garimpo

Revista Política Democrática || Reportagem especial - Serra Pelada vive à míngua do ouro (Parte 1)

Promessa do governo, de legalizar garimpo, reacende a exploração manual na Amazônia, como mostra a primeira das duas reportagens da série Sonho Dourado: 40 anos depois 

Cleomar Almeida

Nas mãos calejadas de Antônio Soares (69 anos), a picareta com cabo de madeira ganha velocidade e avança contra a estrutura rochosa no fundo de um barranco de 70 metros de profundidade que ele e outros garimpeiros abrem em Serra Pelada, no Sudeste do Pará. O suor mina do corpo. O barro vermelho-amarelado ofusca a pele. Eles atuam na clandestinidade em busca de ouro, mas só encontram migalhas na região em que, há 40 anos, teve início o maior garimpo a céu aberto do mundo.

Em situação ilegal, a maioria dos garimpeiros deflagra entre si uma guerra silenciosa em parte da floresta amazônica, sem qualquer precisão sobre a existência de ouro no local em que operam e sem infraestrutura que diminua o risco de desabamento dos barrancos. Para não perderem tempo na corrida pelo ouro, outros já exploram o metal com auxílio de empresas que identificam minas por meio de imagem via satélite.

O consenso entre diversos grupos de garimpeiros é para que o presidente Jair Bolsonaro cumpra a promessa, feita em agosto, de que pretende legalizar os garimpos. No início deste mês, Bolsonaro criticou a empresa mineradora Vale pela exploração de minérios no país e reforçou seu discurso em defesa dos garimpeiros, que veem a multinacional como uma grande barreira para exercerem a atividade, manualmente.

– Minha alma está no garimpo. Aqui tem muita riqueza ainda e não quero que o ouro escorra entre os meus dedos de novo, afirma Antônio, que atua em um barranco perfurado aleatoriamente, enquanto solta um largo sorriso com dois dentes de ouro.

Antônio esteve em Serra Pelada em 1980, mas foi embora no ano seguinte porque diz ter se desanimado pela multidão atraída para a região. Voltou em janeiro. Deixou a família para trás – 17 filhos em Mato Grosso, Maranhão e São Paulo, além de netos e bisnetos – para se unir aos garimpeiros. Sem equipamentos de segurança, eles passam o dia inteiro revezando picareta, cavadeira, enxada e pá. Na minguada disputa pelo ouro, só há intervalo para fazerem uma rápida refeição em fogão de tijolo à lenha, tomar água e dormir, à noite. Ninguém dá detalhes da quantidade de ouro encontrado.

– A gente trabalha para o patrão, que ajuda com o sustento e dá proteção. De vez em quando, aparece uma pepita, mas é coisa miúda, diz o garimpeiro José da Silva (66), que trabalha no mesmo barranco que Antônio.

Entre os garimpeiros, vale a lei do silêncio. No grupo, o olhar de um é suficiente para chamar o outro em um canto afastado. Qualquer comportamento suspeito por parte de algum integrante é recebido pelo garimpeiro-chefe com sinal de advertência. A maioria deles é analfabeta e mora em casas de madeira desgastada, como é predominante em Serra Pelada, aonde as pessoas chegam em lotação após trafegarem 50 quilômetros – 35 deles em estrada de terra – a partir de Curionópolis, a 675 quilômetros de Belém.

Apesar de boa parte deles atuarem em terreno público, garimpeiros que descobrem uma área com potencial de exploração antes dos demais se autodefinem como donos dela e convidam outros para trabalhar, pagando-lhes por meio de diária ou porcentagem do total de ouro achado. Eles reproduzem um código próprio do garimpo, semelhante ao que existia na década de 1980, quando foram extraídas 42 toneladas do metal na região. Na época, Serra Pelada atraiu 100 mil pessoas. Hoje, tem oito mil moradores.

O garimpeiro Jó Borges da Silva (33) opera em uma mina conhecida como mais bem organizada e identificada com auxílio de uma empresa de monitoramento de imagem via satélite. Na cabeça, usa um capacete improvisado e passa o dia explorando ouro em um barranco de 80 metros de profundidade com as laterais protegidas por estrutura de madeira. Usada para puxar as pedras de dentro do buraco, uma gangorra com corda grossa também serve como elevador improvisado dos garimpeiros.

– Meu sonho é achar uma pepita de 30 quilos, maior que a minha cabeça. A maior que já achei aqui tem dois gramas. Quero terminar de construir minha casa em Eldorado dos Carajás. Comecei há três anos e nunca consegui terminar, conta Jó.

O sonho dele corresponde à metade do peso da maior pepita identificada em Serra Pelada e que fica exposta no Museu de Valores do Banco Central, em Brasília. Em 1983, o garimpeiro Júlio de Deus Filho encontrou a pepita Canaã (de 60,8 quilos no total, dos quais 52,3 quilos são de ouro). É a maior parte de uma pedra de quase 150 quilos, que se partiu em vários pedaços quando foi retirada do solo.

O garimpeiro Antônio da Cruz Arantes (59), que se apresenta como proprietário de um dos garimpos identificados por imagem via satélite em Serra Pelada, pretende expandir o negócio e torce para que tenha apoio do Governo Federal. Enquanto faz o processo de lavagem da terra para separar o ouro em uma bateia, ele mostra onde vai instalar um britador próximo ao pequeno barranco.

– Em poucos dias, vamos colocar esta estrutura para funcionar e aqui já queremos separar o ouro o máximo possível. O garimpo está quase vencido, mas a proposta de Bolsonaro vem reacender o sonho de milhares de garimpeiros que esperam pelo funcionamento do garimpo de Serra Pelada, que está adormecido desde os anos 1990, diz Antônio.

Assim como outros trabalhadores da região, o garimpeiro dos dois dentes de ouro torce para que a atividade seja legalizada e que o governo promova ampla discussão com a sociedade, além de ter mais controle sobre a área para coibir a exploração indevida de minérios e mão de obra. Seu maior desafio é, como disse, não deixar o ouro escorrer pelos dedos, como ocorreu quando esteve em Serra Pelada pela primeira vez.

– Não sei se estarei vivo, mas tomara que isso tudo melhore. Vai que eu consiga completar os dentes de ouro da minha boca. Mas, para falar a verdade, não quero, não, porque depois me matam só para roubar os dentes.



Garimpeiros e mineradora Vale acirram briga
Garimpeiros de Serra Pelada reclamam que a empresa mineradora Vale atrapalha as atividades de exploração manual de ouro que eles realizam no Sudeste do Pará. Desde os anos 1970, segundo líderes locais, a multinacional avançou sobre a área que antes estava demarcada para a atividade da cooperativa. Em nota, a Vale nega e informa que não tem intenção de prejudicar os garimpeiros.

Diretor da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), Almir José da Cruz Arantes diz que a Vale expandiu seu campo de atuação após a descoberta de ouro por parte de um grupo de garimpeiros na região. A empresa informa que não é contra a exploração de minério realizada por pequenos garimpeiros e que cedeu à cooperativa o título minerário de ouro.

A cooperativa também reclama que a Vale construiu em cima da pista de pouso do garimpo uma estrada de escoamento de produção de minério de ferro da mina da unidade de Serra Leste. Segundo os garimpeiros, a obra teve como objetivo atrapalhar a logística de exploração de minério por parte deles e a chegada de pessoas em pequenos aviões.

A Vale informa que construiu a estrada em 2015, com o devido cumprimento do que estabelece a legislação brasileira e licenciamento ambiental junto ao órgão competente. A atividade, segundo a empresa, contribui para o desenvolvimento de Curionópolis, do qual Serra Pelada é distrito, com a geração de empregos, arrecadação e a dinamização da economia local.

Somente em 2018, segundo a mineradora, a operação de Serra Leste gerou R$ 17,3 milhões à União, ao Estado e ao município. Deste total, acrescenta, Curionópolis recolheu R$ 10,4 milhões em Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. A Vale diz que, no Pará, desenvolve atividades diversificadas de mineração, com produção de ferro, cobre, níquel e manganês e também atividade logística, por meio da Estrada de Ferro Carajás.

 



BLOCO | NA HISTÓRIA

Em outubro de 1977, o então presidente da Companhia Vale do Rio Doce, que tinha direitos sobre a jazida, confirmou a existência de ouro na Serra dos Carajás. Em 21 de maio de 1980, o Governo Federal promoveu uma intervenção na área. No ano seguinte, os depósitos de ouro na superfície se esgotaram e a Vale tentou reaver a posse da área. Na época, interesses eleitorais, porém, levaram o governo a fazer obras para prorrogar a extração manual, já que havia 80 mil garimpeiros na área. Em 1984, a Vale recebeu indenização de US$ 59 milhões.

Diante da queda do volume da extração no final dos anos 1980, o governo, em março de 1992, não renovou a autorização de 1984, e o garimpo voltou a ser concessão da Vale. Em 1996, os garimpeiros restantes invadiram a mina, mas uma operação do Exército e da Polícia Federal pôs fim à obstrução de 171 dias nos acessos a Serra Pelada.


 

25% do ouro produzido no Brasil é ilegal, diz agência
A Agência Nacional de Mineração (ANM) estima que até 25% de ouro produzido no país é ilegal. Em média, segundo a autarquia, o volume da produção do minério chega a 80 toneladas por ano. Desse total, 20 toneladas estariam em situação irregular. A agência não informou se fiscaliza regiões de garimpo para evitar a exploração ilegal de minério e com qual frequência.

Segundo relatório da agência, os estados com maiores reservas de ouro são Pará, Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso. A ANM também informa que concedeu 2.394 Permissões de Lavra Garimpeira (PLGs) no país. Desse total, 1.711 são para exploração de ouro. O documento, emitido pela autarquia, é a autorização do garimpo.

Para legalizar um garimpo, primeiramente tem de ser observado se a área está livre, ou seja, não onerada por título de lavra, por questão de conservação ambiental ou outro motivo, como barragens de água e linhas de transmissão de energia. Se estiver onerada, deve-se verificar a possibilidade de solução do conflito, como a cessão parcial da área. Depois, é preciso providenciar o título autorizativo de lavra.

Segundo a ANM, a exploração ilegal de minério pode ser verificada em diversas situações. Entre elas, a inexistência do título autorizativo ou de licença ambiental, inobservância das normas regulamentares, lavra ambiciosa pelo não aproveitamento racional e condições operacionais inseguras e insalubres.

A agência não informou se realiza investimentos em monitoramento por satélite para identificação de jazidas de ouro no país, assim como fazem alguns pequenos garimpeiros da região de Serra Pelada. A ANM alega que depende de denúncias para apurar os casos de garimpos ilegais e saber quantos foram registrados no país.


Bernardo Mello Franco: Aliado ao garimpo, Bolsonaro prepara embate com a Igreja

Aliado ao lobby dos garimpeiros, Bolsonaro já comprou briga com índios, ambientalistas e líderes europeus. Agora ele prepara um novo embate com a Igreja Católica

Jair Bolsonaro disse que não dará entrevistas enquanto os jornais “não fizerem uma matéria real sobre o que aconteceu na ONU”. A imprensa noticiou que o presidente fez um discurso agressivo, exaltou a ditadura militar, atacou um cacique de 89 anos e mentiu sobre as queimadas na Amazônia. Na visão dele, uma “matéria real” trocaria o registro desses fatos por elogios.

A ameaça de boicote à imprensa não é nova. Bolsonaro já havia prometido silenciar outras vezes, mas nunca conseguiu segurar a língua. Ontem ele fez um esforço extra para cumprir a promessa. Ignorou os jornalistas e não discursou em solenidade oficial. Só falou em público uma vez, em minicomício para garimpeiros.

Numa cena incomum, o presidente foi até a porta do palácio e subiu numa cadeira para discursar. Do pedestal improvisado, expôs o que pensa sobre a floresta. “O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore. É no minério!”, afirmou.

Bolsonaro não disfarça. Desde a campanha, ele critica as leis ambientais e promete incentivar a criação de novas Serras Peladas. Em seu lobby pela mineração, o presidente já comprou briga com índios, ambientalistas, servidores do Ibama e líderes europeus. Agora prepara o terreno para um embate com a Igreja Católica.

Ontem o bispo de Marajó, dom Evaristo Spengler, fez um apelo contra a exploração do subsolo amazônico. “Queremos pedir um não a projeto de mineração em territórios indígenas, não ao garimpo legal e ilegal na Amzônia, não à regularização de novos garimpos”, disse. Ele é um dos organizadores do sínodo que discutirá as ameaças à floresta a partir deste domingo.

Às vésperas do encontro, a tropa bolsonarista já trata a Igreja como inimiga. O presidente avisou que não vai a Roma para a canonização da irmã Dulce. No sábado, o guru Olavo de Carvalho disparou ofensas ao Papa Francisco. “Para mim, esse Bergoglio já deu no saco. Ele não é Papa nem no sentido figurado do termo”, atacou.

No minicomício de ontem, Bolsonaro encaixou uma nova provocação ao cacique Raoni, que já foi recebido com honras no Vaticano. “É outro que vive tomando champanhe em outros países por aí...”, desdenhou.


El País: O inédito respaldo do Planalto a garimpeiros de áreas protegidas na Amazônia

Um semana após bloquear a BR-163 no Pará, grupo que atua ilegalmente em floresta nacional é recebido por ministros. Em meio à crise na região, eles pressionam o Governo a proibir que o Ibama queime máquinas durante fiscalização

Representantes de garimpeiros, que atuam em exploração ilegal em áreas da floresta nacional do Crepori, no Pará, receberam um inédito respaldo do Governo Federal, ao se reunir com várias autoridades do primeiro escalão do Planalto. Entre elas estavam o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O grupo conseguiu o encontro em Brasília, realizado nesta segunda-feira, 16 de setembro, após bloquear, na semana passada, trecho paraense da rodovia BR-163. Protestavam contra a atuação de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), do Instituto Chico Mendes (ICMbio) e agentes da Força Nacional. A ação dos fiscais, feita uma semana antes do bloqueio, terminou com a queima de retroescavadeiras e maquinários usados pelos invasores, uma prerrogativa legal que os agentes possuem. Os garimpeiros agora pressionam Salles para rever essa lei e punir os servidores.

"Nós precisamos, com urgência, no prazo de uma semana, apresentar ações que foram feitas de forma truculenta e arbitrária onde destruíram maquinários fora da lei. O ministro [Ricardo Salles] exigiu na mão para abrir sindicância contra os agentes [do IBAMA]", diz um homem em áudio de WhatsApp ao qual o EL PAÍS teve acesso. Identificado como Fernando Brandão, ele enviou a mensagem em um grupo do aplicativo usado pelos garimpeiros depois de ter sido recebido em Brasília junto com outros representantes.

A reunião com os garimpeiros foi confirmada pela a própria Casa Civil em nota publicada na segunda-feira, apesar de o encontro não constar na agenda oficial da pasta. Lorenzoni assegurou que a gestão Jair Bolsonaro (PSL) se compromete a buscar "uma solução estruturante e de longo prazo para as demandas trazidas pelos garimpeiros", afirma a nota, que ainda destaca uma frase do próprio ministro em que fala do respeito "ao setor produtivo" por parte do Governo: "Em duas semanas nos reuniremos novamente e apresentaremos nossas propostas de soluções para a questão da regularização fundiária e a exploração mineral em terras indígenas". A Casa Civil voltará a se reunir com os representantes no dia 2 de outubro.

A quantidade de autoridades que participaram dão o peso do encontro. Além de Salles e Lorenzoni, estiveram presentes os ministros da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos; da Secretaria Geral da Presidência, Jorge Oliveira; e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. Compareceram também o advogado-geral da União, André Mendonça, secretários das pastas de Minas e Energia, Infraestrutura e Agricultura, além dos presidentes do IBAMA, do INCRA e da FUNAI, parlamentares da região e o secretário da Casa Civil do Governo do Pará. "Outras pessoas que acompanham o assunto disseram que nunca houve tanto ministro para atender a gente numa reunião dessa", celebrava outro garimpeiros em áudio distribuído num grupo de WhatsApp. "Foi um feito muito grande o que nós fizemos com essa paralisação. Todos estão de parabéns".

Grupo Especializado de FiscalizaçãO do IBAMA desativa garimpos ilegais nos parques nacionais do Jamanxim e do Rio Novo, no Pará.
Grupo Especializado de FiscalizaçãO do IBAMA desativa garimpos ilegais nos parques nacionais do Jamanxim e do Rio Novo, no Pará.VINÍCIUS MENDONÇA (IBAMA)

O EL PAÍS enviou nesta terça-feira uma série de perguntas para os Ministérios da Casa Civil, do Meio Ambiente, de Minas e Energia, além do IBAMA. Até o fechamento desta edição somente Minas e Energia respondeu o e-mail, limitando-se a dizer que o titular da pasta, Bento Albuquerque, está em Viena em compromisso oficial. Também indicou que qualquer reunião de seus secretários deveria ser consultada na agenda oficial.

Aposta pelo garimpo em área protegida

Desde que o aumento do desmatamento e dos incêndios na Amazônia desatou uma crise nacional e internacional para o Governo Bolsonaro, especialistas e ambientalistas vêm alertando que a retórica do presidente vem encorajando a ação de grileiros e garimpeiros. O mandatário ultradireitista ganhou as eleições prometendo acabar com "a farra das multas do IBAMA" e legalizar atividades econômicas em terras indígenas e reservas ambientais. A gestão do ministro Salles vem se destacando pelo estrangulamento financeiro dos órgãos de fiscalização e críticas às políticas da pasta. No dia 21 de julho, em uma de suas várias manifestações sobre o tema, o presidente Bolsonaro prometeu que sua administração iria propor projetos para legalizar garimpos.

No grupo de WhatsApp, os garimpeiros discutem as promessas. "Marcaram uma nova audiência para o dia 2 [de outubro]. Até lá eles vão rever a lei sobre as queimadas de máquinas e sobre as APAS [Áreas de Proteção Ambiental], FLONAS [Florestas Nacionais] e reservas indígenas", disse outro garimpeiro num áudio obtido pelo EL PAÍS. "Até o dia 2 nós estamos calçados, entendeu? Não sei ainda se eles falaram alguma coisa de que não vão fazer nada até lá, mas é praticamente isso que foi acordado", acrescentou.

"Neste ano aumentou a pressão em áreas protegidas, porque estamos num momento deliberado em que o Governo dá sinais de que tolera esse tipo de coisa em unidades de conservação e terras indígenas", afirmou ao EL PAÍS o engenheiro Tasso Azevedo, coordenador da MapBiomas, ONG que trabalha com imagens de satélites detalhadas para identificar quais áreas foram desmatadas. "Desmatamento é função direta da expectativa de impunidade. Porque desmatar custa caro, não é barato. Dar o sinal de que vai legalizar invasões em áreas protegidas ao mesmo tempo que desmantela o IBAMA é a mesma coisa que dizer 'pode ir lá", acrescentou, em entrevista ao jornal na semana passada.

Enquanto convocavam a manifestação na BR-163, na semana passada, garimpeiros falavam entre si sobre as promessas de legalizar garimpos feitas pelo presidente, segundo áudios de WhatsApp obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo. “Cadê você, Bolsonaro, que ia fazer alguma coisa e não era para botar fogo. Por que não levaram preso, para doar para alguma instituição. Essa é a ordem do nosso presidente, que nós votamos nele. Olha aí”, reclamou um garimpeiro em um dos áudios. Um colega chegou a sugerir que fiscais do IBAMA fossem presos dentro da floresta nacional durante a operação na semana anterior, que resultou na queima das máquinas usadas para devastar a floresta. "Bicho, eu acho que tinha que trancar essa saída dessas camionetes aí. E chamar a população e não deixar esses ‘fdp’ sair daí de dentro. Rapaz, isso aí não tem ordem do Governo para fazer isso aí, não. [...] O Governo é a favor da garimpagem, pô. Isso está fora da lei. Tem que prender esses vagabundos aí. A população da Moraes [de Almeida, vila de Itaituba], os garimpeiros da Moraes, tem quantos mil garimpeiros na Moraes? Um prejuízo desse aí. Junta todo mundo e tranca eles aí".

Em resposta aos protestos, Lorenzoni gravou um vídeo em que confirmava a reunião que aconteceu nesta segunda-feira e pedia para que os garimpeiros desbloqueassem a estrada. A BR-163 dá acesso a municípios como Novo Progresso, Itaituba e Trairão, que ficam nos arredores de importantes reservas ambientais. Um deles é o Parque Nacional do Jamanxim, um dos que mais sofrem com a desmatamento no país.

Para cumprir a promessa e liberar a mineração em territórios indígenas, Bolsonaro terá que propor a regulamentação de um artigo da Constituição que diz ser "necessária lei ordinária que fixe as condições específicas para exploração mineral e de recursos hídricos" nesses territórios. Como não foi regulamentado desde 1988, ano da promulgação da Carta Magna, a atividade permanece ilegal. A Carta também determina que "apenas os índios podem usufruir das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existente", além de deixar claro que "o aproveitamento dos seus recursos hídricos, aí incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, só pode ser efetivado com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra".

Pesquisa da consultoria Atlas Político divulgada pelo EL PAÍS mostrou que mais de 80% dos brasileiros se posicionam contra o garimpo e o desmatamento nas reservas ambientais e indígenas ou defendem a prisão dos grileiros que venham a ser responsabilizados pelos incêndios. Além disso, 67% concordam que a Amazônia vive uma crise ambiental. Mostraram-se divididos, porém, com relação ao papel do Governo Bolsonaro: 45,8% acreditam que o presidente é responsável pelo aumento do desmatamento, enquanto 47,5% discordam.

Entre  de junho e 7 de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) alertou para o desmatamento de 12.269 quilômetros da Amazônia brasileira. Os municípios paraenses de Altamira, São Félix do Xingu e Novo Progresso estão em primeiro, segundo e quinto lugar, respectivamente, no ranking dos municípios com mais desflorestamento. Além disso, somente em agosto foram detectados 39.177 focos de queimadas na Amazônia brasileira, sendo 10.185 no Pará. No mesmo mês de 2018 o INPE registrou 15.001 incêndios na selva amazônica, dos quais 2.782 ocorreram no Pará. A disparada é mais que evidente. O Pará vem liderando durante os últimos 13 anos o desmatamento na Amazônia, segundo os dados anuais do INPE.