folha de s paulo

Reinaldo Azevedo: Há uma obra de séculos na blitz dos insensatos ao STF

Bolsonaro tentou jogar no colo do STF a culpa pela crise econômica do coronavírus

O que o presidente Jair Bolsonaro e empresários foram fazer no STF? Tentar jogar no colo do tribunal a responsabilidade pela crise econômica provocada pelo coronavírus. Tese de fundo, vocalizada por Paulo Guedes: é o distanciamento social a origem dos males.

A marcha dos insensatos ocorre no momento em que a curva de mortos dá um pinote e em que capitais se veem obrigadas a impor o “lockdown” para tentar ao menos ordenar o caos. Mas por que ir ao Supremo, não ao Congresso? Porque saiu da corte a leitura evidente do texto constitucional: o presidente não pode impor disciplina na base do decreto. E ele exige ser o Napoleão de hospício do coronavírus.

Não se viu nada parecido em nenhuma democracia. A receita que Bolsonaro e Guedes levaram a Dias Toffoli é também inédita. O capitalismo mundial vive a maior crise de sua história porque não seguiu a opinião do nosso ministro da Economia.

Que coisa! O discurso homicida do presidente, do ministro e da patota de mascarados reúne mais adeptos, especialmente entre as elites, do que nosso senso de decência gosta de admitir. Há no ar miasmas de uma República de Salò (pesquisem) continental, não a de Mussolini, mas a revisitada em filme por Pasolini. Assiste-se a uma assombrosa banalização da morte, mormente agora que o vírus chegou a pobres e pretos.

Não é por acaso que mais da metade dos brasileiros, segundo estudo, pode ter de se pendurar no auxílio oficial. Essa condição miserável não foi fabricada pelo distanciamento social. Já existia antes do vírus. A utopia de Guedes já é uma realidade! O ministro não é melhor que Bolsonaro. A perversidade social do presidente é inata, espontânea. A de Guedes é cultivada, fruto da reflexão.

Há gato na tuba. O STF não é a casa da Noca. Bolsonaro teve a delicadeza de telefonar para Toffoli? “Fala aí, meu chapa! Como vai essa força? Tou indo aí!”? Ou tudo foi feito na base da blitz dos poderosos, entrando no tribunal como quem ocupa um boteco? Em tempos pré-vírus, só se conseguia ir a certos botecos reservando-se mesa.

De toda sorte, está liberado o caminho da romaria dos inconformados. Quando os sem-qualquer-coisa-que-os-faça-felizes quiserem tomar o Supremo, basta chegar e ir entrando. Afinal, na Casa que representa, por excelência, a República dos iguais, não pode haver distinção de classe. É ali o “locus” da vivência prática do artigo 5º da Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção etc.”

É evidente que Dias Toffoli não deveria ter recebido ninguém. Até porque Bolsonaro fazia uma transmissão ao vivo da invasão consentida para as suas milícias digitais. A marcha dos mascarados ocorre no dia seguinte à declaração do ministro da Saúde, Nelson Teich, segundo quem o governo estuda a possibilidade de recorrer ao “lockdown” em algumas áreas. Ele deveria ter apresentado nesta semana um plano de saída do isolamento. Não há plano nenhum. O governo federal entregou aos estados 11% das UTIs prometidas.

Leio na Folha que Toffoli aproveitou a oportunidade para ressuscitar a antiga tese do pacto entre os Poderes: “Essa coordenação, que eu penso que o Executivo, o presidente da República, junto com seus ministros, chamando os outros Poderes, chamando os estados, representantes de municípios, penso que é fundamental. Talvez um comitê de crise para, envolvendo a federação e os Poderes, exatamente junto com o empresariado e trabalhadores, a necessidade que temos de traduzir em realidade esse anseio, que é o anseio de trabalhar, produzir, manter a sociedade estruturada”.

Tudo indica que ninguém falou da curva dos mortos, da falta de leitos ou do colapso do sistema de saúde. Ou por outra: discutiu-se, na base de uma blitz consentida, a feitiçaria de um pacto, mas nada se falou sobre ciência. Não se produz o segundo país mais desigual da Terra da noite para o dia. Parafraseando, acho, Nelson Rodrigues, cumpre constatar: atraso moral como o nosso não é coisa de blitz. Trata-se de uma obra de séculos.


Vinicius Torres Freire: Juro real deve ir a zero até junho

Dúvida é saber se BC vai tomar alguma atitude com as taxas mais longas

O Banco Central disse na prática que a taxa real de juros básica vai a zero até junho, mês da próxima decisão sobre a Selic, afora a hipótese de novos choques dentro deste choque terrível da pandemia.

No atacadão do mercado de dinheiro, já está em 0,3% ao ano (taxa para negócios de um ano, descontada a inflação esperada nos próximos 12 meses). Ainda é muito.

Nesta quarta-feira (6), o BC reduziu a Selic de 3,75% para 3% ao ano. Afirmou em comunicado que, em junho, pode reduzi-la em outro tanto, no máximo, para até 2,25%, parando por aí, excetuada a hipótese de novos desastres.

E daí?

Nada disso vai mudar de modo notável a taxa de juros nos bancos. Não é disso que se trata, obviamente. A dúvida é saber se o BC vai enveredar pela grande novidade, no caso brasileiro, de comprar títulos do Tesouro a fim de achatar as taxas de juros de prazo mais longo, o que estará autorizado a fazer em breve, pelo Congresso.

Na teoria mais ou menos padrão, o BC poderia fazê-lo caso a Selic fosse a zero (em termos nominais, não a taxa real). Por ora, como visto, parece que não vai a zero. As taxas ditas longas, no entanto, deram um salto desde meados de março, com o pânico pandêmico.

Essas taxas balizam o custo de o governo financiar seus déficits e dívida. Definem também o piso do custo do dinheiro para negócios de prazo mais longo, o financiamento do investimento privado, por ainda vários meses um assunto congelado. Em suma, a dúvida é saber se o BC quis esses novos poderes apenas para ter uma arma na prateleira, em caso de ruína extra, ou se pretende tomar alguma atitude antes disso.

No mais, no curto prazo, a decisão do BC desta quarta-feira não era surpresa, ao menos para negociantes de dinheiro, embora seus colegas analistas ainda sugerissem queda de 0,5 ponto percentual, na maioria, em vez do 0,75. Francamente, é como discutir, dentro de um incêndio, se o fogo já torrou a carne ou se chegou no osso.

Muito analista argumentava que a redução adicional da diferença de juros entre o Brasil e os EUA provocaria ainda maior desvalorização do dólar. Mas a redução dessa diferença é quase nula. O dinheiro vai embora por puro medo, fuga de risco.

Essa discussão de décimos parece influenciada pelo fato de que a média dos ditos analistas parece otimista com a volta do crescimento em 2021 (e também da inflação).

Na mediana, esperam queda do PIB de 3,8% neste ano e alta de 3,2% em 2021 —tomara que estejam certos. Esperam inflação em 3,3% em 2021. Refizeram mesmo as contas ou simplesmente acreditam em IPCA perto da meta por inércia?

Economistas de bancões brasileiros acreditam que a taxa real de juros fica negativa até o fim de 2021, ao contrário da mediana dos seus colegas do mercado.

O comunicado do BC afirma também, como de costume, que a Selic baixa depende de reformas e de contenção da dívida pública: "A trajetória fiscal ao longo do próximo ano" e "a percepção sobre sua sustentabilidade", "serão decisivas para determinar o prolongamento do estímulo".

Hum. Não vamos saber quase nada das contas públicas antes do final do ano, excetuadas maluquices. Mal vamos saber do tamanho da recessão deste 2020 antes da primavera, sendo otimista de modo solar. Não temos ainda nem a menor ideia a respeito do controle do ritmo da epidemia.

O risco de esperar para ver, de modo convencional, é que a ação pode vir tarde demais. Não é o caso de agir à louca e às cegas, mas é preciso inventar maneiras novas para medir este desastre e seus efeitos.


Fernando Schüler: Arranjo que permitiu o ciclo de reformas se perdeu

O governo Bolsonaro anda de lado. Os sinais são óbvios. Perdeu seu ministro mais popular, reagiu mal à crise e as pesquisas não andam lhe favorecendo. Há um conjunto de investigações delicadas em curso e o último levantamento do Datafolha diz que 45% dos eleitores apoiam seu impedimento.

Tudo isso pode ser apenas conjuntural e a crise se dissolver, quando a pandemia passar, mas intuo que há algo mais estrutural nesse processo.

O governo Bolsonaro é fruto de um arranjo instável entre três movimentos difusos na sociedade brasileira: o conservadorismo cultural, os movimentos contra a corrupção (o lavajatismo) e a agenda liberalizante, apoiada pelo mercado.

A agenda conservadora nunca andou. Ninguém se lembra mais de temas como Escola sem Partido ou a redução da maioridade penal. Coisas como o excludente de ilicitude e a nova regulamentação do porte de armas rodaram no Congresso.

A agenda em torno de Sergio Moro igualmente andou muito pouco. Temas caros ao ex-ministro, como a introdução do "plea bargain" e a prisão em segunda instância foram derrotadas ou simplesmente não andaram, no Congresso, e de quebra ele teve de assistir à instituição do juiz das garantias, depois suspensa pelo STF.

O que andou, até o final do ano passado, em ritmo lento, foi a pauta econômica. Temas como a reforma da Previdência e a Lei da Liberdade Econômica foram seus carros-chefes. O boletim Focus de dezembro previa 2,3% de crescimento para 2020, com inflação e juros nas taxas que sabemos.

As coisas andaram, no primeiro ano, à base de um arranjo de autonomia do Legislativo, dada a recusa do presidente em formar a coalizão majoritária. Disse que, em que pese minoritário, o governo conduzia uma agenda econômica majoritária no Congresso.

Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro demonstrou que 74,4% dos deputados apresentaram notas acima de 7, em uma escala de 0 a 10 de fidelidade ao governo. No Senado as coisas foram melhores.

O arranjo desmoronou a partir da virada do ano. Em boa medida, ruiu pelas indefinições do próprio governo, que nunca apresentou sua visão sobre a reforma tributária e sequer enviou a reforma administrativa.

Ruiu também pelo crescimento da pauta corporativa do Congresso, expressa no Orçamento impositivo, pelas dificuldades políticas do presidente, pela perspectiva do embate eleitoral e pelo consenso cada vez menor diante de reformas difíceis.

A pandemia explodiu de vez a agenda econômica, o feijão da feijoada deste governo. Feijoada de caldo ralo, diga-se, em um governo que nunca foi de fato liberal (a política de educação é mostra disso), mas que envolvia iniciativas de reforma fiscal e do gasto público nas três PECs do programa Mais Brasil.

Tudo agora pertence ao passado. O país termina os dias contando seus mortos, filas imensas de brasileiros sem máscara se formam nas agências da Caixa, pelo auxílio de R$ 600, e tudo indica que vamos terminar o ano com queda superior a 5% do PIB e déficit superior a R$ 600 bilhões, com o qual vamos conviver durante anos.

Em meio à turbulência, o governo ensaia adesão tardia ao modelo de coalizão, com cooptação do centrão. Previsível: o arranjo anterior, que chamei de modelo de corresponsabilidade, só funcionava sob a batuta das reformas estruturais que (por um bom tempo) perderam seu momento político.

Trata-se de um modelo de sobrevivência política. Pode servir para o governo se proteger, na hipótese de votação de um processo contra o presidente, mas não irá muito mais longe.

O que o país precisa é de repactuação. Algum sentido de estabilidade institucional. Da liderança política como um todo, a começar pelo presidente da República, que faria melhor saindo da cerca, no entorno do palácio, e trocando a lógica do entretenimento político pelas questões de Estado.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


Hélio Schwartsman: Centrão é virtuoso e Moro é petista

O centrão, vale lembrar, é sinônimo da "velha política"

Eu tento ser uma pessoa boa, mas nem sempre consigo. Confesso que experimento um certo prazer —uma "Schadenfreude", diriam os sempre precisos alemães— ao ver bolsonaristas contorcendo seus neurônios para processar a nova aliança do mito com o centrão ou ao se verem obrigados a reclassificar o ex-herói Sergio Moro como um traidor.

O centrão, vale lembrar, é sinônimo da "velha política", que Bolsonaro jurou que não teria vez em sua administração. Circula na internet um vídeo impagável em que o general Heleno, o fiador verde-oliva do governo, arrisca acordes em que sugere que todos os parlamentares do centrão são ladrões. Agora, Bolsonaro ameaça demitir os ministros que resistirem em ceder cargos para esses políticos.

Já Moro, que até alguns dias atrás emprestava à administração sua imagem de campeão da luta contra a corrupção, deixou o governo acusando Bolsonaro de crimes graves. É Moro que mudou ou Bolsonaro que mentiu?

O meu prazer é, de um ponto de vista cristão ou kantiano, condenável, porque se baseia no sofrimento mental por que essas pessoas passam ao lidar com contradições óbvias demais para serem ignoradas --dissonâncias cognitivas no vocabulário da psicologia. E cristãos e kantianos não deveriam extrair prazer da dor alheia. Mas não sou tão kantiano assim e nada cristão. Já que os eleitores de Bolsonaro nos impingiram esse estrupício, é justo que sofram pelo menos um pouquinho também.

Nossa janela para regozijo, porém, é curta. Uma série de trabalhos inaugurados por Leon Festinger nos anos 50 mostra que, quando confrontados com dissonâncias cognitivas, nossos cérebros fazem de tudo para dissolver as contradições e eliminar o sofrimento mental, mesmo que isso signifique criar fabulações e acreditar em mentiras. Em mais alguns dias, os bolsonaristas de raiz jurarão que o centrão sempre esteve do lado do bem e que Moro sempre foi petista.


Igor Gielow: Novo ato golpista de Bolsonaro torna obrigatória explicação de militares

Cúpula fardada havia se reunido com o presidente na véspera, levando a dúvidas sobre suas intenções

O presidente Jair Bolsonaro fez seu novo ataque ao Legislativo e ao Judiciário exaltando o papel das Forças Armadas, que segundo ele estão “ao lado do povo”.

Não seria novidade, exceto por um detalhe: na véspera, o presidente havia se reunido com os três comandantes de Forças, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e o chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.

No cardápio posto, segundo a assessoria de Azevedo, “uma avaliação do emprego das Forças Armadas na Operação de Combate ao Coronavírus, além de avaliação de determinados aspectos da conjuntura atual”.

O demônio mora nos detalhes, no caso os tais determinados aspectos. Segundo a Folha ouviu de interlocutores de pessoas presentes ao encontro, o Supremo Tribunal Federal foi duramente criticado pelos presentes.

O motivo, a decisão provisória de Alexandre de Moraes que inviabilizou a indicação de um amigo da investigada família Bolsonaro, Alexandre Ramagem, para a direção da Polícia Federal.

Isso significa que os generais deram amparo à nova intentona retórica do presidente? Aqui há divergências nos relatos disponíveis.

A versão majoritária apontou a crítica fardada, que de resto já tinha sido feita ao considerar Judiciário e Congresso como forças a cercear o Executivo, mas nega que o presidente tenha sido encorajado a novamente desafiar os Poderes.

Uma leitura alternativa diz que o presidente se sentiu autorizado a ultrapassar o sinal novamente.

No ato de 19 de abril, Dia do Exército, o simbolismo era óbvio, mas velado.

Neste domingo (3), Bolsonaro encheu a boca para colocar as Forças Armadas no mesmo bloco que pedia a cabeça do presidente a Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ataques ao Supremo e, de quebra, espancava jornalistas no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Isso abraçando na rampa do Planalto as bandeiras de Israel e dos EUA, além da brasileira, numa cacofonia caótica emulada pelas carreatas da morte vistas em algumas cidades do país.

A terceira leitura, aí feita por políticos, é a especulação acerca do entusiasmo dos militares com aventuras totalitárias.

Isso hoje é improvável. Não se imagina a atual cúpula militar brasileira apoiando fechamento de Poderes, para ficar na caracterização de golpe.

Além disso, não há apoio maciço ao governo na elite econômica, na imprensa e mesmo entre todos os ramos das Forças: Força Aérea e Marinha não têm o mesmo senso de comprometimento com a figura de Bolsonaro que o Exército, fiador de um capitão reformado e renegado.

Pior, os aviadores podem perder o único quinhão a que têm direito no governo, o Ministério da Ciência e Tecnologia, para o PSD, dentro da barganha comandada por Bolsonaro para afastar o fantasma do impeachment.

Ainda assim, a contemporização feita por alguns oficiais ouvidos pela reportagem, de que Bolsonaro se excede sem consequências, fica cada dia mais difícil de ser aceita.

Um oficial-general disse confiar que a população em geral não vê os militares como radicais do bolsonarismo. Talvez, mas a fronteira está cada vez mais turva: ele mesmo admite que a associação é provável.

Para complicar o enredo, um item altamente explosivo no cenário voltou a circular entre os observadores do panorama militar: a substituição do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.

O assunto foi discutido por Bolsonaro em sua reunião no sábado com os comandantes.

Nem tanto por uma troca em si, de resto estranha com o comandante tendo pouco mais de um ano no posto, mas por quem seria o indicado por Bolsonaro: Luiz Eduardo Ramos.

O general, que segue na ativa enquanto exerce a função no Palácio do Planalto, era talvez o mais bolsonarista dos integrantes do Alto Comando do Exército, a elite da elite militar.

Amigo de Bolsonaro quando ambos eram cadetes, dividindo dormitórios, ele sempre foi o número 2 de Azevedo, hoje ministro da Defesa e pivô da ala militar do governo.

Mas sua vinculação sempre foi especial com Bolsonaro. Sua eventual ida para o comando criaria exatamente o oposto do que o general otimista relatou: a ideia de um Exército liderado por uma aliado ideológico do presidente.

Procurado, Ramos negou veementemente a informação. “Não sei de onde isso saiu. Tem uns seis generais mais longevos do que eu na fila”, disse à Folha.

De fato, o general só entra no quesito longevidade para poder assumir a Força no ano que vem. Isso não foi problema no passado: Eduardo Villas Bôas não era o mais longevo ao ser escolhido comandante do Exército por Dilma Rousseff (PT) em 2015.

A retórica inflamada do presidente também tem a ver com o momento específico de seu governo, acumulando 7.000 mortos pelo novo coronavírus e sentindo a brisa do impeachment no ar.

Espectro esse que ronda o Planalto, para ficar na figura de linguagem marxista tão ao gosto do bolsonarismo raiz.

Como disse um almirante, há incertezas demais para garantir que o presidente não será alvo de um processo de impedimento, apesar de seu um terço de apoio no eleitorado.

O nome da equação se chama Sergio Moro. O depoimento de quase nove horas do ex-ministro da Justiça a ouvintes bastante familiarizados com os métodos do ex-juiz da Lava Jato apavora os bolsonaristas.

Qualquer pessoa que já tenha trocado uma mensagem de WhatsApp com Bolsonaro sabe que vulgaridades e sem-cerimônia são o padrão.

Provas que o incriminem talvez estejam no rol também, a depender de como forem interpretadas as conversas.

Isso, somado aos sortilégios que apurações sobre milícias e fake news insinuam sobre o clã presidencial, além do comportamento na condução da crise do coronavírus, alimentam o discurso de Bolsonaro.

O uso feito por Bolsonaro dos militares, ainda mais depois de estar cercado deles, explicita o real drama para a os fardados: a intrínseca conexão com a política, algo que conseguiram evitar durante boa parte do período pós-redemocratização.

O preço de imagem ainda é insondável, mas apenas o fato de serem questionados acerca de seus desígnios evidencia o tamanho do gênio que permitiram sair da garrafa ao se alinhar a Bolsonaro. Os militares terão de responder sobre o discurso golpista do presidente.


Leandro Colon: Bolsonaro fala em 'limite', mas já ultrapassou o dele como presidente

O presidente já passou as fronteiras da ética, da impessoalidade e da responsabilidade sanitária

Em apoio a mais um ato contra as instituições que compõem os Poderes da República, o presidente Jair Bolsonaro afirmou neste domingo (3) na rampa do Planalto: "Chegamos no limite".

O recado específico foi para o STF (Supremo Tribunal Federal), mas, diante dos episódios acumulados, é difícil compreender o significado de "limite" no vocabulário restrito (e limitado) de Bolsonaro. Em seu governo essa fronteira não existe há muito tempo.

O limite da ética foi para o beleléu quando ele decidiu manter no cargo um ministro do Turismo indiciado pela Polícia Federal e denunciado à Justiça pelo esquema de laranjas do PSL.

E sumiu pelo ralo com sua aproximação de políticos do centrão, abrindo o balcão de cargos em troca de proteção no Congresso contra um possível, e cada vez mais provável, movimento de impeachment.

"Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão", já dizia o general Augusto Heleno na convenção do PSL em 2018.

Agora Bolsonaro grita pelo centrão e todos que integram essa patota do fisiologismo político de Brasília querem ser seus irmãos.

O limite da impessoalidade quebrou-se no primeiro ano de governo, quando Bolsonaro permitiu que seu filho Carlos montasse o gabinete do ódio no Planalto para perseguir adversários externos e ministros, como Gustavo Bebianno e Carlos dos Santos Cruz, expurgados pela família do presidente.

A coroação da influência familiar veio com a nomeação (derrubada pelo STF) de Alexandre Ramagem, amigo do peito do presidente e do filho Carlos, para a direção-geral da Polícia Federal.

No caso do coronavírus, Bolsonaro atropelou os limites humanitários ao violar recomendações das autoridade sanitárias, promover aglomerações e incitar a população contra as medidas de isolamento social.

Neste domingo, Bolsonaro assistiu de camarote, da rampa do Planalto, seus apoiadores agredirem jornalistas em pleno exercício livre da profissão.

Não fez nada, não repudiou e ainda criticou a TV Globo. Bolsonaro é um presidente sem limites.