fausto mato grosso

Fausto Matto Grosso: Golpismo e autogolpe

Se há uma permanência na história brasileira, é a do golpismo. Nossa história republicana sempre foi marcada por rupturas institucionais. A Proclamação da República Brasileira, também referida como Golpe Republicano, foi liderada em 1889 pelo Marechal Deodoro e um grupo de militares do exército brasileiro, que destituíram o então chefe de Estado, o Imperador D. Pedro II.

Em 1891 Deodoro enfrentou a oposição, fechando o Congresso e governando com o estado de sítio. Foi o primeiro autogolpe da República que nascia. Obrigado a renunciar, assumiu o vice Floriano Peixoto que deveria convocar as eleições, o que não fez. Aferrando-se ao poder, governou como ditador. Outro autogolpe.

Em 1937 Getúlio Vargas realizou um autogolpe dos mais bem-sucedidos na História brasileira, impondo o Estado Novo e governando com poderes ditatoriais por oito anos, até 1945.

Em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou, pretendia voltar nos braços do povo, como acontecera com o general Charles de Gaulle na França. O autogolpe desta vez falhou.

Assim chegamos ao golpe civil-militar de 1964, pelo qual foi destituído o presidente João Goulart, assumindo Castelo Branco. Este deveria convocar eleições em 1965, mas ampliou seu mandato até 1967. Daí se iniciou uma sequência de autogolpes dentro do próprio regime militar. Costa e Silva, já em 1968, decreta o AI-5, fechando o Congresso e implantando um dos períodos mais repressivos da ditadura.

Com a morte de Costa e Silva, deveria assumir seu vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, mas, num novo golpe, assumiu a Junta Militar que preparou a transição para o general Garrastazu Médici. Em um embate entre a linha dura e a moderada das forças armadas, acabou assumindo o general Geisel, que fechou o Congresso.

Na sequência tivemos o general Figueiredo, que entregou o país, melancolicamente falido, para o primeiro governo civil, o de José Sarney, após a morte de Tancredo Neves eleito pelo Congresso Nacional. Com a primeira eleição democrática já sob a Constituição de 1988, assume o primeiro civil diretamente eleito, Fernando Collor de Mello, logo cassado por corrupção.

Tivemos a partir daí com Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula um período de razoável estabilidade, até o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, cassada pelo Congresso Nacional. O país, então, se dividiu gravemente, mobilizado pela narrativa do PT de que impeachment era golpe. Esse tipo de narrativa pode futuramente acabar sendo usado pelos seguidores de Bolsonaro, seus antípodas.

As palavras são perigosas, pois sempre têm contexto e visam a construir narrativas. Buscando significados, golpe de Estado consiste na derrubada ilegal de um Estado ou de uma ordem constitucional legítima. Já autogolpe é uma forma de golpe que ocorre quando o líder de um país, que chegou ao poder através de meios legais, dissolve ou torna impotente o  Congresso Nacional, anulando a Constituição e suspendendo tribunais civis. Com essa compreensão entendo que contra Dilma não houve golpe, mas destituição dentro de todos os parâmetros constitucionais.

Em 2018 surge em cena o capitão Bolsonaro, vindo de uma longa tradição parlamentar de defesa do golpe militar e até de elogios a torturadores, como o general Brilhante Ustra. Tosco, o tenente terrorista que pretendeu lançar bombas acabou sendo excluído do Exército como capitão, não tendo feito nem o curso de Estado-Maior.

Bolsonaro, entretanto, teve inegável sucesso na organização de um movimento reacionário de massas, de extrema direita, que mobiliza até agora cegas paixões. Já na campanha, seu filho Eduardo Bolsonaro assinalava confrontos institucionais, dizendo que para fechar o Supremo bastava mandar um soldado e um cabo. Não era preciso nem um jipe.

Já no governo, não tem um mês em que o Capitão Bolsonaro, com seu governo militarizado, não comete uma provocação contra o Congresso e o Supremo e toma medidas que favorecem a hipótese de um autogolpe. Entre elas, a tentativa de controle das polícias militares, o afrouxamento do controle de armas e o incentivo de suas milícias para que cometam atos de desatino contra as instituições democráticas.

Bolsonaro se encontra hoje sob forte pressão da CPI da Covid, que pode levá-lo ao impeachment. Está sem saída. Segundo o general chinês Sun Tsu, um adversário sem saída lutará ainda mais desesperadamente. Portanto, é hora de cuidado extremo com a democracia. Uma eventual tentativa de (auto)golpe não está afastada da nossa tradição política.

*Fausto Mato Grosso é engenheiro e professor aposentado da UFMS

 

Leia também:

Câmaras municipais republicanas
Revendo o futuro
Os desafios dos prefeitos
Entre vórtices, ciclones e cavados
O jacaré e o Presidente

Fonte:

Gramsci e o Brasil

https://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=2459


Fausto Matto Grosso: Golpismo e autogolpe

Se há uma permanência na história brasileira, é a do golpismo. Nossa história republicana sempre foi marcada por rupturas institucionais. A Proclamação da República Brasileira, também referida como Golpe Republicano, foi liderada em 1889 pelo Marechal Deodoro e um grupo de militares do exército brasileiro, que destituíram o então chefe de Estado, o Imperador D. Pedro II.

Em 1891 Deodoro enfrentou a oposição, fechando o Congresso e governando com o estado de sítio. Foi o primeiro autogolpe da República que nascia. Obrigado a renunciar, assumiu o vice Floriano Peixoto que deveria convocar as eleições, o que não fez. Aferrando-se ao poder, governou como ditador. Outro autogolpe.

Em 1937 Getúlio Vargas realizou um autogolpe dos mais bem-sucedidos na História brasileira, impondo o Estado Novo e governando com poderes ditatoriais por oito anos, até 1945.

Em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou, pretendia voltar nos braços do povo, como acontecera com o general Charles de Gaulle na França. O autogolpe desta vez falhou.

Assim chegamos ao golpe civil-militar de 1964, pelo qual foi destituído o presidente João Goulart, assumindo Castelo Branco. Este deveria convocar eleições em 1965, mas ampliou seu mandato até 1967. Daí se iniciou uma sequência de autogolpes dentro do próprio regime militar. Costa e Silva, já em 1968, decreta o AI-5, fechando o Congresso e implantando um dos períodos mais repressivos da ditadura.

Com a morte de Costa e Silva, deveria assumir seu vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, mas, num novo golpe, assumiu a Junta Militar que preparou a transição para o general Garrastazu Médici. Em um embate entre a linha dura e a moderada das forças armadas, acabou assumindo o general Geisel, que fechou o Congresso.

Na sequência tivemos o general Figueiredo, que entregou o país, melancolicamente falido, para o primeiro governo civil, o de José Sarney, após a morte de Tancredo Neves eleito pelo Congresso Nacional. Com a primeira eleição democrática já sob a Constituição de 1988, assume o primeiro civil diretamente eleito, Fernando Collor de Mello, logo cassado por corrupção.

Tivemos a partir daí com Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula um período de razoável estabilidade, até o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, cassada pelo Congresso Nacional. O país, então, se dividiu gravemente, mobilizado pela narrativa do PT de que impeachment era golpe. Esse tipo de narrativa pode futuramente acabar sendo usado pelos seguidores de Bolsonaro, seus antípodas.

As palavras são perigosas, pois sempre têm contexto e visam a construir narrativas. Buscando significados, golpe de Estado consiste na derrubada ilegal de um Estado ou de uma ordem constitucional legítima. Já autogolpe é uma forma de golpe que ocorre quando o líder de um país, que chegou ao poder através de meios legais, dissolve ou torna impotente o  Congresso Nacional, anulando a Constituição e suspendendo tribunais civis. Com essa compreensão entendo que contra Dilma não houve golpe, mas destituição dentro de todos os parâmetros constitucionais.

Em 2018 surge em cena o capitão Bolsonaro, vindo de uma longa tradição parlamentar de defesa do golpe militar e até de elogios a torturadores, como o general Brilhante Ustra. Tosco, o tenente terrorista que pretendeu lançar bombas acabou sendo excluído do Exército como capitão, não tendo feito nem o curso de Estado-Maior.

Bolsonaro, entretanto, teve inegável sucesso na organização de um movimento reacionário de massas, de extrema direita, que mobiliza até agora cegas paixões. Já na campanha, seu filho Eduardo Bolsonaro assinalava confrontos institucionais, dizendo que para fechar o Supremo bastava mandar um soldado e um cabo. Não era preciso nem um jipe.

Já no governo, não tem um mês em que o Capitão Bolsonaro, com seu governo militarizado, não comete uma provocação contra o Congresso e o Supremo e toma medidas que favorecem a hipótese de um autogolpe. Entre elas, a tentativa de controle das polícias militares, o afrouxamento do controle de armas e o incentivo de suas milícias para que cometam atos de desatino contra as instituições democráticas.

Bolsonaro se encontra hoje sob forte pressão da CPI da Covid, que pode levá-lo ao impeachment. Está sem saída. Segundo o general chinês Sun Tsu, um adversário sem saída lutará ainda mais desesperadamente. Portanto, é hora de cuidado extremo com a democracia. Uma eventual tentativa de (auto)golpe não está afastada da nossa tradição política.

*Fausto Mato Grosso é engenheiro e professor aposentado da UFMS

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Fausto Mato Grosso: Reforma eleitoral e distritão

A legislação eleitoral brasileira é uma colcha de retalhos. Ela é composta de diversos dispositivos constitucionais e de inúmeras leis, cada uma delas tratando separadamente temas pontuais. Além disso, existem diversos projetos dos deputados e senadores tramitando sobre questões eleitorais. A reforma que se discute agora tem o objetivo anunciado de articular esse conjunto desconexo, em um novo Código Eleitoral.

No aspecto técnico-jurídico, não há como se opor a sistematização da legislação dispersa. O próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, ressalta que, pela quantidade de leis que surgiram ao longo do tempo, “está chegando a hora de se ter uma sistematização dessas normas eleitorais”. Assinala ainda que o Direito Eleitoral é o mais dinâmico de todos, porque ele segue um pouco a dinâmica do processo político e das vontades das maiorias que se formam em cada momento. Portanto, é importante considerar que a corrente política hegemônica no Congresso hoje é o Centrão que valoriza a politica como negócio privado e não prima pela defesa da democracia.

O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprindo compromisso de campanha, instalou há poucos dias, um grupo de trabalho que irá atualizar e sistematizar a legislação eleitoral. Integram o colegiado 15 deputados, dos quais oito são protagonistas de processos no Tribunal Superior Eleitoral. As alterações nas regras eleitorais só irão valer nas eleições de 2022 se forem aprovadas, nas duas casas legislativas, até um ano antes do pleito que será em outubro do ano que vem.

Entre as modificações que estão sendo discutidas, uma das que mais preocupa é a mudança do sistema eleitoral com a criação do chamado distritão. O presidente da Câmara Arthur Lira sinalizou que já existe grande força no Congresso pela sua aprovação.

No distritão cada estado é um grande distrito e são eleitos os deputados mais votados, independentemente do desempenho de suas siglas. O voto passa a ser 100% individualizado, “cada um por si e Deus por todos”. Há um enorme desperdício de votos, todos aqueles que não votaram nos poucos vencedores se considerarão não representados. Isso enfraquecerá a legitimidade dos eleitos.

Esse sistema também inibe a renovação dos políticos: serão eleitos aqueles já conhecidos individualmente. Em uma sociedade de espetáculo como a nossa, seria o reino das personalidades da mídia, das igrejas e do esporte, além de grandes grupos econômicos com poder de patrocínio.

Sem dúvida esse sistema tem a vantagem de ser mais fácil para o entendimento do eleitor, mas promove o personalismo na política, enfraquecendo os partidos e as ideias políticas. Acontece que não existe democracia moderna sem partidos fortes. A fragmentação tão criticada da Câmara e do Senado será ainda mais nociva quando cada deputado virar um partido do eu sozinho.

Há ainda que se considerar a experiência internacional. Segundo pesquisa do Instituto Internacional da Democracia (Idea), entre 200 países pesquisados somente 2% deles utiliza esse sistema do distritão, entre eles Jordânia, Afeganistão, Ilhas Pitcairn e Vanuatu.

Por certo, o sistema eleitoral brasileiro está precisando de atualizações e sistematização técnica-legislativa, mas há que se ter cuidado para evitar jabuticabas e jabutis. Se o sistema atual de voto proporcional possibilitou a eleição de Tiririca ficará pior se possibilitar a eleição de vários tiriricas e big-brothers bem votados em seus estados.

FAUSTO MATTO GROSSO - Engenheiro e professor da UFMS


Fausto Matto Grosso: Requiem aeternam para Luzia

Enterrada por cerca de 12.500 anos, Luzia foi desenterrada no início dos anos 1970. A descoberta do seu crânio fossilizado, o mais antigo encontrado na América, foi obra da arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire. O crânio foi descoberto em escavações na Lapa Vermelha, uma gruta no município de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na antropologia ficou conhecida, mundialmente, como um exemplar do “Homem da Lagoa Santa”.

Os fósseis são as principais fontes de informação utilizadas pelas pessoas que estudam a origem da humanidade. Falta muito ainda para completarmos nossa história natural. A moderna tecnologia hoje disponível, como a datação pelo método urânio-tório, os estudos de DNA, a impressão 3D, entre outras, nos levarão a muitas novas descobertas.

Pesquisas atuais lideradas pelo paleontologista Don Swanson, do Museu de História Natural de San Diego, Califórnia, estão a indicar que o homem chegou à América 115.000 anos antes do que se acreditava até agora. Como se vê, falta muito ainda para completarmos nossa história natural. Daí a importância da preservação dos fósseis humanos como de Luzia.

O estudo da morfologia craniana de Luzia revelou traços que lembram os atuais aborígenes da Austrália e os negros da África. Esse fato desmontou uma versão hegemônica de que o homem americano provinha de uma única corrente migratória. Os homens-caçadores asiáticos provenientes da região do Cáucaso e da Sibéria, durante a última glaciação, teriam atravessado do Estreito de Bering e chegado à América.

A partir da descoberta de Luzia, passou-se a acreditar em duas migrações separadas, uma por Bering e outra transoceânica, segundo a qual homens que habitavam a Polinésia (na região da Oceania) se locomoveram em direção à América do Sul em pequenos barcos. Esses teriam se movido por meio das correntes marítimas que os conduziram. Luzia ajudou a sabermos quem somos e de onde viemos.

Seria isso importante?
O senador Cristovam Buarque, que entre 2003 e 2004, como Ministro da Educação do governo Lula, lançou as diretrizes da Política Nacional de Museus, recentemente respondeu afirmativamente a isso, dizendo que o povo que não respeita os museus, não respeita seus antepassados. "O museu é o álbum de retrato do povo", disse. Afirmou ainda, que o incêndio do Museu Nacional foi uma “uma tragédia sem precedentes” - “cremamos a memória do Brasil” clamou o senador.

Há que ressaltar também a desmoralização internacional do Brasil, que se mostrou incapaz de administrar um patrimônio, que não é apenas nacional, mas mundial. Foi um constrangimento para o País no exterior, especialmente perante a comunidade científica e cultural mundial.

Alguns haverão de defender que faltou dinheiro por causa da crise econômica, mas governar é definir prioridades. Convém lembrar que o governo Dilma queimou dinheiro com as Olimpíadas e a construção de 12 estádios para a Copa do Mundo de 2014. Os garotos propagandas dessa causa eram o governador Sérgio Cabral e o Presidente Lula, este ensandecido pelo sucesso efêmero, tentava ser Secretário-Geral da ONU. Uma total irresponsabilidade que hoje nos cobra a conta.

Luzia, a primeira brasileira, ao que parece destruída definitivamente pelo fogo, foi enterrada novamente, pelas cinzas. Cantamos enlutados a sua nova despedida.

Triste situação de uma Nação que não valoriza a cultura.

 

 


Livro de Fausto Mato Grosso resgata a história do PCB em Campo Grande (MS)

Lançamento, em conjunto com Instituto Histórico e Geográfico de MS, terá sessão de autógrafos com o autor, Fausto Mato Grosso. Obra traz artigos, discursos e informações sobre a atuação dele como vereador pelo PCB na década de 1980, logo após a redemocratização do país

Por Germano Martioniano

Documentos, artigos e histórias que contam a trajetória de Fausto Mato Grosso como vereador de Campo Grande durante o período de 1983-1988, frente às principais questões da época, como a transição da ditadura para a democracia, afirmação ideológica da esquerda, urbanização e outras, integram o livro Política, Esquerda e Democracia, com lançamento previsto para o próximo dia 1º de junho, às 19h, no auditório do IHGMS, na AvenidaCalógeras 3000, em Campo Grande (MS).

O lançamento, em conjunto com Instituto Histórico e Geográfico de MS, terá sessão de autógrafos com o autor, o próprio Fausto Matto Grosso, que é engenheiro civil, professor aposentado da UFMS e ex-militante do PCB. “Minhas principais intervenções na Câmara Municipal de Campo Grande, principalmente meus discursos, durante o mandato entre 1983 e 1988, foram reunidas nesse livro”, informa o ex-vereador, que classifica a obra mais como um documentário. “Pela natureza do meu mandato, esse material acabou se transformando no “diário oficial” do PCB, como tem sido caracterizado por alguns pesquisadores e jornalistas. Por isso tenho chamado esse livro de documentário”, completa Matto Grosso.

Fausto Mato Grosso conversou com a FAP e aprofundou alguns dos temas tratados no livro, fazendo paralelos com algumas questões atuais, como o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida em São Paulo e o papel da esquerda na atual conjuntura política do país. “O mais próprio seria falar em esquerdas. Existe uma velha esquerda e uma nova esquerda em formação com as suas respectivas nuances”, enfatizou o autor.

Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista com Fausto Mato Grosso:

FAP - O que motivou o senhor a escrever e porque define este livro, de sua época como vereador em Campo Grande (MS), como um documentário?
Fausto Mato Grosso - O PCB em Mato Grosso do Sul, apesar de ter sido um partido pequeno, exerceu grande influência na política estadual, fortalecendo a frente democrática contra a ditadura. Fomos o maior partido da esquerda até 1990, ou seja, até 10 anos após a fundação do PT. Pode-se dizer que quem quiser contar a história política estadual nesse período, tem que falar de nós. Atribuo a isso, o grande interesse, de pesquisadores, especialmente das universidades locais, sobre a nossa história. O que tem levado a que vários velhos militantes sejam constantemente procurados como fonte para entrevistas e depoimentos. Por essa razão, comecei a organizar informações sobre a atuação do PCB. Todo o material de vídeo das nossas campanhas foi entregue à guarda do Centro de Documentação da Universidade Federal da Grande Dourados. Meus artigos de jornais, desde 1984, foram organizados em um blog para acesso público. Minhas principais intervenções na Câmara Municipal de Campo Grande, principalmente meus discursos, durante o mandato entre 1983 e 1988, foram reunidas nesse livro. Pela natureza do meu mandato, esse material acabou se transformando no “diário oficial” do PCB, como tem sido caracterizado por alguns pesquisadores e jornalistas. Por isso tenho chamado esse livro de documentário.

Como o senhor avalia a situação atual das metrópoles brasileiras, tomando como ponto de partida o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo?
O avanço da urbanização no País foi saudado como sinal de progresso. As cidades, afinal, são o lócus da economia mais moderna, de inovação, de cultura e conhecimento, de reunião de talentos e de capital humano. Por outro lado, a urbanização carrega consigo imensos desafios econômicos, sociais e ambientais, dos quais o nossas metrópoles não tem conseguido dar conta. A contradição entre as potencialidades de um grande aglomerado urbano e a amplitude dos problemas, tem se resolvido no sentido da perda da qualidade de vida da população. O inchaço das nossas cidades gerou uma pressão muito forte sobre a infraestrutura, gerando problemas de trânsito e habitação, de energia e abastecimento d´água, de bolsões de pobreza, de criminalidade e deficiências nos sistemas de ensino e saúde. As nossas cidades se transformaram em verdadeiras bombas-relógios. Sendo a urbanização uma tendência irreversível, temos que enfrentá-la com uma profunda reforma urbana, tendo como fundamento a exigência de que a terra urbana cumpra a sua função social, o que poderia ajudar a resolver os problemas habitacionais atuais. Essa reforma tem de ser combinada com política de incentivo à regionalização do desenvolvimento, que poderia gerar novas centralidades urbanas, organizadas em novas bases e já contando com as novas tecnologias urbanas das cidades inteligentes e humanas.

O livro também representa uma reflexão sobre a esquerda e a democracia, uma vez que o senhor era vereador pelo PCB logo após o fim da ditadura militar. Como foi fazer parte do Partido ainda na ilegalidade e depois atuar políticamente após a legalização em 1985?
Fui eleito vereador pela sigla do PMDB, onde atuávamos, e assumi a legenda do PCB imediatamente após a sua legalização em 1985. Fui vereador comunista durante a guerra fria e a ditadura e exerci a parte final do meu mandato ainda antes da vigência da Constituição de 1988, o que gerava um intensivo acompanhamento das forças de segurança e dos órgãos de informações. O exercício do mandato foi à combinação da afirmação ideológica, enquanto comunista, com a pauta democrata, afinal, não estávamos “infiltrados” no PMDB, considerávamos fazer parte dele, fomos seus construtores. O desafio era não nos deixar isolar, isso fazia mais difícil a repressão e a perseguição política. Lembro-me de um veterano dirigente do partido que, o tempo todo, nos lembrava: “temos que ser peixe n´água”, mais do que afirmar nossas diferenças, tínhamos que nos caracterizar como iguais. Isso nos beneficiava com certa proteção da sociedade.

Como o senhor avalia, hoje, a esquerda e a democracia brasileiras?
Temos que tratar o tema da esquerda com uma visão pluralista, o mais próprio seria falar em esquerdas. Existe uma velha esquerda e uma nova esquerda em formação com as suas respectivas nuances. As primeiras tendem a pensar o mundo novo, como criado pelo passado, deterministicamente. Fazem política com o olhar no retrovisor, guiando-se pela experiência de um mundo que já acabou. Por outro lado, têm aquelas que estão de olhos nas forças motrizes da revolução do conhecimento. Que tem em conta as relações sociais novas que estão surgindo da robótica avançada, da biotecnologia e da inteligência artificial. Buscam explorar a possibilidade um caminho novo, ainda desconhecido, e tem se desdobrado no diálogo com o mundo que está nascendo. Faz política olhando para a frente.  Outra questão que divide as esquerdas é a questão democrática. Embora no discurso todas se apresentem como favoráveis à democracia, umas têm a democracia como uma questão tática e outras emprestam um valor universal, estratégico, à democracia. A democracia, na minha visão, é meio e fim na construção do mundo novo que seja uma alternativa à barbárie. É importante que mantenhamos os valores que são caros aos socialistas: a equidade, a solidariedade, a justiça social e a paz, articulados com valores novos que já nos demanda nosso tempo de mudanças.

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