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Alon Feuerwerker: Bolsonaro enfrenta a maldição do terceiro ano

E Jair Bolsonaro acaba de topar com o primeiro obstáculo realmente relevante no caminho para concluir seu mandato e tentar um novo: a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19. Ou melhor, a CPI sobre as ações federais na Covid-19. Tem sido rotina nos terceiros anos dos quadriênios presidenciais. É quando invariavelmente aparece alguma barreira que vai demandar esforço e concentração redobrados, se o mandatário não quiser ficar pelo caminho.

Em 1992, Fernando Collor topou com as acusações do irmão. Elas desencadearam a CPI que acabou levando ao impeachment. Fernando Henrique Cardoso teve esse tipo de problema nos dois terceiros anos de seus dois mandatos. Acusação de compra de votos para a reeleição em 1997 e ameaça de uma CPI da Corrupção em 2001. Luiz Inácio Lula da Silva recebeu pela proa os torpedos de Roberto Jefferson em 2005. E Dilma viu em 2013 a emergência das “jornadas de junho”.

Que deram a largada para a deposição dela em 2016. Nem a reeleição em 2014 interrompeu o processo.

Deve ter algo de coincidência, mas é prudente não desprezar a possibilidade de o ano imediatamente anterior às eleições presidenciais despertar os instintos mais primitivos dos políticos. No caso atual, Bolsonaro cuidou bastante bem de estreitar a porteira para acusações de corrupção, habitualmente usadas nessas ocasiões. Mas não teve o mesmo cuidado para reduzir a margem de manobra dos adversários no assunto da pandemia.

Na Covid-19, o presidente foi dobrando a aposta a cada rodada. Poderia ter ficado contra o isolamento social, mas a favor do afastamento. Ou contra o afastamento e compensar isso apresentando-se como radical defensor das vacinas. Mas preferiu a crítica a tudo, com exceção do tratamento medicamentoso já aos primeiros sintomas. Que está sob fogo cerrado da maioria da comunidade médica. Ainda que uma parte relevante apoie a linha de Bolsonaro.

Recentemente, reposicionou-se no assunto vacinal, mas continua carregando com ele um evidente déficit de imagem no tema.

A aposta de Bolsonaro parece ter se baseado na premissa de que teríamos uma onda da epidemia aqui no Brasil, e quando ela entrasse na descendente a preocupação das pessoas com a própria situação econômica prevaleceria, e aí o presidente colheria os frutos de ter desde o começo advertido sobre o risco de ruína material dos indivíduos, das famílias e das empresas. Por causa do que sempre atacou como radicalismo no isolamento social.

Essa linha de ação e comunicação pagou-se em algum grau, tanto que Bolsonaro mantém um núcleo resistente de apoiadores em torno de 30%. Mas, na medida em que a primeira onda não foi a única, e quando a segunda apresenta picos de mortalidade várias vezes a da anterior, o medo e a angústia com a doença continuam dominantes. E agravaram-se. E o presidente está evidentemente ilhado no núcleo fiel. Este é forte, mas minoritário.

É a situação clássica propícia para a ofensiva adversária. Uns escaparam (FHC, Lula), outros naufragaram (Collor, Dilma). O tucano safou-se na primeira vez porque o povão achava que a economia ia bem, e na segunda porque tinha base parlamentar, e ninguém queria a sério interromper seu mandato. O petista sobreviveu porque era popular e porque os inimigos ficaram com receio de uma guerra aberta de rua contra ele.

Veremos nas próximas semanas e meses que variáveis dessas vão prevalecer agora para Jair Bolsonaro.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Que venha a Sputnik V

O presidente do Banco Central participou de um evento pela internet e opinou que o ritmo da reabertura econômica vai seguir o andar da vacinação (leia). Não chega a ser novidade. Mas oferece a chance para discutir, afinal, o que deveria ter sido feito de diferente para que tivéssemos hoje mais vacinas disponíveis.

A vacinação no Brasil vai razoavelmente (leia). Em valores absolutos, estamos entre os cinco que mais vacinam. Proporcionalmente à população, temos estado melhor que os colegas de Brics e outros grandes da América Latina. Um bom lugar para olhar os números é o serviço do britânico Financial Times (leia).

O governo brasileiro apostou inicialmente tudo numa única vacina: a Oxford/AstraZeneca. O fato é que se não fosse o acordo do Butantan com a chinesa Sinovac ainda estaríamos engatinhando. Melhor teria sido apostar em todas, para reduzir o risco. 

Mas vamos lembrar também que, quando a Rússia divulgou ter registrado a pioneira Sputnik V, aqui o coro foi de desconfiança. Em vez de exigir do governo que buscasse um acordo com os russos, muitos dos hoje críticos do ritmo da vacinação preferiram engrossar o #mimimi contra o imunizante do Gamaleya.

Ontem deu-se um passo importante para superar os obstáculos que ainda impedem o uso da Sputnik V aqui no Brasil. Os presidentes do Brasil e da Rússia conversaram sobre o tema (leia). Que a solução venha rápido.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Uma data (realmente) histórica

Todo fenômeno histórico precisa, quando estudado, receber uma data fundadora, com um acontecimento determinado. É apenas uma convenção, mas útil para estudar a explicar o andamento da história em termos mais didáticos.

Foi assim com o século 20, dito o século curto, pois teria começado na Primeira Guerra Mundial e terminado no colapso da União Soviética. E a metodologia vale sempre, com a vantagem de conferir ao analista e estudioso o poder de ajeitar o calendário para fundamentar uma tese.

Hoje é um dia assim, ficará disponível para os historiadores quando precisarem explicar os acontecimentos que contribuíram para a disfuncionalidade da democracia nos Estados Unidos. Pois nunca antes ali os derrotados recusaram reconhecer a vitória do adversário depois de abertas as urnas.

Outros poderão argumentar que não, que a confusão toda começou quando os democratas tiraram do baralho a carta da "conspiração russa que elegeu Trump", e que levou ao impeachment dele. Bem, fica a critério de cada um, e cada um tem o direito de ter suas preferências.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Agitação e espuma dentro da bolha

Esta primeira quase metade de gestão Jair Bolsonaro vem sendo marcada pelo sonho oposicionista de que o governo é uma construção frágil, pronta a desabar pela ação do próximo “fato novo”. Foi assim quando das manifestações em defesa da educação, logo no comecinho do mandato. Mais recentemente, as esperanças da oposição passaram a ser depositadas nos efeitos econômicos e sanitários da pandemia da Covid-19.

E de tempos em tempos os olhos brilham quando surge alguma novidade no “Caso Queiroz”.

A realidade, porém, é que Bolsonaro por enquanto defende com sucesso a fatia de mercado conquistada por ele em 2018. O Brasil tinha então 147 milhões de eleitores e o candidato do PSL recolheu no primeiro turno 33% desse eleitorado, 49 milhões de votos, tudo em números arredondados. A esta altura você já percebeu. Os fatos vêm e vão, mas o percentual de “ótimo” e “bom” do presidente oscila sempre em torno desse mesmo um terço.

A taxa de aprovação de Bolsonaro só pode ser medida se se pergunta “você aprova ou desaprova?”, e não deve ser confundida com o ótimo+bom. Ela também oscila pouco, em torno de 40%. Interessante notar que essa ordem de grandeza corresponde ao market share do capitão no segundo turno. Aliás é também o patamar da fatia que aposta que o governo será bom ou ótimo ao final do mandato em 2022.

Eis por que é furada a tese do “somos 70%”. Serve como propaganda, mas estrategistas políticos que acreditam cegamente na própria propaganda estão a caminho de ter problemas.

Há, é claro, as variações. Uma foi em meados do ano passado, quando o tema das queimadas na Amazônia ganhou visibilidade. Outra, agora mesmo, na decolagem da pandemia. Mas essas oscilações costumam deslocar mais do “regular” para o “ruim/péssimo” que qualquer outra coisa. E Bolsonaro tem mostrado resiliência. Quando a pressão afrouxa, as curvas de avaliação dele tendem a voltar para o padrão de “um terço, um terço, um terço”.

Sempre supondo que a conjuntura correrá pelos trilhos desse “normal”, fica claro portanto que a base social de sustentação de Jair Bolsonaro é consistente e ampla o suficiente para ele se segurar na cadeira e ser competitivo em 2022. Poderá ser derrotado? Sim, desde que se encontre um candidato capaz de aglutinar todo o restante do eleitorado e que além disso consiga ganhar alguma margem levando para votar uma parte dos que têm insistido no absenteísmo.

Não é simples. Implicaria costurar uma alternativa em que todas as facções do antibolsonarismo estejam contempladas. Como diz o ditado, seria o casamento do jacaré com a cobra d'água. Por enquanto, o que cada facção antibolsonarista vem pedindo às demais é a capitulação incondicional em nome do combate ao adversário comum. Na real, hoje ainda inexiste na oposição um sentimento autêntico de "qualquer um menos Bolsonaro". Aliás, é o contrário.

Outro problema: a cada gesto de distensão do presidente, os ensaios de coalizão são lipoaspirados. E Bolsonaro tem sido hábil (ou tido sorte) na política, como mostrou a votação do Fundeb.

Enquanto o novelo não desenrola, vem restando ao antibolsonarismo repetir o antipetismo praticado na maior parte do extenso período do PT no poder. Promover agitação e criar espuma dentro da própria bolha. Não deixa de ser uma maneira de passar o tempo fazendo algo útil.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Alinhamento político-ideológico reduz o custo político

Resiliência à governabilidade

O custo orçamentário, para o governo, de aprovar as mudanças na previdência social está sendo significativo. O Palácio do Planalto vem executando o orçamento relativo às emendas parlamentares na medida necessária para para fazer passar “a mãe de todas as reformas”. Mas o custo político é baixo, baixíssimo. O que em outras circunstâncias seria objeto de escândalo (“compra de votos!”) desta vez é deglutido sem maior dificuldade.

A constatação não chega a ser nova. A governabilidade de Jair Bolsonaro é sólida pois o núcleo da agenda governamental, o programa econômico liberal, tem o apoio de pelo menos dois terços do Congresso, é quase unânime no empresariado e continua bem sustentado na esmagadora maioria da imprensa. Daí por que as “crises” vêm, parecem por um instante terminais, e logo viram poeira. Ou fumaça. Como foi com a mais recente, dos incêndios florestais. Olha o trocadilho.

Há, é claro, mercado para os projetos em torno de um liberalismo bem-educado e cosmopolita, autointitulado progressista, e daí as versões repaginadas do Velho do Restelo, a advertir que tudo vai dar errado. Para esse “bolsonarismo sem Bolsonaro”, o país estaria à beira do caos, se já não mergulhado nele. Mas a cada episódio o que leva jeito de tsunami na opinião pública, quando chega à praia de Brasília fica mais com cara de marolinha.

Inclusive por esse cosmopolitismo arejado chocar-se com a linha nacionalista, ainda que fortemente ocidentalista, hegemônica nas Forças Armadas. A polêmica amazônica comprova.

Outro aspecto reforça a resiliência governamental. O partido mais forte capaz de lhe fazer oposição, com ramificações sólidas e profundas nas diversas instâncias de poder, está isolado. O aqui livremente chamado de Partido da Lava Jato (PLJ) mantém musculatura e apoio popular, pode inclusive continuar produzindo fatos político-policiais em série, mas sua capacidade de alterar a correlação de forças operacional está contida por causa do isolamento.

Mais um mérito (ou demérito) da agenda econômica.

O caráter consensual da agenda, mais o amplo espectro dos alvos do PLJ, mais a objeção a que o PLJ provoque uma disrupção (e viva os anglicismos e neologismos) num quadro tão produtivo, tudo induz a um alinhamento raro entre os poderes, pelo menos desde a instalação da hoje carcomida Nova República. O estilo do presidente da República é uma linha de produção de manchetes, mas na vida prática os vetores executivo, legislativo e judiciário produzem boa resultante.

Onde estão os riscos? Principalmente 1) na nova modalidade de enquadramento do Legislativo pelo Executivo e 2) na sede de protagonismo do braço judiciário do PLJ. Se a velocidade da recuperação da economia e dos empregos seguir baixa, quanto tempo o Congresso levará para voltar a exigir o dito loteamento da Esplanada e das estatais? E até onde irão os torquemadas dos tribunais, especialmente nos superiores, para revitalizar o próprio protagonismo, hoje corroído?

No instável presidencialismo brasileiro, onde a pulverização do Congresso é um foco permanente a ameaçar a saúde política do ocupante do Planalto, é sempre bom ficar esperto. Mas por enquanto as coisas para o governo caminham bastante bem nesse terreno.

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O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que candidatura laranja leva à cassação de toda a chapa. Mas como provar que a candidatura é laranja? Fácil, candidatas-laranja não são de verdade, são de mentirinha, nem fazem campanha. Mas, e se alguém decide ser candidata e depois desiste de fazer campanha a partir de um certo ponto, como é que fica? E se a candidata faz uma campanha pra inglês ver, gasta uma graninha, então está tudo bem?

Outra consequência da decisão do TSE: o sujeito entra numa chapa, faz sua campanha direitinho, elege-se. Aí alguém diz que tinha uma (ou um?) laranja na chapa. O sujeito perde o mandato sem ter cometido nenhuma irregularidade, nenhum crime? Talvez o STF tenha, um dia, de verificar se a decisão do TSE não viola algum direito constitucional. Ainda que esteja fora de moda argumentar com Constituição contra o que parece ser “certo” e “justo”.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Urna eletrônica e pessoas | Foto: reprodução/Agência Brasil

Alon Feuerwerker: As dificuldades de cada um na disputa por 2018

A consciência coletiva já entregou os pontos: o presente vai deixando de ter maior importância em outras esferas para além da judicial-policial, as atenções/esperanças orientam-se para 2018. Concluiu-se: o resto do governo Temer será dedicado e com razoável probabilidade de sucesso à sobrevivência. Assuntos menos importantes ficam para depois.

Se vai ser assim mesmo só os fatos dirão, e eles costumam ser além de teimosos surpreendentes, mas leva jeito. Haverá alguma mudança nas normas da previdência social, alguma mexida nas regras eleitorais, e só. O desafio de como crescer e gerar os empregos para absorver o trabalho, especialmente o jovem, ficará para depois de janeiro de 2019.

Se é que ficará. A acomodação na mediocridade parece tática, mas há o risco/sintoma de ser estratégica. Vide a convivência pacífica com resultados econômicos medianos, infraestrutura mediana, educação mediana, política mediana, cultura mediana. Faltam ambição e energia. Há alarido, mas prevalece a indiferença, prima do cansaço e do ceticismo.

Nesse teatro modorrento, as forças políticas estão orientadas para o próprio umbigo. O governo que sobreviveu anda às voltas com o desafio de estender-se além de 31 de dezembro de 2018. A utopia é a reeleição do presidente hoje impopular. Mas qualquer solução que garanta ao grupo um bom alojamento na esplanada será vista com simpatia. Por exemplo Doria.

Já o PSDB tem um problema novo. Como deslocar Bolsonaro? O senso comum diz que ele se desidratará sozinho, mas vai que não? De todo modo, o PSDB e/ou o temerismo poderão contar, como habitual, com a opinião pública para atingir o objetivo. Enquanto isso, o tucanismo quebra a cabeça para conter dissidências. Tarefa mais complexa hoje do que foi ontem.

O PT navega como um governo Temer de sinal trocado, concentrado na luta pela sobrevivência jurídica do líder. É um jeito de manter reunido o capital político, de Lula evitar a dispersão interna e externa, e de prevenir a contestação da sua liderança. E sempre há a hipótese, muito provável, de não aparecer nenhum concorrente de peso para o PT em seu campo.

São os três grandes vetores. Os demais orbitam em torno, na esperança de, finalmente, abrir-se o espaço definitivo para a novidade. Em comum com o velho, exibem a mesma fraqueza de visão sobre o futuro, sobre o que fazer com a economia, com a política, com os serviços públicos. Buscam beneficiar-se do cansaço. Mas também são vítimas dele e da indiferença.

Indiferença alimentada pelo fato de que o doente, a economia, mesmo à deriva, flutua. Parece pouco, mas para quem se via na UTI pode não ser.

Só barulho

A eventual implantação do “distritão" não alterará substancialmente a composição das bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados. Parece mais uma moeda de troca para evitar o bloqueio dos pequenos partidos à proibição das coligações nas eleições proporcionais. Se for mesmo (ah, o eterno otimismo) um caminho para o distrital misto, pode valer a pena.

Judicialização

Onde está o problema? O financiamento empresarial foi proibido. Se todo o dinheiro para eleição passar pelo partido, como será distribuído aos candidatos da sigla aos legislativos? Com a lista aberta ou com o distritão, o igualitarismo não faz sentido. Vai depender portanto da vontade do dono de cada legenda. Tem tudo para dar errado. Certamente acabará na Justiça.

Blindagem

Os resultados na economia são medíocres, o produto mais vistoso da política econômica é a queda na arrecadação de impostos, o investimento público bate recordes negativos, enquanto as despesas de custeio não param de crescer, apesar da contenção do gasto decorrente dos juros dos títulos do Tesouro. Mas não se veem maiores críticas. Haja blindagem.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação