos episódios mais emblemáticos do período, a comissão desagradou aos militares. Na época, segundo relato de oficiais, ficou estabelecido uma espécie de acordo informal com o Exército – comandado à época pelo general Enzo Peri – de que não haveria “perseguição”. Oficiais afirmam que Dilma, na ocasião, chegou a dizer: “Não farei perseguição, mas em compensação não quero exaltação”.

Do outro lado, integrantes da comissão chegaram a demonstrar desconforto com a postura do então ministro da Defesa, Celso Amorim, e dos comandantes das Forças Armadas de, segundo eles, não se esforçarem na busca de informações. O relatório final do grupo foi entregue em dezembro de 2014 e considerado um fiasco por pesquisadores e parentes de desaparecidos políticos.

A partir daí, as comemorações nas unidades militares minguaram. A lembrança da passagem do 31 de março ficou limitada às atividades do Clube Militar, com sede no Rio, formado por oficiais da reserva.

Em janeiro de 2016, o então chefe do Comando Militar do Sul, o atual vice-presidente Hamilton Mourão, deixou o posto com um discurso em que citava a derrubada de Goulart. Ele lembrou que assumiu o cargo em 31 de março de 2014. “31 de março, grande data”, disse. Ao lado dele estava o substituto, general Edson Pujol, hoje comandante do Exército.

Cabeceira. O próprio Bolsonaro já declarou ter como ídolo um dos símbolos do regime militar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. Ustra foi comandante do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, onde teriam morrido 45 prisioneiros.

Durante a campanha, o presidente disse que seu livro de cabeceira é A verdade sufocada, uma versão de Ustra para os assassinatos de opositores do regime. Na época da campanha eleitoral, generais chegaram a sugerir que Bolsonaro não repetisse a afirmação.

Ao votar pelo impeachment de Dilma, Bolsonaro citou Ustra no discurso, causando polêmica. “Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família, pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”, declarou na ocasião em plenário.


Folha de S. Paulo: Cúpula militar quer evitar comemorações excessivas nos 55 anos do golpe de 1964

Com Bolsonaro no Planalto, preocupação é que manifestações tensionem ainda mais o ambiente político

Gustavo Uribe, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na tentativa de impedir que o governo se envolva em nova polêmica, a cúpula militar quer evitar comemorações públicas e efusivas dos 55 anos do golpe militar, a serem completados no próximo dia 31 de março.

A preocupação é de que, por se tratar da primeira celebração da data no governo Jair Bolsonaro (PSL) —capitão reformado e simpático ao período da ditadura (1964-85)—, as manifestações extrapolem os muros dos quartéis e batalhões e ganhem os espaços públicos, tensionando ainda mais o clima político.

O receio surgiu após terem chegado a auxiliares do governo informações sobre a intenção de serem promovidas festividades maiores do que em anos anteriores para comemorar a efeméride, como em escolas de formação e em clubes militares.

A cúpula militar defende nos bastidores que se repita a discrição verificada nos últimos anos, sem haver, como definiram assessores presidenciais em conversas reservadas, “confete”, “serpentina” ou “carnaval”. E que “não se crie marola” sobre o assunto, nas palavras de um deles, ofuscando a reforma da Previdência, considerada a prioridade da atual gestão.

“É o primeiro 31 de Março sob a égide do governo de Jair Bolsonaro. Espera-se que haja algum tipo de comemoração, digamos assim, mas ela será, obviamente, intramuros”, disse à Folha o vice-presidente, general Hamilton Mourão.

As Forças Armadas discutem a expedição de uma diretriz sobre a memória da data, que, embora tenha comemoração considerada controversa, é valorizada e lembrada pela classe militar como um fato histórico relevante para o país.

Neste ano, ao menos três estabelecimentos militares incluíram a efeméride em seus calendários, divulgados em suas páginas na internet, como o dia da “Revolução Democrática de 1964”: a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, o Comando de Operações Terrestres e o Colégio Militar de Santa Maria. No Clube Militar do Rio de Janeiro, foi marcado um almoço em homenagem aos 55 anos.

Desde 1965, o episódio costuma ser recordado no dia 31 de março em unidades militares. A partir de 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto, a lembrança passou a ser feita, no entanto, de maneira mais discreta.

Após a eleição de Dilma Rousseff (PT), a data foi retirada do calendário de comemorações do Exército, mas clubes militares continuaram a homenageá-la. Em 2011, segundo noticiou a Folha, foi cancelada palestra que o hoje ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, faria sobre a data, intitulada “A contrarrevolução que salvou o Brasil”.

Na época, em carta ao jornal, ele disse que a fala não iria “ferir os princípios da hierarquia e da disciplina”. “Minhas palavras não iriam modificar os fatos, apenas contar a verdade aos mais jovens”, afirmou.

Com a vitória de Bolsonaro, generais de alta patente avaliam agora reincluir a data na programação oficial do Exército. Procurado pela Folha, o Ministério da Defesa disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que por enquanto "não dispõe de informações a respeito".

Preocupada com manifestações públicas, a deputada federal Perpétua Almeida (PC do B-AC) reuniu-se com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Na audiência, marcada para discutir diferentes temas, ela disse ter relatado a ele que recebeu informações de que havia animação em unidades militares para a data e que não seria conveniente uma “comemoração extramuros”.

“Ele concordou que não há necessidade de criar novas tensões no país”, disse a parlamentar de esquerda.

Para o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), é da responsabilidade do governo federal e dos comandos militares desestimularem comemorações públicas que podem, na avaliação dele, aumentar a polarização política no país.

“Eu acho que isso seria muito ruim, porque pode adicionar uma complicação maior a esse ambiente que já é muito tenso”, disse.

Apesar do receio da cúpula militar, a expectativa é de que o presidente se manifeste, nem que seja pelas redes sociais, em homenagem à data. Para auxiliares palacianos, na tentativa de evitar críticas da opinião pública, seria ideal que, no mesmo posicionamento, ele fizesse uma defesa da democracia.

No ano passado, no dia da efeméride, Bolsonaro publicou vídeo no Facebook em que aparecia estourando um rojão em frente ao Ministério da Defesa, acompanhado de uma faixa que agradecia os militares por não terem permitido que o Brasil se transformasse em Cuba. “O 7 de Setembro nos deu a independência e o 31 de Março, a liberdade”, disse.

Em sua trajetória política como deputado federal, ele fez inúmeros elogios à ditadura no país e chamou de “herói brasileiro” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão durante o regime militar, morto em 2015.

Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações) do 2º Exército entre 1970 e 1974, no auge do combate às organizações da esquerda armada. Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, só em sua gestão, a unidade militar foi responsável pela morte ou desaparecimento de ao menos 45 presos políticos.


El País: Documento da CIA sobre execuções “implode” versão oficial da ditadura

Gerente-executiva do relatório da Comissão da Verdade diz que ainda há arquivos a serem analisados. Bolsonaro questiona documento, que "não vale um tostão" na avaliação de presidente do Clube Militar

Por Rodolfo Borges, do El País

As feridas abertas durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) insistem em não cicatrizar. Revelado na quinta-feira, o documento da CIA que expõe a cúpula do Governo militar discutindo execuções em 1974 "implode o núcleo da versão oficial", segundo Vivien Ishaq, gerente-executiva do relatório da Comissão da Verdade. Responsável por coordenar os esforços das mais de 300 pessoas que participaram ao longo de 30 meses da pesquisa que revirou o passado recente do país, a historiadora chama atenção para o nível em que a mensagem da CIA foi trocada. "Do ponto de vista do poder dos personagens, é top secret. De diretor da CIA para primeiríssimo escalão. É extremamente importante", diz Ishaq. O conteúdo da mensagem é posto em dúvida pelos militares, contudo.

De acordo com a pesquisadora, que também coordenou o recolhimento dos arquivos da ditadura no Arquivo Nacional em Brasília, a maior parte do material dessa época disponível no Brasil diz respeito a pessoas investigadas pelo serviço secreto. "Aqui [no memorando da CIA] se vê de outro ponto. De primeiro escalão para primeiro escalão. É documento de Governo, não de serviço secreto", analisa Ishaq, para quem mensagem da agência norte-americana reforça as conclusões da Comissão da Verdade. O relatório final, apresentado em dezembro de 2014, demonstrava a existência de uma política de repressão. "Ao implodir esse núcleo central, também se joga por terra teses muito caras para as Forças Armadas e para os defensores da ditadura", diz a pesquisadora, que cita duas delas: "De que a maioria das mortes teria ocorrido em confronto ou de que seriam resultado de excessos de determinados agentes do Estado", o que eximiria de responsabilidade o comando hierárquico.

Como esse documento estava à disposição para consulta desde 2015, é de se imaginar que ainda há mais para ser descoberto sobre o período. Pelo menos a partir dos arquivos norte-americanos, porque o Exército divulgou uma nota desencorajadora na quinta-feira. Reproduzida pela Agência Brasil, a mensagem do Centro de Comunicação Social do Exército "informa que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época – Regulamento da Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS) – em suas diferentes edições”.

O Ministério da Defesa reforçou a mensagem do Exército em nota praticamente idêntica. Mais tarde, questionado por jornalistas sobre o assunto, o ministro Raul Jungmann, da Segurança Pública, disse que o valor das Forças Armadas "permanece nos mesmos níveis [em] que se encontra até aqui". "São documentos da CIA, e o Governo brasileiro não tem conhecimento oficial de nada do que diz respeito a isso. Para se ter um pronunciamento oficial a respeito desse assunto, nós não podemos ficar apenas [nisso]", comentou.

O Arquivo Nacional guarda pelo menos dois lotes de documentos enviados pelos Estados Unidos após a conclusão do relatório da Comissão da Verdade. São 651 os documentos disponíveis para os pesquisadores brasileiros. "A produção documental sobre o assunto é gigantesca. Há 20 milhões de páginas no Arquivo Nacional", diz Vivien Ishaq. Segundo ela, o relatório da Comissão da Verdade produziu apenas uma "fotografia do período em que funcionou" e ainda "tem muita investigação a ser feita e muito documento a ser analisado". E é possível até que existam documentos brasileiros, porque o termo de destruição dos registros também foi destruído. Ou seja, não existe prova de que os documentos foram de fato destruídos.

Militares
Além do Exército, do Ministério da Defesa e do ministro da Segurança Pública, também falou pelos militares o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Em entrevista à rádio mineira Rádio Super, o pré-candidato à presidência questionou onde estão os 104 mortos que teriam sido executados pelo regime em 1973, de acordo com o documento da agência de inteligência norte-americana. "Quantas vezes você falou ali num canto que tem que matar mesmo, tem que bater, tem que dar canelada...Talvez esse cara tenha ouvido uma conversa como essa e fez o relatório e mandou", questionou o deputado, referindo-se ao então diretor da CIA, William Egan Colby.

Único dos pré-candidatos à presidência a defender o regime militar, Bolsonaro interpretou a comoção em torno da questão como uma reação a seu prestígio eleitoral. "Voltaram à carga, né? Um capitão está para chegar lá, é o momento. Olha, foi um memorando de um agente, que a imprensa não divulgou. É um historiador que diz que viu, mas não mostrou. Tem que matar a cobra e mostrar o pau. Eu respondo de forma simples: quem nunca deu um tapa no bumbum de um filho e depois se arrependeu?", disse o deputado durante a entrevista.

O presidente do Clube Militar, Gilberto Pimentel, engrossou o coro. Em entrevista ao Estado de S.Paulo, ele classificou a comunicação norte-americana de "inteiramente fantasiosa" e disse que o documento "não vale um tostão furado". Na entrevista, Pimentel destaca o momento em que a mensagem surgiu. "Temos agora na liderança das pesquisas para as eleições presidenciais um candidato que surgiu do nosso meio e um grupo expressivo de militares que, democraticamente, nesses dias consolidou a intenção de candidatar-se aos mais variados cargos de governo, desde os municipais, passando pelos estaduais até os federais”. Levantamento do Estado de S.Paulo aponta a que pelo menos 71 militares pretendem se candidatar na eleição deste ano.

O presidente eleito do Clube Militar, Antonio Hamilton Mourão, que assume o posto em junho, também comentou o assunto em entrevista. Ao jornal gaúcho Zero Hora: “A quem interessa manchar a reputação das Forças Armadas, que segundo pesquisas são as instituições em que a população mais confia, hoje, no Brasil? Gostaria de saber por que esse documento surgiu justo agora, num momento turbulento da nação.”

Anistia
Órgãos do Ministério Público Federal divulgaram nota nesta sexta-feira para questionar a Lei de Anistia. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara Criminal do MPF dizem que o "Brasil é o único país do continente que, após ditadura ou conflito interno, protege os autores de graves violações aos direitos humanos com uma Lei de Anistia". "O documento do governo americano, ao revelar nova evidência de que a repressão política pela ditadura militar incluiu uma política de extermínio de opositores do regime, convida para uma resposta breve do Estado brasileiro em favor da promoção da justiça", defendem os órgãos, que dirigem sua pressão diretamente ao Supremo Tribunal Federal. "A Suprema Corte brasileira, ao conformar a aplicação da Lei de Anistia e da prescrição penal às normas vinculantes do direito internacional e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ajustará o Brasil ao parâmetro adotado por todos os Estados da América Latina que passaram por ditaduras ou conflitos internos durante os anos setenta e oitenta".