general braga netto

Golpe? Que golpe?

Demorou, mas finalmente as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid

Vai ter golpe? Não. Já teve. Não sei se você lembra, mas foi em 2016, contra Dilma Rousseff. Como o espaço é curto, eu vou resumir. Teve o tuíte golpista do general Villas Bôas ao Supremo, Lula foi preso, não pôde participar da eleição e Bolsonaro foi eleito, enquanto as instituições, claro, funcionavam normalmente. Sim, teve o Moro, hoje, sabe-se, um juiz suspeito.

Tudo ia muito bem para essa gente. Mas, no meio do caminho tinha uma pandemia. Demorou, demorou, mas, ufa, finalmente, as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid. Eis que os senadores descobrem fortes indícios de corrupção na negociação para comprar vacinas! As suspeitas envolvem coronéis e o general da ativa que foi ministro --e também encostam em Bolsonaro.

Ele despenca nas pesquisas. O que faz, então, o presidente enfraquecido? O arauto do caos intensificou a pregação golpista contra a urna eletrônica e as eleições, contando, agora, com o reforço escancarado do ministro da Defesa, Braga Netto, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo. A ameaça do general foi direcionada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o mesmo que com seus poderes hipertrofiados se recusa a analisar os pedidos de impeachment contra o presidente.

Ocorre que Bolsonaro foi buscar apoio justamente no centrão de Lira. Na rapina do dinheiro público, a turma de Lira faz assim: escalpela, dilacera as vísceras e termina o repasto triturando os ossos até o tutano. O híbrido de governo miliciano, centrão, liberais defensores do Estado esquelético e militares saudosos da ditadura ainda vai produzir muitos sobressaltos.

Mas o Brasil que irá às urnas em 2022 é muito diferente daquele que votou com ódio em 2018. E tudo o que os generais herdeiros de Ustra conseguirão com seus arreganhos é se parecer cada vez mais com um bando de "maria fofoca", metidos num disse me disse de golpe. Generais, vistam o pijama e devolvam-nos o país que vocês destruíram. Não estão satisfeitos com 550 mil mortos?


Está só começando o assalto do Centrão ao governo Bolsonaro

Para pelo menos completar o mandato, o presidente entrega os anéis, os dedos e o que mais for necessário

Fosse bem o governo, o presidente Jair Bolsonaro não precisaria abrir a porta para a entrada do Centrão, o que ele sempre negou que faria. Como o governo vai mal e o sonho da reeleição cada vez mais distante, restou-lhe dar o dito pelo não dito.

Não foi o Centrão que meteu o pé na porta, foi o presidente que lhe estendeu o tapete vermelho e pediu que entrasse. Nada tem a ver com um lance de ocasião do tipo ceder os anéis e preservar os dedos. Haverá de ceder os dedos e muito mais.

Consentido por Bolsonaro, o assalto do Centrão ao governo está só começando. Uns tantos quintos colunas ali já estavam instalados, mas perdiam de longe para os militares em matéria de influência. Em breve, o placar deste jogo será invertido.

A chefia da Casa Civil não é um cargo qualquer, é o mais importante do governo depois do cargo de presidente. Foi por isso que do México, onde ainda se encontra de férias, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) apressou-se a dizer sim ao convite para ocupá-lo.

Nogueira não é simplesmente um senador, é presidente do seu partido, um dos maiores, e um dos líderes do Centrão. Em 2006, indicou a senadora Ana Amélia para vice de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB a presidente contra Dilma Rousseff (PT).

Antes da eleição, abandonou Alckmin, Ana Amélia e apoiou Dilma. Ele e a mãe posaram para fotos com adesivos da campanha de Dilma. Em vídeo gravado em 2017, chamou Bolsonaro de fascista e Lula de o maior presidente da história do país.

Bolsonaro está sendo obrigado a explicar aos seus devotos por que convidou para ser o seu segundo não só um nome do Centrão como justamente o daquele que o tinha como má companhia. E tem respondido que no passado disse coisas que hoje não repetiria.

Seria o caso de perguntar-lhe que coisas foram essas que hoje não mais diria. E de perguntar a Nogueira por que há três anos e meio ele considerava Bolsonaro um fascista. É de supor que não considere mais. Foi Bolsonaro quem mudou ou foi Nogueira?

Os militares sempre serão o maior contingente de quadros do governo Bolsonaro – algo entre 6 mil e 8 mil, da reserva e da ativa, distribuídos por todos os escalões. Mas a entrada de Nogueira os afetará, bem como a Paulo Guedes, ministro da Economia.

Sob o seu comando, Guedes reuniu meia dúzia de antigos ministérios rebaixados à condição de secretarias. Acaba de perder Trabalho e Previdência Social e corre o risco de perder o Planejamento. Por mais que negue, está em declínio.

Em time que vence não se mexe. Bolsonaro conformou-se em mexer no seu para não perder a última e decisiva batalha, a de completar o mandato.

PP de Nogueira, chefe da Casa Civil, recusa o passe de Bolsonaro

Além de ser um fardo pesado, o presidente atrapalharia alianças do partido nos Estados

O convite para que Ciro Nogueira (PI) ocupe a chefia da Casa Civil do governo está sendo celebrado por deputados federais e senadores do Progressistas (PP), mas a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro se filie ao partido, não.

“Tentei e estou tentando um partido que eu possa chamar de meu e possa, realmente, se for disputar a Presidência, ter o domínio do partido. Está difícil, quase impossível”, disse, ontem, Bolsonaro em uma entrevista à rádio Grande FM, de Mato Grosso do Sul.

Por ora, a resposta do PP ao presidente é: “Aproxime-se para lá, me inclua fora dessa”. Foi a mesma resposta que lhe deram o Patriotas e outras siglas. Há mais desvantagens do que vantagens em abrigar Bolsonaro e toda a sua trupe, onde se incluem os filhos.

Vão querer mandar no partido onde entrarem, e todos os partidos já têm donos. A empreitada de Bolsonaro para criar um partido só dele fracassou. Ele ficou sem nenhum e não sabe qual será o seu destino a 14 meses das eleições do ano que vem.

Além de donos, os partidos ambicionados por Bolsonaro preferem não ter candidato próprio a presidente da República para se dedicarem à eleição de deputados e senadores, e isso passa por alianças diversas nos Estados, à direita e à esquerda.

O PT governa a Bahia junto com o PP. Bolsonaro admitiria que, ali, o PP apoiasse Lula ao invés dele? De Nogueira, tão logo assuma a Casa Civil, seus liderados esperam que os ajude a se reeleger, e não o contrário; e que os deixe sem amarras para isso.


Esquerda auxilia Bolsonaro sempre que apoia ditaduras

Militantes de esquerda ficam muito irritados quando seus políticos são questionados por jornalistas sobre Cuba ou Venezuela. Acreditam que esse tipo de pergunta é capciosa, uma espécie de espantalho que busca amedrontar o eleitorado e desviar a atenção dos temas substantivos de políticas públicas.

O antigo mal-estar foi reavivado agora quando diversos políticos de esquerda, entre eles o ex-presidente Lula, deram declarações apoiando a ditadura cubana, que enfrenta uma onda de protestos.

A esquerda não gosta de ser comparada a Bolsonaro em sua falta de compromisso com a democracia. Em parte tem razão: nos 13 anos de governos petistas não houve nenhum movimento relevante de esmorecimento da ordem democrática. Apesar de declarações criticando a imprensa ou ataques a movimentos de protesto, não houve nenhuma ação dos governos de esquerda que minimamente se aproximasse das rotineiras ameaças de Bolsonaro à integridade das eleições, à independência dos Poderes ou à liberdade de imprensa.

Por isso mesmo, é bastante surpreendente a incapacidade das maiores lideranças de esquerda de marcar distância dos regimes autoritários em Cuba ou na Venezuela. Essa recusa em condenar ditaduras alimenta o medo de setores da direita, e mesmo do centro, que pode empurrá-los outra vez para Bolsonaro na busca do mal menor.

A esquerda precisa escapar da lógica binária segundo a qual o injusto e excessivo embargo americano contra Cuba autoriza ações repressivas como a que vimos na semana passada, com a prisão em massa de dissidentes e a suspensão da internet. A ditadura de um só partido, a limitação da liberdade sindical e a restrição da liberdade de imprensa não podem ser defendidas como o preço a pagar pelas boas políticas de saúde e educação cubanas.

O mesmo vale para a Venezuela. A perseguição à oposição e o cerceamento à liberdade de imprensa, de um lado; e, de outro, a falta de independência entre os Poderes, com o estrito controle do Executivo sobre a Corte constitucional e o redesenho de distritos eleitorais para manter o controle do Legislativo, não pode ser defendida porque a oposição tentou dar golpes de Estado ou porque o governo americano ameaça intervir no país.

No caso da Venezuela, para além das questões democráticas, é preciso uma reflexão profunda sobre os graves equívocos da política econômica, que levaram o país a uma inflação anual de 3.000% e a uma queda no PIB de 30% em 2020 —esse desastre todo não se explica apenas pelas sanções americanas e por um suposto locaute do empresariado.

A esquerda, se quer se apresentar como contraponto ao autoritarismo de Bolsonaro, precisa melhorar muito suas credenciais democráticas. Não pode tomar posições que sugiram que, se a oportunidade surgir, poderá sacrificar a democracia na busca pela justiça social. Sempre que a oportunidade surgir, é mais do que pertinente que o jornalista pergunte ao candidato da esquerda: “E a Venezuela?”.


O cheiro do golpista

Braga Netto tem sotaque de golpista, cacoete de golpista e é amigo e subordinado do golpista-mor da República. Só por um milagre ele próprio não seria um golpista potencial

Pode não ser verdade, mas é bem provável que seja. O episódio golpista que envolveu o general Braga Netto, ministro da Defesa, tem traços genuínos e cheiro de verdade. Só o “Estadão”, que publicou a matéria em que conta a ameaça às eleições feita pelo general, pode garantir a veracidade da informação. E o jornal não só garantiu como reafirmou sua convicção na correção da matéria. Todos os demais podem afirmar que ela é bem provável, ou muito provável, ou mais do que provável. O general tem sotaque de golpista, cacoete de golpista e é amigo e subordinado do golpista-mor da República. Só por um milagre ele próprio não seria um golpista potencial.

Braga Netto é também subserviente ao presidente de maneira absoluta. Parece um cão de guarda, com a diferença que o militar age por vezes por imitação. O cachorro só se manifesta se ordenado pelo dono. A ameaça do general teria ocorrido depois de inúmeras declarações de Bolsonaro no mesmo sentido. No dia 8 deste mês, o presidente reafirmou que poderia não haver eleição se ela não fosse auditável (que na linguagem golpista significa voto impresso). Bolsonaro falou no cercadinho do Alvorada ao grupo de cegos apoiadores que aplaudem e riem de todas as suas tolices. No mesmo dia, Braga teria mandado alguém avisar o presidente da Câmara que se a eleição não for com voto impresso e auditável não haverá eleição em 2022. Alguma dúvida?

Um acinte. Um abuso. Uma violência típica de generaleco de republiqueta. Pode não ter ocorrido, mas Braga já deu outras demonstrações de seu afeto ao golpismo. Na posse do comandante do Exército, no dia seguinte à sua própria posse na Defesa, o general disse que as Forças Armadas estariam prontas para garantir a manutenção do projeto escolhido nas urnas pelos brasileiros. Seria o mesmo se dissesse que os militares não aceitariam um revés que ameaçasse o mandato de Bolsonaro, o presidente que cometeu mais de 30 crimes de responsabilidade pelos quais poderia ser legalmente afastado. Sob qualquer ângulo que se veja, aquela declaração só poderia ser feita por um general golpista, querendo entrar com o seu coturno pesado num jogo para o qual não foi convidado.

Mais adiante, há duas semanas, publicou nota intimidando o presidente da CPI da Covid. Omar Aziz, para quem não se lembra, disse que a banda podre das Forças Armadas envergonham os bons militares. A nota, assinada por Braga e pelos comandantes militares, afirmou que Exército, Marinha e Aeronáutica “não vão aceitar ataques levianos”. Parecia querer dizer que militar ladrão não incomoda militar honesto, poderia ter acrescentado “somos todos companheiros de farda”. Francamente. Braga Netto terá que se entender ele mesmo com a CPI, afinal era chefe da Casa Civil e coordenador do grupo de combate à Covid quando ocorreram todos os equívocos que vêm sendo relatados na comissão. E que resultaram em milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.

O desmentido do general à reportagem do “Estadão” foi solene, mas não definitivo. Ele deveria ter dito o que disse o vice Hamilton Mourão: “É lógico que vai ter eleição (mesmo sem o voto impresso). Quem é que vai impedir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos uma república de banana”. Não, Braga preferiu manter-se general menor e voltou ao velho lenga-lenga de que as Forças Armadas estão “comprometidas com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”, embora essas não sejam atribuições conferidas a elas pela Constituição. Até porque, sabe-se lá o que ele entende por liberdade do povo. Em nome dessa liberdade, outros generais já cometeram inúmeras atrocidades registradas pela História.

Azeitar, operar, negociar

O Congresso reagiu com euforia ao anúncio da nomeação do senador Ciro Nogueira para a Casa Civil no lugar de Luiz Eduardo Ramos, outro general que caminha um passo a mais em direção à rua. Deputados e senadores disseram que o habilidoso Ciro vai azeitar a engrenagem que liga Executivo e Legislativo, que ele sabe negociar melhor do que ninguém, e que vai ser um operador do governo no Congresso. Eufemismos, eufemismos, eufemismos. Azeitar, na linguagem parlamentar, é dar cargos para os aliados. Negociar é distribuir verbas públicas em troca de apoio ou, em bom português, fazer negócios. E operar é a arte de oferecer favores e agrados e atender pedidos, tudo com dinheiro do contribuinte, claro.

Loteamento

Bolsonaro dizia na campanha que governaria com 15 ministérios, tomou posse com 21 e na semana que vem serão 23, com a recriação do Ministério do Trabalho para abrigar o irrelevante Onyx Lorenzoni. Se continuar disparando contra o próprio pé com a mesma pontaria de hoje, chegará ao fim do mandato com uns 40, como Dilma. A conta daquele inchaço, segundo cálculo das repórteres Luiza Damé e Catarina Alencastro feito para O GLOBO em maio de 2013, chegou a R$ 58 bilhões.

O engraçado

Paulo Guedes é mesmo muito gozado. Ao anunciar mais um fatiamento em seu latifúndio ministerial, disse: “Vamos criar empregos, inclusive com uma reestruturação nossa… (trata-se de) uma mudança na direção do emprego e da renda”. Fala sério, ministro, os únicos empregos que Onyx vai criar no Ministério do Trabalho serão os dele e os da sua turma.

Rancho Queimado

Nem toda a turma do interior que apoia Bolsonaro sabe distinguir com clareza um político de esquerda de um de direita. Como são conservadores nos costumes, acabam elegendo políticos de direita, conservadores como eles. Muitos não sabem quanto dura um mandato, como funciona o princípio da reeleição, para que servem o Congresso e o Supremo, ou o que significa um golpe militar. Não se trata de burrice, mas de alienação e desinformação. Os eleitores de Rancho Queimado, citado por Luis Carlos Heinze como a meca da cloroquina, querem que seus negócios prosperem, querem manter seus empregos, querem criar seus filhos adequadamente. O que eles mais precisam, mas não sabem, é de educação política. Se entendessem a gravidade desses dias, o presidente não teria mais do que 5% de apoio. Ficaria apenas com os trogloditas como ele.

Clube do bolinha

A Fiesp divulgou esta semana a lista de membros da sua nova diretoria, do seu Conselho Fiscal e dos delegados da entidade junto à CNI. Foram eleitas 133 pessoas: o presidente, 25 vice-presidentes e mais 108 diretores, conselheiros e delegados. Destes, 131 são homens. Apenas duas mulheres participam do comando da entidade, Mariana Falcão Dalla Vecchia e Silvia Ribeiro de Aquino. Sobra gravata e falta saia na Fiesp.

Castigo

Para não deixar dúvida, sou torcedor do Flamengo, dos chatos, que vê todos os jogos e fica irritado nos dois dias seguintes a uma derrota do mais querido. Mesmo assim, não há como não anotar com satisfação o baixo número de ingressos vendidos para o jogo de Brasília, na quarta-feira passada. Menos de um terço da carga oferecida foi comprada. O preço atrapalhou, mas é claro que o brasiliense aproveitou para dar uma banana ao negacionismo renitente da diretoria do clube.

Barraquinhas

Imaginem como seria a cena proposta por médico do Ministério da Saúde para o laboratório a céu aberto de Manaus no auge da crise de oxigênio. Tendas, ou barraquinhas, seriam montadas em frente aos hospitais da cidade e ofereceriam cloroquina, azitromicina, ivermectina e outros medicamentos ineficazes aos pacientes que chegassem procurando socorro. “Cloroquina aqui, cliente”. “Mulher bonita não paga, ivermectina de graça é aqui”. “Na barraquinha da doutora Mayra você pede uma azitromicina e leva o kit completo”. “Aqui, dona Iolanda, pegue seu kit e leve uma banda”.

Olímpica 1

Excelente exemplo da delegação brasileira que desfilou na abertura dos Jogos de Tóquio com apenas quatro integrantes. Fazer bonito de vez em quando não custa nada e ajuda a diminuir a antipatia global causada pelo capitão. O número reduzido de desfilantes era para mostrar preocupação com a pandemia de coronavírus. No Brasil, os atletas devem ter sido vaiados por você sabe quem.

Olímpica 2

Pelo menos 142 atletas publicamente LGBTQ estão nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Esse número é duas vezes maior do que o registrado no Rio, em 2016, segundo a Outsports.com.

Correção

Nota publicada na semana passada dizia que as TVs tinham dado enxurrada de matérias e plantões ao vivo da porta do hospital depois da facada no então candidato Jair Bolsonaro, permanecendo assim depois da recuperação do paciente. A direção de jornalismo da Globo, responsável pelos telejornais da TV Globo e da GloboNews, enviou arquivos de vídeo mostrando que a informação estava errada. O noticiário da TV Globo só alterou o padrão na quinta (6/9), dia do atentado, e nos três dias seguintes. Da segunda (10/9) em diante, a saúde do candidato voltou a ser noticiada dentro do minuto a que tinha direito (como os demais candidatos), com exceção do dia em que sofreu nova cirurgia e do dia em que recebeu alta do hospital. A GloboNews adotou a mesma linha, com tempos maiores nos dias subsequentes ao atentado, e cobertura total de não mais que quatro minutos até o fim da campanha, e nas duas mesmas datas (nova cirurgia e alta médica) como exceção, com tempo de pouco mais de meia hora no total do dia. Com a correção, acrescento meu pedido de desculpas aos leitores.


O poder, os tiranos e os piores. Não há quem escape de seu fascínio

O poderoso tirânico cerca-se de cópias de si mesmo, incompetentes, ignorantes, vulgares

Seja no Estado, no mercado ou na sociedade civil, o poder arrebata. Ele oferece vantagens e recompensas, mesmo que também traga sacrifício e sobrecarga.

São as recompensas que seduzem. Ver-se obedecido, admirado e elogiado faz brilhar os olhos de muita gente. É o que leva a que se cometam excessos e estripulias, cresçam as ilusões e os autoenganos. O poderoso nunca está sozinho. Seu círculo mais próximo é fonte permanente de intrigas, inveja e cobiça, o que provoca atritos e colisões. O poder não pode tudo. Numa democracia, tem de se haver com o povo livre, a sociedade civil, o sistema de controles, os demais poderes.

O poder fascina anjos e demônios, pessoas com vocação para o bem público e pessoas mesquinhas, agarradas aos próprios interesses. Quando um anjo se deixa seduzir pelo poder, ele perde integridade e pujança reformadora. Seus planos e projetos deixam de ser factíveis e se tornam dependentes de acordos espúrios, batendo às portas da corrupção. Quando um demônio chega ao poder, ele se realiza como excrescência perversa. Exala maldade por todos os poros e trafega pelos becos escuros da sociedade, onde vicejam a boçalidade, a ignorância, a violência, o desregramento. Alia-se a quadrilhas e redes corruptas, na ilusão de conseguir com elas uma base sólida de apoio e financiamento. Apela para manobras populistas para chegar ao povo, mas o seu é um populismo regressista, malévolo, mais nefasto que qualquer outro.

O poderoso tirânico acredita que ser autoritário e impositivo é a principal ferramenta para intimidar subalternos e aliados. É por isso que ele se cerca de cópias de si próprio, pessoas incompetentes, ignorantes e vulgares, dispostas a todo tipo de serviços. A “kakistocracia”, o governo dos piores, é seu modelo de atuação. Ele o faz valer destruindo a política, os partidos, as instituições. Abre os portões para que a mediocridade se imponha em todos os lugares.

A poliarquia confunde e desafia o poderoso. Faz que fique acuado e enverede pelas trilhas obtusas do destempero e da agressão verbal. Quanto mais tosco o poderoso, mais a tirania o atrai, pois não sabe conviver com a diferença, com quem o contrasta e desafia.

Nenhum tirano é democrata. Sempre tende a fugir da realidade. Parafraseando Macbeth, sua desgraça são as loucuras paranoicas da imaginação, mais que os temores do presente. Num Estado democrático, o tirano se dissimula. Diz que segue as regras constitucionais, mas age sistematicamente para burlá-las. Aceita eleições desde que sejam moldadas para referendá-lo. Quando não consegue, passa a atacá-las e ameaça suspendê-las. Boicota o controle entre os Poderes, procura interferir em todos eles. Invade o Congresso e as Cortes judiciárias com atos bombásticos e tropas de ataque. Enxerta amigos nos espaços institucionais para impedi-los de funcionar com independência. Deseja-se absoluto. Seu orgasmo é o exercício coreográfico do poder.

Como em seus antepassados, o poder do tirano moderno pede exibição, na glória e na dor. Ele necessita expor, calculadamente, até mesmo suas entranhas. Mostra-se em trajes de gala ou escrachado, forte e saudável ou estropiado numa maca hospitalar. Tudo para ele é produção de imagem, com a qual pretende chamar a atenção para sua condição de escolhido, vítima, sobrevivente, mito. O objetivo é enfeitiçar os que o seguem. Quer que seu corpo seja visto como imune aos males que afetam as pessoas comuns. Ele é atlético e dinâmico mesmo quando mostra apatia e fragilidade.

Tiranos discretos não são usuais. A marca distintiva deles – sobretudo em nossos tempos de redes hiperativas, identitarismo exacerbado, velocidade tecnológica e informacional – é a estridência, a conduta espalhafatosa: discursos inflamados, frases grosseiras, atos espetaculosos, ameaças. Sua meta é controlar as fontes de informação, calar a imprensa, espalhar boatos. O fermento que os move é o ódio e o ressentimento. Eles adulam os poderosos da economia para alcançarem o poder ideológico.

O poder constrói, mas também destrói. Quando compartilhado democraticamente, é uma alavanca em prol do progresso econômico e social. Mas seu uso abusivo e torpe violenta populações inteiras, desativa direitos adquiridos, amplia a desigualdade e degrada arranjos institucionais consolidados.

Para ser construtivo o poder precisa ser controlado. A democracia representativa madura é a principal invenção para conter o poder, regulá-lo, impedi-lo de transgredir e violentar. O tirano só a aceita quando consegue parceiros que concordem em fazer seu jogo. Ele é inimigo da educação e da escola, pois sabe que cidadãos educados ajudam a que a democracia funcione de modo pleno.

Épocas de política titubeante, de partidos flácidos e sem coerência, de crise permanente, são um convite para que o poder político fique ao alcance não somente dos piores, mas de candidatos a tiranos. Quanto antes acordarmos para isso, melhor.

*Professor titular de teoria política da Unesp


Os dentes e os espaços: As forças armadas e a política partidária

Alon Feuerwerker

Quando você age sobre a realidade, necessariamente a transforma. Mas aí ela também acaba transformando você. Ação e reação. Parece inevitável que a participação cada vez maior, e institucional, das Forças Armadas na política partidária termine abrindo espaço para a explicitação de debates político-partidários no interior mesmo da corporação.

Aliás o vice-presidente Hamilton Mourão já advertiu sobre isso.

Digo “explicitação”, e não “introdução”, pois seria ingenuidade, a qualquer momento, interpretar como apoliticismo a falta de manifestações explícitas de partidarismos no estamento militar.

Dois dos presidentes do período 1964-85 cuidaram com esmero de prevenir esse jogo recíproco, em que as Forças politizam e ao mesmo tempo são politizadas, ou partidarizadas: Humberto de Alencar Castelo Branco e Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro operou uma reforma militar também com esse objetivo, e o segundo decapitou a resistência à distensão.

Ações que contribuíram de maneira importante para fechar o ciclo da anarquia militar no Brasil do século 20, cujo marco inaugural havia sido a eclosão do tenentismo. Ter deixado isso para trás era apontado até outro dia como conquista da Nova República. Não parece estar sobrando muito das conquistas da Nova República.

Em parte, os militares têm sido puxados para a política nos anos recentes pelo vácuo nascido da desmoralização e do desgaste das demais instituições nacionais. Isso ganhou nova dimensão quando Jair Bolsonaro, sem um partido para chamar de seu, acabou recorrendo aos fardados, da ativa e da reserva, como estoque de quadros e de doutrinas para tocar o governo.

A realidade é implacável, e o poder não se resume às delícias dele, carrega também os riscos decorrentes das delícias. E aí o noticiário começa a trazer confusões ligando duas coisas: militares e verbas orçamentárias. E agora com números de alto impacto vindos dos recursos destinados pelo governo e pelo Congresso ao combate da Covid-19.

Na falta de eventos de ruptura, a vida segue, e nela sempre chega a hora de ter de dar alguma explicação. Na escalada da politização, as recentes manifestações do Ministério da Defesa e dos comandantes militares vêm reiterando: as Forças estão aí para defender a liberdade e a democracia. Ecoam palavras do próprio presidente da República. Falta, até o momento, dizer se ambas estão sob ameaça.

E falta também, nesse caso, a explicação mais importante: quem ameaça.

Enquanto tal detalhe não fica claro, ao menos segue o baile. No terreno por eles pouco conhecido da política, até agora os militares estão levando uma certa canseira dos políticos. Os lprimeiros andam ocupados em mostrar os dentes, estes últimos preferem concentrar-se em tomar espaços de poder daqueles.

E nem Jair Bolsonaro pode ajudar muito, já que depende dos políticos para se manter na cadeira, inclusive depois de 2022, se se reeleger. O que pelo jeito vai ser decidido mesmo na urna eletrônica, apesar das dúvidas e arranca-rabos. Se bem que neste ponto é sempre adequado contar com novas emoções. 

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Seria o semipresidencialismo uma boa alternativa?

O Brasil é um país jovem. Em 2022, comemoraremos 200 anos da nossa Independência, após três séculos marcados pelo escravismo colonial. A República fará 133 anos de existência. Até 1930, tivemos um período dominado pelas oligarquias regionais, onde analfabetos e mulheres não tinham direito a voto e as eleições eram visivelmente manipuladas. Mesmo a Revolução de 30 foi liderada por elites excluídas do pacto do poder. Logo à frente, Vargas decretaria o Estado Novo, iniciando seu período ditatorial.

Períodos democráticos foram poucos. De 1945 a 1964, tivemos a primeira experiência democrática. Ainda assim, os analfabetos não votavam, o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade, tivemos o traumático suicídio de Getúlio Vargas, sucessivas tentativas de derrubar JK, a renúncia de Jânio Quadros, o arranjo parlamentarista de 1962 e a queda de João Goulart. Experimentamos 21 anos de governos autoritários.

Derivado da histórica campanha das Diretas-Já, assistimos o reestabelecimento da democracia com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, e a nova Constituição democrática de 1988. Esse ciclo sobrevive até hoje, representando os 36 anos mais livres e democráticos de nossa história. Ainda assim, tivemos diversas crises econômicas desestabilizadoras e dois impeachments, com o afastamento de Collor e Dilma. Agora, novamente o Congresso analisa a possibilidade de um processo de impeachment.

Até quando viveremos uma verdadeira montanha russa política entre golpes e impeachments? O parlamentarismo, vigente na maioria dos países de democracia avançada, foi derrotado nos plebiscitos de 1963 e 1993. A cultura política predominante no Brasil é personalista, caudilhesca, centrada em personagens e não em partidos políticos e programas.

Recentemente, instalou-se a discussão sobre o semipresidencialismo correlato às exitosas experiências da França e Portugal. Diferente dos parlamentarismos da Espanha, Itália, Inglaterra, Alemanha, entre outros, onde a dinâmica política é dada pelo Parlamento, o semipresidencialismo reserva ao Presidente da República um forte papel, com o comando das Forças Armadas e da política externa, capacidade de vetar e propor iniciativas legais, indicar o primeiro-ministro, decidir por eleições ou por um novo primeiro ministro no caso de queda do gabinete. O primeiro-ministro e a maioria parlamentar seriam responsáveis pela gestão das políticas públicas de governo.

Obviamente, se adotado, só poderá sê-lo em 2027. Serão mais 4 anos de emoções fortes. As eleições de 2022 já seriam realizadas sob as novas regras. Há méritos na proposta. Delinearia claramente situação e oposição no Congresso, responsabilizaria o Parlamento em relação à condução do país e evitaria as sucessivas crises turbulentas dos impeachments.

Mas para isso algumas pré-condições são necessárias: i. existência de um quadro partidário mais nítido e sólido; ii. fortalecimento da burocracia estatal, no sentido weberiano, para assegurar a continuidade das políticas públicas; e, mudança do sistema eleitoral na direção da lista partidária ou do voto distrital, para permitir eleições rápidas em caso de queda do gabinete sem formação de nova maioria congressual.

Sou parlamentarista de carteirinha. Mas, certamente, o semipresidencialismo proposto seria um enorme avanço.         

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Ricardo Noblat: O Palácio do Planalto virou um puxadinho do QG do Exército

Ou não, segundo o Exército

Seus colegas de farda ainda se lembram dos argumentos esgrimidos pelo general Walter Souza Braga Netto em 2018 quando ele era Interventor Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro depois de ter sido Comandante Militar do Leste.

Nas reuniões, em Brasília, do Alto Comando do Exército, Braga Neto se destacava por defender a tese de que a Arma à qual servia com muito orgulho deveria manter-se distante das eleições, especialmente do candidato Jair Bolsonaro.

Que a soldadesca reverenciasse o ex-capitão, afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética, tudo bem. Ou melhor: ninguém poderia impedi-la de agir assim. Mas não faria bem à imagem do Exército se oficiais se comportassem da mesma forma.

Como Braga Neto, sempre pensou a maioria do Alto Comando – à frente o general Eduardo Villas Boas. Contudo, quando a vitória de Bolsonaro desenhou-se como quase certa, alguns generais debandaram ostensivamente para o lado dele.

Foi um desses generais, o atual ministro da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, quem ajudou Bolsonaro a convencer Braga Neto para que aceitasse a vaga de Chefe da Casa Civil da presidência da República aberta com a saída de Onyx Lorenzonni.

O anúncio do nome de Braga Neto só foi feito ontem porque Bolsonaro quis saber antes do Comandante do Exército, general Edson Pujol, e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, se o Exército estava de acordo com a escolha que ele fizera.

Os dois responderam que sim. Braga Neto será o segundo general da ativa a ter um cargo no governo. O primeiro foi Eduardo Ramos, que continua na ativa. O Palácio do Planalto virou uma espécie de quartel. Ali, doravante, só haverá ministros militares.

Em nenhum governo anterior foi assim – nem na época da ditadura e dos seus generais-presidentes. Dos 22 ministros de Bolsonaro, seis são militares. De 1964 para cá, a Casa Civil coube a 27 civis e apenas a um militar. Braga Neto será o segundo.

Generais da reserva presidem os Correios, a Itaipu Binacional, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Um coronel, a Telebrás. Um delegado, a Agência Brasileira de Inteligência.

Nos primeiros nove meses de governo, segundo levantamento da Folha de S. Paulo, havia pelo menos 2.500 militares em cargos de chefia ou de assessoramento. Bolsonaro admite que há “civis excepcionais”. Mas prefere a companhia de fardados e ex-fardados.

“A gente (os militares) tem a característica de ser muito quadradinho, mais cartesiano”, disse ao GLOBO o general Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. E completou: “É o que o presidente quer. O político tem que pensar em política”.

É Ramos que cuida da coordenação política do governo. Faz o meio do campo com deputados, senadores e governadores. Aprende rápido. Onyx prometera 40 milhões de reais por cada voto pela aprovação da reforma da Previdência. Foi o general que pagou.

Em tempo: por seus porta-vozes formais e informais, o Exército renova o aviso de que nada tem a ver com o governo Bolsonaro, como nada teve a ver com governo nenhum da redemocratização do país em 1985 para cá. Atém-se ao que manda a Constituição.

Para calar a voz da oposição, fora com ela!

Conselho da Amazônia

Sabe por que o presidente Jair Bolsonaro pôs seu vice, o general Hamilton Mourão, no comando do Conselho da Amazônia Legal e, do conselho, expurgou os 9 governadores da Amazônia Legal?

Pôs Mourão para dar-lhe algum tipo de ocupação menos decorativa. Um vice sem ter o que fazer sempre preocupa presidente muito ocupado. Esse não é bem o caso de Bolsonaro, mas, vá lá.

Expurgou os 9 governadores porque 7 deles são da oposição ou independentes demais para seu gosto. Mourão promete ouvi-los sobre os problemas da Amazônia, mas separados.


Luiz Carlos Azedo: O outro lado da praça

“Com o deslocamento da ala mais ideológica do centro do poder, o Palácio do Planalto deve ganhar mais coordenação e eficiência, porém, reforça seu distanciamento do campo político”

A confirmação da nomeação do general Braga Netto como novo ministro da Casa Civil, com o deslocamento do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) dessa pasta para o Ministério da Cidadania, reforça o viés bonapartista do governo Bolsonaro, o que não significa que esse seja o caráter do regime político brasileiro. Como se sabe, o bonapartismo se caracteriza pela centralização do poder na figura de um líder populista que se coloca acima das classes sociais e procura se legitimar através da comunicação direta com as massas. Estamos longe, porém, de um regime autoritário e militarista, porque o Brasil é uma democracia de massas, na qual o Congresso e o Judiciário têm grande protagonismo.

A mudança no Palácio dos Planalto completa uma troca de guarda: saiu a tropa de assalto e entrou a de ocupação. Os militares que darão as cartas no Palácio do Planalto — além do general Braga Netto, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva — sempre trabalharam juntos e são mais novos e bem mais moderados do que o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que já não tem a mesma ascendência sobre Bolsonaro do começo do governo.

Em termos de imagem, a ida de mais um general para o Planalto agrega ao governo valores identificados pela opinião pública como atributos positivos dos militares, como austeridade, competência e patriotismo. Com o deslocamento da ala mais ideológica do governo do centro do poder, o Palácio do Planalto deve ganhar mais coordenação e eficiência, porém, reforça seu distanciamento do campo político propriamente dito.

Entretanto, as pesquisas de opinião estão mostrando que a estratégia de Bolsonaro de manter a polarização com a esquerda, ignorar a imprensa e manter distância dos políticos está dando resultados positivos em termos eleitorais. O presidente da República mantém grande vantagem em relação aos seus principais adversários nas pesquisas, como candidato à reeleição, enquanto o governo, que sofre desgastes por causa de suas crises, recupera pontos na aprovação. Manter-se como um político antissistema não deixa de ser uma proeza de Bolsonaro, já que está no vértice do próprio sistema.

O outro lado dessa moeda, porém, é o fortalecimento do Congresso como poder político. A postura avessa às articulações políticas de Bolsonaro levou de volta ao Congresso a negociação dos interesses da sociedade e a liderança das reformas. O presidente da República já deu demonstrações de que sua agenda prioritária é a dos costumes e de combate aos movimentos identitários, não só com declarações, mas com atos administrativos. Mas essa pauta não prospera no Congresso, muito menos no Judiciário.

Disneylândia
Bolsonaro também não se entusiasma com as propostas de reformas que podem causar desgastes com os setores que o apoiam, como policiais, caminhoneiros e evangélicos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, que lidera as reformas econômicas no governo, também não ajuda muito, por causa de declarações bombásticas, como comparar os servidores públicos a parasitas. A última de Guedes foi um comentário desastroso sobre o câmbio, que revelou grande preconceito em relação aos mais pobres.

“Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vou exportar menos, substituição de importações, turismo, todo mundo indo para a Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada. Mas espera aí? Espera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai ali passear nas praias do Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu. Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que está cheio de coisa bonita para ver”, disse.

Com essas e outras, o fato é que o Congresso ganha cada vez mais protagonismo, porque os políticos sabem agarrar as oportunidades com as duas mãos e resolveram assumir como bandeiras as reformas da economia, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Vão matar no peito a reforma tributária e a reforma administrativa, das quais o governo já abriu mão. A ironia, porém, é que o grande beneficiário das reformas, em termos eleitorais, será Bolsonaro. Enquanto o Congresso arcará com o desgaste das maldades, o presidente da República colherá os louros dos seus benefícios para a economia. Mas é do jogo.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-outro-lado-da-praca/


Luiz Carlos Azedo: Não morreram em vão

O comandante militar do Leste, general Braga Netto, é o novo xerife do Rio. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem. É a primeira intervenção federal depois da Constituição de 1988

Quando a Itália entrou na I Guerra Mundial, em 1915, ao lado da “Entente” (aliança entre França, Inglaterra e Rússia), os políticos italianos acreditavam que aquela seria uma oportunidade de libertar Trento e Trieste do jugo estrangeiro e declararam guerra ao Império Austro-Húngaro. Centenas de milhares de jovens foram recrutados e lançados à batalha. No primeiro confronto, porém, o exército inimigo manteve as suas linhas de defesa de Izonso e o ataque foi contido. Morreram 15 mil italianos.

Na segunda batalha, foram 40 mil mortos; na terceira, 60 mil. Os italianos lutaram “por Trento e por Trieste” em mais oito batalhas, até que, em Caporreto, na décima-segunda, foram derrotados fragorosamente e empurrados pelas forças austro-húngaras às portas de Veneza. O episódio, citado no livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras), ficou conhecido como a síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão”, porque foram contabilizados 700 mil italianos mortos e mais de 1 milhão de feridos ao final da guerra.

Depois de perder a primeira batalha de Izonzo, os políticos italianos tinham duas opções. A primeira era admitir o erro e assinar um tratado de paz, que seria aceito pelo Império Austro-Húngaro, que enfrentava outros três exércitos poderosos. Prevaleceu a segunda, porque a primeira tinha o ônus de ter que explicar para os pais, as viúvas e os filhos dos 15 mil mortos de Izonso por que eles morreram em vão. Era mais fácil exacerbar o nacionalismo e continuar a guerra.

Entretanto, Harari adverte que não se pode culpar apenas os políticos. O povo também continuou apoiando o envio de tropas para o front. E quando a guerra terminou e os territórios não foram recuperados, mesmo com o fim do Império Austro-Húngaro, os políticos e o povo entregaram o poder a Mussolini e seus fascistas, que prometerem conseguir para a Itália uma compensação compatível com os sacrifícios feitos.

Nem de longe Trento e Trieste se parecem com a Rocinha e o Complexo do Alemão, muito menos as Forças Armadas tiveram baixas até agora no Rio de Janeiro, mas já dá para perceber aonde é que podemos chegar com a decretação da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. É a repetição de uma solução que não teve resultados satisfatórios: o emprego das Forças Armadas para combater o tráfico de drogas e fazer o patrulhamento ostensivo nos logradouros importantes da cidade.

Há um pacto entre o governo federal e o governo estadual nessa questão da segurança e outras políticas públicas que entraram em colapso no estado. Porque estão sob controle de correligionários, o presidente Michel Temer e o governador Luiz Fernando Pezão, que ontem tirou por menos a situação e disse que pretende deixar como legado de seu governo a presença do Exército, Marinha e Aeronáutica na segurança do estado. Ambos são do MDB. E, agora, empunham a bandeira da ordem.

Confronto
A medida tomada tem certa funcionalidade, porque a situação havia realmente saído do controle durante o carnaval, com o colapso da segurança pública. Mas não será uma resolução efetiva para o problema, que demanda um esforço de longo prazo e uma mudança de liderança política, pois a atual foi desmoralizada pelas crises fiscal e ética. É mais uma jogada política e de marketing, que pode ter o efeito contrário se fracassar. O tempo dirá.

Muitos acham que a intervenção esvaziaria o discurso do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que prega uma espécie de “terror de Estado” nas comunidades controladas pelo tráfico. Em evento promovido pelo banco Pactual BTG, em 6 de fevereiro, para mais de mil executivos do setor financeiro, Bolsonaro declarou que mandaria um helicóptero derramar milhares de folhetos sobre a favela da Rocinha, avisando que daria um prazo de seis horas para os bandidos se entregarem. Encerrado o tempo, se eles continuassem escondidos, metralharia a Rocinha. Foi aplaudido de pé.

Essa é a primeira intervenção federal feita com base na Constituição de 1988 e inverte a situação das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) realizadas até agora, seja para garantir a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo, seja para combater o tráfico de drogas e garantir as vias de acesso à capital fluminense. O comandante militar do Leste, general Walter Souza Braga Netto, de 60 anos, porém, é o novo xerife do Rio de Janeiro. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem.

Antes, a missão das Forças Armadas era apoiar as polícias civil e militar; agora, o general vai comandá-las. Além disso, uma mudança de legislação garante aos soldados e oficiais das Forças Armadas o foro privilegiado da Justiça Militar em casos de confronto. Mesmo assim, a situação é dramática, porque uma parte das forças de segurança estaduais está comprometida com o crime organizado e a outra, desmoralizada e desmotivada, além de fragilizada por constantes execuções de policiais militares. O problema do Rio não é só a segurança pública. Faltam competência e honestidade.