exército

El País: A prolongada e incômoda sombra dos militares nas eleições brasileiras

Exército retoma protagonismo no maior país da América Latina pela primeira vez em 30 anos de democracia

Por Afonso Benites, do El País

Pela primeira vez em 30 anos o Brasil vive uma campanha eleitoral sob a desconfortável sombra dos militares, que se tornaram, novamente, protagonistas na esfera pública. Jair Bolsonaro, um ex-capitão do Exército, encabeça as pesquisas para o primeiro turno das eleições presidenciais, que serão realizadas no domingo. Se vencer, seu vice-presidente será o ex-general Hamilton Mourão, que defendeu os torturadores da ditadura militar (1964-1985) e um novo golpe como solução para a crise política brasileira. Apesar de suas declarações controversas, em fevereiro deste ano ele deixou o Exército elogiado pelo comandante e general Eduardo Villas Bôas. Este também foi o ano em que o presidente Michel Temer tirou da cartola o general Walter Braga Netto para ser o interventor federal no Rio de Janeiro para controlar a descontrolada segurança pública do Estado e o general Joaquim Silva e Luna, nomeado como ministro da Defesa, o primeiro militar em 20 anos a ocupar esse cargo.

Há um ano o cenário era diferente: "as instituições brasileiras melhoraram. No passado estávamos sempre pensando nos generais. Agora não sabemos o nome de nenhum general, mas todo mundo conhece todos os ministros do Supremo Tribunal Federal", dizia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) em entrevista ao EL PAÍS em setembro do ano passado. Em muito pouco tempo, as coisas mudaram.

O comandante Villas Bôas se tornou um dos protagonistas deste ano eleitoral. Um dia antes de o Supremo Tribunal decidir sobre o futuro judicial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores, PT), em abril, ele publicou dois tuítes nos quais pressionava os juízes, repudiava a impunidade e dizia estar atento a suas "missões institucionais". Poucos meses depois, convidou todos os candidatos à Presidência para uma conversa incomum sobre questões nacionais, em um momento de dificuldades e cortes orçamentários, mesmo nas Forças Armadas. - Questionado, o Exército afirmou que as reuniões procuraram “discutir o tema Defesa Nacional, atinentes ao Exército Brasileiro, e ressaltar a importância da adoção de políticas que garantam o avanço indispensável dos programas estratégicos da Força”.

À beira de eleições imprevisíveis, o comandante chegou a dizer, em entrevista dada após o atentado sofrido por Bolsonaro, que o presidente eleito nas eleições poderia ter sua "legitimidade questionada", cruzando novamente, para muitos, uma linha vermelha em seus comentários políticos. Tudo isso em um contexto em que Bolsonaro afirma que só aceitará o resultado das eleições se for o vencedor, embora tenha moderado a ameaça na última semana.

O que o Exército fará? Esta questão não fazia parte do debate público brasileiro desde a transição democrática dos anos 80.

Os alarmes voltaram a disparar depois que o novo presidente do Supremo Tribunal, José Antonio Dias Toffoli, nomeou o general Fernando Azevedo e Silva como seu assessor com o beneplácito do todo-poderoso Villas Bôas. Azevedo e Silva também fez parte, de acordo com vários relatórios, da equipe que elaborou as propostas do governo de Bolsonaro.

Na segunda-feira, durante uma conferência, Toffoli disse que prefere o termo "movimento de 64" para se referir ao golpe que estabeleceu uma ditadura no país e atribuiu a intervenção militar à disputa política daqueles anos entre a direita e esquerda. Diz basear-se nos estudos do consagrado historiador Daniel Aarão Reis, mas o súbito exercício do revisionismo histórico em plena campanha lhe valeu duras críticas. "Toffoli, como muitos outros, tenta apaziguar a extrema direita com piscadelas conciliatórias. É um erro: historicamente os extremistas avançaram sobre concessões inconsistentes que os fortaleceram", analisa para El País o próprio Aarão Reis.

O aumento da presença militar nas eleições também se dá na esfera legislativa. Houve, neste ano, um aumento no número de candidatos que se declaram militares. São 932 nomes vinculados às Forças Armadas, às Polícias Militares ou aos Bombeiros Militares. Na eleição de 2014, eram 842.

Olhar para o passado
Para entender como o Brasil chegou até aqui, é preciso olhar para o passado. Durante quase um século, desde que o marechal Deodoro da Fonseca proclamou a república brasileira em 1889 até o final da ditadura militar (1964-1985), o Exército funcionou como uma espécie de "partido de uniforme" — como o catalogou o excelente historiador Boris Fausto— ou como um poder moderador. Os militares intervieram ativamente na política, mesmo como candidatos. E, quando necessário, foram mais longe, como aconteceu em 1956, quando evitaram que o presidente Juscelino Kubitschek fosse impedido de assumir o poder.

Com a Constituição de 1988, que consagrou a Nova República brasileira, os militares retornaram aos quartéis, sob as ordens de seu comandante máximo, o presidente da República civil eleito pelo povo. A presença militar foi reduzida pouco a pouco. Sob a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, os ministérios militares foram extintos e o Ministério da Defesa foi criado, ocupado até este ano por civis, uma tradição que Temer rompeu ao nomear este ano o general Silva e Luna.

Uma comissão da verdade criada durante o mandato de Dilma Rousseff (2011-2016) investigou os crimes da ditadura militar, mas o Brasil, ao contrário da Argentina e do Chile, nunca julgou os comandantes do regime autoritário. Mesmo depois de serem retirados do poder, os militares nunca chegaram a reconhecer os crimes da ditadura ou a pedir desculpas à sociedade. E sempre houve aqueles que continuaram a exaltar publicamente a "Revolução de 64" e sua "luta contra o comunismo e o terrorismo". Agora, pela primeira vez na democracia, eles têm um porta-voz de peso: o extremista Bolsonaro.

O candidato de direita deu um impulso fundamental àqueles que, na reserva, se juntaram a grupos de direita e anti-PT que, em 2015, começaram a ocupar as ruas para exigir o impeachment de Rousseff. Nesse contexto, as redes sociais se tornaram um importante canal de comunicação entre cidadãos e militares, e a travessia culminou com vários ex-militares se candidatando a governador ou deputado. Eles se apresentam como a reserva moral da nação em um momento de revolta contra políticos e instituições, e aproveitam o fato de que os cidadãos continuam a confiar principalmente nas Forças Armadas, de acordo com as pesquisas. Na democracia, o único ex-militar que se tornara político até agora era o próprio Bolsonaro, deputado federal há 28 anos.

São justamente os uniformizados que compõem o primeiro círculo de poder da equipe do atual candidato à presidência do país mais populoso e poderoso da América Latina. O conhecido general da reserva Augusto Heleno, que comandou a missão de paz da ONU no Haiti, se reúne duas vezes por semana com técnicos e outros militares para discutir temas como segurança pública, infraestrutura ou a questão indígena. Por sua vez, o general Aléssio Ribeiro Souto —que em uma entrevista recente disse que "os livros de história que não dizem a verdade [sobre o golpe militar] devem ser eliminados"— ajuda com as diretrizes para as políticas de educação e ciência. E há também Mourão, o poderoso candidato a vice-presidente de Bolsonaro, que se mostrou a favor de uma comissão de especialistas para redigir uma nova Constituição e defendeu, uma vez mais, que o presidente poderia dar um "autogolpe" em caso de "anarquia".

Os mais assombrados não param de fazer comparações diretas com o contexto do golpe militar dos anos 60. O historiador Aarão Reis enfatiza que são momentos distintos, especialmente no cenário geopolítico mundial. Mas, assinala, algo une os dois períodos: "Em ambos existe a força emergente da extrema direita, com a explicitação de nostalgias de um governo forte e até ditatorial, como alguns propõem".

Para a cientista política da Universidade de Brasília, Flavia Biroli, os militares assumem posições mais centrais ou expressivas no debate público, na medida em que existe uma abertura maior para se trazer a memória e o protagonismo no regime de 64 como algo aceitável na disputa política. "“No debate público, no modo de conformação do poder público, houve uma limitação da participação de militares na composição de governos, eles começam a demandar um lugar de fala mais forte depois que a Comissão Nacional de Verdade é implementada. A reação deles à comissão já apresentava registros que estão presentes de forma mais aberta no debate político-eleitoral”.

Biroli diz que os militares buscam fazer um revisionismo da história. “Os militares não aceitam que exista uma visão crítica e democrática, responsabilizando os militares e o Estado por crimes que ferem os direitos humanos”.

 


O Globo: Comandante do Exército recebe pré-candidatos à Presidência da República

General Eduardo Villas Bôas tem manifestado preocupação com orçamento para 2019

Por Bruno Goés, Maria Lima e Cristiane Jungblut, de O Globo

BRASÍLIA — De olho no orçamento do Exército para os próximos anos, o general Eduardo Villas Bôas tem realizado uma série de conversas com os principais pré-candidatos à Presidência da República. Nas últimas semanas, o comandante conversou com Álvaro Dias (Podemos), Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede). Ontem, foi a vez do tucano Geraldo Alckmin e do pedetista Ciro Gomes. O petista Fernando Haddad ainda será convidado para falar com o general em nome do PT, já que o pré-candidato do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está preso em Curitiba.

Segundo o próprio comando do Exército, esta é a primeira vez, desde a redemocratização, que o comando da caserna atua para defender a inclusão de projetos da instituição nos programas de governo dos postulantes ao Planalto. Nos encontros, Villas Bôas manifestou preocupação com a falta de dinheiro em projetos estratégicos.

Alguns dos exemplos citados são o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) e o treinamento de militares para ações de segurança e defesa nacional. O general tem destacado a importância do Exército na intervenção federal no Rio de Janeiro e durante a greve dos caminhoneiros.

— Já tivemos R$ 2,5 bilhões de orçamento em 2017. Neste ano, caiu para R$ 2 bilhões. O próximo ano pode ter só R$ 1,4 bilhão. Então, o comandante do Exército tem conversado com os pré-candidatos, num movimento sem precedentes na instituição, para reforçar a importância de investir em defesa — diz um general ligado ao comando do Exército.

 


Hamilton Garcia: A questão militar

O Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, afirmou em rede social, às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-Presidente Lula no STF, “que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. O recado foi interpretado, quer como pressão indevida dos militares sobre o poder Judiciário, quer como preocupação comungada pela maioria da nação.

No STF, coube ao decano Ministro Celso de Mello verbalizar a primeira opinião: “O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem”. Já o Ministro Luís R. Barroso se vocalizou a segunda: “O que você pode sentir é que os militares, como todo mundo no Brasil, estão preocupados e querem mudar as coisas para melhor. Como eu também”[1].

À luz da nossa história, de frequentes intervenções militares na política, todavia, é certo que a simples evocação do “respeito indeclinável à Constituição e às leis” não serve como bom contraponto, visto que essa tradição se forjou exatamente com base nesse princípio, evocado como antídoto à tendência histórica dos “agentes do Estado”, em particular dos civis, ao respeito declinável “à Constituição e às leis” — de acordo “apenas com interesses pessoais”, como assinalou o Comandante do Exército.

O fato é que o recado do General embutiu um alerta ao Judiciário, em meio à evidente erosão da autoridade do Executivo e do Legislativo, de que ele se tornou a penúltima fortaleza da defesa do Estado democrático de direito — a última são as Forças Armadas (FFAA) em nossa tradição republicana. Ao mesmo tempo, Villas Bôas mandou um recado à tropa: a prerrogativa do resguardo da lei e da ordem cabe exclusivamente aos poderes de Estado, não aos indivíduos em geral.

Para compreendermos adequadamente a questão, precisamos entender como as FFAA se tornaram protagonistas de nossa história por meio da combinação de três fatores interligados: 1) o fortalecimento gradual da convicção, no último quartel do séc. XIX, de que seu lugar entre as instituições nacionais dependeria mais de sua própria organização (corporativa) do que do processo de modernização, truncado pelo Estado escravista à sombra da Constituição de 1824; 2) o fato de que a decadência do modo escravista de produção solapava as bases da autoridade do Poder Moderador (Monarquia), ameaçando a unidade e a ordem nacional, sem que outra instituição civil lhe ocupasse o lugar; 3) a constatação de que a incipiência da sociedade civil existente, a par da fragilidade das instituições civis de poder, representavam o perigo efetivo de uma luta fratricida entre os brasileiros.

Enquanto o país marcava passo ao sabor do conservadorismo hesitante da monarquia, o Exército se modernizava com a gradual desaristocratização dos postos de comando propiciado pela imposição de critérios meritocráticos para a promoção na carreira, implementado pela reforma militar de 1850, que obrigou a profissionalização dos oficiais por meio de especialização na Real Academia Militar[2]. A partir daí, o Exército foi se democratizando pelo ingresso em seus quadros de indivíduos oriundos da pequena-burguesia que, de outro modo, estariam fadados à pobreza. Além do ensino técnico, eles também adquiriam habilidades intelectuais por meio de uma formação universalista, de viés positivista[3], que os habilitavam também a expressar o descontentamento difuso da plebe sem representação, além do sentimento nacionalista emergente na sociedade.

Desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), os militares viram-se de algum modo envolvidos em movimentos nacionais de grande significado, sob a influência do Apostolado de Benjamin Constant[4], quer pelo fim da escravidão, por eleições livres (voto secreto), pela independência do Poder Judiciário, ou mesmo por um Estado forte para a superação do atraso nacional, entre outras. Após a forte repressão que se seguiu às greves operárias de 1917, com a expulsão de estrangeiros anarcossindicalistas (1921) e o prolongado estado de sítio (1922-26) — com a proibição do recém-criado partido operário (PCB) —, as lutas democráticas passaram à caserna por meio de grupos militares que promoveriam diversos movimentos armados entre 1922 e 1927, conhecidos como “levantes tenentistas” dada a forte participação da suboficialidade do Exército neles.

Em paralelo a estas agitações, sobretudo após a I Guerra Mundial (1914-18), cresce o movimento interno profissionalizante impulsionado quer por jovens oficiais formados em intercâmbio na Alemanha (“jovens turcos”), quer por oficiais antitenentistas que propugnavam a unidade do Exército e seu engajamento institucional, através do estado-maior, somente em caso de grave ameaça à ordem interna[5]. Nessa perspectiva se enquadrariam a intervenção de 1930, em meio as denúncias de fraude eleitoral; o golpe varguista de 1937, depois da fracassada revolta militar comunista de 1935; a derrubada de Vargas em 1945, para garantir a redemocratização do país; entre outros episódios cujo ápice (destoante) seria o contra-golpe de 1964, quando o poder só seria devolvido aos civis 20 anos após.

É sob essa moldura que devemos entender o posicionamento público do Gen. Villas-Bôas, liderança militar de perfil liberal, moldada pela perspectiva institucional-profissionalizante da ESG — que fundiu segurança com desenvolvimento econômico —, para quem “o Brasil (…) tem um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser tutelada”, mas que, ao mesmo tempo, sabe dos efeitos disruptivos de suas fraquezas institucionais sobre a sociedade e, particularmente, sobre a tropa, num momento em que as ameaças explícitas dos populistas de esquerda em prol da “guerra de classes” encontram como antípoda Jair Bolsonaro e sua pregação intervencionista, com repercussões internas no próprio Alto Comando do Exército — vide Gen. Hamilton Mourão.

Nesse contexto, tudo que um Chefe do Exército não pode fazer é se fingir de morto em “seu quadrado normativo”[6], sob pena de ver crescer, com o beneplácito dos comandantes de batalhão, a volta do fantasma do engajamento de base dos militares na política.

[1] In. <www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/na-vespera-de-julgamento-sobre-lula-comandante-do-exercito-diz-repudiar-impunidade.shtml>, <noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/04/04/celso-de-mello-responde-a-general-do-exercio.htm> e <www.bbc.com/portuguese/brasil-43761667>.

[2] Vide Beatriz Coelho Silva, QUESTÃO MILITAR, in. <cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/QUESTÃO%20MILITAR.pdf>.

[3] Vide Arsenio E. Corrêa, A Ingerência Militar na República e o Positivismo, ed. Expressão&Cultura/RJ, 1997.

[4] Id. p. 14.

[5] Vide CPDOC, in. <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/bertoldo_klinger>, <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/goes_monteiro> e <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/CrisePolitica/MovimentoTenentista>.

[6] Como gostaria o ex-Ministro Ayres de Brito, in. <noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/04/04/general-saiu-do-quadrado-normativo-a-que-devia-se-ater-diz-ex-presidente-do-stf.htm>.


Revista Piauí: Mal-estar na caserna

Intervenção no Rio expõe divergências entre generais e empurra o Exército para o centro do processo eleitoral

Por Fabio Victor, da Revista Piauí

Na véspera do anúncio da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, o general Walter Souza Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste, foi dormir contrariado. Naquela quinta-feira pós-carnavalesca, quando o então ministro da Defesa, Raul Jungmann, lhe apresentou a ideia, ele a rechaçou de pronto: disse que a intervenção era uma medida para casos de maior gravidade, um remédio extremo e amargo, e que a situação na cidade poderia ser controlada por meio de outras ações, como a operação de Garantia da Lei e da Ordem já em vigor. Deixou claro que, caso o Palácio do Planalto insistisse naquela direção, ele não gostaria de ser nomeado interventor. A despeito disso, o ministro o convocou para ir a Brasília no dia seguinte.

Na sexta-feira, ainda no Rio, o general participou por videoconferência do início de uma reunião extraordinária do Alto Comando do Exército para tratar da intervenção – era, até então, uma medida inédita no país desde o fim do regime militar. Soube ali que sua nomeação já estava decidida, notícia que também já pipocava na imprensa. Braga Netto comentou com oficiais seu desconforto com a situação e viajou para Brasília a tempo de pegar o final da reunião no Quartel-General do Exército.

Numa instituição pautada por planejamento e estratégia, o tom entre os generais de quatro estrelas que integram o Alto Comando foi de reprovação à intervenção em si e ao modo apressado e atabalhoado com que a medida acabou sendo imposta. O plano lhes parecia um festival de improvisos. O texto sucinto do decreto resumia seu objetivo a “pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública” – conforme previsto na Constituição –, mas não embasava o propósito nem descrevia ações para atingi-lo.

Ainda na sexta, acompanhado do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, Braga Netto rumou ao Palácio do Planalto. Em audiência com o presidente Michel Temer, os dois militares reivindicaram dinheiro para as operações e medidas adicionais ao decreto, com ênfase em dois pontos: o governo deveria solicitar à Justiça mandados coletivos de busca e apreensão, além de assegurar regras mais flexíveis de atuação das tropas, entre as quais a permissão para atirar em civis “com intenção hostil”. Nos dias seguintes, o governo passou a testar a reação da sociedade às solicitações dos militares, e a acolhida não foi boa. O Ministério Público Federal, entidades de defesa dos direitos humanos, acadêmicos e jornalistas alertaram que a intervenção não poderia atropelar garantias individuais asseguradas pela Constituição.

Ao fim do encontro no Planalto, ao lado de Jungmann e de Sergio Etchegoyen, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto participou de uma entrevista coletiva na qual se manteve sério e em silêncio a maior parte do tempo. Mineiro que completará 61 anos no dia 11 de março, o general é um homem de poucas palavras. Não gosta de ser fotografado. Em sua primeira grande aparição ao país, o interventor nomeado a contragosto deu respostas especialmente monossilábicas. Não podia falar nada, disse com uma sinceridade cortante, pois acabara de receber a missão e não sabia ainda como tocá-la.

Os idealizadores do plano tampouco tinham respostas convincentes para perguntas que se acumularam na esteira do anúncio: se há estados brasileiros em que a violência é maior do que no Rio, por que intervir primeiro lá? Se o uso das Forças Armadas na segurança pública já se mostrou inócuo em várias outras ocasiões, em especial no Rio, por que insistir nessa opção? Se o governo estadual se dispõe a cooperar, por que intervir, em vez de buscar modalidades menos radicais de socorro?

 

Impacto
intervenção nasceu quando o presidente Michel Temer e seus ministros Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, e Jungmann perceberam que uma medida de impacto na área da segurança tiraria do foco a derrota iminente da reforma da Previdência e poderia dar sobrevida a um governo que estava marcado para morrer – dez meses antes do término do seu mandato. Etchegoyen, o auxiliar de Temer que melhor conhecia o tema e já havia mencionado a intervenção como alternativa de choque à situação no Rio, se juntou à dupla para operacionalizar o plano. Ao lado de Moreira e de Jungmann, o general da reserva se tornou um dos estrategistas mais influentes do círculo do presidente.

O Carnaval propiciou as circunstâncias que o grupo palaciano necessitava. Antes da festa, Jungmann e o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, disseram em entrevistas que não viam necessidade de convocar as Forças Armadas para o período carnavalesco. Pezão foi para o interior e o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, viajou para a Europa.

Na segunda-feira, o Jornal Nacional começou destacando: “O Rio de Janeiro tem um Carnaval marcado pelos arrastões; moradores e turistas reclamam da falta de policiamento.” Na terça-feira, a queixa se repetiu, e a escalada (nome que se dá às chamadas que abrem o telejornal) exibiu um saque num supermercado da Zona Sul carioca e tiroteios em outros pontos da cidade. Na Quarta-feira de Cinzas, um derrotado Pezão dizia diante das câmeras que o governo não estava preparado para o policiamento no Carnaval (“Não dimensionamos isso”). Crivella, por sua vez, aparecia em seu giro europeu repetidas vezes no noticiário da Globo, claramente ridicularizado.

Na própria quarta, Michel Temer reuniu os comandantes militares para alertá-los do que viria. Na quinta, Jungmann e Moreira Franco foram ao Rio acertar com Pezão a intervenção. O governador, àquela altura, não tinha cacife para manifestar qualquer resistência. À noite, o governo bateu o martelo num encontro no Palácio da Alvorada. Como diria Etchegoyen dias depois, “ficou claro que estava esgotada a capacidade de gestão do Rio de Janeiro na área de segurança pública”.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, chegou à reunião quando a decisão já estava tomada, tarde da noite, e não gostou do que viu. O parlamentar do DEM vinha planejando o anúncio, a partir de março, de medidas para o setor em que Temer se mexia. Seria uma tentativa de se descolar do fiasco na Previdência e de alavancar as pretensões eleitorais de sua família. Maia ainda não havia abandonado a fantasia de uma candidatura presidencial. Seu pai, o ex-prefeito do Rio César Maia, também tem pretensões eleitorais no estado este ano. Com a intervenção, ambos foram atropelados pelo também carioca Moreira Franco – que é casado com a sogra de Rodrigo. Uma semana depois da publicação do decreto, o presidente da Câmara convocou uma entrevista coletiva e lançou o Observatório Legislativo da intervenção, que promete fiscalizar o andamento das operações militares na cidade.

Apesar das imagens violentas exibidas na tevê, os índices de violência registrados no Carnaval se mantiveram estáveis em relação aos últimos anos – a maioria caiu, segundo a Secretaria de Segurança Pública.

Generais do Alto Comando do Exército avaliaram que o comportamento da mídia, em especial da Rede Globo, foi decisivo para o governo decretar a intervenção. Antes de se reunir com Temer no Planalto, Braga Netto foi abordado por jornalistas, que perguntaram se a crise do Rio era muito grave. Ele fez que não com o dedo e afirmou: “Muita mídia.”

Fortalecimento
Numa quadra histórica em que política e políticos são escorraçados pela opinião pública, a intervenção no Rio sob o comando do Exército coroa um fenômeno de fortalecimento da imagem dos militares entre os brasileiros. Um dos traços mais visíveis dessa tendência foi o crescimento das intenções de voto em Jair Bolsonaro. Deputado há 27 anos, o ex-capitão do Exército é um entusiasta do regime militar. Ocupa desde o ano passado a segunda colocação na corrida para a Presidência da República. Pesquisa do Datafolha em meados do ano passado registrou que as Forças Armadas eram a instituição em que a população declarava ter mais confiança. Não há motivo para pensar que isso mudou de lá para cá. Foi nesse caldo de cultura que prosperou o recurso aos militares na segurança pública nos estados, com as operações de Garantia da Lei e da Ordem – como são chamadas as missões, autorizadas pelo presidente da República, em que as Forças Armadas podem atuar com poder de polícia para combater casos de perturbação da ordem pública.

Em 2015, houve três operações de GLO, com o auxílio de 15 500 homens do Exército. Em 2016, ano de Olimpíada e eleições, o número de operações subiu para sete; o contingente, para 89 800 homens. No ano passado, foram seis operações, com efetivo de 45 900 soldados. Levantamento recente feito pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o emprego das Forças Armadas no combate ao crime organizado cresceu pelo menos três vezes nesta década em relação aos anos 90.

O governo Temer agiu para fortalecer a onda verde-oliva. Deu mais dinheiro às Forças Armadas, cujo orçamento fora depauperado na recessão iniciada sob Dilma Rousseff, depois de um período de bonança nos anos Lula. As despesas discricionárias (não obrigatórias por lei) do Ministério da Defesa, que haviam despencado para 11,5 bilhões de reais em 2016, passaram a ser de 15,3 bilhões de reais em 2017, já sob Temer, apesar da forte recessão do período.

Outras demandas da caserna também foram atendidas. No ano passado, Temer sancionou uma lei controversa, garantindo a militares envolvidos em crimes contra civis, em operações de segurança pública, a prerrogativa de serem julgados pela Justiça Militar. A “segurança jurídica” reivindicada pelo Exército para a intervenção no Rio é, portanto, uma salvaguarda adicional a um privilégio que a classe já conquistou, sob críticas de entidades de defesa dos direitos humanos.

A recente nomeação do general Joaquim Silva e Luna como ministro da Defesa – o primeiro militar na função desde que a pasta foi criada, em 1999 – no lugar de Jungmann, deslocado para o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, é mais um sinal do prestígio das Forças Armadas no atual governo.

Ainda como presidente interino, Temer havia recriado o GSI – que Dilma havia extinguido –, nomeando um militar para chefiá-lo. Entre a Quarta-feira de Cinzas e a sexta-feira em que saiu o decreto de intervenção, Etchegoyen foi o auxiliar com quem Temer mais se reuniu – sete audiências oficiais, a sós ou em grupo, todas registradas na agenda do presidente.

O general à frente do GSI é um raro caso de militar que, na reserva, tornou-se mais poderoso do que na ativa. Enquanto o comandante do Exército, o general Villas Bôas, tem sob sua liderança 215 mil militares, Sergio Etchegoyen, sem comandar um único soldado, passou a ser a face militar mais influente da Esplanada, posição que a intervenção federal no Rio evidenciou.

Se o general palaciano ocupou o centro da cena, participando do teatro de operações e de sua difusão midiática, Villas Bôas, notório falante, se manteve mais discreto. Em parte porque o interventor, general Braga Netto, embora seu subordinado, responde diretamente a Temer, conforme os termos do decreto; mas também para não manifestar em público, com todas as letras, seu descontentamento com a intervenção.

O comandante do Exército, porém, enviou recados. No dia da assinatura do decreto, publicou três mensagens no Twitter – onde tem 80 mil seguidores, bem mais do que qualquer um dos ministros de Temer. Uma, declarando apoio ao interventor. Outra, que dizia que “os desafios enfrentados pelo estado do Rio de Janeiro ultrapassam o escopo de segurança pública, alcançando aspectos financeiros, psicossociais, de gestão e comportamentais. Verifica-se, pois, a necessidade de uma honesta e efetiva ação integrada dos poderes federais, estaduais e municipais”. E uma terceira, com um informe oficial em que comunicava ter apresentado a Temer “alguns pontos [da intervenção] que devem ser detalhados e regulamentados em Decreto Presidencial complementar”. Até o final de fevereiro não fora editado um decreto complementar.

As restrições de Villas Bôas ao emprego dos militares no combate à violência nos estados já era pública. Em audiência na Câmara, em julho do ano passado, o general afirmou aos deputados: “Eu quero deixar bem claro que nós não gostamos de participar desse tipo de operação.” E então contou uma experiência que viveu no complexo de favelas da Maré, no Rio, em 2015. “Eram onze horas da manhã ou meio-dia de um dia normal. E o nosso pessoal, muito atento, muito preocupado, muito crispado e armado, estava patrulhando a rua onde passavam mulheres e crianças. Falei: ‘Somos uma sociedade doente. O Exército está apontando armas para brasileiros.’ Isso é terrível.”

O comandante prosseguiu com a queixa. “O pior é que essa concepção de emprego das Forças Armadas, eu lhes digo, é inócua, porque nós passamos catorze meses nas favelas da Maré e, na semana seguinte à nossa saída, todo o status quo anterior tinha sido restabelecido, absolutamente todo. Por quê? Porque nesse tipo de situação o que obtém a solução […] não são as Forças Armadas. Elas são empregadas apenas para criar uma condição de estabilidade e segurança para que os outros braços do governo desenvolvam […]. Gastamos 400 milhões de reais, e devo dizer que foi um dinheiro absolutamente desperdiçado. Então, reconheço como positivo o governo estar repensando esse tipo de emprego das Forças Armadas, porque ele é inócuo e, para nós, é constrangedor.”

No dia em que Temer assinou o decreto arquitetado com a ajuda crucial de Etchegoyen, perguntei a um auxiliar direto de Villas Bôas como estava o comandante. “Na adversidade é que ele se fortalece”, respondeu.

Já Etchegoyen, sobretudo desde que entrou no governo, defende um plano integrado de segurança como solução possível ao quadro do Rio. Durante um seminário sobre segurança pública em agosto do ano passado, atribuiu o fracasso da cidade no setor à carga ideológica de acadêmicos que pesquisam o tema.

“Dependendo do governo e da abordagem, nós tínhamos alguma ideologia que era um ‘ismo’ qualquer, que tentava interpretar o fato social ‘crime’ a partir de uma visão ideológica, muitas vezes dogmática. E que, por ser dogmática, adaptava a realidade a uma compreensão da realidade, e não buscava entender a realidade a partir dela mesma. Produzimos teses, produzimos dissertações, produzimos monografias e eu pergunto: Quanto reduzimos da criminalidade?”, disse o general. E expôs sua receita: “Nós precisamos agir. Nós precisamos fazer. Existem dois fatores críticos para o sucesso disso: a adesão da sociedade no Rio de Janeiro e a compreensão que a mídia terá do que será feito. Isso é fundamental porque vamos ter insucesso, vamos ter incidentes. Estamos numa guerra. Vai acontecer, é previsível que aconteçam coisas indesejáveis, inclusive injustiças. Mas ou a sociedade quer ou não quer.”

Intervenção
intervenção federal no Rio criou um mal-estar entre os dois militares mais poderosos do país – e entre dois amigos de infância. Villas Bôas e Etchegoyen nasceram há 66 anos, num intervalo de três meses, na mesma cidade, Cruz Alta, noroeste do Rio Grande do Sul. As mães dos dois eram amigas desde meninas, os pais eram oficiais do Exército. Tratam-se ainda hoje pelos prenomes, Eduardo e Sergio. O primeiro da infantaria, o segundo da cavalaria, seguiram trajetórias de sucesso na carreira e sempre se mantiveram próximos. Ao assumir como comandante, Villas Bôas nomeou Etchegoyen chefe do Estado-Maior do Exército.

Neto, filho e sobrinho de militares que integraram governos conservadores ou participaram de levantes no século XX, o ministro do GSI se envolveu em pelo menos dois episódios para defender o pai, o general Leo Etchegoyen. Em 1983, o então comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, chamou de “frouxos e incompetentes” os oficiais que depuseram à Comissão Parlamentar de Inquérito da Dívida Externa. Leo Etchegoyen era um dos convocados a depor. Durante uma palestra de Cruz, Sergio confrontou o general e recebeu voz de prisão no ato. Ficou detido por 23 dias.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade incluiu, em seu relatório final, Leo Etchegoyen na lista de responsáveis por violações de direitos humanos, por integrar o aparato repressivo durante a ditadura (foi secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, chefe do Estado-Maior do II Exército e chefe do Estado-Maior do III Exército). O filho rejeita as imputações e diz que o pai, morto, não teve o direito de defesa. Além de criticar o relatório, Etchegoyen, junto com sua família, entrou com uma ação na Justiça contra a Comissão da Verdade, para que o nome do pai seja retirado da relação. Cyro Etchegoyen (tio de Sergio), também integra a lista da Comissão, acusado de ter sido um dos chefes da chamada Casa da Morte, centro de tortura em Petrópolis.

O Etchegoyen do século XXI se declara um defensor da democracia e considera que a única saída para a gigantesca crise recente do país está na política – e nos políticos. Sustentou essa posição ao rejeitar uma sondagem para ser candidato a presidente. Em julho do ano passado, Carlos Marun, então líder da tropa de choque de Temer na Câmara e hoje ministro da Secretaria de Governo, abordou o ministro-general com a ideia de transformá-lo no nome do MDB na disputa pelo Planalto. Etchegoyen desconversou, e Marun voltou à carga em 15 de agosto, numa audiência oficial que solicitou com o ministro.

“Fiz consultas dentro do partido, muitos entenderam como positivo, estive no Rio Grande do Sul, já que ele é gaúcho, lá avançamos em algumas conversas, até que eu e o líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi, fizemos o convite para o general entrar no partido e se transformar em uma opção de candidato à Presidência”, me contou Marun. Perguntei se Temer dera aval à operação. “Talvez eu tenha falado com ele em algum momento, mas não me recordo de ter marcado uma audiência”, respondeu Marun, ex-aluno de colégio militar em Porto Alegre. O escudeiro de Temer passou então a elencar o que o atrai no general: “Tem currículo suficiente, espírito de liderança, moral ilibada, amor à democracia. Não deve haver preconceito contra ninguém, o Brasil pode sim ser governado por um militar, desde que seja a vontade do povo expressa nas urnas. Mas ele se colocou completamente refratário à ideia e não quis nem se filiar.”

Perguntei a Etchegoyen o que ele achava do convite. Ele rechaçou a ideia sem meias palavras: “Não é meu talento, não é minha vocação. É uma coisa contrária à minha natureza. É uma mosca que não me morde e se morder não me entusiasma”, disse, numa tarde de novembro, em seu gabinete no 4º andar do Palácio do Planalto. Com um rosto rechonchudo a sustentar uma calva pronunciada, Etchegoyen tem olhos verdes e bigode à la Felipão. O que lhe resta de cabelo é espetado, conferindo ao general um ar enfezado. Descendente de bascos e alemães, é um homem circunspecto, cujas bochechas se avermelham quando sua fala adquire contornos enfáticos – na maior parte do tempo ele é cortês e tem a fala mansa.

“Na minha convicção, a solução do Brasil é política, o Brasil precisa de um político, não de um outsider. Eu não me enquadro nisso. Me olho no espelho e não vejo esse cidadão. Conseguimos avançar tanto na consolidação de instituições e da democracia que qualquer coisa que desviar disso na solução de que precisamos vai trazer muito mais solavancos”, disse Etchegoyen.

Isso, no entanto, não impede que o general defenda a geração de militares responsáveis pelo golpe de 1964. Foi, segundo ele, uma geração capaz de, na adversidade, formar discípulos legalistas. “Tu tens hoje uma liderança militar – o general Villas Bôas, o Alto Comando do Exército – com uma convicção republicana e democrática muito forte. Isso não se adquiriu num insight, numa experiência mística coletiva. Quem nos formou foi a geração que fez 64, é isso que vocês têm de se dar conta”, ele me disse, com seu forte sotaque gaúcho de erres intermináveis. “Essas pessoas, que podem ter cometido equívocos e exageros aqui e ali, tinham a honestidade de propósitos difícil de tu encontrar hoje em dia em qualquer instituição”, acrescentou Etchegoyen.

Mas e os excessos e os crimes que aquela geração cometeu não interferiram na formação desta? “No quê? A sociedade brasileira hoje tem tantos equívocos, tantos segmentos cometendo equívocos, que tu olha para um quartel e vê que ele está protegido de tantos equívocos. Acho que foram pessoas com muita honestidade de propósito. E nos educaram.”

Em novembro, quando conversamos, Etchegoyen sustentou que não havia risco de intervenção militar no país à revelia da Constituição, como cogitado pelo general Hamilton Mourão, oficial muito influente no Exército. Em palestra numa loja maçônica de Brasília, em setembro, ao ser indagado se as Forças Armadas não deveriam intervir para pôr fim à corrupção no governo Michel Temer, Mourão disse que poderia chegar “o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”.

Etchegoyen minimizou o ocorrido. “Os militares estão quietos há tanto tempo que quando um general fala vira um escândalo. Acho que foi um episódio supervalorizado”, disse, defendendo Mourão – “um homem bom, leal, um soldado respeitado”.

Segundo o ministro do GSI, “a instituição que mais se comprometeu integralmente com o processo democrático foram as Forças Armadas. Em nenhum momento tu tens nenhuma história para contar de que os militares trouxeram alguma truculência ao processo democrático. Imaginar que vão passar a ser agora?”.

Quando a conversa chegou a Bolsonaro, o general comentou: “Tu achas viável que num país que evoluiu tanto institucionalmente, consolidou uma democracia, alguém consiga governar para impor uma agenda totalitária, excludente?”

Etchegoyen se fortaleceu no Planalto num momento crítico da crise que engolfou o governo na época da delação da JBS. Em maio do ano passado, pouco depois de Temer ser alvejado por denúncias de corrupção, uma manifestação contra as reformas trabalhista e da Previdência terminou com quebra-quebra e violência na Esplanada dos Ministérios. Para contê-la, o governo convocou as Forças Armadas, assinando um decreto que permitia aos militares atuar com poder de polícia por uma semana. Houve, na ocasião, muitas críticas. Pressionado, Temer revogou o decreto um dia depois de tê-lo assinado.

A despeito do recuo de Temer, o ministro do GSI ganhou pontos com o chefe durante o episódio. Segundo Etchegoyen, a convocação dos militares se deveu a um incêndio que atingiu o prédio do Ministério da Agricultura, com feridos. As forças policiais e os bombeiros, relatou, não conseguiriam chegar em número suficiente à Esplanada para conter a situação.

“Ali só tinha duas opções: ou irmos para casa lamentando as vítimas que teriam morrido queimadas, mas politicamente satisfeitos por não termos empregado as Forças Armadas, ou não termos vítimas e irmos dormir aguentando a crítica de ter empregado as Forças Armadas”, argumentou Etchegoyen. O ministro contou que estava ao lado de Temer no Planalto no momento em que a decisão foi tomada. E de quem foi a decisão?, perguntei. “A decisão é sempre do presidente. O assessoramento é meu.”

 

SMU
8 quilômetros do gabinete de Etchegoyen, na Esplanada dos Ministérios, o Setor Militar Urbano (SMU) é o bairro do Exército em Brasília – um oásis de tranquilidade contíguo à ilha da fantasia que é o Plano Piloto. Ao lado do Clube do Exército, de um teatro, de uma igreja e da praça projetada por Burle Marx que virou ponto de lazer e piquenique, está a Vila Militar, com suas casas de cerca baixa evocando uma segurança que a maioria dos brasileiros não conhece. A residência de Villas Bôas fica numa quadra à parte, privativa para generais, numa área verde cercada por grades conhecida como Fazendinha. Está a menos de 500 metros do principal conjunto de prédios do bairro, o Quartel-General do Exército, chamado de Forte Apache.

O visitante que acessa o Forte Apache pela entrada principal do edifício, reservada a autoridades, dá num hall monumental de piso de mármore branco, decorado com enormes telas a óleo de batalhas do Exército brasileiro. Nos corredores, numa espécie de coreografia incessante, os subalternos batem continência à passagem de um superior. Quanto maior a patente, mais alto o estalo produzido pelo braço do subordinado na lateral do corpo “em movimento enérgico” (como previsto em um decreto presidencial que regulamenta esse tipo de saudação).

Numa manhã quente no final de novembro passado, o comandante do Exército me recebeu para uma entrevista em seu gabinete no Forte Apache. Eduardo Villas Bôas é um homem magro e alto, com rosto anguloso, queixo pontiagudo e olhos num tom entre o verde e o castanho. Seus cabelos, bem curtos, começam a branquear, principalmente nas laterais – recentemente ele resolveu pintá-los. Tem a fala calma, que, por causa da doença degenerativa que o acomete, às vezes é entrecortada por uma respiração arfante, como a de um asmático em crise.

A enfermidade do general, conhecida como doença do neurônio motor, ataca as células nervosas responsáveis pela atividade muscular. Há dezenas de subtipos da moléstia, cujo diagnóstico costuma ser difícil e impreciso. Diferentemente do Alzheimer, que debilita o cérebro e mantém o resto do corpo intacto, as doenças do neurônio motor geralmente devastam aos poucos o corpo sem causar danos ao cérebro. No caso de Villas Bôas, ela já lhe impediu de caminhar, afetou os músculos que auxiliam sua respiração e comprometeu movimentos dos braços e das mãos.

Quando entrei na sala, ele estava sentado em sua cadeira de rodas, atrás da mesa de reuniões do gabinete, e vestia seu uniforme do dia a dia, com camisa cáqui e calça verde. Em aparições públicas que não sejam solenidades oficiais, costuma optar pelo uniforme de combate, camuflado.

“Deixa em off ou põe em on?”, Villas Bôas perguntou à equipe de auxiliares em torno da mesa de reuniões de seu gabinete. De supetão, o comandante do Exército decidiu promover uma enquete com seus homens de confiança para saber se falaria abertamente ou off the record, quando a origem da informação é ocultada numa reportagem.

Tratávamos da aproximação entre militares e política. Villas Bôas expunha os ressentimentos que a cúpula do Exército tem com o Partido dos Trabalhadores. O ponto mais sensível, que exaltou os outros presentes à sala em sintonia com o comandante, era um trecho de uma “resolução sobre conjuntura” assinada pelo Diretório Nacional petista em maio de 2016. No texto, publicado dias após o Senado autorizar a abertura do processo de impeachment de Dilma e determinar o seu afastamento da Presidência por 180 dias até a votação final, o partido aponta como deveria ter agido para ter evitado a queda e se queixa por não ter interferido no sistema de promoção das Forças Armadas nem ter alterado o currículo das escolas militares.

“Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação”, diz o parágrafo que consta no documento de dez páginas.

Estavam na mesa os generais Otávio Rêgo Barros, chefe do CCOMSEx, o Centro de Comunicação Social do Exército; Tomás Ribeiro Paiva, chefe de gabinete, e Ubiratan Poty, chefe do Centro de Inteligência do Exército, além dos coronéis Alberto Fonseca, assessor do gabinete do comandante responsável por análises de conjuntura, e Alcides de Faria Junior, chefe da Divisão de Relações com a Mídia do CCOMSEx. Foi a eles que Villas Bôas perguntou se deveria falar “em off ou em on” naquele trecho da entrevista. Todos sugeriram que o comandante abordasse o assunto “em on”.

“Isso nos preocupa porque, se por um lado, nós somos instituições de Estado e não podemos participar da vida partidária, indica uma intenção de partidos interferirem no Exército”, iniciou o comandante. O general Tomás o seguiu: “Isso para mim foi o maior erro estratégico do PT, foi uma coisa burra.” “Essa é uma coisa que não é admitida pelas Forças Armadas, a intervenção em nosso processo educacional. Esquece”, emendou o coronel Fonseca. “Isso nos fere profundamente. Está na nossa essência, no nosso âmago”, concordou Villas Bôas.

No embalo, o grupo expressou insatisfação com a Comissão Nacional da Verdade, instalada no governo Dilma para apurar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Os militares se queixam de que a comissão restringiu seu foco à ditadura de 1964 a 1985 e só investigou violações “de um lado”, o deles.

Meses depois de nossa conversa, Villas Bôas se meteria numa enrascada ao evocar essa mesma posição diante da intervenção no Rio. Durante uma reunião para debater o decreto, o general cobrou de Temer garantias aos militares em ação no Rio para que mais tarde não fossem alvos de uma nova Comissão da Verdade. Foi como se pedisse um salvo-conduto para repetir nas favelas cariocas crimes cometidos durante a repressão. Um auxiliar do comandante definiu a declaração como “uma frase infeliz”.

 

Mais novo
A
o assumir seu segundo mandato, em janeiro de 2015, Dilma trocou os chefes das três Forças. Villas Bôas estava entre os generais da lista tríplice enviada pelo Exército ao ministro da Defesa, o petista Jaques Wagner, que examinou os nomes e os submeteu à presidente, a quem cabe a nomeação. Embora o mais comum seja priorizar o general mais antigo da lista, naquele ano o escolhido foi o mais novo.

“Villas Bôas é um militar clássico, um brasileiro nacionalista e respeitador das leis. Onde chefiou sempre se transformou num líder porque é afável, corajoso e motivador. E é um democrata, um cara olhando para a frente, portanto qualquer movimento nesse sentido, de uma intervenção militar ao arrepio da lei, não encontraria nele um estimulador”, me disse Wagner, hoje secretário de Desenvolvimento Econômico do Governo da Bahia e provável candidato ao Senado em 2018, embora também seja uma alternativa do PT à Presidência caso Lula seja definitivamente impedido.

Desde cedo Villas Bôas rechaçou publicamente os murmúrios sobre recorrer às Forças Armadas como remédio para a crise, reiterando que cabe ao Exército cumprir a Constituição. Numa entrevista, chamou de “malucos” e “tresloucados” os entusiastas de um golpe. Quando conversamos, em novembro, disse que a chance de haver uma intervenção militar no Brasil era “absolutamente zero”.

Quando soube da gravidade da sua doença, meses depois de descobri-la, o comandante do Exército solicitou uma audiência com Temer e colocou seu cargo à disposição. Era março de 2017. “General, não preciso do seu físico, o que mais preciso do senhor é de sua cabeça e de sua liderança”, ouviu do presidente. Villas Bôas continuou na função. Dias depois da audiência, tornou pública sua enfermidade. Na ocasião, já tinha dificuldade para caminhar.

Quando, no rastro das denúncias contra Temer, a crise escalou e as menções a um golpe militar ultrapassaram a fronteira dos “tresloucados”, Villas Bôas precisou fazer política. A incendiária declaração do general Hamilton Mourão em setembro teve ampla repercussão na imprensa – de várias partes houve cobranças de que o general fosse exonerado do cargo de secretário de Economia e Finanças do Exército. Villas Bôas minimizou o episódio. Além de não punir o colega, na sua primeira manifestação pública posterior à confusão – uma entrevista ao programa Conversa com Bial, na Globo – definiu Mourão como “um grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão”.

O comportamento de Villas Bôas dividiu opiniões. Parte o considerou condescendente com a linha dura que flerta com o golpismo, parte ouviu a fala do comandante como um lance habilidoso para não atiçar a parcela do Exército alinhada com Mourão – que não é pequena, mas está majoritariamente na reserva. Conhecedores do funcionamento das Forças Armadas concordam com a segunda leitura. Contemporizando, Villas Bôas desinflou o balão.

Adeptos da tese da condescendência, no entanto, se lembram de uma publicação de Villas Bôas no Twitter, depois do episódio com Mourão. Nela, o comandante cita uma frase de Samuel Huntington, conhecido cientista político conservador americano cujas ideias inspiraram o generalato brasileiro na ditadura. “Samuel Huntington nos instiga: ‘A lealdade e a obediência são as mais altas virtudes militares; mas quais serão os limites da obediência?’ O Estado, ao nos delegar poder para exercer a violência em seu nome, precisa saber que agiremos sempre em prol da sociedade da qual somos servos”, escreveu Villas Bôas em novembro.

A mulher do comandante, com quem ele é casado há 41 anos, também compartilhou no Facebook publicações simpáticas à causa dos “tresloucados”. “Intervenção militar não é golpe. Não é a volta da ditadura. Não é golpe na democracia. Intervenção militar é a garantia da democracia com a saída imediata dos políticos que destruíram nossa nação!”, dizia uma delas.

Menos de três meses depois de sua declaração bombástica na loja maçônica, Mourão daria outra palestra, desta vez no Clube do Exército de Brasília. A certa altura, disse: “Nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos, buscando se equilibrar, e, mediante um balcão de negócios, chegar ao final de seu mandato.” O Palácio do Planalto chiou, e Mourão foi exonerado. Apesar de a punição ter sido publicada no Diário Oficial, na prática o general punido continuou na função até o final de fevereiro. Em 1º de março, entraria para a reserva.

Mourão – que não tem parentesco com Olympio Mourão Filho, o general que deu a largada no golpe de 64 ao marchar com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro – prepara sua candidatura à presidência do Clube Militar do Rio, mas não descarta disputar algum cargo, majoritário ou proporcional, na eleição de 2018. Diz ter sido sondado por alguns partidos, mas informou a amigos que, por enquanto, não se interessou.

 

Oficiais
A
té o governo do marechal Castelo Branco, o primeiro do regime militar inaugurado com o golpe de 64, os oficiais de alta patente podiam permanecer por anos na ativa e transitar sem impedimento entre os quartéis e a vida política. Foi o caso do marechal gaúcho Cordeiro de Farias, governador biônico do Rio Grande do Sul (de 1938 a 1943) e governador eleito de Pernambuco (de 1955 a 1958), que em seguida continuaria a ocupar cargos estratégicos no Exército. O também marechal Henrique Teixeira Lott foi derrotado por Jânio Quadros na eleição presidencial de 1960. Outros militares que no século XX ocuparam a posição máxima na hierarquia das Forças Armadas tiveram intensa atuação política, como Newton Estillac Leal e Odílio Denys.

Castelo fez alterações no sistema de promoção de militares que asseguraram a renovação na cúpula do Exército. Entre as mudanças, estipulou que um general não poderia ultrapassar doze anos no posto e fixou prazos para que ascendessem dentro desta patente, de tal modo que cada um dos graus (brigada, divisão e exército) atualizasse anualmente seus quadros: um general de brigada que não for promovido em quatro anos a general de divisão, por exemplo, vai compulsoriamente para a reserva, e assim por diante.

Os militares com veleidades políticas também foram afetados: uma vez eleitos, passaram a ser transferidos para a reserva, automaticamente, no ato da diplomação. Castello também criou o mecanismo do domicílio eleitoral como condição para que um candidato pudesse ser elegível, inviabilizando, nas eleições estaduais de 1966, as candidaturas dos então generais Teixeira Lott, Amaury Kruel, Justino Alves Bastos e Jair Dantas Ribeiro aos governos da Guanabara, de São Paulo, de Pernambuco e do Rio Grande do Sul.

A candidatura de um militar à Presidência, ainda que um militar da reserva, como Jair Bolsonaro, constitui uma novidade no cenário brasileiro pós-redemocratização. Villas Bôas associa a força do ex-capitão a uma reação da sociedade brasileira (“que é conservadora”, ressaltou) contra o que ele chama de “pensamento politicamente correto em suas várias vertentes”.

O general tentou explicar melhor o fenômeno Bolsonaro. Sem que os auxiliares o interrompessem, engatou a tese de que a moral e os bons costumes são a arma da direita contra o avanço do que ele definiu genericamente como “ideologia”. “Temos visto um movimento muito grande relativo à ideologia de gênero, vimos a questão dos museus. São coisas que para a população são agressivas”, disse Villas Bôas, fazendo alusão à performance de um homem nu que foi tocado por uma criança acompanhada pela mãe, no Museu de Arte Moderna, em São Paulo. “A ideologia tem dificuldade de trabalhar com a realidade. A atuação ideológica não visa solucionar o problema, ela visa fortalecer esse componente ideológico.”

Num só fôlego, o comandante passou a listar exemplos de causas que são prejudicadas pela “ideologia” de movimentos que as defendem. “Quanto mais se implanta um pensamento de preocupação ambiental, mais nós temos tido danos ambientais e desmatamento. Porque não visa atingir resultados, visa sim fortalecer todo o sistema que opera essas ideologias.”

Villas Bôas avançou até a questão indígena. “Quanto mais indigenismo se tem no Brasil, mais os coitados dos índios estão abandonados. Porque os índios ficaram reféns desses slogans ideológicos e não conseguem expressar suas reais necessidades.”

E chegou ao racismo: “A questão de preconceito racial – que é absolutamente pertinente, o preconceito é algo realmente odioso –, pela forma como tem sido conduzida, tem feito o Brasil deixar de ser um país de mestiços para passar a ser um país de brancos e pretos.” Arrematou com Bolsonaro: “Então, quando surge alguém que se contrapõe a esse pensamento, com coragem e capacidade de expressar isso, ele consegue representar uma parte grande da sociedade, que se sente até acuada, imobilizada diante dessa pressão tão grande. Daí o crescimento de uma candidatura como a do Bolsonaro.”

Villas Bôas considera que o ex-capitão tem uma aceitação ampla nas Forças Armadas e avalia que as chances dele dependem do surgimento ou não de um nome que una o centro – algo que, nas entrelinhas, o comandante parece acalentar.

 

Interventor
A
ssim como seus colegas do Alto Comando do Exército, o interventor Braga Netto nutre respeito e admiração por Villas Bôas. Embora seja da mesma arma de Etchegoyen, a cavalaria, o general se entende melhor e ouve mais o comandante – a quem trata por “senhor” – do que o ministro do GSI. Braga Netto e Villas Bôas trabalham juntos para que a intervenção tenha como efeito colateral mais investimentos no Exército – é esse, de resto, o aspecto que julgam positivo nas operações de GLO. Os dois também alinharam o discurso de que os militares estão prontos a se sacrificar pelo sucesso da intervenção, desde que as outras partes envolvidas (“poderes constitucionais, instituições e, eventualmente, a população”, como descrito no informe oficial enviado a todos os integrantes do Exército) também estejam dispostas ao sacrifício.

A parceria desejada pelos generais se projeta turbulenta. Seja porque algumas das primeiras medidas da intervenção – como a de fichar, fotografar e revistar moradores de favelas – provocaram reações negativas; seja porque Braga Netto, antes mesmo de anunciar seu plano de ação, teve de lidar com um passivo de operações militares recentes no Rio.

Em novembro passado, oito pessoas foram assassinadas durante uma operação conjunta do Exército e da Polícia Civil no Salgueiro, conjunto de favelas em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Segundo a autópsia, todas foram baleadas pelas costas. O episódio, que ficou conhecido como a chacina do Salgueiro, até hoje não foi esclarecido. Os soldados do Exército que participaram da ação não depuseram ao Ministério Público Estadual nem à polícia, somente ao Ministério Público Militar. Promotores civis solicitaram cópias dos depoimentos, mas não as obtiveram.

A organização Human Rights Watch criticou o interventor recém-empossado. “A obstrução das investigações por parte do general Braga Netto mostra a falta de comprometimento real em garantir justiça às vítimas nesse caso e mostra um flagrante desrespeito às autoridades civis. Isso é um péssimo sinal para os cidadãos do Rio de Janeiro, considerando seu novo posto como chefe da segurança pública do estado”, disse a diretora do escritório brasileiro da ONG norte-americana, Maria Laura Canineu.

Por meio de seu porta-voz no Comando Militar do Leste, Braga Netto informou que o Ministério Público Militar ouviu os soldados envolvidos na operação e está investigando o caso.


Fernando Gabeira: A luta contra fantasmas

Existem várias comissões para fiscalizar a intervenção e poucas articulações para cooperar com o Exército

Outro dia, chamaram-me de general num desses blogs. Não me importo: são os mesmos de sempre, como diria um personagem de Beckett, depois de apanhar. O ponto de partida é minha visão positiva sobre o papel do Exército no Haiti. O que fazer? Estive lá duas vezes, vi com os meus olhos e ainda assim sempre consulto o maior conhecedor brasileiro do tema, Ricardo Seitenfus.

Não estive com o Exército apenas no Haiti. Visitei postos avançados de fronteira da Venezuela, junto aos yanomamis, em plena selva perto da Colômbia. Vi seu trabalho na Cabeça do Cachorro, no Rio Negro, cobri o sistema de distribuição de água para milhões de pessoas no sertão do Nordeste.

Não tenho o direito de encarar o Exército com os olhos do passado, fixado no espelho retrovisor. Além de seu trabalho, conheci também as pessoas que o realizam.

Nesse momento de intervenção federal, pergunto-me se o Exercito para algumas pessoas da esquerda e mesmo alguns liberais na imprensa, ainda não é uma espécie de fantasma que marchou dos anos de chumbo até aqui, como se nada tivesse acontecido no caminho.

Alguns o identificam com o Bolsonaro. Outro engano. Certamente existem eleitores de Bolsonaro nas Forças Armadas como existem na igreja, nos bancos e universidades. Mas Bolsonaro e o Exército não são a mesma coisa.

Existem várias comissões para fiscalizar o intervenção. Ótimo. Isso é democracia. Mas existem poucas articulações para cooperar com o Exército: isso é miopia.

Houve um certo drama porque os pobres foram fotografados por soldados. Quem dramatiza são pessoas da classe media que vivem sendo fotografadas, na portaria de predios, na entrada de empresas. Por toda a parte alguém nos filma.

Há uma lei especifica sobre identificação. É razoável discutir com base nela. Mas é inegável também que os tempos mudaram. Na Europa e nos EUA por causa do terrorismo, aqui por causa da violência urbana.

Não se trata de dizer sorria, você está sendo filmado. É desagradável e representa uma perda de liberdade em relação ao passado. Mas expressa um novo momento.

O Ministro Raul Jungman tomou posse afirmando que a sociedade do Rio pede segurança durante o dia e à noite consome drogas. É uma frase muito eficaz em debates e artigos. Creio que apareceu até no filme Tropa de Elite.

Na boca de um ministro, que considero competente, merece uma pequena análise.

Parisienses, londrinos, paulistas e novairorquinos também consomem droga, suponho. No entanto não existem grupos armados dominando o território urbano.

Se isso é verdade não é propriamente a abstinência que tem um peso decisivo, mas sim a presença do Estado que garante uma relativa paz, apesar do consumo de drogas.

Nucleos de traficantes deslocaram-se para o roubo de cargas porque o acham mais rentável. É impossivel culpar os consumidores de geladeiras e eletrodomésticos não só porque é uma prática legal.

As milicias pouco se dedicam ao tráfico de drogas. Vendem segurança, butijões de gás e controlam o transporte alternativo. São forças de ocupação.

Campanhas contra o consumo de drogas, nessa emergência, têm uma eficácia limitada, apesar de suas boas intenções.

Mas assim como há gente que vê um exercito fantasma, perdido nas brumas do século passado, pode ser um erro mirar no consumo de droga e perder de vista a ocupação armada do território.

Uma das frases mais interessantes no Terra em Transe de Glauber Rocha é quando o personagem diz que não sabe mais quem é o inimigo.

Há tantos combatendo exércitos fantasmas ou investindo contra moinhos que é sempre bom perguntar: afinal, qual é o foco?
 


General Eduardo Villas Bôas: "No Brasil, todos os problemas tendem a se transformar em ideologias"

A Editora Insight, do Rio de Janeiro, promoveu o seminário “Brasil: Imperativo Renascer!”, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Levou lá, além do presidente do tribunal, Milton Fernandes de Souza, o presidente do BNDES, o titular da Fundação Getulio Vargas, o embaixador Jório Dauster, o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos.

Mas a sensação do evento foi o general Eduardo Villas Bôas. De sua cadeira de rodas, tolhido pelos efeitos de uma lamentável moléstia degenerativa, o comandante do Exército brasileiro, de improviso, analisou com destreza e franqueza o momento nacional. O general partiu da análise do que seja o papel das Forças Armadas na atualidade. Mas foi bem além disso.

Villas Bôas examinou como transitam hoje as ideologias. Todo problema no país hoje tende a tornar-se uma ideologia, disse ele. Sem que se chegue à solução teoricamente desejada. Assim, “quanto mais ambientalismo, mais problemas ambientais temos. Quanto mais indigenismo, coitados dos nossos índios, mais são relegados ao abandono. Quanto mais luta contra o preconceito racial, mais racialismo. (...) Quanto mais luta ou quanto mais se discute as questões de gênero, mais preconceito nessa área se verifica e por incrível que pareça, até mesmo, está surgindo no nosso país intolerância religiosa”.

O general saltitou em terreno minado, sem detonar bomba alguma, ao abordar como funciona o imperialismo moderno que galvaniza estereótipos como a campanha mundial contra o desmatamento no Brasil, incorporada aqui inclusive pela esquerda.

“Temos 80% da Amazônia preservada e admitimos levar lições de países que têm 0,3% das suas florestas originais. A média mundial de preservação das florestas mundiais é de 25%, aproximadamente”, registrou, apontando a instrumentalização da ideologia ambiental que, como se sabe, visa proteger o mercado agrícola dos países que, todos somados, não dispõe da área agricultável que o Brasil tem.

 

Leia os principais trechos da palestra do general de Exército Eduardo Villas Bôas:

"Quando houve a queda do muro de Berlim, emblematicamente, marco do fim da Guerra Fria, passou a prevalecer nos países uma visão sistêmica de defesa em que ela deixou de ser uma exclusividade dos militares e passou a exigir a participação de toda a sociedade em seus mais variados segmentos.

Assim, a estrutura de defesa de um país será tão mais robusta quanto mais forte for a participação da área econômica das empresas, da área de ciência e tecnologia, da área acadêmica, do poder político e assim por diante.

Por outro lado, aos militares foi exigido também que eles não se restringissem apenas a se preparar para fazer face ao inimigo. Hoje, a visão consagrada no mundo é a de que as Forças Armadas devem estar em condições de atender qualquer demanda da sociedade. E não há países em que isso não se aplique. Alguém pode dizer, ah!, nos Estados Unidos as Forças Armadas compram esse tipo de atividade, porque lá eles têm a Guarda Nacional, que é praticamente força armada, inclusive as suas unidades são mandadas a participar dos conflitos e ela cumprem esse papel de trabalhar voltada para o território americano.

Falar de defesa no Brasil — e eu pretendo, em linha gerais, traçar algumas considerações sobre a inserção da defesa de um projeto nacional — é difícil, tem pouco apelo, porque não há no país uma percepção de ameaças à soberania e à integridade, nem por partes da população nem por parte das elites dirigentes, diferente, por exemplo, do que ocorre em Israel, ou do que o ocorre no Chile e em tantos outros países. Portanto, um diretor de banco, um reitor de uma universidade, enfim, pessoas dos mais variados setores da sociedade não estão preocupados com ameaça da integridade nacional.

O ministro Jobim, Nelson Jobim, ele dizia que fazia parte de uma geração política em que defesa para eles era repressão e as coisas relativas a isso. Como consequência, esse espaço da defesa foi ocupado inexoravelmente pelos próprios militares e a consequência é que, a consequência foi a grande dificuldade de alocação de recursos adequados para estrutura de defesa. Como se diz no jargão político, defesa não dá voto. Daí a dificuldade, nós nunca vimos, por exemplo, em um debate eleitoral para a Presidência da República, o tema “defesa” ser discutido, aliás não só o tema defesa, outros temas relativos ao Estado, como a política externa, não é embaixador (dirigindo-se ao companheiro de mesa, embaixador Jório Dauster)?

Na última eleição, esses dois temas não foram absolutamente tocados e isso se deve enfim, dentre outros aspectos, nós temos no Brasil, o que poderemos chamar de um passivo geo-histórico, histórico. Nós temos metade do nosso território não ocupado e não integrado à dinâmica do desenvolvimento nacional.

As consequências disso vão além de aspectos concretos, há questões também subjetivas decorrentes, se o território é a base da nacionalidade, vejam que nós não temos na nossa, o sentimento de nação totalmente consolidado. O Brasil foi resultado da criação de um Estado que a partir daí passou a trabalhar para consolidar os aspectos relativos à nacionalidade e isso ainda é incompleto.

O general Heleno costuma dizer que o Brasil é como um superdotado num corpo de adolescente. Ele não tem noção do seu território, não tem a percepção da importância e talvez daí decorra o fato de sermos tão voltados para dentro de nós mesmos. Uma das consequências disso é a nossa dificuldade de assumir uma responsabilidade inexorável que é exercer a liderança na América do Sul. Para exercer a liderança, é necessário primeiro demonstrar capacidade. Segundo, demostrar vontade; e terceiro, ser capaz de inspirar e de mostrar um caminho para o futuro.

Liderança
É muito impressionante quando vemos um militar argentino reclamar de nós, por não assumirmos a liderança na América do Sul. E esse sentimento, as relações militares, com muita frequência expresso, porque os países sul-americanos sabem que a alternativa que eles têm é de se agregar a um grande projeto de desenvolvimento do Brasil, caso contrário serão, estaremos sempre periféricos e não há absolvição para isso.

Nós somos o único grande país não beligerante, poderemos tirar talvez a Austrália, mas todos os demais grandes países são beligerantes. Então, o lado ruim de uma coisa boa, e importante: nos falta esse sentimento de um projeto nacional. E quando vejo essas discussões, em relação à crise que nós vivemos e a busca de caminhos, a minha impressão é que elas são superficiais. Carecem de profundidade e carecem de uma multidisciplinaridade necessária para a mudança da nossa realidade. Em relação a um projeto nacional, o país, o Brasil pela sua dimensão, pelas características que tem, ele não pode prescindir de uma ideologia que lhe dê um caminho, não estou me referindo a ideologia política.

O Brasil foi da década de 1930 à década de 1950 o país do mundo, ou um dos países do mundo que mais cresceu, havia uma ideologia de desenvolvimento, havia um sentido de projeto, havia um ufanismo, os mais velhos vão lembrar da década de 1960 vivendo lá o momento Juscelino, Brasília sendo construída, aterro do Flamengo, aterro de Copacabana, campeão do mundo de futebol, campeão do mundo de basquete, Maria Esther Bueno no tênis, Eder Jofre no boxe, enfim, havia um ufanismo e um otimismo muito grande. Éramos o país do futuro.

Cometemos o erro de, durante a Guerra Fria, permitir que a linha de fratura passasse por dentro e dividisse a nossa sociedade, foi aí que perdemos o sentido de coesão, perdemos essa ideologia do desenvolvimento, sentido de projeto, ficamos um país à deriva. Extremamente perigoso, como disse, pela nossa dimensão, pela nossa estrutura, porque as forças centrífugas estão se fortalecendo e corremos o risco de uma fragmentação, se não uma fragmentação territorial, mas já está a caminho uma fragmentação social. Nesse período, permitimos incorporar ideologias, aliás, dizem que, quando as ideologias ficam velhas, elas se mudam para a América do Sul. E incorporamos tanto ideologias políticas como ideologias sociais que estão nos desfigurando como nação e alterando a nossa identidade.

E há uma tendência no nosso país de todos os problemas serem transformados em ideologias. Quando isso acontece, se perde a visão de resultado e o foco fica sendo na aplicação da ideologia e não no que se pretende buscar como solução.

Isso gera um mais do mesmo, vejam que quanto mais ambientalismo mais problemas ambientais temos. Quanto mais indigenismo, coitados dos nossos índios, mais são relegados ao abandono. Quanto mais luta contra o preconceito racial, mais racialismo. O ministro Aldo Rebelo diz que nós éramos um país de mestiço e estamos nos transformando em país de brancos e pretos. Quanto mais luta ou quanto mais se discute as questões de gênero, mais preconceito nessa área se verifica e por incrível que pareça, até mesmo, está surgindo no nosso país intolerância religiosa.

O que me parece, contudo, é que por trás disso tudo está a nossa falta de disciplina social e a falta de limites que vem desde as carências da nossa educação. Então, essa essência é a causa principal de tudo que tem acontecido, nós perdemos até mesmo, os juristas aqui sabem, conhecem muito melhor do que eu que ínsito da presunção da autoridade, da autoridade presumida.

Nós perdemos até mesmo isso, é autoridade que automaticamente está investindo numa professora quando entra numa sala de aula, é uma autoridade necessária fazer com que aquele universo funcione adequadamente. Autoridades que você reconhece mais como um guarda de trânsito, ou se não, não se reconhece a um motorista de um ônibus, de um coletivo, enfim, então essa falta de limites mostra estar fazendo com que a nossa sociedade vá se desagregando paulatinamente e eu acho muito impressionante a passividade com que assimilamos essas ideologias.

Leonardo Boff
Do ponto de vista político, o frei Leonardo Boff deu uma explicação, muito simples e claro, ele disse que combater o capitalismo com base na luta de classe traz em si um problema, uma desvantagem porque coloca as classes em oposição, mas combater o capitalismo com base nessas ideologias, principalmente no ambientalismo, faz com que todas as classes se coloquem do mesmo lado e entrem em consonância.

Mas a inteligência brasileira não tem percebido é que depois do processo de descolonização — em que os países não têm mais liberdade de ação de exercer seu imperialismo por meio das Forças Armadas no setor — o fazem por meio dessas ideologias, instrumentalizadas pelos organismos internacionais, por organizações não governamentais e assim eu acho curioso que a parcela mais à esquerda do nosso espectro político incorporou totalmente esse novo imperialismo. Imperialismo do final do século XX, do início do século XXI e nós somos de uma passividade incrível, porque temos 80% da Amazônia preservada e admitimos levar lições de países que têm 0,3% das suas florestas originais. A média mundial de preservação das florestas mundiais é de 25%, aproximadamente.

Então, o Brasil não pode e não precisa e não deve aceitar lições de quem quer que seja, como aquele episódio em que a primeira ministra da Noruega cobrou do nosso presidente, em razão de a Noruega ter doado R$ 1 bilhão para a preservação da Amazônia.

Vou contar um episódio pitoresco, eu era comandante militar da Amazônia e indo realizar uma grande operação de fronteira e antes eu determinei que se realizasse uma operação de inteligência. Me liga muito afobado um comandante do Batalhão de Selva de Barcelos dizendo que estava na aldeia ianomâmi Demini e lá encontrou o rei da Noruega. Eu falei, 'ô, coronel, você está com algum problema' — ainda brinquei com ele — 'o senhor fumou tóxico vencido, por que é que o rei da Noruega está na aldeia Demini, área ianomâmi?'. 'General, o rei da Noruega está aqui'.

Eu fui ao ministro, que na época era o ministro Celso Amorin, ministro da Defesa, ele questionou o Itamaraty. Realmente, a visita era decorrente de um acordo sigiloso, o Ministério da Justiça, Funai, Itamaraty, e o rei da Noruega estava na área Ianomâmi. Então a nossa paciência...

Quando estava em votação pelo STF a demarcação da Raposa Terra do Sol lá em Roraima, o príncipe Charles veio à Amazônia, veio ao Brasil, não é? Então, esse assunto, enfim, é um tema que se pode discorrer muito, mas estou apenas usando para exemplificar a nossa passividade. Isso fez com que permitíssemos um déficit de soberania em relação ao nosso território. Vejo que agora o governo quis regulamentar a exploração daquela reserva extrativista lá no Pará e foi, isso gerou imediatamente uma campanha internacional. Então, hoje o Brasil não tem liberdade de ação para uso dos seus recursos naturais. E a Amazônia ela tem a princípio três papéis a cumprir para o Brasil. O primeiro decorre dos recursos naturais que ela tem, o levantamento mais abrangente que eu vi até hoje fala em 23 trilhões de dólares, o segundo diz respeito ao que, do ponto de vista geopolítico, a Amazônia, a Pan-Amazônia abrange nove países e ela, e todas as Amazônias, elas são extremamente semelhantes tanto do que diz respeito ao potencial, quanto no se refere aos problemas que ela apresenta.

Amazônia
E ela, para o Brasil, é uma enorme oportunidade de promovermos a integração e assumirmos a liderança da América do Sul. E terceiro é o grande apelo internacional que a Amazônia apresenta, água, energia renovável, produção de alimentos, mudança climática, biodiversidade, enfim, e por isso ela tem um apelo tão grande perante a opinião pública internacional e de certa forma a Amazônia em relação ao Brasil é vista mais ou menos como o Tibet em relação a Índia, então é uma tarefa urgente que Brasil tem que realizar, porque até hoje nós não temos uma política para Amazônia, não temos um órgão de qualquer natureza, um ministério, uma agencia reguladora, seja lá o que for para coordenar as ações na Amazônia e o que se faz na Amazônia é muito mais baseado, tem muito mais o caráter repressivo do que apoio a sociedade e promoção do desenvolvimento com proteção ambiental. Qualquer ação da Amazônia como diz, tem que ser multidisciplinar, ela tem que conter vetores sociais, ambientais, de conhecimento, de ciência e tecnologia, econômicos e logicamente de defesa e de segurança, então são os papéis que a Amazônia tem para desempenhar.

Dado esse quadro geral, mais com um caráter geopolítico do nosso país, como disse, é difícil tratar de defesa no Brasil e fazer com que a defesa tenha o reconhecimento merecido, e nós tivemos sempre séries orçamentárias muito baixas e mais grave do que isso ainda, vem da imprevisibilidade dos orçamentos, para nós é muito mais importante a regularidade a previsibilidade do que o montante propriamente dito, que nós possamos receber. E eventualmente se vê discussões em função daquele aspecto que eu destaquei, da falta de percepção, da importância da defesa, às vezes até isso atualmente não tem sido comum, mas se discute até mesmo a necessidade de força armada, porque se justifica, como justificar as Forças Armadas? Forças Armadas são instituições permanentes, conforme consagra o artigo 142 da Constituição, que diz que as Forças Armadas são instituições nacionais permanentes vem daquele aspecto da construção da nacionalidade e quando se consolida o sentimento de nação já há ali um embrião da força armada e, quando se adquire independência, a força armada já está presente.

Vejam que esse processo é universal, quase todos os países do mundo têm, como os grandes líderes Wolts, pais da pátria, figura de generais aqui na América do Sul é típico, né? Temos aí San Martín, Bernardo O'Higgins, Bolívar, Artigas e outros, nós não temos porque nosso processo de independência é realmente muito peculiar. Mas é importante então que a defesa seja entendida pelo que podemos chamar de valores, perdão, funções da defesa, isso não é uma condição acadêmica, mas decorre da percepção da realidade.

Numa simplificação, podemos considerar quatro funções, a primeira e a função primordial da defesa é dissuasão, de exercer a capacidade dissuasora, a dissuasão não é um fim em si mesmo ela se insere junto com outros fatores como o poder econômico, como a vontade política, como a ação da diplomacia para que se obtenha a liberdade de ação necessária ao país agir de acordo com os seus interesses exercer a liderança que pretender. Nós temos o exemplo, um contemporâneo, as consequências da perda de capacidade de dissuasão foi o que aconteceu com a Otan em relação à Rússia, o que fez com que a Rússia tivesse liberdade de ação, para agir e fazer o que fez na Ucrânia, por exemplo, e o que está fazendo na Síria. O resultado é que a Otan recomendou aos países membros que elevem de 1,5% para 2% dos Pipas, os gastos com defesa. E a história é repleta de exemplos de países que viveram situações até extremamente graves, catastrófica em função de perda da capacidade de dissuasão. Nós temos a capacidade dissuasória assegurada na América do Sul, mas não ainda internacional, e precisamos fazer, daí a importância dos projetos em andamento, como, por exemplo, submarino nuclear da Marinha, os caças, os gripen da Força Aérea, a força de blindados do Exército, a nossa força de mísseis e foguetes, enfim, tão logo consolidamos esses projetos teremos adquirido essa capacidade de dissuasão, que nos permitirá voltarmos com mais liberdade de ação para dentro de nós mesmos e para a América do Sul.

Defesa
O segundo aspecto, a segunda função da defesa, e as Forças Armadas, aí em especial o Exército, pela capilaridade, eles são guardiões da identidade nacional. Essa, e aí já me referi a esse processo que estamos vivendo, que pode levar a uma perda dessa identidade, nós perdemos a nossa essência e as Forças Armadas pelo processo que me referi, da formação da nacionalidade, elas são de certa forma, guardiões desse, até mesmo dos valores nacionais. Isso tem se refletido, por exemplo, em setores que demandam uma intervenção militar. A pesquisa indicou que 43% da população brasileira pede uma intervenção militar, isso na minha opinião é um termômetro da gravidade do problema que estamos vivendo no país. Uma intervenção militar seria um enorme retrocesso hoje, mas na verdade interpreto também aí como uma identificação da sociedade, os valores que as Forças Armadas expressam, manifestam e representam. E as pesquisas de opinião mostram também que, invariavelmente, as Forças Armadas estão em primeiro lugar no índice de credibilidade perante a sociedade.

O terceiro papel da defesa e das Forças Armadas é contribuir para o desenvolvimento nacional, faz parte da indução do desenvolvimento. Nós temos alguns dados aqui, e a nossa indústria de defesa hoje ela movimenta 3,7 % do PIB, ela gera 60 mil empregos diretos e 240 mil empregos indiretos, o movimento é de mais ou menos R$ 200 bilhões por ano, e todos os países desenvolvidos, nenhum país chegou ao primeiro mundo importando produtos de defesa. E todos eles têm a estrutura de defesa com um forte componente de indução do seu desenvolvimento econômico e também com muita relevância na área de ciência e tecnologia, já que as tecnologias são duais, qualquer tecnologia desenvolvida na área de defesa assistente a outras áreas. Segundo a Fipe, cada real investido em programas de defesa gera um multiplicador de 9,8 em relação ao PIB, então eu vejo que realmente se trata de um grande investimento.

E passando ao último fator, ou a última função da defesa, é a de que as Forças Armadas devem hoje atender às demandas da população, assim é que, como disse, as Forças Armadas hoje não devem se limitar apenas a se preparar para fazer face ao inimigo, ela tem que atender a qualquer necessidade, assim é que, por exemplo, hoje, um dia como hoje o Exército está participando de 58 operações de natureza variadas no território. Temos hoje 3.100 militares atuando, operando nesse momento. E aí nós temos operações de apoio a órgãos governamentais, a área ambiental, a área indígena, na área de saúde, os programas de combate a proliferação dos mosquitos, da zika, chikungunya etc. Temos operações de fronteira permanentemente em realização, temos as operações de garantia da lei e da ordem, como está em andamento aqui no Rio de Janeiro e a que realizamos recentemente no Rio Grande do Norte, aliás em um ano e meio fomos empregados três vezes no Rio Grande do Norte, e nesse espaço de tempo não houve nenhuma modificação estrutural no sistema de segurança pública naquele estado, e nós sabemos que logo seremos chamados a intervir novamente. Temos operações de defesa civil, por exemplo, distribuímos água a 4 milhões de habitantes do polígono da seca no Nordeste, fazemos isso, senhoras e senhores, há 14 anos já. O governo despende, mais ou menos, R$ 1 bilhão por ano nesse programa emergencial, 14 anos, já são lá R$ 14 bilhões, poderiam ter sido empregados em obras estruturais para modificar aquela realidade, e assim, enfim, permanentemente somos empregados.

No ano passado, 2017, tivemos 507 operações, com mais de 130 mil militares sendo empregados. Então vejo que as Forças Armadas exigem sistemas de proteção social particulares, peculiares, para que se tenha sempre uma instituição para ser empregado a qualquer momento, em qualquer local, e por um tempo indefinido.

Então, essas quatro funções da defesa precisam ser inseridas nesse sentido de projeto que nós urgentemente temos que desenvolver. Eu espero que na campanha eleitoral deste ano nós consigamos colocar esses temas em discussão junto com outros temas de Estado, e já estamos até, confesso, trabalhando, fazendo contato com os candidatos já, mais ou menos, consolidados e oferecendo até consultoria e ajuda para que eles trabalhem nesse sentido.

Então esse era um dos aspectos que eu queria apresentar aos senhores, agradeço pela oportunidade e pela paciência de me ouvir.

Muito obrigado."


O Estado de S.Paulo: ‘Pôr Forças Armadas nas ruas é dar férias para bandidos’, diz Jungmann

Para ministro, modelo de uso das tropas federais adotado na ocupação do Complexo do Alemão ficou no passado

Por Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - O modelo das Forças Armadas ocupando uma área, como o Complexo do Alemão ou da Maré, está enterrado. Ao menos na atual gestão. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os militares continuarão a atuar “sob demanda”, usando seu grande contingente para o cerco de áreas em apoio às polícias e na área de inteligência. O modelos anterior, segundo ele, tinha como único resultado “dar férias para os bandidos”. Aqui ele faz seu balanço sobre o uso das ações dos militares em missões de Garantia de Lei e Ordem no País.

Há um crescimento de década para década da participação das Forças Armadas em ações contra o crime organizado nos Estados. Essa tendência é sustentável a longo prazo, ministro?

O que eu tenho observado é que predominam no caso das GLOS as ações ligadas à greve de polícia, que é uma questão de segurança pública, e de combate à violência urbana. Somando os dois dados chega-se a 36% (o ministro refere-se à consolidação dos dados feitos pelo Ministério da Defesa), o que representa a emergência na área da segurança pública do País nas últimas duas décadas. Representa também uma opção do constituinte, que deixou 80% das responsabilidades da segurança pública com os Estados. A União ficou com 20%, com o combate ao tráfico internacional de drogas e armas. E não se criou nenhum corpo intermediário entre as Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas situações extraordinárias, excepcionais, aonde você tem a falência ou incapacidade dos governos estaduais de manter a segurança. O que eu quero dizer com isso? Estou pensando no s Estados Unidos, que tem a Guarda Nacional que é exatamente esse corpo que desempenha esse papel.

O senhor quer dizer que não existe uma Polícia Militar Federal?

O que nos temos é um arremedo, que a Força Nacional, que cumpre sua função, mas precisa ser permanente, se não você tem a banalização da GLO. E essa banalização da GLO não é boa para s Forças, e não é boa para o próprio país. Por ela ser extraordinária, localizada no tempo e no espaço, e limitação que você tem . As forças armadas não tem capacitação e treinamento e muito menos vocação para substituir as polícias. Sem nenhum demérito ao papel e as importante que têm as polícias, mas a formação do militar é para a defesa da soberania nacional.

O senhor quer dizer que não se pode vulgarizar esse emprego?

Evidentemente não é conveniente.

Por exemplo, empregar as Forças Armadas para revista em presídios, como está sendo feito? Certamente quando se criou o modelo de GLO não se pensava que a falência na área de segurança chegasse ao ponto de exigir a presença do Exército para revistar penitenciárias, não é?

Vou lhe dar um dado que corrobora isso que você está dizendo. Um em cada três presos – e nós já fizemos mais de 30 varreduras – está armado. Ou seja os nossos presídios e penitenciárias são peneiras e são home office do crime organizado. Esse é um dos problemas centrais da nossa segurança: nós não somos capazes de cortar o comando de quem está preso e, aliás, grande parte dessas gangues surgiram no sistema penitenciário, que é uma espécie de incubadora do crime organizado. Marcinho VP está há 15 anos em Mossoró e continua mantendo o controle sobre sua organização. Marcola está mais ou menos o mesmo tempo preso. Ele mantém a estrutura e há uma não disposição de enfrentar esse problema. O que você verifica é que essa não é uma atribuição das Forças Armadas. Mas as Forças Armadas no Brasil cumprem funções extra centrais. É segurança difícil encontrar outras Forças Armadas que cumpram tantas funções.

Não se corre o risco de uma mexicanização?

Não vejo isso. No caso específico do México foi feito uma atribuição para as Forças Armadas de combate ao crime organizado. Eu não acredito que se passe isso, embora exista o desejo. De um lado o País não se sente ameaçado. A elite brasileira se desobrigada de pensar e se preocupar sobre o Exército, não entendendo que se você cai abaixo de um certo limite de dissuasão as ameaças aparecem e elas obstruir, constrangem o País. Isso faz com que a elite – e aqui falo também da elite congressual – ela se desobriga de entender e aplicar na questão da defesa. Mas isso não quer dizer que você pode chegar onde o chegou o México. Primeiro porque temos uma grau de profissionalização das nossas Forças Armadas e de formação entre as melhores do mundo. Podemos não ter os equipamentos, mas em termos de formação nós temos. E isso eu diria é um obstáculo praticamente intransponível para você a leve a exercer esse tipo de papel. E em segundo lugar eu não acredito que tenhamos a capacidade de colocar em risco esse profissionalismo e capacidade dissuasória aplicando forças armadas de forma permanente, até porque seria extremamente nocivo como já demonstraram outros países, particularmente o México. É algo que ninguém se dispõem a passar, Estive no México recentemente. E me disse o nosso embaixador lá que você tinha 3 mil desaparecidos e um elevado grau de deserção nas forças armadas. Então, isso aí é o cabe evitar a todo custo. O problema da segurança nós não vamos resolver na Defesa, nós vamos resolver na segurança e temos de enfrentá-lo. Não vai ser fazendo uma transposição que vamos resolver. è capaz de um problema passemos a ter dois grandes problemas. Então isso de fato é algo que não pode e nem deve acontecer.

O senhor percebe o desejo de governos estaduais de transmitir o ônus da segurança pública para o Exército?

É uma tentação. É uma tentação porque governos estaduais com a crise fiscal - tem estado que pede GLO e há 12 anos não faz concurso para a polícia -, com sistemas prisionais saturados e convivendo com problemas de opinião pública, é evidente que é uma tentação de usar as forças armadas. Se nós vamos como é o objeto do desejo que é por as forças armadas policiamento as ruas, eu quero dizer que isso isoladamente é dar féria aos bandidos. Quando você põe as tropas nas ruas, o crime se retrai. Porque ele sabe que nós não podemos ficar lá muito tempo. Seja porque ele sabe que a lei não permite, seja porque é muito caro. Quando nós saíamos, eles voltam. Ou seja, você não golpeia a capacidade operacional do crime.

Ao mesmo tempo os Estados se sentem desobrigados...

Claro que há uma certa desobrigação. De fato isso se comprovou. Nós tivemos durante um bom tempo no Alemão e na Maré, As quadrilhas saíram, ganhamos a confiança das comunidades, mas como o Estado não entrou fazendo a complementação social disso: emprego, renda, saúde e educação, quando nós saímos tudo voltou a ser como antes. E os militares se sentem nesse sentido, corretamente, usados. Pois fizemos todo o trabalho, o trabalho mais duro, mas não houve complementação. O sentimento é que nós enxugamos gelo. Nós cumprimos missão, mas não fizeram outra parte. O custo no Alemão foi de R$ 400 milhões, praticamente R$ 1 milhões por dia para depois olhar para esse resultado e não trazer o esperado, isso reforça a percepção no interior das forças e também de nós é que nós podemos ter um papel coadjuvante, de apoiar, mas nós não vamos assumir o combate à criminalidade. Às vezes escuto: ‘Por que vocês não subiram na Rocinha e fizeram o combate ao crime? Porque se nós subíssemos para valer e fizemos o combate, de acordo com é treinado e com a capacidade do Exército, nós poderíamos destruir a Rocinha e isso ninguém quer. Poderíamos gerar um número tal de mortes que jamais poderia ser assumido por um exército nacional.

Qual será então o papel das Forças Armadas nessas ações?

Então, o papel, nós estamos atuando no Rio de Janeiro dentro da seguinte lógica: nós não ocupamos permanentemente nenhuma área. Segundo: nós atuamos por demanda, em apoio às forças policiais que lideram o processo. Então por exemplo, você tem uma comunidade. Nosso papel e de fechar, de blindar. Só nós temos massa para fechar por exemplo todas as entradas e acessos de uma grande comunidade como a Rocinha, que tem 80 mil pessoas. Isso libera o pessoal lá dentro para fazer busca e apreensão. Terceiro nos atuamos integradamente por meio da inteligência e estamos a à disposição para fazer varreduras e apoio logístico. Isso decorre da compreensão de que a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a infecção. A infecção tem de ser combate com a inteligência, com os policiais e a capacidade do Judiciário. E nós não somos agentes para fazer isso. Por isso no início gerou tanto confusão e tanto desentendimento. Mas quem lidera o processos soa as polícias e por isso as polícia precisam ter reforçar. Precisam terem melhores condições de trabalho e salário, precisam ter um sistema de correição que elimine os ligados ao crime organizado e os que estão de alguma forma ligadas à corrupção e precisam ser despolitizadas. Essas são as questões centrais.

 


Ruy Fabiano: A gangorra do destino

Lula e Jair Bolsonaro, os dois fenômenos contemporâneos da política brasileira – um em declínio, outro em ascensão -, foram forjados por vias opostas, que, no entanto, os levaram a resultado equivalente: tornaram-se lideranças populares e populistas, quebrando convenções, protocolos e padrões de conduta do meio.

A semelhança finda aí. Lula teve, desde o início, ainda na década dos 70, trajetória marcada pela simpatia da mídia, dos artistas e intelectuais, que, em conjunto, compuseram um personagem romanesco: o retirante que vence barreiras sociais e, de líder operário, chega a chefe de partido e presidente da República.

Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, protagonizou narrativa inversa, marcada por vaias, insultos e processos judiciais. O mesmo universo que incensou Lula depreciou-o num grau extremo, que o tornou uma espécie de anticristo da política brasileira.

Nazista, fascista, homofóbico, racista, machista são apenas alguns dos apodos com que foi brindado ao longo de sua carreira.

Nada indicava que tal trajetória desembocaria em popularidade. Desde sua matriz profissional, colecionou problemas. Em 1986, capitão do 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, foi preso por quinze dias após publicar artigo na revista Veja, reclamando dos salários dos militares.

A mesma postulação o levaria, um ano depois, a se meter em outra encrenca, acusado de participar de ação subversiva que previa até o uso de bombas nos quartéis. Foi absolvido pelo STM, mas a agitação que provocou comprometeu sua carreira.

Estava mais para sindicalista que militar. Como sua categoria não é sindicalizável, migrou diretamente para a política em 1988, passando à reserva do Exército. Elegeu-se vereador no Rio de Janeiro – e, desde então, não mais cogitou em voltar ao quartel.

Jamais, porém, perdeu os vínculos com seus antigos companheiros de farda e deve em parte a eles as sucessivas reeleições à Câmara. Foi sempre o candidato da Vila Militar do Rio.

Aos 62 anos – é dez anos mais novo que Lula -, está no seu sexto mandato de deputado federal. Sua carreira parlamentar não foi mais tranquila que a militar. Pelo contrário, teve ali espaço para dar expansão a um temperamento impulsivo e explosivo, que não mede palavras, o que o levou a colecionar inimigos e processos.

É classificado ideologicamente como de direita; Lula como de esquerda. Mas ambos frequentemente violam as respectivas ortodoxias e escandalizam os próprios seguidores. Lula já elogiou o governo Médici, enquanto Bolsonaro certa vez elogiou Hugo Chávez.
Seus aliados, no entanto, absorvem essas heresias em nome de um culto que está para além do meramente racional.

As mutações do Brasil, a partir da Era PT, em 2003, inverteriam o destino de ambos. Lula encontrou-se com a vaia e a desonra, enquanto Bolsonaro passou a conhecer o aplauso e a admiração. A chave dessa mudança é uma palavra simples, historicamente corrente na política brasileira: corrupção.

No poder, Lula, que construiu sua ascensão a partir de um discurso fortemente moralista (Brizola chegou a chamá-lo de “a UDN de macacão”), associou-se a ela de tal modo que hoje, além de condenado em um processo, é réu em mais seis.

Tenta se defender acusando a Justiça de criminalizar a política, mas o que faz, na prática, é investir na politização do crime. “O que o PT fez é o que todos fazem”, disse certa vez, como se a vulgarização de um delito o revogasse. Como Sérgio Cabral, quer rebatizar a corrupção, chamando-a de “contribuição de campanha”.

Corre o risco de findar sua carreira na cadeia - e não só ele, mas correligionários e aliados, e até os que posavam de adversários, como o PSDB. Todos, em graus variados, estão hoje às voltas com a Lava Jato. E foi exatamente esse o universo político que se opôs desde o início a Bolsonaro e lhe esculpiu a imagem de pervertido.

O strip-tease moral dos adversários inverteu a equação, conferindo ao capitão da reserva – e pré-candidato à Presidência da República - foros de herói político. É, de fato, um dos raros parlamentares ficha limpa no atual Congresso, condição ressaltada até por gente que nenhuma afinidade ideológica tem com ele, como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, ao tempo do Mensalão.

Bolsonaro hoje é saudado triunfalmente onde chega. Na quinta-feira, uma multidão paralisou o aeroporto de Manaus para recebê-lo. Tem sido uma rotina. Sua crescente popularidade, atestada em pesquisas, associa-se à sua origem militar e, segundo recente manifestação do general Mourão, é bem vista nos quartéis.

Honestidade, matéria escassa na vida pública, converteu-se em patrimônio político, capaz de compensar limitações e deficiências de outra ordem. Foi por essa via que Lula ascendeu - e, ao profaná-la, caiu. Na gangorra da política, está neste momento no chão, enquanto seu antípoda, Bolsonaro, o contempla do alto.

 

 

 

 

 


O Estado de S. Paulo: Exército destitui general que criticou governo Temer do cargo de secretário

Militar, secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, havia afirmado que presidente Temer faz do governo um 'balcão de negócios'

Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Exército comunicou neste sábado ao ministro da Defesa, Raul Jungmann, a destituição do general Antonio Hamilton Mourão do cargo de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército depois que ele afirmou que o presidente Michel Temer faz do governo um “balcão de negócios” para se manter no poder.

Mourão vai ficar sem função à espera do tempo de ir para reserva, em março de 2018. Para o lugar dele, o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, indicou o general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira.

Em palestra a convite do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), no Clube do Exército, em Brasília, na quinta-feira, o general Mourão elogiou a pré-candidatura presidencial do deputado e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Também voltou a fazer uma defesa da intervenção militar como solução para a crise política no Brasil.

“Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa Sarneyzação (em referência ao ex-presidente José Sarney). O nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato”, disse o general.

Em setembro, Mourão falou três vezes na intervenção militar enquanto proferia uma palestra na Loja Maçônica Grande Oriente, também em Brasília: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Apesar da repercussão negativa, o ministro da Defesa e o comandante do Exército acertaram que não haveria punição ao oficial. No governo Dilma Rousseff, ele fez críticas à então presidente e perdeu o comando direto sobre tropas do Sul, passando a ocupar o cargo atual de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, de ordem administrativa.

O militar foi questionado sobre o que e o alto generalato pensavam sobre a pré-candidatura do deputado Bolsonaro. Mourão respondeu em sinal de apoio ao parlamentar, que saiu em sua defesa quando ele proferiu a palestra em setembro e escapou de punição.

“O deputado Bolsonaro já é um homem testado, é um político com 30 anos de estrada, conhece a política. E é um homem que não tem telhado de vidro, não esteve metido aí nessas falcatruas e confusões. Agora, é uma realidade, já conversamos a esse respeito, ele tem uma posição muito boa nessas primeiras pesquisas que estão sendo feitas, ele terá que se cercar de uma equipe competente, ele terá que atacar esses problemas todos, não pode fazer as coisas de orelhada, e obviamente, nós seus companheiros dentro das Forças olharmos com muito bons olhos a candidatura”, declarou.


O Estado de S. Paulo: General acusa Temer de fazer balcão de negócios, elogia Bolsonaro e volta a defender intervenção

'Presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato', diz Mourão

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O general da ativa Antônio Hamilton Martins Mourão afirmou que o presidente da República, Michel Temer, faz do governo um balcão de negócios para manter-se no poder e elogiou a pré-candidatura presidencial do deputado e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSC-RJ). A Constituição estabelece que as Forças Armadas são, em última instância, subordinadas ao presidente. Ele também voltou a fazer uma defesa da intervenção militar como solução para a crise política no Brasil durante palestra proferida nesta quinta-feira, em Brasília.

“Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa Sarneyzação (em referência ao ex-presidente José Sarney). O nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato”, disse o general.

Em setembro, Mourão falou três vezes na intervenção militar enquanto proferia uma palestra na Loja Maçônica Grande Oriente, também em Brasília: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Apesar da repercussão negativa, o ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS), e o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, acertaram que não haveria punição ao oficial. No governo Dilma Rousseff, ele fez críticas à então presidente e perdeu o comando direto sobre tropas do Sul, passando a ocupar o cargo atual de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, de ordem administrativa.

Na quinta-feira, Mourão discursou a convite do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma). Gravações da íntegra da palestra foram divulgadas na internet por grupos de direita defensores de uma intervenção das Forças Armadas.

“Se o caos for ser instalado no País, e o que a gente chama de caos, não houver mais um ordenamento correto, as forças institucionais não se entenderem, não chegarem a uma conclusão daquilo que tem que ser feito, terá que haver um elemento moderador e pacificador nesse momento, atuando exatamente dentro dos três pilares que foram colocados pelo nosso comandante. Mantendo a estabilidade do País e não mergulhando o País na anarquia, agindo dentro da legalidade, ou seja, dentro dos preceitos constitucionais e dos nossos objetivos nacionais permanentes e usando a legitimidade que nos é dada pela população brasileira”, afirmou.

O militar foi questionado sobre o que e o alto generalato pensavam sobre a pré-candidatura do deputado Bolsonaro. Mourão respondeu em sinal de apoio ao parlamentar, que saiu em sua defesa quando ele proferiu a palestra em setembro e escapou de punição.

“O deputado Bolsonaro já é um homem testado, é um político com 30 anos de estrada, conhece a política. E é um homem que não tem telhado de vidro, não esteve metido aí nessas falcatruas e confusões. Agora, é uma realidade, já conversamos a esse respeito, ele tem uma posição muito boa nessas primeiras pesquisas que estão sendo feitas, ele terá que se cercar de uma equipe competente, ele terá que atacar esses problemas todos, não pode fazer as coisas de orelhada, e obviamente, nós seus companheiros dentro das Forças olharmos com muito bons olhos a candidatura”, declarou.

Ao falar sobre cenários de ameaças transnacionais à estabilidade do País, Mourão disse que o Brasil tem um “povinho meio complicado” e fez uma crítica geral à classe política. Ele também condenou tentativas de mudança de regime em momentos de “instabilidade”. O presidente Temer defende a troca do presidencialismo para o parlamentarismo ou semipresidencialismo.

“Os políticos são escravos das pesquisas de opinião, sem compromisso com ideologia, ressalvado aquele núcleo duro ainda está no século 19, no manifesto comunista. Os conceitos de esquerda e direita estão abraçados na corrupção. Temos ladrões de esquerda e ladrões de direita”, disse. “Instabilidade dos regimes Toda hora vamos trocar o regime para ver se o Brasil melhora.”

Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República não se manifestou a respeito das declarações do general e disse que o governo ainda não havia tratado do caso.

 


Ruy Fabiano: A voz dos quartéis

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, há nove dias em um périplo pelo Oriente Médio, desembarca hoje em Brasília no bojo de uma crise militar, que poderá adquirir proporções delicadas.

Terá de decidir se punirá ou não o general Hamilton Mourão, de quatro estrelas, secretário de Economia e Finanças do Exército e integrante de seu Alto Comando. Mais que isso, Mourão é uma liderança, que se tornou uma espécie de ícone dos que postulam uma intervenção militar como saída para a crise política.

Ele próprio jamais fez apologia explícita da intervenção, mas já emitiu, mais de uma vez – e mais que qualquer outro oficial da ativa -, sinais da insatisfação militar em face do quadro político.

Voltou a fazê-lo quinta-feira passada, no Clube do Exército, quando comparou o governo Temer ao governo Sarney, pelo recurso sistemático ao fisiologismo parlamentar, em busca de chegar, “aos trancos e barrancos”, à conclusão do mandato. E manifestou simpatia à candidatura Bolsonaro, reiterando que “é um dos nossos”.

Em setembro, o general fizera o mesmo, em palestra numa loja maçônica, em Brasília, quando disse que, se a Justiça não cuidasse de enquadrar os políticos corruptos, “nós teremos que impor isso”, o que foi interpretado como ameaça de intervenção militar.

Não foi punido na ocasião, não obstante protestos de políticos, sobretudo da esquerda, e do próprio ministro da Defesa. Mas o comandante do Exército, general Villas-Boas, preferiu contornar a situação numa conversa pessoal, recusando-se a puni-lo.

Se o fizesse, não seria a primeira vez. Mourão, no governo Dilma, ao se manifestar criticamente sobre política, foi transferido do poderoso Comando Militar do Sul para a Secretaria de Economia e Finanças, em Brasília, uma função burocrática.

A mudança não abalou o seu prestígio interno. De certa forma, aumentou-o, pela audácia de ter vocalizado um sentimento hegemônico nos quartéis – e também entre os oficiais da reserva. Continuou a ser cortejado não apenas por seus colegas de Estado Maior, mas também por grupos civis intervencionistas.

As críticas que fez e faz ao quadro político e aos seus mais destacados protagonistas são até amenas, se comparadas ao que circula na mídia, nas ruas e no próprio Parlamento.

A diferença é que é um oficial da ativa, no mais alto posto da carreira, rompendo um silêncio institucional que se estabeleceu há 32 anos, com o advento da Nova República.

Nem mesmo quando o PT instituiu a Comissão da Verdade, nos governos Lula e Dilma, expondo ao julgamento moral (já que não tinha efeito jurídico) alguns oficiais que atuaram na repressão política no curso do regime militar, os quartéis se manifestaram.

O general Mourão é o primeiro a fazê-lo. Sua análise conjuntural, em síntese, mostra o país numa situação de degradação política, moral e institucional, em que o colapso da segurança pública e a falta de resposta da Justiça ameaçam levar o país ao caos.

A passividade do Estado diante de ações cada vez mais violentas de grupos armados, como o MST, destruindo não apenas propriedades privadas, mas redes elétricas e serviços públicos de infraestrutura, é um sinal de que não está dando conta da manutenção da lei e da ordem.

E aí entra em cena uma discussão a respeito do artigo 142 da Constituição, que diz que “as Forças Armadas (...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Segundo alguns, a intervenção estaria subordinada à iniciativa de um dos três Poderes, mas, segundo outros, à frente dos Poderes, estaria a “defesa da Pátria”, a garantia da lei e da ordem.

O general Mourão parece alinhar-se a essa segunda interpretação, ao sustentar que, diante do caos – “ou mesmo nos antecipando a ele” -, será inevitável agir. Daí a lógica das “aproximações sucessivas” que, segundo ele, poderão desembocar na desordem e numa intervenção, que ele diz não desejar.

Nesse sentido, menciona, entre outras coisas, as dificuldades da Justiça em relação à punição dos corruptos graduados; o cipoal das leis processuais, “que precisam ser revistas”, pois estabelecem a impunidade; a ação do narcotráfico; e a presença criminosa em instâncias da administração pública, de que o Rio de Janeiro é o exemplo mais eloquente – mas nem de longe o único.

Nada do que disse é fictício, inédito ou exagerado, mas, dito por um militar graduado da ativa, tem gravidade diferenciada.

Jungmann é o primeiro ministro civil, desde que o Ministério da Defesa foi criado, no governo FHC, a lidar com uma crise militar, que não poderá resolver sem a intermediação do general Villas-Boas, comandante do Exército, que já manifestou anteriormente sua amizade e admiração pelo general Mourão.

* Ruy Fabiano é  jornalista

 

 


El País: O que o Exército está insinuando sobre as eleições?

Comandantes militares pediram um ambiente de tranquilidade política que permita a realização de “um processo eleitoral tranquilo”

Juan Arias

Os comandantes militares exortaram à criação no país de um ambiente de tranquilidade política que permita, ano que vem, a realização de “um processo eleitoral tranquilo”, de acordo com um documento ao qual o jornal Folha de S. Paulo teve acesso. O que a cúpula do Exército está insinuando? Freud alertou que as palavras podem indicar mais do que expressam, porque revelam nosso subconsciente. E não é preciso ser um especialista em semiótica para saber ler o que está implícito na linguagem. Por isso, é importante entender o que os militares entendem por eleições “tranquilas”.

O Exército, que em sua alta hierarquia afirma apoiar o processo democrático e sua fidelidade às instituições, deve possuir informações privilegiadas sobre o que ocorre no país. É possível que os comandantes conheçam a existência de interessados em contaminar as eleições criando um clima de desassossego eleitoral. Não é um segredo que nas próximas eleições o Brasil, que não é uma república das bananas, mas um ator essencial dentro e fora do continente, tem muito em jogo. É o final de um ciclo histórico e estão sob suspeita muitos interesses abertos e ocultos, sejam políticos ou econômicos, que podem depender do resultado de eleições limpas.

Não por acaso a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, acaba de afirmar que “corremos o risco de não ter eleições com essa crise institucional”. A que crise concreta ela se refere? Está querendo indicar que os brasileiros perderam a confiança não só em seus políticos, mas até em suas instituições democráticas? E se for assim, existe o perigo real de que as eleições possam ser abortadas e com quais consequências? E quem teria interesse em que não se realizassem ou que amanhã sejam impugnadas eleições que deveriam colocar o ponto final do chamado “golpe” contra Dilma, que deixou feridas ainda abertas que Lula tentou cicatrizar com sua frase já célebre e enigmática “estou perdoando os golpistas desse país”?

Gleisi, que fala com menos diplomacia do que os militares sobre o perigo que as eleições podem sofrer, antecipou que os interessados em boicotá-las “são os golpistas”, a direita. Ninguém ainda expressou abertamente, mas é possível que muitos políticos importantes, de direita e esquerda, pelo temor de que tanto eles como seus partidos sejam varridos após as acusações de corrupção que lhes inquietam, possam estar interessados em que as eleições, como parecem insinuar os militares, não se realizem em um clima de tranquilidade. No Congresso já se preparam para “afrouxar”, por exemplo, a lei da Ficha Limpa, que pode impedir que muitos políticos corruptos concorram nas eleições.

O PT, que é um dos grandes que chega mais vulnerável a essas eleições, começou, por exemplo, a considerar a possibilidade de “boicotar” as eleições se a Justiça impedir Lula de disputá-las. A presidenta Gleisi disse, em uma entrevista recente à BBC Brasil, que as eleições poderão ser consideradas uma “fraude” se Lula não puder ser candidato. Confessou que seu partido já está trabalhando nas redes sociais com dois lemas: “Eleições sem Lula são uma fraude” e “Eleições sem Lula são um golpe”. Um correligionário seu, o deputado por São Paulo José Américo foi ainda mais longe. Chegou a dizer que se impedirem Lula de participar, pode ser criada no país, “por não deixarem o povo decidir”, uma situação de “convulsão social e de risco de guerra civil”.

Nesse momento delicado, o mesmo Lula, o maior líder popular do país, cuja candidatura condiciona fortemente o resultado das eleições, teria, de acordo com líderes de seu próprio partido, que esclarecer se pensa em se candidatar a qualquer custo, ou se respeitará as regras eleitorais. Poderia explicitar que só será candidato se existirem as condições jurídicas para que possa fazê-lo, para a tranquilidade do país e para contribuir com a realização tranquila das eleições. Lula tem o direito, como qualquer outro cidadão brasileiro, de disputar as eleições e o PT de defender sua candidatura apesar de seus problemas com a Justiça ainda pendentes de um veredito final. Hoje são milhões que votariam em Lula segundo as pesquisas, mas para que ninguém possa tirar a legitimidade das eleições, isso deveria ocorrer somente se o candidato petista estiver nesse momento amparado pela lei.

É, de fato, nos momentos cruciais para um país, em que podem estar em perigo os valores da democracia, quando os políticos de boa cepa devem saber se inscrever no livro da História.