Folha de S. Paulo

Julianna Sofia: Mancadas em série

Governo Temer avança no programa 'credibilidade zero'

Num prazo inferior a dez dias, o átimo de credibilidade que restava à gestão de Michel Temer se desvaneceu. Foram sequenciais os escorregões dos presidentes Ilan Goldfajn (Banco Central) e Pedro Parente (Petrobras), os remanescentes com confiabilidade no alto escalão governista —desprovido de peso desde a largada, há dois anos.

O BC errou na comunicação sobre o rumo da política monetária e pegou o mercado de calça curta. Ilan e companhia emitiram sinais que levaram 70% da banca financeira a acreditar que a taxa básica de jurosseria reduzida na reunião do Copom da semana passada. A queda não veio devido à escalada do dólar.

Apesar de a decisão ser vista como acertada por muitos analistas, o ruído na comunicação deixou arranhões na imagem do BC de Ilan. Ele foi obrigado a vir a público explicar o que alguns chamaram de barbeiragem e atribuiu o erro a uma tentativa do Banco Central de mudar sua forma de dialogar com o mercado. A ideia é adotar uma abordagem similar à dos BCs modernos, em que a sinalização é condicional.

No deslize de Parente, o buraco é um pouco mais em baixo. Pressionado pelo governo e pelo caos provocado com a paralisação dos caminhoneiros, o presidente da Petrobras reduziu o preço do diesel em 10% e aceitou um dano de R$ 350 milhões por congelar o valor por 15 dias. Disse fazer um movimento tático para a petroleira não ficar mais sob fogo. Em um dia, a empresa perdeu R$ 47 bilhões na Bolsa.

A fogueira continua, e Parente é fritado em alta temperatura por parlamentares, que pedem sua cabeça. O acordo entre Executivo e grevistas estendeu o congelamento a 30 dias e trocou os reajustes diários por mensais, com a União assumindo o grosso do prejuízo. Uma tentativa tardia de blindar a estatal, que sofre a desconfiança de investidores.

Em meio às mancadas, o terceiro nome do que um dia foi a trinca de ouro do governo, Henrique Meirelles, ganhou oportunamente a vaga de candidato do legado temerista.


Demétrio Magnoli: Aparente divisão do PT reflete estratégia de Lula, que tem candidato

Pleito de 2018, nos estertores da Nova República, deve ser lido à luz da eleição de 1989, a primeira da redemocratização

A narrativa convencional diz que o PT está dividido. De um lado, o próprio Lula, a direção partidária (Gleisi Hoffmann) e a maioria da bancada parlamentar federal insistem na candidatura de Lula. De outro, barões (Jaques Wagner, Haddad) e governadores do partido (Fernando Pimentel, Rui Costa, Camilo Santana) inclinam-se por um acordo com Ciro Gomes.

De fato, porém, a aparente divisão reflete uma estratégia definida por Lula. O nome do candidato de Lula é Ciro. A duplicidade não passa de uma operação tática.

Desde o impeachment, o PT converteu o duplo discurso em modo de vida. Há um discurso “para dentro”, destinado à militância e às bases da esquerda, que se exprime pela linha da resistência ao “golpe do impeachment”. Há, paralelamente, um discurso “para fora”, que se exprime pela política de alianças eleitorais com os “partidos golpistas”(MDB, PP et caterva).

O radicalismo verbal pagou dividendos: a elevação do lulista Boulos a candidato do PSOL enreda a esquerda dissidente na teia petista. A "realpolitik" também: o pacto “Minas para o PT, Pernambuco para o PSB” restabelece uma ponte rompida pela coligação entre Eduardo Campos e Marina Silva.

A militância de esquerda, no PT e alhures, precisa ser dopada por proclamações simbólicas que ajudam a metabolizar os gestos práticos do realismo lulista. Nicolás Maduro acaba de receber calorosas felicitações do PT e do PC do B por sua “retumbante vitória política e eleitoral”, apontada em nota conjunta dos dois partidos como “expressão da vitalidade” dos “sólidos laços do governo com o povo”.

No campo puramente verbal, quase nada distingue o PT de Boulos, do PSOL ou do chavismo crepuscular. Já no campo prático, o partido de Lula procura caminhos para se reinserir na máquina federal, mesmo se como sócio menor de uma coligação liderada por Ciro.

Lula nunca se moveu por convicções políticas ou ideológicas: seu norte obsessivo, hoje como ontem, é conservar o poder pessoal. Nas amargas circunstâncias atuais, o poder de Lula circunscreve-se ao PT –e sofreria rápida erosão caso o partido tivesse candidato presidencial próprio.

Daí a insistência de Lula na fantasia de sua candidatura, que funciona como um ferrolho, impedindo o surgimento de alternativas dentro do PT. O ex-presidente anunciará sua desistência apenas na hora derradeira, quando só restar aberta a trilha de adesão a Ciro. Mas, claro, Jaques Wagner, um dos seus mais fiéis escudeiros, negocia desde já o pacto de aliança.

Ciro joga segundo suas próprias regras, descrevendo curvas táticas na faixa de fronteira do lulismo. No Fórum da Liberdade, dobrou-se à ética da responsabilidade, comprometendo-se com o equilíbrio das contas públicas e com algum tipo de reforma previdenciária. Depois, acenou reiteradamente ao PT, sugerindo que reverterá a lei do teto de gastos e reinstalará a gestão política que faliu a Petrobras.

Num ponto, manteve notável coerência: a promessa de revogar a reforma trabalhista, isca destinada a atrair as corporações sindicais de trabalhadores e empresários. Ele sabe que a distância que o separa do segundo turno é uma composição com o lulismo.

O pleito de 2018, nos estertores da Nova República, deve ser lido à luz da eleição de 1989, a primeira da redemocratização. Hoje, como três décadas atrás, um governo carente de legitimidade eleitoral agoniza em praça pública.

Agora, como antes, a fragmentação do centro político descortina o cenário de um turno final disputado entre um outsider e o candidato da esquerda populista.

Aí, vêm as diferenças. A primeira: o outsider de hoje (Bolsonaro) é um extremista sombrio, incapaz de triunfar na reta de chegada. A segunda: o descontrole inflacionário, que precedeu a disputa de 1989, pode ser o fruto da disputa agônica de 2018. Nos 200 anos de Marx, a (nossa) história se repete –como farsa.

* Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.


Renato Feder e Renato Dias: Democracia ou privilegiocracia?

É preciso compromisso com o combate a regalias

Viver em uma democracia demanda um custo para as sociedades que escolhem essa forma de governo. O problema acontece quando a democracia se desvirtua, transformando-se em uma verdadeira "privilegiocracia", como acontece no Brasil.

Segundo levantamento do Ranking dos Políticos, o custo médio anual de cada um dos 513 deputados e 81 senadores do Congresso é de R$ 885 mil. O valor considera apenas salários e a malfadada cota parlamentar.

Para 2018, o orçamento total do Senado e da Câmara é de incríveis R$ 10,5 bilhões, de acordo com a ONG Contas Abertas. Tal montante equivale a um custo em relação ao PIB seis vezes maior do que em países desenvolvidos, e seria suficiente para construir mais de 5.000 escolas.

A primeira medida para atacar o problema é o corte de privilégios, excesso de assessores, e um enxugamento geral da estrutura do Congresso. Copeiros, ascensoristas, motoristas, há muita coisa que pode ser eliminada por um Legislativo mais adequado. Alguns parlamentares já abrem mão de certos benefícios, e há alguns projetos de lei que visam essa maior eficiência. Esses exemplos devem ser reconhecidos e exaltados.

Se o cenário de privilégios é desolador no Legislativo, no Poder Judiciário não fica atrás. Estudo mais recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que as despesas totais do Judiciário somaram R$ 84,8 bilhões em 2016. O valor corresponde a 1,4% do nosso PIB, índice cerca de seis vezes maior do que o de nações civilizadas. Só como efeito de comparação, o orçamento total da saúde em 2017 foi de R$ 107 bilhões.

Já no Poder Executivo, chama a atenção o custo para manter as regalias a ex-presidentes da República, de quase R$ 3,5 milhões anuais. Além disso, o Executivo federal se aproveita das suas cerca de 150 estatais —que geram prejuízos bilionários ano após ano— para distribuição de cargos e outros conchavos em busca de apoio para o já consagrado sistema de "presidencialismo de coalizão".

Uma breve análise desses dados nos dá uma ideia do custo que pagamos para a manutenção da nossa democracia. Apesar de serem públicos, tais números acabam passando despercebidos pela população em geral, que trabalha cinco meses do ano apenas para pagar impostos.

E é exatamente daí que vem o dinheiro para pagar toda essa conta. Durante 2017, o Impostômetro apontou uma arrecadação de R$ 2.172.053.819.242,78 (dois trilhões, cento e setenta e dois bilhões, cinquenta e três milhões, oitocentos e dezenove mil, duzentos e quarenta e dois reais e setenta e oito centavos... ufa!). Ou seja, nossa carga tributária equivale a nada menos do que um terço do PIB. Isso com o Brasil ainda tentando se recuperar da maior crise de sua história, o que diminuiu muito o valor que poderia ter sido arrecadado. Qual a saída?

Não tem outro jeito. A única forma de alterar esse quadro continua sendo por meio do voto. Há cada vez mais ferramentas e plataformas que analisam e divulgam os gastos com privilégios e outros custos da máquina pública —como os citados Ranking dos Políticos e Contas Abertas—, e o interesse dos eleitores sobre o assunto só aumenta.

É preciso eleger políticos melhores, que entendam os problemas dessa estrutura de regalias e se comprometam a desmontá-la uma vez que estejam no poder. Em outubro, teremos uma chance de ouro de colocar isso em prática. Não podemos desperdiçá-la, para que o Brasil tenha uma verdadeira democracia, e não uma "privilegiocracia".

Renato Feder
Empresário e fundador do Ranking dos Políticos

Renato Dias
Administrador de empresas e diretor-executivo do Ranking dos Políticos


Elio Gaspari: O MP entrou na defesa dos maganos

O Supremo abriu a brecha, e a história do fim do foro arrisca se transformar em conversa para boi dormir

O Ministério Público precisa se olhar no espelho. No Supremo Tribunal Federal ele defendeu o fim do foro especial para deputados e senadores. Essa decisão pontual foi festejada como uma conquista genérica. Engano. Menos de um mês depois, no Superior Tribunal de Justiça, o MP sustenta exatamente o contrário, defendendo a manutenção do foro na parte que lhe cabe do latifúndio.

Com o apoio da Procuradoria-Geral da República, deputados e senadores que cometam crimes fora do período de seus mandatos serão julgados na primeira instância. No STJ, contudo, o Ministério Público pediu que se preserve o foro especial para governadores, desembargadores, conselheiros do Tribunal de Contas e procuradores que atuam junto à corte. Em poucas palavras, diante da brecha aberta pelo Supremo, o "Tribunal da Cidadania" defende a jurisprudência do "quem manda aqui sou eu". Aceita, ela haverá de se propagar pelos estados.

O pedido do MP foi endossado pelo ministro Mauro Campbell e estava sendo julgado pela corte especial do STJ, composta pelos 15 ministros mais antigos. Como o ministro Luis Felipe Salomão pediu vistas, o caso será apreciado em junho. (Salomão remeteu à primeira instância um processo em que é réu o governador da Paraíba.)

Num exemplo hipotético, que poderá ocorrer em alguns estados:

Se um senador e um vereador (ou procurador) forem casados com duas irmãs e ambos matarem as mulheres, o senador será julgado na primeira instância e o vereador (ou o procurador) irá para o Tribunal de Justiça do seu estado. O senador não tem foro especial, mas os outros dois têm.

Expandida, a festa preservará o foro de todos os desembargadores, juízes de tribunais federais regionais, conselheiros de contas estaduais e municipais. E mais, bingo: dos membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

O foro especial favorece 58 mil maganos com funções em 40 tipos de cargos. A decisão do Supremo Tribunal, restrita a parlamentares, alcança algo como mil pessoas, levando-se em conta que há casos de cidadãos cujo mandato acabou. Na ponta do lápis, o Supremo livrou-se de mais de 60 processos.

A corte especial do STJ deverá decidir a questão no dia 6 de junho. Aberta a brecha, ficará a lição do "poetinha" Vinicius de Moraes:

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do Carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira.

O INDULTO DE LULA ESTÁ NO FORNO
Ciro Gomes tem toda a razão quando diz que não se pode oferecer um indulto a Lula enquanto ele tiver recursos tramitando na Justiça. Seria o mesmo que considerá-lo culpado.

Isso não elimina o fato de que se Ciro vier a ser eleito presidente da República poderá indultar Lula no primeiro dia de governo. (O ministro Luís Roberto Barroso parece ter farejado essa carta ao restringir o indulto de fim de ano de Temer.)

Em princípio, há um famoso precedente histórico. Em 1974, um mês depois de ter assumido a Presidência dos Estados Unidos, Gerald Ford perdoou Richard Nixon, arrastado pelo caso Watergate.

Mas nem tudo é o que parece. Ford perdoou Nixon argumentando que seu julgamento demoraria pelo menos um ano, dividindo o país. Segundo Ford, ele já havia sido obrigado ao inédito constrangimento de deixar a Presidência dos Estados Unidos.

Lula não renunciou e já foi condenado em duas instâncias judiciais.


Samuel Pessôa: Populismo de Pochmann

Não adianta negar as restrições do mundo, pois a conta sempre chega

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Marcio Pochmann, responsável pelo programa do candidato do PT, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 29 de abril, afirmou: "O fundamental no início do governo é um programa de emergência, que permita ao país sair da crise e voltar a crescer. Nós entendemos que a questão fiscal se resolve com volta do crescimento".

Certa feita, o presidente da Argentina Juan Perón escreveu em carta ao então presidente do Chile, Carlos Ibáñez: "Meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá os resultados. Todos irão lhe apavorar com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é uma mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende".

Para os populistas, a economia é elástica e a crise fiscal se resolve apertando o pé no acelerador e colocando a economia para crescer. Na América Latina o populismo produziu décadas de inflação e estagnação. A Argentina regride há sete décadas.

É compreensível que políticos escolham a estratégia populista. Dá resultados eleitorais. É péssimo para o país e para a sociedade e, principalmente, para os pobres --populismo sempre leva à crise e ao desemprego--, mas traz bônus eleitorais no curto prazo.

Quando técnicos ou intelectuais prometem o Paraíso, eles escondem dos cidadãos as reais limitações da economia e os verdadeiros problemas a serem enfrentados.

Pior ainda, dão munição à pior forma de política: a que procura manipular a opinião pública em busca de votos, evitando uma discussão civilizada e adulta de nossos problemas.

O desequilíbrio fiscal representa um genuíno conflito distributivo. Se no século 19 esse embate se dava prioritariamente no âmbito do confronto entre o capital e o trabalho, hoje seus principais campos de batalha são o Tesouro Nacional e o Congresso, que é a instância que arbitra o conflito.

Sempre haverá temas técnicos. Por exemplo, qual será o efeito desta ou daquela forma de tributação sobre o crescimento? E sobre a desigualdade e pobreza? Estes e outros temas demandam o debate sério informado com o melhor aporte da academia. Mas a decisão final é política.

A teoria demonstra, e nossa história já provou,que a política preconizada por Pochmann sempre nos levou à inflação e ao desemprego. Não há nenhum indício ou estudo acadêmico sério que indique que seria diferente desta vez. E, como já disse, das formas de tentar gerir o conflito distributivo, a única pior que a inflação é a guerra civil.

Pochmann, em artigo na Folha na quinta feira (17), chamou-me de paladino do governo para ricos. Mostrou os números dos lucros dos bancos no governo Temer. Se tivesse se dado ao trabalho de averiguar a lucratividade dos bancos nos anos Lula e Dilma, notaria que foi ainda maior do que no último biênio.

No início do governo Lula, Pochmann também foi contrário à focalização das políticas públicas nos mais pobres, princípio que está na base do programa Bolsa Família.

Uma das raízes da atual crise política foi uma campanha eleitoral em que se esconderam da sociedade seus limites, escolhas e conflitos. Repetir a estratégia, fugir a um debate civilizado e adulto, levará ao aprofundamento da crise.

Não adianta negar as restrições do mundo, pois a conta sempre chega. Na Argentina de Perón, na Argentina hoje e no futuro que Pochmann propõe.
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Samuel Pessôa, físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV


Demétrio Magnoli: 'A rua de teus pais e avôs'

Na Catalunha, como em outros lugares da Europa, a direita é a nova esquerda

“Vergonha é uma palavra que, há anos, os espanhóis eliminaram de seu vocabulário.” “Os espanhóis só sabem espoliar.” “Se continuamos aqui mais alguns anos, corremos o risco de terminar tão loucos quanto os próprios espanhóis.” “Mais que tudo, o que surpreende é o tom, a má educação, a ofensa espanhola: sensação de imundície.”

Quim Torra, eleito governador regional (president) pela estreita maioria independentista no Parlamento da Catalunha, apagou centenas de tuítes como esses de sua conta —mas eles já haviam sido copiados e traduzidos para o espanhol. Na Catalunha, como em outros lugares da Europa, a direita é a nova esquerda.

Torra é um nativista, um xenófobo antiespanhol, um supremacista catalão. Sua eleição obedeceu ao comando direto de Carles Puigdemont, o president destituído, exilado em Berlim. Contudo, a maioria da bancada independentista é formada por dois partidos de esquerda: a ERC, moderada, e a CUP, radical. Sem o apoio deles, Torra não teria sido alçado à chefia do governo regional. Mussolini moveu-se da extrema-esquerda à extrema-direita para inventar o fascismo. Um século depois, na abrangente moldura do nacionalismo, a esquerda catalã identifica-se com um semifascista.

Os tuítes são o de menos. Artigos de Torra publicados por obscuras revistas separatistas desvendam suas inclinações ideológicas. Num, classifica a Espanha como “um país exportador de miséria, material e espiritualmente falando”.

Noutro, recomenda “um psiquiatra” para curar “o torturado cérebro espanhol”. Um terceiro qualifica os catalães que têm no espanhol sua língua habitual como “bestas com rosto humano”, “víboras” e “hienas”.

A tecla perene de Torra é o essencialismo identitário. Um artigo explica que “pátria é um estado de espírito” e, ainda, que “se somos catalães, não podemos ser outra coisa”. A obsessão pelo idioma sintetiza-se em outro texto, que faz da língua a “alma da pátria”. A pulsão romântica evidencia-se na passagem: “Que deterioração. Sais a rua e nada indica que aquilo seja a rua de teus pais e de teus avôs: o castelhano avança implacável, voraz.” Pouco mais de metade dos eleitores catalães rejeitaram os partidos independentistas. “Aqui, não cabe todo mundo”, escreveu o novo presidente.

Estat Català é um partido ultranacionalista, o equivalente catalão da Falange franquista, que operou na primeira metade da década de 1930, organizando milícias de tipo fascista e negociando acordos com o regime de Mussolini. Num artigo de 2014, Torra celebrou seus líderes como “pioneiros da independência”, agradecendo-lhes a “belíssima lição” de “tantos anos de luta solitária”. O president eleito pela esquerda catalã situa-se no campo dos partidos xenófobos da direita europeia.

O mito da “nação do sangue”, ancestral e pura, impulsiona o separatismo catalão. Nas palavras de Torra: “Corre-se o risco de que a nação se dissolva como açúcar em copo de leite, espremida entre a avalanche imigratória, a monstruosa espoliação fiscal e uma globalização que só trata com respeito a quem pertence à ordem mundial: os Estados”. A “espoliação fiscal” é referência à Espanha; a “globalização”, à União Europeia; a “avalanche imigratória”, às ondas de trabalhadores andaluzes que se transferiram para a Catalunha desde a década de 1960 e —horror! — falam espanhol.

A encruzilhada esquerda/direita não desapareceu. Hoje, porém, ela se redefine à sombra da cisão cosmopolitismo/nacionalismo. A esquerda catalã escolheu seu lado.

O Podemos, partido esquerdista espanhol que figura como modelo para o PSOL, deixou-se seduzir pelos nacionalistas catalães, apoiando o plebiscito ilegal de independência. Agora, um tanto tarde, acordou e classificou os textos de Torra como “racistas”. Não parece, mas o Brasil faz parte do mundo. A esquerda brasileira deve, cedo ou tarde, escolher um lado.

*Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.


Clóvis Rossi: De repente, acredita-se na derrota de Nicolás Maduro

Começa a crescer um movimento para desencorajar a abstenção na eleição venezuelana

Imagine um país que vai promover eleições na seguinte situação:

1 - A economia sofreu uma contração de sufocantes 31,9% nos cinco anos de mandato do presidente que agora quer a reeleição, segundo as contas da Comissão Econômica para América Latina e Caribe;

2 - O Fundo Monetário Internacional informa, por sua vez, que a variação de preços neste ano eleitoral será de estratosféricos 12.870%, a mais alta do mundo. Só a cesta básica custou, em abril, 92,5% mais do que em março, segundo a Federação de Professores da Venezuela;

3 - Há uma absurda escassez de quase tudo, de papel higiênico a remédios.

Em um país assim, o governo de turno, seja qual for, pode ganhar uma eleição? Pode se for a Venezuela de Nicolás Maduro, que tenta a reeleição neste domingo (20).

Pode em uma de duas circunstâncias: ou por meio de uma fraude, como a que já foi praticada na votação da Assembleia Constituinte em 2017. Ou se os eleitores acatarem em massa a orientação de abster-se dada pela maioria dos líderes oposicionistas.

Se a abstenção ficar em 50%, Maduro ganha, afirma, por exemplo, Luis Vicente León, presidente do Datanálisis, o mais respeitado instituto de pesquisas do país (ganha sem precisar de fraude, acrescento eu).

É por isso que começa a crescer um movimento para desencorajar a abstenção. Mesmo analistas que entendem a posição adotada pelos partidos oposicionistas de pregar a ausência estão defendendo agora o comparecimento às urnas.

(A abstenção) “é compreensível, mas inútil. Ao deixar de votar, a oposição desperdiçará a única chance, em anos, de quebrar esta ditadura”, escreve para The New York Times Javier Corrales, professor de ciência política no Amherst College.

Corrales acha que, se a abstenção for baixa, a oposição tem chance de vencer, considerando-se a avassaladora impopularidade de Maduro (taxa de desaprovação em torno de 70%).

Concorda com ele até mesmo um dos líderes da MUD (Mesa de Unidade Democrática, o conglomerado oposicionista que decidiu pela abstenção).

Em programa de televisão, Jesús “Chúo” Torrealba, que foi secretário-geral da MUD, o cargo mais alto da coalizão, disse que o cenário mais provável é o do triunfo de Henri Falcón, o único líder oposicionista que desafiou a MUD e resolveu concorrer.

Não é o único a antever um papel relevante para Falcón, dissidente do chavismo e que agora dissente também da oposição. Em conversa com a Folha, em evento no México, o ex-presidente dominicano Leonel Fernández desenhou um cenário de sonho para o pesadelo venezuelano: Falcón ou ganha ou tem um desempenho excepcional, o que, segundo Fernández, poderia levar Maduro a propor um governo de união nacional para enfrentar a crise.

Fernández não é um completo “outsider”: foi um dos três ex-chefes de governo que mediaram um diálogo (frustrado) entre governo e oposição.

Tenho sérias dúvidas de que tal cenário seja factível, mas a alternativa é horrenda: continuar a ver “uma geração perdida nascer na Venezuela”, como disse o pediatra Franco Sorge à sempre excelente Sylvia Colombo, desta Folha.

*Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha. É vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.


Abel Reis: Mentiras sobre as fake news

Não é verdade que todas as propostas para combatê-las são bem-vindas

Verdade: nunca produzimos e consumimos tanta fake news. Mentira: todas as propostas para combatê-las são bem-vindas. Verdade: suas causas e efeitos estão sendo discutidos e analisados exaustivamente. Mentira: com tanto debate e reflexão, compreendemos cada vez melhor esse fenômeno.

Certeza absoluta: as fronteiras que definem fake news são tão nebulosas quanto elas próprias. Na dúvida, faça como Descartes (1596-1650), o filósofo cujo método era duvidar de tudo o que os sentidos lhe traziam. Sendo assim, desconfie do muito fácil, da ausência de contrapontos e da falta de serenidade —dessa forma, poderá evitar conclusões ou soluções apressadas.

Fake news não é uma “evolução” da fofoca. As candinhas de antigamente (de carne e osso ou de revistas especializadas) podiam causar sofrimento e até estragos a uma reputação. Mas a mensagem circulava em ambiente restrito, com impactos, idem.

Hoje, elege-se um presidente à base de informações distorcidas. Uma fofoqueira não tinha o poder: 1) das redes sociais, com sua velocidade e alcance ilimitados; 2) da tecnologia acessível a qualquer usuário de smartphone, para manipular e distribuir imagens e áudios maciçamente e 3) de guardar e disponibilizar um conteúdo eternamente, à revelia dos envolvidos nele.​

Fake news também não se confunde com discurso de ódio ou política. Diariamente, celebridades da TV, música e esporte são falsamente declaradas mortas ou doentes. Mas nem precisa ser famoso para tanto.

Marcelo Aparecido (juiz que apitou a vitória do Corinthians sobre o Palmeiras na final do Campeonato Paulista) foi acusado de ter um bar frequentado por jogadores e dirigentes corintianos. O boato viralizou, seu endereço caiu na rede, ele sofreu ameaças e até contratou segurança particular. De concreto, há uma foto do seu bar com torcedores de vários times e um histórico profissional bem-sucedido na arbitragem.

Ainda: fake news não se resolve com censura. É perigosa a ideia de investigar veículos suspeitos, lançada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O que significa investigar e o que vem depois da investigação? O que são veículos: tanto jornais e revistas tradicionais quanto blogs e perfis no Facebook e Twitter? Que critérios definem suspeição em ano de eleições em um país profundamente polarizado? Conteúdos fanfarrões, que brincam com a realidade e induzem a erros de interpretação, escaparão dessa peneira?

Fechar um site que comprovadamente age de má-fé é o mesmo que mirar o traficante da esquina para acabar com o tráfico de drogas. Em breve, mais dez estarão em ação. Fake news se combatem estimulando postura e leitura crítica e consciente perante a realidade.

No Reino Unido, a BBC realiza uma ampla campanha nas escolas, utilizando um game que simula uma redação. No jogo, os estudantes atuam como jornalistas e são instigados a questionar, checar e compreender em profundidade diferentes temas.

O bom jornalismo, vale lembrar, é arma poderosa contra a desinformação. A natureza de um veículo de comunicação (que depende de credibilidade), a estrutura de uma redação (com vários departamentos e funções), a regra do contraponto (sempre ouvir várias fontes), a sistemática de autocrítica (erros de apuração ou conclusão devem ser abertamente compartilhados com os leitores, pelo próprio veículo que os cometeu) e o timing da equipe (maior do que o de um blogueiro que trabalha sozinho) favorecem a construção de histórias sólidas.

A verdade (ou o mais próximo que se pode chegar dela) tem um período de cura. Fato: nesses novos tempos, produtores e consumidores de conteúdo ávidos pelo próximo furo ou viral correm riscos. De queimar e de serem queimados.

Abel Reis é presidente da operação brasileira da Dentsu Aegis Network (DAN), terceiro maior grupo global de comunicação e mídia


Alexios Mantzarlis: Em defesa da checagem de fatos

Verificação de notícias tem sido alvo de ataque intenso nas redes sociais

A desinformação online e a polarização política estão infectando o debate democrático em todo o mundo. No Brasil, a intensidade da polarização pode vir a atrapalhar a busca por soluções para o fenômeno das notícias falsas.

Na semana passada, o Facebook lançou no país sua ferramenta de verificação de notícias. Seus parceiros —Agência Lupa e Aos Fatos— têm acesso a uma plataforma onde são agregados links duvidosos indicados pelos usuários e pela rede social. Para cada verificação feita, é preciso que os checadores ofereçam uma reportagem com evidências públicas sobre suas conclusões.

Mas esse anúncio positivo foi recebido com intensas críticas. Ataques pessoais têm sido feitos contra os checadores e seus familiares. Um dos cofundadores de Aos Fatos foi criticado por apoiar publicamente a igualdade racial. Outros checadores que mantêm perfis fechados nas redes sociais foram acusados de estarem escondendo algo grave.

Tenho acompanhado esses ataques com preocupação. Minha organização, a IFCN (International Fact-Checking Network), tem um processo de auditoria longo e cuidadoso. Ele é feito por especialistas de vários países e, anualmente, analisa 12 critérios de cada um dos veículos que integram a rede.

Entre os critérios estão transparência de financiamento, metodologia e fontes. Lupa e Aos Fatos já passaram por esse processo duas vezes. O resultado é público e está disponível em nosso site.

Não é surpreendente que algumas das ofensas também demandem checagem. Um dos tuiteiros raivosos (com 20 mil seguidores e identidade oculta) descobriu que uma das minhas colegas usa a hashtag #LeftyLivesMatter. Achou que se tratava de um posicionamento político e a classificou como uma "ativista política de esquerda escancarada". Ela é apenas canhota.

Muitos críticos acusam os checadores de censores. Mas estes apenas avaliam o conteúdo dos posts e apontam o que é falso. É o Facebook que depois reduz o alcance desse material. Nada é removido em função do trabalho do checador.

Ironicamente, aqueles vídeos e textos que falam em censura do Facebook e dos checadores também são feitos... no Facebook! Seria o mesmo que usar este artigo para acusar a Folha de silenciar minha voz.

Os cidadãos estão certos ao vigiarem o direito à liberdade de expressão e o poder do Facebook. É por isso que tenho pedido publicamente que a empresa compartilhe dados sobre os resultados desse projeto em nível mundial. Todos os membros da IFCN entendem que seu material precisa ser alvo de escrutínio tão rigoroso como o que usam para analisar o discurso público.

É por isso que ambos, Aos Fatos e Lupa, têm políticas públicas de correção. Se cometerem algum erro dentro do projeto do Facebook, poderão ser acionados. A ferramenta prevê isso. Aos Fatos e Agência Lupa são iniciativas de fact-checking responsáveis e idôneas. Desde 2015, analisam o que é dito por todos os lados do espectro político brasileiro.

Esses ataques têm mais como alvo a iniciativa de checar fatos do que efetivamente o resultado desse trabalho. Um dos grupos que agora acusam os checadores de serem de esquerda atacou outra plataforma, o Truco, da Agência Pública, em 2017.

Após serem questionados a respeito da fonte de uma informação publicada em suas páginas, seus integrantes enviaram a foto de um pênis e um pedido para que a reportagem checasse a sua veracidade.

Uma campanha organizada para tirar a credibilidade desse trabalho é equivocada e diminui a capacidade da sociedade de distinguir as verdades das mentiras. Isso tem bem menos a ver com os checadores em si. Tem a ver com os fatos. E os fatos importam —e nós precisamos defendê-los.

Alexios Mantzarlis é jornalista e diretor da IFCN (International Fact-Checking Network) desde 2015


Michel Temer: Dois anos de avanços

O Brasil e os brasileiros têm escolha fundamental a fazer neste ano; continuar no caminho certo, com resultados reais, ou buscar alternativas que podem gerar insegurança

Peço alguns instantes de sua atenção para recordar um número de janeiro de 2016. Na Bolsa de Valores, a Petrobras valia R$ 67 bilhões. Pouco mais de dois anos se passaram. Nesta última semana, a Petrobras reconquistou o título de empresa mais valiosa do Brasil. Ultrapassou os R$ 350 bilhões.

Em 24 meses, recuperamos a Petrobras, o Banco do Brasil, os Correios, a Caixa Econômica Federal; elevamos o PIB a patamar positivo, melhoramos a gestão pública, ajudamos estados e municípios; reformamos leis e instituições. Trabalhamos sem parar.

Recuperamos o Brasil. No aniversário de dois anos de meu governo, aqueles que analisarem com isenção vão constatar: cumprimos o que escrevemos no documento "Ponte Para o Futuro". Transformamos a mais grave recessão da nossa história em crescimento consistente. Trocamos as famosas "pedaladas" por responsabilidade fiscal.

Integramos o Brasil ao mundo, atraindo investimentos e recuperando a credibilidade. Os programas sociais, que estavam ameaçados, têm hoje os melhores indicadores da história.

O resultado está aí: o que antes era desalento agora é trabalho. Quando assumimos, havia uma dilapidação de 150 mil empregos de carteira assinada por mês. Neste ano, registramos um saldo de 204 mil vagas com carteira assinada. E, nos últimos 12 meses, foram criados mais de 1,5 milhão de postos de trabalho.

O Bolsa Família está mais amplo —atende hoje 160 mil famílias a mais do que as 14 milhões do seu recorde anterior, em 2014. Está mais acessível para quem precisa porque zeramos a fila, que chegou a ter quase 2 milhões de famílias em maio de 2015.

Melhoramos a gestão do programa, e o benefício alcançou seu maior poder de compra porque aumentamos seu valor em mais de 100% acima da inflação do período. Financiamos no tempo certo as duas maiores safras da história, que baratearam os alimentos, favorecendo os mais necessitados.

Asseguramos os contratos do Minha Casa, Minha Vida, pagamos os atrasados que encontramos no começo de governo, em maio de 2016, e garantimos a expansão do programa, entregando uma média de 38 mil residências por mês. Fizemos mais e melhor.

Implantamos o Criança Feliz para proteger e acolher a gestante e a primeira infância. Criamos o programa "Progredir", que, pela primeira vez, capacita e emprega jovens de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família.

Em três meses, quase 70 mil deles conseguiram seu lugar no mercado de trabalho. O que deve ser permanente é a formação para melhorar de vida. Movidos por esse espírito, revolucionamos a educação. Reforma do ensino médio, novas 500 mil vagas em tempo integral e capacitação dos professores —o Brasil está apenas começando a colher os avanços da mudança.

Os resultados são incontestáveis em todas as áreas: a menor inflação da história do Plano Real, as menores taxas de juros de nossa história, os dois maiores superávits comerciais, duas safras agrícolas recordes, o maior número de títulos de propriedade (mais de 200 mil), agrária ou urbana, já distribuídos.

A indústria automobilística reagiu, com mais 40% na produção de veículos leves em abril, no comparativo com o mesmo mês de 2017. A produção aquecida e as demandas do comércio (mais 4% na construção civil em 2018) elevaram em 77% as vendas de caminhões em abril deste ano, na comparação com o ano passado. Fizemos nossa parte para essa retomada com a liberação das contas inativas do FGTS, que colocou R$ 44 bilhões na economia e beneficiou 25,9 milhões de trabalhadores.

Desde a primeira hora, saí em busca de mais investimentos, de mais comércio e de mais empregos aos brasileiros. Estive na Ásia, Europa e em nossos vizinhos da América. Trouxemos bilhões em negócios. Saímos do oitavo para o segundo lugar como melhor destino para investimentos em todo o mundo.

A maior quantidade de unidades de conservação por km² de todos os tempos foi criada em minha gestão, superando todos os governos anteriores somados. A maior reserva marinha do mundo foi criada no Brasil por ato da minha Presidência. Reduzimos o desmatamento da Amazônia depois de dois anos de crescimento contínuo na devastação.

Tivemos a coragem de, pela primeira vez, encarar para valer o tema da segurança pública, demanda social prioritária, que a Constituição colocou a cargo dos estados. Criei o Ministério da Segurança Pública e decretei a intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro.

Os resultados são animadores: o mês de abril já registra considerável redução de crimes violentos e roubos sobre o mês anterior. Na região de Bangu, Gericinó, Padre Miguel, Senador Camará e Vila Kennedy, onde a intervenção concentrou algumas ações, a letalidade violenta registrou o menor número de vítimas para o mês de março desde o início da série histórica. São vidas que foram preservadas. Cada uma delas, uma vitória sobre as milícias e o crime organizado.

Nada disso surgiu por geração espontânea, como alguns querem acreditar ao tentar desvincular nosso trabalho de todos os êxitos econômicos, sociais, ambientais e de segurança. Tamanhos resultados premiam o esforço de uma equipe de alta competência e dedicação ao interesse público. Para alcançá-los, foi preciso dialogar com o Congresso e construir um conjunto de normas que sepultaram o populismo do resultado fácil.

A virada na economia, assim como no resultado das estatais, é fruto dessa fórmula. Trilhamos um caminho de coragem, de mudanças. Tem sido duro, difícil, a ponto de nos custar popularidade, num país ansioso por soluções fáceis. Os resultados estão aí, os números falam mais alto. Fizemos em dois anos o que outros não fizeram em 20 anos.

O Brasil e os brasileiros têm escolha fundamental a fazer neste ano. Continuar no caminho certo, com resultados reais, ou buscar alternativas que podem gerar insegurança, crise, dívidas, inflação, recessão, desemprego, pessimismo e desesperança.

Nosso projeto acelera o desenvolvimento, amplia investimentos, cria empregos, aumenta salários, qualifica nossos jovens, oferece mais segurança. Ao cumprir o que escrevemos, o Brasil voltou a ter um futuro de prosperidade.

Michel Temer é Presidente da República; ex-vice-presidente (2011-2016, governo Dilma) e ex-presidente da Câmara (1997-2001 e 2009-2010)


Folha de S. Paulo: Sem Lula, Bolsonaro lidera e empataria com Marina no 2º turno, aponta pesquisa CNT

Bolsonaro aparece com 18,3% contra 11,2% de Marina em cenário com 14 candidatos

Por Angela Boldrini, da Folha de S. Paulo

Sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) lidera a corrida eleitoral de 2018 para o Palácio do Planalto, seguido por Marina Silva (Rede), com quem empataria no segundo turno, e Ciro Gomes (PDT). Os dados são de pesquisa da CNT/MDA realizada de 9 a 12 de maio com 2.002 eleitores, em 137 municípios em 25 estados. O estudo tem 2,2 pontos percentuais de margem de erro. Bolsonaro aparece com 18,3% contra 11,2% de Marina em cenário com 14 candidatos. Nele, a candidata da Rede disputa a segunda colocação com o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, que aparece com 9%, configurando empate técnico.

Quando as candidaturas se restringem, o percentual dos dois candidatos se aproximam: em cenário com cinco candidatos, Bolsonaro fica co 14/05/2018 Sem Lula, Bolsonaro lidera e empataria com Marina no 2º turno, aponta pesquisa CNT .

De acordo com o presidente da CNT, Clésio Andrade, a saída do ministro aposentado Joaquim Barbosa (PSB) da disputa — ele não foi considerado nas perguntas — estimula o aumento de brancos e nulos. Na pesquisa espontânea, o número de brancos, nulos e indecisos soma 61%. Colocado como plano B para o PT, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, chega a apenas 4,4% das intenções de voto. O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin é rejeitado por 55,9% dos eleitores, que dizem que não votariam nele de jeito nenhum. É um aumento de 5,2% em relação à pesquisa realizada em março de 2018.

Ele tem de 4% a 8% de intenções de votos nos cenários estimulados. Já o presidente Michel Temer se mantém com a maior taxa de rejeição, com 87,8%. Apenas 0,3% dos eleitores afirmaram que o emedebista seria o único candidato em quem votaria, e 7,8% afirmaram que seria possível votar nele.

PRISÃO DE LULA
De acordo com os dados da CNT, 49,9% dos brasileiros não acreditam que Lula vá disputar as eleições de outubro. Em março, eram 52% que não acreditavam na candidatura do petista. Além disso, 51% consideram justa a prisão do expresidente.

GOVERNO TEMER
A pesquisa mostra que apenas 4,3% dos brasileiros avalia como positivo o governo do presidente Michel Temer. Os que o consideram negativo são 71,2%, ligeira queda com relação a março, quando 73,3% o avaliaram como ruim ou péssimo. Com relação a perspectiva de melhora, os dados mostram que 41,9% dos brasileiros acredita que a segurança pública vai piorar nos próximos seis meses. Outros 37,2% acreditam que ficará igual, e 17,9% creem que ficará melhor.


Samuel Pessôa: Argentina, de volta aos anos 1990

O exemplo argentino indica que acertamos na estratégia de choque contra a inflação

A Argentina vai ao Fundo Monetário Internacional. A economia apresenta um déficit de transações com o exterior --contando comércio de bens e serviços e pagamento de juros, lucros e dividendos-- de 5% do PIB, ou uns US$ 30 bilhões.

A dívida pública, somente do governo central, é da ordem de 50% do PIB, sendo que 70% dela é denominada em moeda externa. Quando o câmbio se desvaloriza, a dívida pública aumenta.

Vale entender como chegamos aqui.

Algum tempo depois da grande crise na Argentina entre o fim de 2001 e o início de 2002, quando o país decretou moratória da dívida externa e acabou com a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar americano, registrou-se, já no período Kirchner, forte ritmo de crescimento.

Entre 2002 e 2011, a economia cresceu a uma média anual de 6,3%, ou 74% em nove anos.

Três motivos explicam o crescimento: o ponto inicial com elevada ociosidade, em seguida à crise fortíssima; os efeitos benéficos do longo ciclo de commodities; e a colheita das reformas institucionais do governo Menem. Da mesma forma pela qual Lula colheu parte dos benefícios das políticas liberalizantes de FHC.

Evidentemente, o boom de commodities passou, a ociosidade terminou e os efeitos benéficos das reformas institucionais do período Cavallo passaram. Como ocorreu por aqui.

Tanto lá quanto cá, quando o crescimento fraquejou, optou-se por manter a política de pé embaixo. Até esse ponto o paralelismo surpreende.

Por aqui, entretanto, por alguma razão a tolerância do eleitor à inflação e à bagunça fiscal é, em geral, mais baixa. Dilma no segundo mandato começou a arrumar a casa, tanto com Joaquim Levy quanto com Nelson Barbosa. Temer, com Meirelles, continuou.

Muito há a ser feito. No entanto, estamos no caminho certo. Falta a sociedade se pronunciar nas eleições e negociar os detalhes do ajuste fiscal estrutural.

Na Argentina, Cristina Kirchner dobrou a aposta e passou para a oposição a economia estagnada há muitos anos, com inflação na casa de 30% anuais, além do atraso tarifário e do elevado desequilíbrio fiscal.

Chegou um momento em que os desequilíbrios macroeconômicos teriam de ser enfrentados. A arrumação da casa caiu no colo do governo Mauricio Macri.

O desastre com a inflação é que, uma vez ela tendo início, é muito difícil derrubá-la --e impossível sem custo social. A desorganização representada pela elevação sistemática dos preços demanda aumento do desemprego e da ociosidade. É o doloroso mecanismo disciplinador para impedir aumentos excessivos dos salários e dos preços.

Macri calculou que era mais viável politicamente uma estratégia gradual de enfrentamento da inflação. Talvez a existência por lá de eleição de meio de mandato, que encurta de quatro anos para dois anos o prazo para que o Executivo colha os efeitos benéficos dos ajustes inicialmente implantados, tenha pesado na escolha da estratégia gradual.

O gradualismo tinha como uma de suas hipóteses juro zero mundo afora a perder de vista. Os títulos do Tesouro americano de dez anos rodando a 3% ao ano abortaram o gradualismo.

O exemplo argentino indica que acertamos em termos adotado estratégia de choque no combate à inflação.

HETERODOXIA
A ótima coluna de Nelson Barbosa de sexta-feira (11) neste espaço mostrou que não necessariamente heterodoxia é incompatível com responsabilidade fiscal.

* Samuel Pessôa, é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV