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Fernando Exman: Frente de prefeitos contra o isolamento

Bolsonaro quer apoio para pressionar governos estaduais

Jair Bolsonaro sentiu o baque. Anda reclamando da vida até mesmo em eventos públicos e conversas informais com os apoiadores que fazem plantão em frente ao Palácio da Alvorada.

O presidente tinha confiança no peso do seu voto e achou que poderia fazer uma entrada triunfal no fim da campanha. Fracassou. Elegeu poucos aliados e agora terá que observar, pacientemente, adversários questionarem seu prestígio político. No entanto, neste momento preocupa-o, sobretudo, como os prefeitos eleitos enfrentarão a pandemia a partir de 2021. Desenha-se a tentativa do presidente de construir uma frente municipalista formada por prefeitos dispostos a promover a reabertura das atividades econômicas, a despeito de eventuais orientações partidárias ou determinações dos governadores.

Esta é uma questão crucial para o governo federal. Pouco se sabe o que o ministro da Saúde pensa a respeito, mas na equipe econômica já se fala de imunidade de rebanho. No Planalto, teme-se que uma segunda onda de covid-19 leve os entes subnacionais a adotarem novas medidas de isolamento social, o que atrapalharia a retomada da atividade econômica.

Também por isso o presidente ignorou a recomendação de alguns auxiliares e acabou decidindo ampliar a campanha para além do seu grupo político mais próximo. Mal sabia o número ou a legenda daqueles que estava promovendo. Insistia, por outro lado, que os eleitores escolhessem quem estivesse disposto a pressionar os governadores contra a adoção de novas medidas de isolamento social.

O governo tem um mapeamento de quais foram as políticas de contenção dos Estados. Acompanha as consequências dessas medidas em relação à evolução da pandemia e aos seus efeitos na economia. Monitora os setores mais prejudicados em algumas das unidades da federação, como o de serviços em São Paulo ou no Rio Grande do Sul.

Isso começou a ser feito logo depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou a autonomia de Estados e municípios para a implementação de ações voltadas a impedir a propagação do coronavírus.

Desde o primeiro momento, Bolsonaro preferiu se posicionar contra as políticas de restrição social e virar uma voz crítica aos governadores que pensavam de forma diferente. Sem um exemplo vindo de Brasília, cada Estado agiu de uma forma, diante de suas especificidades e das informações disponíveis.

Não houve uma padronização. Algumas unidades da federação deixaram poucas alternativas aos municípios e determinaram de forma rigorosa as ações a serem executadas em seus territórios. Isso ocorreu, em alguns casos, porque os prefeitos hesitavam em reagir à moléstia que se espalhava com rapidez pelo país. A maior preocupação era o risco de colapso do sistema de saúde. Na visão do poder central, agiram dessa forma Goiás, Pará e Santa Catarina - neste último caso, apenas num primeiro momento.

Outros Estados preferiram políticas articuladoras, como Ceará, Pernambuco ou São Paulo, ainda de acordo com autoridades federais. Essa estratégia buscou encorajar o diálogo entre órgãos públicos estaduais, municipais e entre prefeitos de cidades vizinhas. A ideia era compartilhar responsabilidades e, claro, eventuais ônus políticos.

Um grupo de governadores preferiu delegar às prefeituras o poder de decisão. Outro optou por dar liberdade de ação aos prefeitos, desde que as políticas adotadas não fossem rigorosas demais ou impeditivas. Em diversos casos, as posturas de Estados e municípios evoluíram ou foram sendo calibradas ao longo dos últimos meses, dependendo do achatamento ou não da curva de mortes e infecções.

A leitura de uma recente pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios também pode explicar por que o presidente está tão decidido a impedir novas iniciativas de controle e prevenção, mesmo que a equipe econômica não trabalhe com a possibilidade de uma segunda onda.

Segundo o levantamento da CNM, 96,5% das prefeituras aplicaram medidas restritivas para a diminuição da circulação de munícipes ou de aglomerações. Outros números também chamam atenção: 52,4% adotaram barreiras sanitárias, com posto de monitoramento de entrada e saída de pessoas no município; 75,7% estabeleceram isolamento social com a permissão de abertura e funcionamento apenas dos serviços essenciais; 94,2% publicaram normas para uso obrigatório de máscaras; e 54,4% reduziram oferta de transporte público.

Por outro lado, o documento traz um relativo alento para o presidente, pois 61,9% dos executivos locais reconheceram que houve flexibilização durante o período da pesquisa. O levantamento foi realizado entre março e agosto.

No último fim de semana, contudo, a democracia deu mais uma lição a Bolsonaro. Fazer política é um processo que demanda mais do que uma conexão de internet e um horário na agenda depois do expediente para transmissões ao vivo nas redes sociais. Exige conversa e a valorização dos partidos políticos, além do respeito às instituições.

Mesmo assim, novamente o presidente demonstra a intenção de arregimentar um grupo suprapartidário em torno de suas ideias. No início do governo, ele achou que conseguiria negociar com o Congresso por meio das frentes parlamentares temáticas e foi obrigado a aproximar-se dos políticos tradicionais que tanto desprezava. Agora, acena aos gestores locais com programas federais e uma possível ajuda na implementação de iniciativas potencialmente populares, como a estruturação de escolas cívico-militares.

Os prefeitos tomarão posse em janeiro já pedindo mais apoio financeiro, diante da perspectiva de que não se repetirá o grande volume de transferências de recursos observado durante este ano. Será uma nova oportunidade para o presidente defender o fim do isolamento social e movimentar a máquina em direção à campanha de 2022.


Fernando Exman: Defesa armada, mas falta plano de ataque

Relação com o Centrão deve ter momentos de crise

Foi bem-sucedida a operação do governo Jair Bolsonaro de construir um cordão sanitário na Câmara dos Deputados. A defesa política foi estruturada, mas ainda falta a amarração, entre o Executivo e o Legislativo, de um plano concreto que concilie a aprovação de medidas para atacar os problemas do país no pós-pandemia a garantias de sustentabilidade fiscal de longo prazo.

É com essa preocupação que hoje trabalham a equipe econômica e os articuladores políticos do Palácio do Planalto, quando tratam da pauta legislativa com representantes da nova base governista. As reuniões têm sido frequentes. No governo, espera-se que a desconfiança, uma sensação de que a parceria com o Centrão não será perene e pode acabar a qualquer momento, vá se dissipando com a aprovação de projetos considerados estratégicos.

Essa aproximação recolocou o Centrão no lugar que ele sempre ocupou no Congresso, o posto de fiador da governabilidade. Desde que decidiu abrir de vez o processo seletivo para indicações políticas, o governo conseguiu arregimentar mais de 200 votos entre os 513 deputados federais. Um excelente ponto de partida para quem andava acompanhado de pouquíssimos parlamentares.

Por outro lado, a base não garante a aprovação de propostas de emendas constitucionais. Tampouco dá a segurança desejada por todo governante de que projetos de alto impacto fiscal não prosperarão com facilidade no Congresso. O histórico do Centrão permite que as autoridades do Executivo se perguntem até quando irá durar o discurso de compromisso com a responsabilidade no manejo do Orçamento apresentado por lideranças do grupo.

Além disso, o Centrão não é um bloco monolítico. Esses partidos sempre atuaram em conjunto para garantir apoio a todos os governos dentro do Congresso. No entanto, disputam espaços na máquina pública federal e muitas vezes são adversários nos Estados. Têm também projetos políticos conflitantes para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados.

Esses planos, inclusive, já começam a ganhar corpo e a gerar desentendimentos durante as votações no plenário da Câmara.

A condução dos trabalhos legislativos tende a ficar mais tensionada, à medida que se aproxima a eleição para a Mesa Diretora da Casa. A disputa está marcada para fevereiro, mas os pré-candidatos já se movimentam. Muitos querem imprimir suas digitais em pautas de interesse do setor privado, de corporações ou em propostas com amplo apoio popular. Justamente o tipo de matéria que outros governos passaram a chamar de “pautas-bomba”.

Caberá ao presidente e a seus articuladores a mediação das diferentes aspirações políticas de cada um desses grupos, enquanto fazem as contas sobre os impactos das propostas apresentadas por parlamentares dessas siglas. Desentendimentos também poderão surgir em relação ao processo de desestatização que o governo pretende destravar neste segundo semestre. O ministro da Economia fala em realizar até quatro grandes privatizações, mas este não é um assunto muito popular entre os novos amigos do Planalto.

Há outros temas em discussão. Governo e base terão que chegar a um acordo em relação à reforma tributária e ao fim de benefícios fiscais, num momento em que governadores, prefeitos e setores da economia não estão dispostos a ceder. Líderes do Centrão sempre tiveram boa interlocução com o setor produtivo e o mercado financeiro.

Ainda gera dúvidas, também, como se dará a atuação da nova base nas discussões sobre o destino do auxílio emergencial e da instituição do novo programa social do governo. O certo é que os parlamentares também irão querer usar essas votações para terem uma nova bandeira política para erguer e se contrapor à esquerda. Não está claro, para o Executivo, quanto isso pode custar.

Há outros riscos e outras oportunidades em jogo para ambas as partes. Os parlamentares do Centrão mantiveram um relacionamento proveitoso com os governos do PT, e desde o início do ano passado ouvem de auxiliares do presidente que apenas o sucesso da gestão Jair Bolsonaro pode impedir o retorno da esquerda ao poder em 2022.

Muitos deles não concordam com a tese nem a encaram com preocupação, mas sabem que tendo o apoio do governo podem ganhar mais tanto nas disputas internas da Câmara quanto em suas bases eleitorais.

Eles esperam, por exemplo, receber crédito pelas realizações da administração Bolsonaro em seus Estados. O Ministério das Comunicações deve desempenhar papel fundamental no esforço de impedir que os adversários do governo tentem se apropriar de inaugurações de obras que estiveram paralisadas e forem concluídas. Isso valerá para parlamentares, mas também governadores e prefeitos. Um dado importante para os deputados e senadores que precisam de argumentos para fortalecer suas bases políticas antes das próximas eleições.

Passada a pandemia, os parceiros do Planalto também esperam poder acompanhar o presidente em visitas a seus Estados - uma demanda tradicional no meio político mas que até agora era um privilégio de poucos. Isso já havia mudado nas recentes viagens do presidente ao Nordeste e a Santa Catarina, antes de ele ser diagnosticado com covid-19.

Tudo isso terá que ser feito sem que Bolsonaro crie conflitos com a base que o elegeu. O desafio do governo é construir um novo caminho e, ao mesmo tempo, convencer os bolsonaristas mais fiéis de que o destino final da jornada será aquele prometido na campanha presidencial. Um desafio e tanto depois da substituição dos vice-líderes mais identificados com o bolsonarismo raiz.

Um outro teste de fogo para a coesão da nova bancada se dará quando o presidente voltar a trabalhar com afinco na criação de seu próprio partido. Dificilmente essa tarefa será realizada sem atingir os interesses locais dos seus aliados.