extradição

Cláudio de Oliveira: Esquerda democrática italiana contra Cesare Battisti

Como se sabe, Cesare Battisti foi membro do Proletários Armados pelo Comunismo, um grupo de extrema esquerda que praticou terrorismo na Itália na década de 1970.

Nessa época, o país sofreu com o terrorismo de extrema esquerda, sendo o caso mais famoso o sequestro e assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro, do Partido Democrata Cristão, pelas Brigadas Vermelhas, em 1978.

Tais grupos atentavam contra a Constituição antifascista da Itália, duramente conquistada pelos partidos da resistência à ditadura de Benito Mussolini. Promulgada em 1948, a Constituição democrática da Itália foi obra do PDC, de Alcide De Gasperi; do Partido Comunista, de Palmiro Togliatti; e do Partido Socialista, de Pietro Nenni.

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PDC, PCI e PSI se separaram com a guerra fria, mas se juntaram em uníssono para defender a Constituição antifascista e combater o terrorismo de extrema esquerda nos anos 1970.

O primeiro-ministro Aldo Moro havia respondido positivamente à proposta do líder comunista Enrico Berlinguer de um governo conjunto do PDC, PCI e PSI para modernizar a Itália. A proposta tinha a oposição dos setores mais conservadores dos democratas-cristãos.

Uma comissão do parlamento chegou à hipótese de que os grupos de extrema esquerda estivessem infiltrados por militantes de extrema direita com o propósito de tumultuar o ambiente político e evitar um governo com a participação do PCI, o segundo maior partido da Itália.

Com a morte de Moro, assumiu a liderança do PDC e o cargo de primeiro-ministro Giulio Andreotti, da ala contrária ao diálogo com o PCI. Em 1993, Andreotti foi acusado de ligação com a Máfia e de receber propina pela Operação Mãos Limpas. O eleitorado puniu severamente o PDC, que desapareceu da cena política.

Os setores progressistas do PDC, liderado por Romano Prodi, mais remanescentes do PSI se juntaram ao PCI para formar o atual Partido Democrático da Itália, situado na centro-esquerda e cujos líderes cobraram de Lula, em 2009, a extradição do terrorista Cesare Battisti.

Segundo Massimo D'Alema, ex-membro do PCI, então deputado pelo PD e ex-primeiro-ministro, Cesare Battisti ''é uma pessoa condenada em nosso país e é justo que cumpra a pena em nosso país. É normal. Ele está condenado por graves crimes, não por razões políticas'' [1].

A esquerda italiana, de longa tradição democrática, nunca tergiversou quando o Estado de Direito democrático estava em jogo. Battisti deve ser extraditado e cumprir pena na Itália, conforme a Constituição antifascista italiana.

Nota

[1] Lula diz que acatará decisão sobre Battisti

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Leandro Colon: Caso Battisti é um vexame completo para o Brasil

Depois de abrigá-lo, país não impediu fuga e teve de engolir a expulsão pelo vizinho

A novela Cesare Battisti, ao que parece em seus capítulos finais, caminha para um desfecho de saldo vexaminoso para a imagem do Brasil.

Condenado na Itália à prisão perpétua por quatro homicídios nos anos 70, o terrorista italiano viveu na última década por aqui graças à benevolência dos governos petistas.

Recebeu o status de refugiado do ex-presidente Lula, hoje um preso condenado pela Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro. Com a proteção garantida, Battisti construiu uma vida em solo brasileiro.

Desfilava tranquilamente pelas ruas de Cananeia, no litoral paulista. Teve um filho com uma professora brasileira. Vestindo a camisa do Corinthians, declarou à Folha em 2017 que não havia razões para fugir, muito menos para a Bolívia —pouco antes, fora detido na fronteira sob acusação de evasão de divisas por carregar mais de R$ 10 mil em espécie.

“A minha arma para me defender não é fugir. Estou do lado da razão, tenho tudo a meu lado”, disse ao repórter Joelmir Tavares na ocasião.

Um ano e dois meses depois daquela entrevista, a casa caiu para Battisti. O STF autorizou sua prisão e a extradição para a Itália foi assinada pelo então presidente Michel Temer.

Perdeu quem apostou que o constrangimento de mais de dez anos para o Brasil havia chegado ao fim.

Battisti deu um olé (digno de bons craques do seu clube de coração no Brasil) na Polícia Federal nos últimos 30 dias. Como contou a repórter Camila Mattoso, ele despistou a polícia, que tentou procurá-lo, em vão, até em um barco no rio Amazonas.

Foi preso pela polícia da Bolívia nas ruas de Santa Cruz de La Sierra. O presidente Jair Bolsonaro montou uma operação para trazê-lo ao Brasil, nem que fosse por alguns minutos, e exibi-lo como troféu. O ministro Augusto Heleno, do GSI, anunciou que um avião da PF havia sido deslocado para buscar Battisti. A Itália atropelou e o levou da Bolívia.

Depois de abrigar um terrorista, o Brasil não impediu sua fuga do país e ainda teve de engolir a expulsão pelo vizinho. Um vexame completo.


Bruno Boghossian: Caso Battisti simboliza mudanças políticas dos últimos 8 anos

Lula autorizou permanência de italiano no Brasil quando tinha 83% de aprovação

Quando assinou a autorização para que Cesare Battisti ficasse no Brasil, no último dia de 2010, Lula se preparava para deixar o poder com 83% de aprovação. O governo foi pressionado pelos italianos, mas decidiu não extraditar o homem condenado à prisão perpétua por quatro homicídios nos anos 1970.

Nas semanas seguintes, antes de deixar a cadeia, Battisti demonstrou perceber que seu destino estava diretamente ligado à força política do petista. “Se o Lula desse essa decisão antes, iam em cima dele. Porque me derrotar também é derrotar o Lula”, disse o italiano em uma entrevista.

Os ventos mudaram em Cananeia, município do litoral paulista que Battisti escolheu como sua casa. Ao menos três personagens receberam os avisos meteorológicos: Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Fux.

Em outubro do ano passado, Temer decidiu revogar o asilo que havia sido concedido por Lula ao italiano. Àquela altura, o petista já havia sido condenado por corrupção pelo então juiz Sergio Moro e recorria em liberdade. Fux, relator do caso no Supremo, deu uma liminar que travou a extradição.

Battisti depois se tornou um dos fiapos da linha populista na política externa que Bolsonaro começou a ensaiar ainda nos primeiros meses de campanha. Em abril, o então candidato conversou com o embaixador da Itália e tentou fazer graça: “No ano que vem, vou mandar um presente para vocês: o Cesare Battisti”.

Embora Bolsonaro não tenha participado das decisões que devem culminar na extradição de Battisti, sua possível saída do país simboliza uma vitória do presidente eleito.

Ao determinar a prisão do italiano na última quinta (13), Fux afirmou que a decisão de Lula em 2010 poderia ser revista, porque era um “juízo estritamente político” e estava sujeita a “conjunturas sociais”.

A conjuntura realmente mudou. O homem que deu liberdade a Battisti por oito anos passa seu nono mês na prisão. Fux percebeu os novos tempos e colocou sua assinatura no ato de pré-estreia da era Bolsonaro.