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Evandro Milet: Podemos trocar o ministro por um algoritmo

Quem não faltou à aula de interpretação de textos na escola conseguiu ler o óbvio na decisão do STF e entendeu que a Corte não proibiu o governo federal de agir no enfrentamento da pandemia da Covid-19. Apenas, no seu entendimento, a possibilidade do chefe do Executivo Federal definir por decreto a essencialidade dos serviços públicos, sem observância da autonomia dos entes locais, afrontaria o princípio da separação dos poderes.

É óbvio que uma série de ações de coordenação e articulação com estados e municípios deveria ter sido feita e não foi. O STF não proibiu o executivo de coordenar a compra de respiradores que poderia ter evitado a bateção de cabeça com governadores negociando com fabricantes preços disparatados e dando margem à tenebrosas transações. Caberia até uma articulação diplomática com países fornecedores. Também não impede de coordenar a compra de oxigênio. Se não podia coordenar essas compras porque poderia comprar caminhões de cloroquina e distribuir?

Se o papel do governo federal é só distribuir o dinheiro para os estados, o ministro da saúde poderia ser substituído por um algoritmo com as regras de divisão. Aliás, a computação afetiva já começa a ser realidade e os algoritmos de inteligência artificial conseguem perceber até emoções. Não faria mal um pouco de empatia, mesmo digital, com os pacientes e famílias. Um robô teria mais sensibilidade para visitar hospitais.

O STF também não proibiu o executivo de fazer uma ampla campanha pela utilização de máscaras e pela necessidade de distanciamento social. Mas como fazer isso se o próprio Presidente fazia o contrário do que o mundo todo preconizava? Até campanha pelas vacinas fica difícil depois das seguidas manifestações contra a vacina chinesa por um ciúme político doentio e as transmutações em jacarés. Com isso se atrasou toda a negociação com fabricantes de vacinas.

A única recomendação presidencial foi pelo tal tratamento precoce que não consta em nenhum protocolo para covid em países desenvolvidos e ainda derrubou dois ministros que não compactuaram com as recomendações. Muita gente tende a seguir as recomendações médicas do capitão e passa a se achar imune, relaxando nos cuidados devidos. As teorias delirantes de conspiração nas redes supõem que todos os cientistas e líderes mundiais foram subornados pelos laboratórios farmacêuticos, que não queriam que os remédios baratos de lúpus, piolho e lombriga competissem com seus remédios caros.

Nas redes sociais proliferam, sem controle, as opiniões mais estapafúrdias também incentivadas. Umas acusam a imprensa de alarmismo quando, na verdade, as campanhas deveriam seguir as dos maços de cigarros ou da exposição crua dos acidentes de trânsito. Outras querem exigir que se divulgue principalmente o número de pessoas curadas. Seria como ao invés de repercutir os seis milhões de mortos no holocausto, dar destaque aos milhões que sobreviveram. Outros procuram relativizar o número de mortos comparando com outras doenças como câncer, dengue ou problemas cardíacos. Ora, para essas doenças há informação para quem quiser sobre como se prevenir, enquanto a covid é uma loteria com poucas informações sobre quem está sujeito a morrer, afastando famílias, colocando empresas em home office, fazendo se arriscar quem tem de trabalhar presencialmente e acabando com a vida social.

As atitudes tomadas pelos países de maior sucesso com muitos testes e rastreamento não foram seguidas obviamente pela falta de comando e pelo negacionismo permanente da gravidade e do possível número de mortos. Gripezinha, maricas, mimimi, frescura são expressões deprimentes e ridículas para tratar algo tão sério e perigoso.
Os países que levaram o problema a sério e introduziram desde cedo os procedimentos devidos, estão recuperando mais rapidamente a economia. Os que negaram o problema e não souberam conduzir o processo sofrerão as consequências por muito mais tempo.


Evandro Milet: O futuro é o conhecimento, a educação, a tecnologia, e não mais o petróleo

O episódio recente da mudança do presidente da Petrobras trouxe o problema do petróleo para as redes sociais com comentários desinformados, além de raivosos naturalmente, como é praxe nesse ambiente.

Um comentário dizia que o Brasil é autossuficiente em petróleo e não precisaria seguir preços internacionais. Se conseguisse refinar e usar todo o petróleo que produz, isso seria verdade, mas não é. Quando o Brasil construiu refinarias, principalmente entre 1950 e 1980, não produzia petróleo, mas necessitava de combustível para enfrentar o crescimento do número de veículos. As refinarias foram então construídas para processar petróleo leve importado do Oriente Médio. Quando o país descobriu petróleo, este era mais pesado, e as refinarias não processavam.

Os novos campos do pré-sal já têm óleo mais leve, mas mesmo assim o Brasil precisa exportar e importar petróleo e derivados pela capacidade e tecnologia de processamento das misturas de leve e pesado de cada refinaria. E, claro, que paga a importação no dólar vigente e no preço do barril do mercado. Se a Petrobras comprar pelo preço internacional e vender com preço subsidiado no mercado interno vai ter prejuízo. Isso aconteceu no governo do PT para segurar a inflação e gerou um prejuízo de R$ 100 bilhões à empresa. Junto com os investimentos políticos errados em novas refinarias e a corrupção, a empresa quase quebrou, com uma dívida de 140 bilhões de dólares, que vem sendo reduzida.

A recuperação passa por vender ativos menos rentáveis como algumas das refinarias e redes de postos e se concentrar na altamente lucrativa produção do pré-sal. O problema agora é saber o apetite de possíveis compradores de refinarias, desconfiados que o representante-mor do acionista controlador da Petrobras, o Presidente da República, pode interferir nos preços de derivados.

Quem vai comprar uma refinaria se o concorrente pode baixar o preço do produto artificialmente? Os produtores de etanol, por sua vez, ficam perdidos com o preço atrelado à gasolina. Empresários que montaram operações de importação de derivados, liberada desde 2002, como ficam com essa concorrência com preços artificiais?

Há outras consequências: milhares de investidores prejudicados com a queda das ações da Petrobras, inclusive fundos de pensão de trabalhadores e fundos em geral, do mundo todo, que passam a desconfiar de investimentos no país. Compradores de papéis da Petrobras, no Brasil e no exterior pedirão mais juros nas próximas vezes, aumentando a dívida. Fora a desconfiança geral sobre a segurança jurídica e política de investir no Brasil.

A intervenção de Bolsonaro na Petrobras afugentou os investidores estrangeiros — que sacaram 9,2 bilhões de reais da bolsa de valores, sendo 6,8 bilhões de reais somente num único dia. Consequência, sobre o dólar, da lei da oferta e da procura: o dólar aumenta, o diesel aumenta, a inflação aumenta e a cobra morde o rabo. “Era mais barato dar 100 bilhões de reais aos caminhoneiros”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, a um integrante da pasta (Veja).

Mas quem ganha com a venda de refinarias e a importação de petróleo e derivados? Ganha o consumidor que vai se beneficiar da concorrência aberta e certamente do aumento de produtividade e novos investimentos pelos novos proprietários. Surgirão até mini-refinarias privadas para atendimento localizado.

Mas, diriam alguns estacionados na década de 1950, o petróleo não é estratégico? Não mais. Se o Brasil não extrair esse petróleo rapidamente, em não muitos anos vai ficar com o mico. O mercado vai reduzir o preço do petróleo gradativamente antes de acabar a era do petróleo. Aliás, como se sabe, a idade da pedra não acabou por falta de pedra.

Se algum país quiser prejudicar o futuro dos Estados Unidos é melhor jogar uma bomba no Vale do Silício do que em algum poço de petróleo. O futuro é o conhecimento, a educação, a tecnologia e não mais petróleo, substituído aos poucos pelas energias alternativas, com preço caindo rapidamente com novas tecnologias de equipamentos e baterias.

Tratemos de aproveitar os anos que restam ao petróleo para desenvolver uma cadeia de fornecedores de equipamentos e serviços que podem migrar depois para outros setores e aproveitar os royalties e participações especiais para investir em educação, tecnologia, infraestrutura e energias alternativas, que se viabilizam com o preço alto de combustíveis fósseis, como o meio ambiente pede.

Oscilações bruscas do preço de combustíveis, que sempre acontecem nesse mercado, podem ser atenuadas em articulações não histéricas, respeitando a governança corporativa da Petrobras, pela redução de carga fiscal, mecanismos inteligentes de compensação e estratégia antecipada de mudança de perfil das empresas de transporte, da tecnologia usada nos veículos e da composição de meios logísticos.

Interferir em preços de mercado nós já vimos quando caçavam boi no pasto no Plano Cruzado. Não dá certo.


Evandro Milet: Transformar para não quebrar

Transformação digital(TD) está na moda. E como toda moda na gestão de empresas parte de uma visão nova que faz todo sentido, mas é entendida por muitos, e aplicada, de forma superficial e equivocada, se tornando em muitos casos apenas um irrelevante modismo. O livro “Transformação Digital” de Antônio Salvador e Daniel Castello dá boas dicas para um entendimento correto do tema.

Um primeiro equívoco é achar que TD é tecnologia. TD é muito mais que tecnologia. É o redesenho da operação, da forma de gerar valor ao consumidor, do modo de pensar e da maneira de competir, bem como a capacidade de entrar em novos mercados.

A jornada da TD passa por três estágios. O primeiro é embarcar na empresa novas ferramentas, trocar processos físicos por digitais e automatizar tarefas. Por exemplo, colocar um chatbot(robô de software) para conversar com clientes no telefone, como já fazem bancos e outras empresas. O segundo é a transformação digital de funções. A adoção de tecnologias altera os papéis das pessoas nas empresas, impactando a rotina de áreas inteiras como RH, financeiro ou operações. O terceiro estágio - e o mais complexo - é a TD do negócio, que acontece quando a empresa se reinventa usando as tecnologias digitais disponíveis e os novos modelos de negócio que melhoram sua performance como um todo ou até ampliam sua atuação para outras áreas.

A TD verdadeira é mudança de cultura. TD é a possibilidade de ter processos nunca feitos antes, que eram impossíveis de imaginar, seja por limitações de comunicação ou tecnologia.

E por quê as startups têm um papel importante na TDs? Tudo na startup é ágil. Elas usam dados intensamente para entender o que está acontecendo. Confiam mais em fatos que em feeling e, claro, não têm nada a perder - nem reputação, nem uma fatia do mercado, como acontece em negócios maiores ou mais estabelecidos. Por isso tendem a assumir mais riscos. Como diz uma piada conhecida do setor de tecnologia, Deus só construiu o mundo em sete dias porque não tinha “legado”. Outras características dessas empresas: se convencem os investidores de que possuem uma boa ideia, podem ficar com tanto dinheiro em caixa quanto muitas organizações gigantes do setor; além da ausência de compromisso com o lucro durante o período de crescimento.

O livro dá algumas dicas para um processo de TD. Primeiramente, manter uma hiperatenção sobre o ambiente. É a capacidade de observar o ambiente de negócios e constantemente coletar informações para detectar mudanças ou oportunidades, inclusive no próprio negócio. E ter um senso de futurismo. Construir essa competência começa por consumir informações. Pode ser lendo notícias, vendo um documentário, fazendo um curso, conversando com especialistas, frequentando eventos, monitorando várias fontes sem estar ancorado por uma única perspectiva.

Outra dica é praticar a cultura da experimentação. Antes da era digital fazer testes custava caro, demorava, era arriscado e envolvia uma complexidade logística, pois o cliente não estava a um clique de distância. Agora, com o uso de tecnologia e dados e a possibilidade de monitorar o comportamento de pessoas em tempo real, é possível experimentar mais, de maneira mais barata e com menos risco antes de empacotar o produto.

Por fim, implementar a capacidade de execução rápida com organização de squads(pequenos grupos multidisciplinares) e a utilização de metodologias ágeis. Enfim, trazer o espírito startup para dentro das empresas.

Não é fácil fazer, mas quem não fizer arrisca o seu negócio.


Evandro Milet: A espiral do silêncio sufoca o centro moderado e racional

Em meados da década de 70, a cientista política Elisabeth Noelle-Neumann formulou a Teoria da Espiral do Silêncio, após análise das pesquisas eleitorais na Alemanha. A ideia central é que as pessoas omitem sua opinião quando conflitantes com a opinião dominante devido ao medo do isolamento, da crítica, da zombaria, ou do que se chama hoje de cancelamento. O silêncio enfraquece ainda mais a opinião minoritária, e fortalece a opinião que parece prevalecer.

A propaganda política(e as redes, robôs e fake news) tenta então convencer que determinadas opiniões são majoritárias na sociedade para abafar a opinião contrária, o que nem sempre é verdade. As pessoas que concordariam com os que se calam  ficam constrangidas  e intimidadas e evitam se manifestar, em um crescendo nessa espiral do silêncio. Isso fica perceptível no Facebook em likes discretos que não se transformam em comentários. Há até uma expressão própria para essa síndrome, cunhada pelo psicólogo americano Michael Gervais: chama-se FOPO (“fear of other people’s opinion” ou medo das opiniões alheias)”. 

Durante muitos anos no Brasil, esse silêncio acontecia na direita, sem canais para se manifestar, principalmente nos costumes, onde a Rede Globo despontava com uma pauta civilizatória de avanços, engolida a contragosto por essa ala. O crescimento do número de evangélicos e a violência descontrolada, que desaguaram na eleição de Bolsonaro, desnudou esse pensamento, cujos simpatizantes se acharam maioria e passaram a cancelar o pensamento contrário. O duelo de cancelamentos fez com que a espiral do silêncio atingisse duramente o pensamento de centro, ora classificado como isentão, ora acusado de petista por um lado. Do outro lado, era culpado de ter apoiado o suposto golpe contra Dilma e ter permitido a eleição de Bolsonaro ao deixar de votar no professor Haddad, como se o PT merecesse ser votado, apesar do partido ter comandado o maior roubo da história.

A espiral do silêncio que atinge as posições de centro nas redes sociais libera cada vez mais uma espiral de sandices pouco contestadas, onde mesmo as manifestações mais absurdas sobre terraplanismo, remédios ineficazes, teorias da conspiração e mentiras são propagadas e defendidas vigorosamente. Ao mesmo tempo, o desastre que acontece nas áreas da saúde, educação, cultura, meio ambiente, relações exteriores, ciência e tecnologia e direitos humanos é solenemente ignorado ou justificado. Do outro lado prevalece a espiral da amnésia seletiva e a falta de autocrítica das lideranças petistas, mesmo diante do imenso volume de recursos devolvidos a partir de delações que colocavam tesoureiros do partido recolhendo percentuais de propinas em mochilas.

A suposta atual maioria, que as pesquisas de opinião restringem a no máximo 25%, são turbinadas por uma malha de propagadores, humanos e robôs, centralmente alimentadas. Amigos advertem amigos sobre postagens contra o governo como se não fossem patriotas ou avisam que “está ficando feio”, falando de dentro da sua bolha, supostamente majoritária. A espiral do silêncio provoca também o voto envergonhado que desmoraliza pesquisas ou o voto em quem se imagina que vá ganhar, para “não perder o voto”.

O centro democrático tem o defeito de ser moderado e racional em uma época que valoriza os extremos populistas, os discursos radicais e o ringue do “nós contra eles”. Que 2022 devolva a voz ao centro com a moderação, o racionalismo, o iluminismo, o desarmamento de espíritos para que o país possa crescer forte, com menos desigualdade e mais pacificado.


Evandro Milet: Para evitar o cancelamento, lideranças analógicas precisam se digitalizar

Os cursos de liderança no mercado, em geral, não estão captando as mudanças que acontecem de maneira muito rápida nas exigências dos cidadãos, na tecnologia e nas suas consequências nos costumes e comportamentos na sociedade.

Líderes devem construir uma visão inspiradora. Como fazer isso se estão defasados no mundo digital e fora de sintonia com o mundo da diversidade, da desigualdade e da sustentabilidade, ítens cada vez mais presentes no interesse das novas gerações? Como passar para dentro da empresa uma visão e um propósito sem perceber as sutilezas das mudanças exponenciais que exigem uma transformação digital?

Nas décadas de 1980/1990 o tema “qualidade” dominou as discussões sobre gestão, assim como o tema “inovação” ocupou a preocupação dos gestores nas duas primeiras décadas deste século. Isso se refletiu até nas preocupações da governança corporativa e as recomendações dos perfis de conselheiros passaram a considerar a importância de mesclar as competências tradicionais em finanças e controle com aquelas associadas à inovação. 

A terceira década deste século ampliou, com força, a importância do mundo digital no amplo tema da inovação, turbinada por uma pandemia que antecipou em alguns anos as demandas dos consumidores confinados.
Mas a tecnologia digital não traz somente novos equipamentos e software. Traz também novos comportamentos e permite coisas impossíveis anteriormente. Jeff Bezos, da Amazon sinalizou isso: “Comerciantes nunca tiveram a oportunidade de entender seus consumidores de forma individualizada. O comércio eletrônico possibilita isso.”

Nas fábricas a tecnologia permite a customização em massa, isto é, produtos individualizados produzidos em série. As redes sociais criaram uma nova maneira de comunicação. Os clientes foram para lá em massa, obrigando as empresas a correr atrás com algoritmos sofisticados que buscam não só chegar neles, mas produzir engajamento. No mundo anterior, um atendimento mal feito gerava algumas reclamações, hoje pode quebrar uma empresa pela velocidade de transmissão.

As facilidades para desenvolvimento de software fizeram explodir o mundo das startups com suas ameaças disruptivas. As plataformas que aproximam fornecedores de clientes moldaram um novo comportamento onde as pessoas não precisam mais ter as coisas, podem simplesmente usá-las. A internet provocou uma tendência à desintermediação, colocando fornecedores primários em contato direto com clientes.

São tantas tecnologias, com tantas implicações na sociedade e no mercado, em uma velocidade tão grande, que os ciclos tradicionais de planejamento estratégico são implodidos. A alternativa de gestão vem das startups com experimentação rápida, métodos ágeis, squads. 

Enfim, são alterações dramáticas, permanentes e fluidas na forma de lidar com clientes, com colaboradores e com concorrentes que tornam a função do líder espinhosa se ele não acompanhar esse tumulto digital em detalhes. 
Se não bastasse isso, as mudanças de costumes pressionam por diversidade de raça, gênero e idade, sustentabilidade, ações contra a desigualdade, direitos humanos, relacionamento com a comunidade e ética nos negócios.

A sigla ESG (meio ambiente, social e governança) foi adotada no mundo pelas empresas mais conscientes. Um escorregão nas atitudes provoca o cancelamento(para usar uma expressão da moda) da empresa pelo público e consequentemente do líder junto à empresa. Liderança não é mais o que já foi. São novos tempos, novas exigências. Digitalizem-se e diversifiquem-se.

*Evandro Milet é consultor e palestrante em Inovação e Estratégia


Evandro Milet: O alambrado e a janela de Overton

O americano Joseph P. Overton, na década de 1990, elaborou uma teoria sobre a zona de conforto das opiniões públicas. A janela de Overton constitui o conjunto de ideias aceitáveis pela sociedade em determinada época. Políticos que defendem posições fora dessa janela podem se eleger para cargos proporcionais, por grupos de interesse, mas têm mais dificuldade de se eleger para cargos majoritários.

A janela se desloca ao longo do tempo, por mudanças naturais de época ou, como costuma acontecer, por manipulação consciente, para o bem ou para o mal. A escravidão passou por esse processo de mudanças ao longo do século XIX, de legal até a abolição em 1888. Neste século percebemos a mudança de opinião sobre casamento gay que foi passando de proibido, para proibido com ressalvas, neutro, permitido com ressalvas, permitido livremente.

Para deslocar a janela de Overton da posição proibido para a menos proibido, neutro e permitido, é preciso desviar o foco do assunto principal para algum outro valor relacionado ao tema. Por exemplo, quem é contra o governo atual, que deslocou a janela para uma direita extremada, pode ser tachado como não patriota, ou acusado de ser contra o país. Mas Mark Twain já dizia que “Patriotismo é apoiar o seu País sempre e o seu Governo somente quando merecer.” O cancelamento e o patrulhamento em cima de ideias contrárias é promovido e alimentado por um exército coordenado por um gabinete do ódio com fake news e teorias da conspiração doentias.

O deslocamento da janela passa pela mudança de posição de muitas das pessoas que partilhavam essas ideias. E quanto mais radicais elas foram, mais penosa é essa mudança. Isso é verdade para todas as crenças. Ex-comunistas não conseguem ter firmeza convincente para condenar os assassinatos de Stalin, de Mao ou a ditadura em Cuba. Há sempre um senão, justificado pelos pecados do outro lado, que faz com que escorreguem e até mudem de assunto. Petistas fazem cara de paisagem até para as evidências dos imensos valores recuperados pela Lava-Jato. Ser chamado de trânsfuga é doloroso, é mais que um palavrão. Ninguém gosta de reconhecer que estava errado, ainda mais quando foi um defensor fanático de uma causa ou uma ideia.

A forma de sair daquele padrão de pensamento ou de comportamento é aos poucos ou como dizia Brizola, costeando o alambrado. Por exemplo, é fácil perceber a mudança de posição de um ex-bolsonarista radical, quando começa a cair em si da roubada em que se meteu acreditando em contos da carochinha sobre pensamento liberal, firmeza contra corrupção, estratégia organizada para problemas de segurança ou exemplos para a família. Uma maneira de começar a sair fora é arranjar alguém do outro lado para nivelar e sair como “esse não, mas aquele também não”. Por exemplo, colocando como inaceitáveis Bolsonaro e Dória. Edward Luce no Financial Times disse bem que “ninguém é tão vulnerável quanto um apóstata”, se referindo aos republicanos que se voltaram contra Trump. Até em pesquisas de opinião essas mudanças acontecem aos poucos. As pessoas não mudam de ótimo para péssimo sem passar pelo regular.

Priscila Cruz, a incansável e competente presidente da ONG Todos pela Educação sugeriu no Twitter que os arrependidos fossem bem-vindos e acolhidos e não agredidos. Um viva para cada um deles! Mestre Tancredo Neves já dizia que é fundamental dar uma saída honrosa para os adversários.

Espiral do silêncio é uma teoria da ciência política e comunicação de massa proposta em 1977 pela alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Neste modelo de opinião pública, a ideia central é que os indivíduos omitem sua opinião quando conflitantes com a opinião dominante devido ao medo do isolamento, da crítica, ou da zombaria.

Durante anos a direita ficou adormecida até ser sacudida pelas posições de Bolsonaro e se manifestar a ponto de se considerar maioria. A partir daí com apoio do gabinete do ódio e de uma competente manipulação das redes sociais fazia com que as opiniões contrárias fossem canceladas ou patrulhadas na internet, mas a janela de Overton está se deslocando novamente e não vai haver alambrado para todo mundo.


Evandro Milet: A regra do jogo entre Executivo e Congresso

O julgamento da população em geral sobre o Congresso Nacional traz distorções significativas pela falta de entendimento de como ele funciona e como é o comportamento de cada um dos seus participantes. Prevalece muito a ideia de corrupção generalizada e de que a única maneira de relacionamento entre Executivo e Congresso seria um toma-lá-dá- cá espúrio. Claro que existe corrupção, claro que há interesses espúrios na ocupação de cargos e - é inominável - no lobby para criar ou alterar leis, mas há muitas outras realidades nessa relação.

Além de exercer devidamente o seu mandato, uma grande preocupação de todo político é conseguir se reeleger. Para isso, ele precisa mostrar serviço para sua base eleitoral. Os votos de cada deputado e senador vêm de fontes diferentes. Podem ser apoiados por uma região, uma corporação, uma causa ou por setores econômicos ou sociais. No Congresso eles estão em partidos que se organizam por ideologia, por circunstâncias regionais ou até pela proximidade do poder. Mas eles também se organizam informalmente, por interesses temáticos, como acontece, por exemplo, com as conhecidas bancadas da bala, da bola, do boi ou da bíblia.

As grandes reformas que precisam ser feitas, normalmente têm uma abrangência onde alguns grupos perdem e outros ganham, pelo menos no curto prazo. Quem vai perder ou tem a impressão que vai perder mobiliza os parlamentares que elegeu. Nesse emaranhado de interesses legítimos é fundamental o diálogo, a negociação, o entendimento de cada posição, muitas vezes individual, e exige um trabalho obsessivo do poder executivo para aprovar projetos relevantes.

No passado, o Congresso era composto por uma elite onde predominavam advogados, médicos, engenheiros e jornalistas, elite que de alguma forma partilhava o poder. Houve uma democratização desse poder. Hoje há também pastores, esportistas, professores, agricultores, artistas, técnicos em geral, uma maior diversidade de gênero e raça e uma maior pauta de interesses da população. Isso aumentou a dificuldade de consensos, exigindo mais articulação ainda, além do problema atual do excesso de partidos representados, cada um com uma liderança para ser conversada.

O convencimento dos parlamentares varia. Em alguns temas os partidos conseguem articular uma posição, em outros as bancadas temáticas prevalecem, em outros a articulação é por estado ou região. Nas votações mais sensíveis, as posições individuais são disputadas. Nesse caso há parlamentares que se sensibilizam até por um convite para almoço, uma participação em inaugurações, uma obra em seu reduto, enfim uma atenção especial, com um selfie para divulgar. Outros querem disputar a indicação em cargos, para formar quadros para o partido ou para aproveitar o poder discricionário dos burocratas que conseguem levar a máquina de ministérios e empresas públicas para próximo do interesse dos seus eleitores. Se não for para roubar é legítimo.

Com essa complexidade de interesses e motivações, entende-se que não faz sentido o poder executivo enviar projetos para o Congresso Nacional e esperar simplesmente que julguem e aprovem, e se não aprovarem a culpa é do Congresso. A relação exige um corpo-a-corpo comandado pelo executivo que não necessariamente passa por toma-lá-dá-cá espúrio como muitos imaginam ou usam para justificar a própria inoperância ou inaptidão para o jogo democrático.

As possibilidades de corrupção foram duramente atingidas pela Lava Jato e não se pode relaxar, mas há que se entender que o Congresso é um agregado de interesses e de posições e que os presidentes das Casas têm poder de articulação, mas são coordenadores, não têm poder de dirigir as decisões mais complexas - ninguém manda em ninguém no Congresso. As disputas por posições na mesa e nas presidências e relatorias de comissões dão visibilidade e influência e fazem parte do processo.
Negociações entre Executivo e Parlamento acontecem em todos os países democráticos, é a regra do jogo.

*Evandro Milet é consultor e palestrante em Inovação e Estratégia


Evandro Milet: De João Gilberto a Steve Jobs - Gênios inovadores e excêntricos

Em uma apresentação de João Gilberto, reconhecido mundialmente pela criação da batida da bossa nova, em 2003, numa casa de shows em São Paulo, um convidado perguntou: - “João, existe a perfeição?” - “Não, mas a imperfeição me incomoda muito”. Ele queria aperfeiçoar a perfeição”, afirmou seu biógrafo Ruy Castro. 

A carreira de João Gilberto foi construída de perfeccionismo intransigente e de excentricidades (rejeitava violões onde só ele identificava defeitos no som). Viveu recluso as últimas décadas até o falecimento em 2019. Sobre ele corriam histórias inusitadas como a prática de jogar cartas, por debaixo da porta fechada do apartamento, com o porteiro que ficava no corredor.

Algumas pessoas geniais naquilo que fazem, têm essa mania de perfeição e algumas excentricidades. Steve Jobs foi um deles. Aprendera com seu pai, que fazia móveis, a cuidar do acabamento até das partes escondidas que não seriam vistas. Gostava de citar Leonardo da Vinci, para quem a simplicidade era a máxima sofisticação. Essa concepção ele compartilhou com o designer chefe da Apple, Jony Ive, outro perfeccionista genial e que buscava o simples. Ive dizia: “O fato é que é muito fácil ser diferente, mas muito difícil ser melhor.”

Para contratar designers para o grupo, conhecimentos de engenharia e informática eram um trunfo, mas não eram indispensáveis. “Nós procuramos personalidade, talento arrebatador e capacidade de trabalhar em pequenos grupos. Também queremos um designer que nos impressione a ponto de nos intimidar.”

A preocupação com a contratação de pessoal era permanente: “não faz sentido contratar pessoas inteligentes para depois dizer a elas o que fazer. Nós contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que fazer.”
Para Jobs, o design era mais que a aparência. “ A maioria das pessoas comete o erro de pensar que design é o que se vê. As pessoas acham que é a aparência - que os designers recebem uma caixa e a ordem: “Faça isso ficar bonito!”. Mas não é isso o design. Não é só a aparência e a sensação. O design é como funciona.”

A parceria de Jobs com Ive gerou vários ícones do design. O iPod foi um deles e que lançou várias características que seriam utilizadas em produtos posteriores. Bono, do U2, definiu seu charme de forma límpida quando disse que o iPod “é sexy”. Seus produtos ficavam no cruzamento da tecnologia com a arte e são efeitos de uma mania obsessiva de perfeição criando coisas insanamente grandiosas que deixassem uma marca no universo - nas próprias modestas palavras de Jobs.

Jobs também tinha suas excentricidades. Tirando uma imagem da série Guerra nas Estrelas, funcionários da Apple diziam que ele tinha uma campo de distorção da realidade, capaz de convencer as pessoas a fazer coisas aparentemente impossíveis, que o fazia tão esquisitamente carismático que as pessoas quase precisavam ser desprogramadas depois de falar com ele. Sobre isso, ele mesmo se justificava com Alice no País dos Espelhos de Lewis Carrol: "Quando Alice diz que por mais que tente não consegue acreditar em coisas impossíveis, a Rainha Branca retruca: Nossa! Pois eu às vezes acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã."

Personalidade mercurial, com mudanças de humor que espalhavam medo nos seus funcionários, era capaz de demitir alguém dentro do elevador ou achar idiota uma ideia apresentada por alguém em um dia e, uma semana depois, aparecer com a mesma ideia como se fosse sua. 
A mania de perfeição era tão forte em Jobs que ele passou meses em uma nova casa sem conseguir comprar móveis e eletrodomésticos procurando algo sempre melhor. 

Nem todo gênio é excêntrico, mas parece recorrente a ideia de que a excentricidade acompanha muitas vezes a genialidade.


Evandro Milet: Empreendedores e inovadores sofrem desde sempre no Brasil

Com a perseguição e arbitrariedades por parte de vários membros de diversos governos, no fim da vida o Barão de Mauá era um homem rico, mas tinha perdido quase todos os negócios

Nascido nos pampas gaúchos, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, em 1874, aos 61 anos, publicava em jornais europeus anúncios prometendo prêmios aos inventores de algum método de conservar a carne, até que encontrou um: cozinhar no vapor. Criou com isso uma fábrica de carne em conserva de grande sucesso. 

Era um inovador compulsivo já ligado no que chamamos hoje de inovação aberta com desafios lançados. Costumava ler os jornais das principais capitais do mundo e publicações de engenharia, finanças e manuais de produtos de alta tecnologia da época - locomotivas, motores a vapor, teares, fornos siderúrgicos, produtos químicos, aparelhos de precisão.

Era também um empreendedor serial. No dia 22 de junho de 1874, Mauá assistiu dom Pedro II enviar mensagens ao Papa e à Rainha da Inglaterra, inaugurando as transmissões telegráficas entre o Brasil e o resto do mundo, utilizando o cabo submarino, em projeto capitaneado por ele. No início do século 19, entre a Inglaterra e o Brasil, uma carta e sua resposta demoravam cinco meses. Com o telégrafo, a comunicação passou a ser imediata antes do fim do século, uma mudança exponencial.

Vinte anos antes, em 25 de março de 1854 Mauá provocara outra revolução. Chamou à rua a população da cidade do Rio de Janeiro e mandou acender os lampiões. Era sua a empresa que pela primeira vez iluminava a cidade. 
Órfão de pai, Mauá começou a trabalhar com nove anos de idade na empresa comercial do tio no Rio de Janeiro. Aprendeu tudo, tornou-se depois o principal executivo e partiu para voo solo. 

A fuga de dom João VI para o Brasil em 1808, provocada pelas incursões de Napoleão em Portugal, foi escoltada por navios ingleses. A partir daí a Inglaterra teve uma forte atuação na economia local. Mauá percebeu as oportunidades, aprendeu a falar fluentemente a língua e criou pelo menos 17 empresas instaladas em 6 países com sócios ingleses, franceses, norte-americanos e brasileiros. Entre elas: bancos no Brasil, Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra e França; estaleiros no Brasil e no Uruguai; três estradas de ferro no interior do Brasil; a maior fábrica do país, uma fundição que ocupava setecentos operários; uma grande companhia de navegação; empresas de comércio exterior; mineradoras; usinas de gás; fazendas de criação de gado; fábricas variadas. 

Das indústrias saiam inovações: engenhos de açúcar movidos a vapor; pontes de ferro; canhões para os navios de guerra; navios a vapor completos; fornos siderúrgicos e bombas de sucção.
Em 1867, o valor dos seus ativos era 20% maior que o orçamento do Império.

Mas sua vida de empresário não foi fácil. Travou grandes embates com dom Pedro II e seus ministros e perdeu vários. Pedro II também gostava de novidades. Estudou mais de uma dezena de línguas(do tupi ao sânscrito), conhecia paleontologia, estudava matemática, física e química e correspondia-se com sábios de muitos países. Mas a semelhança acabava aí. Seu interesse era teórico e Mauá era um empreendedor. Mas com isso gerava muito ciúme e inveja. O lucro era um problema. A filosofia da livre iniciativa que mudava o mundo não chegara por aqui. Enquanto a elite brasileira odiava as ousadias do barão, paparicava estrangeiros com as mesmas ideias. 

Com a perseguição e arbitrariedades por parte de vários membros de diversos governos, no fim da vida ele era um homem rico, mas tinha perdido quase todos os negócios, deixara de ser aquele que chegou a pensar em resolver os problemas do país por sua própria conta, mas deixava um legado inestimável de empreendimentos.

Inovação, ousadia, parcerias, empreendedorismo e globalização foram características das ações do barão de Mauá, muito bem retratadas no livro ”Mauá, empresário do império” de Jorge Caldeira, e que não diferem das características necessárias aos empreendedores de hoje.


Evandro Milet: Prefiro a imprensa às redes sociais

A frase é famosa. Thomas Jefferson, um dos pais da pátria americana, escreveu a um amigo em 1787: “Se tivesse de decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em preferir a última opção”.

Nos embates das redes sociais, alguns alegam que a grande imprensa teria perdido a relevância por não ser mais fonte de informações confiáveis. Campanhas para cancelar assinaturas de jornais e revistas se espalharam por grupos ideológicos, insatisfeitos com a cobertura feita de temas políticos e principalmente com os colunistas de opinião. Alguns costumam repetir que determinados assuntos de interesse do governo Bolsonaro não são publicados na grande imprensa ou questionam porque ela não publicava nada contra Lula. Fico pensando como as pessoas se informaram sobre mensalão, petrolão ou lava-jato. Onde aprenderam sobre condução coercitiva, delação premiada ou prisão em segunda instância. Onde souberam da prisão de Lula, Marcelo Odebrecht ou Eduardo Cunha. 

É uma ilusão achar que as pessoas têm mais informações pelas redes sociais que pela imprensa. As redes repercutem as notícias dadas em primeira mão pela grande imprensa com seus repórteres e colunistas de opinião ou pelos blogs de jornalistas que investem na captação de notícias originais mantendo contato permanente com as fontes primárias, os políticos em geral. Nas redes, colunistas de segunda mão, recém alfabetizados em política, apenas tentam reinterpretar as notícias veiculadas à luz de um embasamento precário, pouca história, e um acesso limitado às fontes primárias.

Os veículos de imprensa contratam jornalistas e investem na captação de notícias, e não só de política, mas também de economia, negócios, cultura, entretenimento e esportes. Os colunistas de opinião são isso mesmo, de opinião, e por isso analisam os fatos de acordo com sua interpretação e os colocam em um contexto amplo com base na sua experiência de anos. Gente que nunca leu jornal na vida, ou pelo menos que nunca acompanhou política, acha isso estranho, desconhecendo que funciona assim em todo o mundo democrático. Alguns chegam a afirmar, inocentemente, que os jornais deveriam apenas reportar os fatos e deixar a opinião para os leitores, como se todos tivessem a capacidade de enxergar a história e o contexto.

Quem quer formar a sua própria opinião pode ler ou ouvir vários analistas, de fontes diversas, e tirar sua conclusão, reduzindo eventuais vieses de cobertura, que ocorrem mesmo.

A grande imprensa realmente reduziu bastante a impressão de jornais e revistas, bem como caiu a audiência na TV, não porque perdeu credibilidade, mas porque foi atropelada pela velocidade da internet, que torna as notícias velhas rapidamente, pelas novas opções para entretenimento na TV e pela mudança do mercado publicitário acompanhando a maior presença das pessoas nas redes. 

Os veículos procuram se adaptar às circunstâncias do mundo digital, aprendendo novas formas de se comunicar, seja com podcasts, lives, blogs, agências de checagem, diretamente nas redes ou colunas divulgadas aos pedaços ao longo do dia.

Quando vejo alguma notícia nas redes sociais, corro para os sites da grande imprensa para verificar se saiu ali. Caso contrário há grande chance de ser fakenews, essa praga difícil de ver na grande imprensa - pode até ocorrer -, assim como as doentias teorias da conspiração, que nunca vi na grande imprensa. Além disso, os algoritmos das redes sociais nos transformam em seus produtos, dirigindo nossas vontades subliminarmente, sem oportunidade de ouvir outras fontes como a imprensa permite.

No mais, é lembrar da frase de George Orwell: "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade." Ou do nosso Millôr Fernandes: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados.”


Evandro Milet: Livros, uma vacina contra a ignorância

Steve Jobs vivia e respirava música. Era um fã incondicional de Bob Dylan e dos Beatles e já tinha namorado Joan Baez, cantora famosa na época. Seu interesse pessoal guiou as estratégias da Apple em música, basta lembrar do iPod e iTunes. O interesse pessoal de Jeff Bezos também teve forte influência na Amazon. Bezos não apenas amava livros; ele mergulhava neles, processando cada detalhe metodicamente.

No apêndice do livro A loja de tudo”, que conta a história da Amazon, há a lista de leitura de Jeff incluindo, entre outros, “O dilema da inovação” de Clayton Christensen, “A lógica do cisne negro” de Nassim Taleb, “Empresas feitas para vencer” e “Empresas feitas para durar”, ambos de Jim Collins, que se tornou grande consultor da empresa. Aliás também consultor fundamental da equipe de Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles em seus sonhos grandes na Ambev.

Bill Gates, criador da Microsoft, é outro leitor compulsivo. A imprensa costuma publicar sua lista de recomendação de livros, mais ampla inclusive que apenas obras de gestão e tecnologia.

O livro de Daniel Bergamasco “Da ideia ao bilhão”, conta a história dos unicórnios(startups que atingem valor de mercado de um bilhão de dólares) brasileiros. Em duas das histórias os livros também desempenham papel fundamental nos processos de gestão, incentivados pelos fundadores. Na fintech Stone a seleção de empregos é feita com uma lista de livros com sete títulos à escolha dos candidatos. Em um dos processos constavam o já citado “Feitas para vencer” e “Por que fazemos o que fazemos” de Mário Sérgio Cortella. Até alguns anos atrás só havia uma obra, “Paixão por vencer” , do icônico Jack Welch, ex-CEO da GE.

O objetivo é ler, entender, interpretar e estabelecer conexões entre os conceitos apresentados e as próprias crenças. “Estudar é uma forma de esticar as pessoas” dizem na Stone. Num livro os autores reúnem o aprendizado de uma vida em algumas páginas, diz André Street, fundador da Stone, que até hoje separa duas horas diárias para estudar. Como ele diz, começou lá pelos 12 anos de idade a encarar livros de auto-ajuda, como “Mais esperto que o diabo” de Napoleon Hill e “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale Carnegie.

Na unicórnio Arco Educação, o CEO Oto de Sá Cavalcante, um devorador de livros de diferentes estilos, premia as melhores resenhas sobre títulos indicados a cada ano, que vão de “Foco” de Daniel Goleman, a “O Príncipe” de Maquiavel. Os cinco melhores textos recebem cada um mil dólares. "Líderes também precisam ler”, dizia um folheto que anunciava o livro de 2020: “A marca da vitória”, autobiografia de Phil Knight, criador da Nike.
Além disso, as equipes da Arco participam semanalmente do “método da cumbuca”, disseminado por Vicente Falconi.

Um livro é proposto a um grupo de 4 a 6 pessoas. e a cada semana eles se encontram para falar sobre um capítulo que todos devem ter lido. Os nomes vão para a cumbuca e a pessoa sorteada deve resumir o capítulo. Se ele não tiver lido a reunião é cancelada, para constrangimento do sorteado. Aliás, a inspiração para o nome da empresa veio de uma passagem de um clássico: “As cidades invisíveis'', de Ítalo Calvino.

Atualmente há uma proliferação de clubes de leitura para empresários, como o que é organizado pela empresa de consultoria KPMG, por onde passaram o sempre presente “A lógica do cisne negro” e mais “Miopia Corporativa” de Richard S. Tedlow e “A Regra é Não ter Regras”, de Reed Hastings e Erin Meyer, com o modelo de gestão da Netflix.

Aqui também em Vitória, as organizações de jovens empreendedores Líderes do Amanhã e Ibef Academy usam a ideia de discutir livros entre os associados como forma de aprendizado em empreendedorismo, economia e gestão.

Que 2021 seja um ano sem pandemia, com muitos livros, ficção e não-ficção, clássicos ou atuais, best sellers ou não, técnicos e não-técnicos(menos o do torturador). As experiências mostram que os livros são importantes para o empreendedorismo, mas também representam o tratamento precoce amplo contra obscurantismos ou uma vacina contra a ignorância.


Evandro Milet: As mídias sociais enganariam Alan Turing, o pai da computação

A OpenAI, uma organização fundada por Elon Musk, lançou o mais potente sistema de Inteligência Artificial(IA) para produção e compreensão de linguagem escrita, o GPT-3. Muita gente imaginou que acabaria o emprego de escritores e jornalistas. Cientistas porém estão constatando as limitações da engenhoca. Apesar da sofisticação, o novo sistema não sabe o que fala, embora seja um redator razoável: pode produzir qualquer tipo de texto, mas também pode cometer bobagens ao ignorar semântica, contexto, psicologia, convenções sociais, raciocínio lógico e até leis da física. Falta aquilo que nos torna humanos: bom senso.

Afinal, ao ser alimentado com tudo o que há na internet, o GPT-3 retrata o estágio onde a humanidade se encontra, incluindo vieses racistas e sexistas e uma capacidade de criação e disseminação de fake news. 

Nos anos 50, Alan Turing,um dos pais da ciência da computação e da inteligência artificial criou o teste que leva seu nome. Seu objetivo é descobrir se uma inteligência artificial é inteligente a ponto de enganar um humano, fazendo-o acreditar que se trata de uma pessoa respondendo às suas perguntas. Se 30% dos humanos consultados acreditarem que se trata de outro humano, a máquina passa no teste de Turing.

Ora, mais de 30% dos humanos reconheceriam hoje o GPT-3 como uma pessoa se comunicando nas redes sociais. Afinal é fácil encontrar ali raciocínios tortuosos, negações de verdades científicas, interpretações contorcionistas de textos, elaborações fantásticas para teorias da conspiração, justificativas fora de contexto, vieses racistas e sexistas, fake news esdrúxulas, enfim falta total de bom senso - realmente, um triste retrato da humanidade.

Todos os dias recebemos textos estranhos, supostamente assinados pelo Veríssimo, Jabor ou Clarice Lispector, onde qualquer um acostumado com esses autores percebe imediatamente a fraude. Ou vídeos onde médicos e supostos especialistas, sem nenhuma relevância profissional, glorificam remédios sem efeito ou condenam criminosamente vacinas, máscaras ou distanciamento social. Ou recebemos avisos alarmados sobre uma suposta conspiração internacional globalista soros-sino-gramsciana que amedronta até mentes doentias no governo.

Cabeças estacionadas na década de 1950 enxergam iminentes invasões da Amazônia atrás de nossos recursos naturais sem perceber que os recursos mais valiosos hoje estão no conhecimento. E esse conhecimento está se perdendo no flagelo da educação brasileira, no desprezo da bioeconomia e indo embora na diáspora dos nossos estudantes e cientistas brilhantes contratados no exterior. Por analogia do nome, a Amazon que negocia com bits e bytes e gerencia conhecimento tem valor de mercado 25 vezes maior que a nossa Vale, especialista em minérios.

O GPT-3 deve se sentir em casa com tanta falta de bom senso. Se Turing fosse vivo e se baseasse nas postagens das mídias sociais teria que inventar outro teste, o GPT-3 passaria por humano.