Europa

El País: Desmatamento na Amazônia dispara e atinge recorde em 12 anos

A maior floresta tropical do mundo perdeu 11.088 quilômetros quadrados de árvores no ano passado, 9,5% a mais que no ano anterior

Naiara Galarraga Cortázar, El País

Más notícias para o planeta. O desmatamento na Amazônia ―a cifra anual com a qual o restante do mundo mede o desempenho do Brasil em meio ambiente― disparou no último ano e alcançou o nível mais alto dos últimos 12 anos. A maior floresta tropical do mundo, crucial para conter as mudanças climáticas, perdeu 11.088 quilômetros quadrados de árvores, de acordo com o balanço anual divulgado nesta segunda-feira pelas autoridades. Esse aumento, de 9,5% em relação ao ano anterior, evidencia os graves efeitos da política do presidente Jair Bolsonaro de enfraquecer as fiscalizações do meio ambiente, encorajar a impunidade dos invasores de terras e desprezar os indígenas que querem preservar suas terras.

A Amazônia é tão vasta que o Greenpeace fez algumas contas para que seja mais fácil entender a dimensão da perda. São 626 milhões de árvores derrubadas. É como se a cada minuto do ano passado a Amazônia tivesse perdido o equivalente a três campos de futebol, até somar 1,58 milhão de estádios. A ONG sustenta em nota que “o desmantelamento de órgãos e das políticas ambientais nos levou a um índice quase três vezes superior à meta de redução do desmatamento para 2020 estabelecida por lei”.

Dois membros do Governo ―ambos militares da ala mais pragmática e menos ideológica do Gabinete― participaram da apresentação dos dados. No entanto, o ministro do Meio Ambiente não estava com eles. “Não estamos aqui para comemorar nada disso, porque isso não é para comemorar”, disse o vice-presidente, general Hamilton Mourão. Ao seu lado, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, o primeiro astronauta do Brasil. O vice-presidente tem incentivado os inspetores, com frequência fustigados por Bolsonaro, a continuar a fazer seu trabalho orientados pela ciência, a tecnologia e a lei.

A cifra divulgada nesta segunda-feira é resultado das medições feitas por satélites pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). É um balanço anual que abarca a superfície de árvores destruída entre agosto de 2019 e julho de 2020. Sua difusão sempre demora vários meses. E representa um balanço preliminar que só se consolida com os dados definitivos no primeiro semestre do ano.

O Governo Bolsonaro está perfeitamente ciente de que a política ambiental é crítica em suas relações exteriores, tanto com a União Europeia como com os Estados Unidos quando Joe Biden assumir a presidência em janeiro. A ecologia tem um peso enorme no processo de ratificação do acordo comercial UE-Mercosul.

O deslocamento de milhares de militares brasileiros para as áreas mais sensíveis e a criação do Conselho da Amazônia para coordenar todos os órgãos envolvidas no cuidado com o meio ambiente e o combate aos incêndios não reverteram o aumento do desmatamento que começou antes de Bolsonaro chegar ao poder e se acelerou nestes dois anos.

A destruição da Amazônia em 2004 ultrapassou 27.000 quilômetros quadrados (quase o triplo de agora). Foi o primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente. A partir de então, a derrubada anual de árvores diminuiu até chegar a 4.570 quilômetros quadrados em 2012 (o mínimo desde que há medições). E a partir daí, com Dilma Rousseff no poder, a alta recomeçou até atingir a cifra atual.

A WWF, uma organização não-governamental, destaca em um comunicado que o desmatamento registrado desde que Bolsonaro está no poder indica a desconexão do Governo dos desafios e oportunidades (também econômicas) que a Amazônia representa.

O INPE possui um outro sistema, que registra alertas todos os meses e serve para mobilizar os fiscais ambientais ou a polícia, que já havia sinalizado que o desmatamento continuava a aumentar. Em uma crítica, o Greenpeace afirma que, apesar disso, “a resposta do Governo federal ao aumento do desmatamento tem sido mascarar a realidade, militarizar cada vez mais a proteção ambiental e trabalhar para frear as ações da sociedade civil, prejudicando a nossa democracia”, segundo uma porta-voz.


Jamil Chade: Eras pós-pandemias trouxeram sementes do nazismo e novas geopolíticas. E agora?

Em 2020, há uma diferença fundamental entre tudo o que ocorreu na história da humanidade e a atual crise: temos a nosso alcance o avanço inédito da ciência e mais consciência dos erros passados

2019 foi o ano dos protestos. Do Chile à Catalunha, de Paris ao Sudão as ruas arderam. Mas muitos desses movimentos foram silenciados pela pandemia e o cheiro da morte que o vírus deixou. Entre líderes políticos, movimentos sociais e mesmo serviços de inteligência, a pergunta que permanece é uma só: esses protestos serão retomados uma vez superado o vírus e quais abalos políticos serão sentidos como eco da crise sanitária? Ao longo dos séculos, surtos e epidemias transformaram países, populações e o destino de guerras. Basta dizer que nas cidades mais afetadas pela pandemia da gripe espanhola de 1918 na Alemanha, há indícios de que os primeiros brotes do nazismo tomaram forma, como mostrou um estudo realizado pelo FMI.

O resgate da história também nos revela que não são raras as ocasiões em que pandemias foram seguidas por revoltas e distúrbios sociais, além de uma nova ordem mundial.

Em 2020, há uma diferença fundamental entre tudo o que ocorreu no passado e a atual crise: o avanço inédito da ciência. Em um tempo recorde, o mundo terá mais de uma vacina, no que está sendo considerado dentro da OMS como a vitória definitiva da ciência contra a ideologia. Também ficou claro que o populismo mostrou suas limitações nas urnas - tanto no Brasil como nos EUA - e que lideranças robustas como a de Angela Merkel ou Jacinda Arden se fortaleceram.

Mas, ainda assim, resgatar a história pode servir de guia, principalmente diante de um mundo profundamente desigual que ameaça, uma vez mais, deixar bilhões de pessoas às margens do avanço da medicina. Uma dessas vacinas, por exemplo, exige que seja estocada em um local com uma temperatura de -70 graus Celsius. Um desafio que mais parece um capítulo de ficção científica para 900 milhões de pessoas pelo mundo que ainda fazem suas necessidades básicas ao ar livre por falta de simples privadas e banheiros.

Susan Wade, professora de história da Keene State College, traça um paralelo entre a situação atual e a revolta na Inglaterra de 1381. Naquele momento, a peste bubônica havia feito milhares de mortes, um tragédia que se somava a uma exploração do trabalho de camponeses. “E como hoje, a maioria da riqueza era detida por uma elite que compreendia cerca de 1% da população”, disse. Quando uma doença mortal começou a alastrar, foi pedido aos mais vulneráveis e impotentes que pagassem a conta da crise. “Eventualmente, os camponeses decidiram responder”, apontou. Essa, portanto, foi a origem da revolta camponesa na Inglaterra.

Entre historiadores, há ainda um acirrado debate sobre o papel de uma epidemia como um dos fatores que poderiam ter contribuído para uma destruição final do Império Romano e jogado a Europa em sua era da escuridão. A partir do ano 541, uma peste ganhou força no Egito, atingiu Alexandria e outras cidades, até chegar à região palestina e subir até Constantinopla, a então capital do Império Romano Oriental.

O imperador Justiniano, que havia chegado ao trono com a ambição de resgatar a glória do Império Romano, foi um dos infectados. Ele sobreviveu. Uma parcela dos especialistas, porém, aponta que o que não sobreviveu foi seu império, derrotado em parte por um micro-organismo. Sem soldados diante da peste e com a fome que se alastrava, ele viu territórios conquistados serem tomados por revoltas e seu poder minado em todas essas regiões.

Para o historiador Procopius, no auge da crise sanitária a cidade de Constantinopla - atualmente Istambul - perdia dez mil pessoas por dia. A capital teria perdido 40% de sua população e, pelo império, 25% dos habitantes não sobreviveram.

Nos últimos anos, o relato de Procopius é considerado como exagerado. Historiadores da Universidade de Jerusalém e de Princeton, por exemplo, insistem que não existem evidências para provar o que a narrativa construída ao longo de séculos estabeleceu em termos de mortes. Para eles, portanto, não se pode atribuir à peste o fim do Império Romano. A realidade, porém, é que por quase duzentos anos a peste assolou a região em diferentes ondas e gerou diferentes revoltas. Quando finalmente desapareceu, o mundo vivia uma nova geopolítica.

Na Itália, um outro estudo traça uma ligação entre pandemia, surtos e eclosão de rebeliões. “Em diferentes graus, a maioria das grandes epidemias do passado parecem ter sido incubadoras de agitação social”, apontou Massimo Morelli, professor de ciência política na Universidade de Bocconi, e Roberto Censolo, professor da Universidade de Ferrara.

Num estudo publicado na revista acadêmica Peace Economics, Peace Science and Public Policy, os especialistas analisaram protestos e agitações sociais no período próximo a 57 epidemias pelo mundo. Isso incluiu desde a Peste Negra em no século 14 até a pandemia de gripe espanhola de 1918.

Desses 57 casos, apenas quatro revoltas não estariam claramente relacionadas com os respectivos surtos, o que leva os especialistas a acreditarem que existe uma possível relação entre as epidemias e distúrbios na sociedade civil.

No caso específico da covid-19, os acadêmicos deixam claro que as restrições e o impacto econômico “estão causando um sentimento latente de descontentamento público”. Para Morelli e Censolo, teorias de conspiração em torno do vírus e o seu apoio por parte de alguns líderes políticos são “sintomas de fricções potencialmente perigosas dentro da sociedade”.

Onda de ódio

Já Samuel K. Cohn, professor de história medieval da Universidade de Glasgow, confirmou que “a doença mais mortal e devastadora da Europa, a Peste Negra de 1347-51, desencadeou violência em massa: o assassinato de catalães na Sicília, e de clérigos e mendigos em Narbonne e outras regiões”, além de ataques contra judeus, com mais de mil comunidades na Renânia, na Espanha e França".

Antes mesmo do final da atual pandemia, a ONU já alerta que a crise sanitária abriu uma onda de violência. Num alerta com forte tom de desespero, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que a pandemia está gerando um “tsunami de ódio e xenofobia”, além da criação de bodes expiatórios e ataques contra médicos, enfermeiras e jornalistas.

Segundo os levantamentos da entidade, a atual crise aprofundou o sentimento contra estrangeiros e que, das redes sociais, o ódio passou para as ruas. Entre os fenômenos estão atos anti-semitas com teses de conspiração, além de ataques contra muçulmanos. Em alguns países, Guterres aponta que os migrantes e refugiados foram apontados como os culpados pela proliferação do vírus, inclusive com serviço médicos negando acesso aos tratamentos médicos.

Outra dimensão do ódio tem sido os ataques contra idosos. Contra essa população surgiram memes desprezíveis, sugerindo que eles também são os mais dispensáveis.

Os estudos de Cohn revelam que, de fato, a xenofobia foi também uma marca da peste negra, com judeus “trancados em sinagogas ou reunidos em ilhas fluviais e queimados até à morte” por serem os supostos responsáveis pela crise sanitária. “Cruelmente, os tribunais de justiça condenaram coletivamente os judeus por envenenamento de poços e de alimentos”, destacou.

Já nos séculos XVI e XVII, a crise sanitária na Europa desencadeou mais uma vez rumores de propagação maliciosa da peste. Desta vez, o alvo da ira eram médicos e mesmo coveiros, acusados de perpetuarem a doença por uma variedade de razões, incluindo para se enriquecerem.

Cohn conta como a praga de 1575 levou que “ciganos, negros, cantores de rua, atores e prostitutas” fossem proibidos de entrar em determinadas cidades.

Logo vieram ainda as acusações mútuas. Fora de Nápoles e pelo território que hoje se designa como Itália, o surto era conhecido como a doença napolitana. Na Alemanha, ela era chamada de doença polonesa, enquanto na Polônia era conhecida como a doença alemã.

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A Gripe Espanhola de 1918 e 1919 também deixou suas marcas sociais e políticas. Em seu livro de 2017, Pale Rider, a escritora Lauren Spinney revela como a pandemia pode ter sido fundamental para a instabilidade entre as duas guerras mundiais. Um dos aspectos que a crise ressaltou naquele momento foi o egoísmo como forma de sobrevivência. Uma vez terminada a crise, muitas sociedades fizeram a opção deliberada por esquecer o que havia ocorrido.

Entre os impactos, historiadores estimam que os ataques da população branca contra afro-americanos no verão de 1919 em várias cidades dos EUA ainda têm uma relação direta com a doença. Aquele período de violência ficou conhecido como “Red Summer”.

Um estudo realizado pelo FMI correlaciona as cidades mais afetadas pela pandemia de 1918 na Alemanha, as sementes do nazismo que derivaram na Segunda Guerra Mundial. O levantamento indicou que as cidades com o maior número de vítimas pela doença registraram cortes em gastos sociais. E, em seguida, foram nesses locais que se viu um “aumento na parcela de votos conquistados por extremistas de direita”. “As mortes causadas pela pandemia de gripe de 1918-1920 moldaram profundamente a sociedade alemã”, diz o documento, que ainda sugere que a doença pode ter mudado as “preferências sociais” das camadas mais jovens da sociedade, além de ter despertado um sentimento contra estrangeiros.

O estudo não é conclusivo. Mas foi amplamente usado por Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, para apelar aos governos que destinem tudo o que puderem para aliviar o impacto do vírus.

Hoje, mesmo com a vacina, o mundo pós-pandemia também é alvo de um redesenhar. Se bilhões de pessoas estiveram fechadas por meses, a disputa por poder não foi colocada em quarentena em nenhum momento. A história do século 21 é, de fato, radicalmente diferente das pandemias da Idade Média ou do início do século 20. Mas o que ela mostra é que abandonar populações inteiras diante de uma sensação de que a crise está solucionada para uma parcela privilegiada do mundo é o caminho mais seguro para a tradução do profundo mal-estar em protestos e revoltas.


Vinicius Torres Freire: A segunda onda na europeia no Brasil

Segunda onda na Europa é um alerta para a epidemia e economia do Brasil

Números gerais não permitem descartar um recrudescimento da epidemia por aqui

A segunda onda da epidemia nos grandes países da Europa ficou evidente na mesma data: começo de setembro. É quando acabam as férias de verão. Foi então que o número de mortes começou a aumentar de modo inegável. Em meados de outubro houve a disparada. Em países como Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido, as taxas mínimas de morte haviam ocorrido em julho, mais ou menos.

O número diário de novas mortes por milhão anda entre 2,5 e 3,5 nesses países, com exceção da Alemanha, onde está por volta de 0,5 por milhão (média móvel de sete dias). No Brasil, o morticínio agora está perto de pouco mais 2 novas mortes por milhão, em queda lenta, faz algum tempo. No pico da mortandade nesses países europeus, a taxa diária de mortes por milhão ficou em torno de 15 (com exceção, outra vez, da Alemanha (que chegou perto de 3).

É um alerta para o Brasil? Sempre é. Aprendeu-se que a epidemia é, até certo ponto e tempo, regional, o que é um aspecto muito significativo em um país do tamanho e população como o nosso. Ainda assim, convém dar uma olhada em estatísticas mais gerais, ao menos para dar a escola de grandeza do problema.

O número de mortes pode ser um indicador aproximado do tamanho da epidemia, do número total de infectados. Sim, existe grande controvérsia sobre a letalidade da doença. Isto é, quantas pessoas morrem entre aquelas que foram infectadas. Como se tornou evidente, as pesquisas na população têm dificuldade de estimar o número total de infectados. Logo, a taxa de letalidade da doença é motivo de polêmica.

Suponha-se que ela seja aproximadamente igual e que se leve em conta as diferenças demográficas (a Covid mata mais os idosos. Tudo mais constante, países com mais idosos terão mais mortes). A taxa de mortes por milhão no Brasil é maior do que a da Espanha, o país grande da Europa mais afetado. A do estado de São Paulo é ainda maior. Levando em conta a idade da população, a diferença aumenta.

A taxa de mortes do estado de São Paulo, sem qualquer ajuste, é de 866 por milhão. A da Espanha, 755. A julgar apenas pelo número de mortes e pela hipótese de que certo número de mortes esteja associado a uma taxa de infecção, seria possível especular que um recrudescimento da epidemia não pode ser descartado por aqui. O estado de São Paulo ainda conta 2 mortes diárias por milhão. A Espanha da segunda onda conta 3,3.

Nem de longe, claro, é prognóstico. Em meses de conversas com excelentes epidemiologistas do Brasil, muito cientista dedicado observou que levou dribles e outros bailes da epidemia. O que todos dizem é que não dá para relaxar, que cada medida de alívio das restrições tem de ser muito bem fundamentada, que aglomerações são insanidades, que se deve usar máscara, que é preciso fazer mais testes e tentar encurralar a doença.

A nova onda europeia ainda está longe de ser tão mortífera quanto em abril. Mas a mortandade afeta o mundo inteiro pela economia, é preciso e horroroso dizer. A percepção de riscos aumentados e a incerteza vão ecoar pelo mundo, como se viu nos mercados financeiros desta quarta-feira, e a segunda onda vai atingir a atividade econômica em alguma medida. Alemanha e França vão ter isolamentos duros durante novembro inteiro.

Os alertas estão aí. O controle da epidemia no Brasil foi vergonhoso; o governo federal não se ocupa nem ao menos do manual básico da economia. Estamos sem imunidade na política sanitária e na econômica.


Affonso Celso Pastore: EUA, Europa e Brasil

Há muitas razões para que os brasileiros analisem atentamente o comportamento da economia norte-americana

Há muitas razões para que os brasileiros analisem atentamente o comportamento da economia norte-americana. Ciclos econômicos nos EUA afetam a economia mundial; a guerra comercial contra a China iniciada por Trump interfere com o Brasil devido às relações comerciais que mantemos com ambos; e, acima de tudo, o mercado financeiro centrado em Nova York, interage intensamente com a economia brasileira, afetando direta e indiretamente o seu comportamento. De um modo geral, temos muito a aprender com os EUA, mas não com a sua reação à pandemia e às suas consequências na política monetária. Neste caso, ganharíamos muito mais se prestássemos a devida atenção ao que vem ocorrendo na Europa.

Enquanto o governo dos EUA optou pela negação da pandemia, os vários governos europeus impuseram desde logo um rígido lockdown, que derrubou o contágio e permitiu o início mais rápido de uma cuidadosa reabertura, que favoreceu o bem estar de suas populações.

Como o PIB é uma medida imperfeita de bem-estar, não reflete o ganho devido ao já quase pleno retorno à livre movimentação dos europeus. Porém, acima de tudo, a boa reação europeia no campo sanitário levou a uma utilização bem menos intensa de estímulos monetários. De fato, o BCE vem gerando uma expansão de seu ativo significativamente menor do que a do Fed, e a maior preocupação dos governos europeus é com o “futuro do euro”, para cuja consolidação, na última reunião do Conselho Europeu, foi aprovado um fundo de recuperação de € 750 bilhões, com € 390 bilhões na forma de subvenções e € 360 bilhões em empréstimos. Os europeus reagiram racionalmente à pandemia; foram prudentes na política monetária, e apesar da oposição dos países “frugais” procuraram exorcizar o fantasma de uma nova versão do Brexit, defendendo a moeda única e a cooperação entre os países do bloco.

Já a negação da pandemia por parte do governo dos Estados Unidos levou o país, após uma segunda onda de contágio, a amargar uma média de mil mortes por dia, e para compensar os efeitos econômicos de sua omissão no campo sanitário teve que exagerar na concessão de estímulos monetários, cuja intensidade é melhor avaliada observando seus reflexos sobre os preços dos ativos.

A compra de treasuries por parte do Federal Reserve tem sido tão intensa que derrubou todas as suas taxas de juros para próximo da taxa dos fed funds. Os governos emitem dois tipos de passivo: o que rende juros – os títulos da dívida pública – e o que não rende juros – o papel moeda, e diante de uma estrutura de taxas gravitando em torno de zero tudo se passa “como se” estivesse jogando moeda de um helicóptero. No passado, as curvas de juros já foram inclinadas e planas, mas nunca devido a este comportamento do Fed. Uma de suas consequências é acentuar a tendência de enfraquecimento do dólar, porém a mais preocupante é que o Fed vem alimentando uma bolha no mercado de ações. Há várias semanas a Nasdaq já superou em muito o pico anterior ao início da pandemia, e esse patamar também foi superado pelo S&P 500. Ao se comprometer mais com a queda do desemprego do que com a inflação, Jerome Powell tende a inflar ainda mais a bolha no mercado de ações, e sabemos que estouros de bolhas têm custos econômicos elevados.

Na reação à pandemia o Brasil seguiu os EUA; há mais de 80 dias o país amarga em torno de mil mortes/dia, e para evitar uma recessão ainda mais profunda teve de lançar mão de estímulos. Felizmente o Banco Central nunca cogitou de realizar uma operação twist que reproduzisse a curva de juros norte americana, e esperamos que o lucro da depreciação cambial transferido ao Tesouro não tenha o seu uso desvirtuado. Porém, no campo fiscal, o País desperdiçou recursos de que não dispunha. Sendo incapaz de montar um cadastro que delimitasse corretamente qual seria o “grupo alvo” beneficiado pelas transferências, destinou-as a perto de 66 milhões de brasileiros!

Chegaremos ao final de 2020 com um déficit primário e uma relação dívida/PIB bem superiores ao que ocorreria na ausência desse erro, com as consequências de que: não salvamos as vidas que poderiam ter sido salvas com uma reação correta à pandemia; e deixamos para nós mesmos e para as gerações futuras um enorme custo fiscal.

Uma proeza, maximizamos os dois custos ao adotar um modelo que busca, apenas, viabilizar a reeleição do presidente. Melhor seria termos aprendido com a história dos países de sucesso, que priorizam o bem comum, como fizeram os europeus.

*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.


El País: Imagem do Brasil derrete no exterior e salienta “crise ética e de falência de gestão” com Bolsonaro

Estudo aponta que percepção negativa do país piorou com a leitura de um “Governo irresponsável” na pandemia e na proteção à Amazônia. Investidores adiam decisões de aplicações no país para 2022 e empresários brasileiros pressionam presidente

Heloisa Mendonça, do El País

A notícia de que o presidente Jair Bolsonaro contraiu a covid-19 deu a volta ao mundo, repercutindo nos principais veículos internacionais, que ressaltaram o histórico de declarações negacionistas do presidente brasileiro sobre a pandemia do coronavírus. Desde o início da crise sanitária, a cobertura sobre o comportamento de Bolsonaro, que defende que há um alarmismo sobre a pandemia e que o coronavírus é uma “gripezinha”, tem ganhado mais espaço no noticiário internacional e acelerado um desgaste da imagem do Brasil no exterior, segundo um estudo da consultoria Curado & associados.

O levantamento, que analisou as publicações de sete veículos internacionais de diferentes linhas editoriais, mostrou que essa percepção negativa do país piorou do primeiro trimestre para o segundo, e mostra uma “crise ética e de falência de gestão” do Governo. O tema da pandemia foi responsável por 68% do total da cobertura negativa no segundo trimestre, seguido pela cobertura da demissão do ex-ministro de Justiça Sergio Moro (10%) e da devastação da Amazônia (8%). O estudo mostra que a cobertura da gestão brasileira da covid-19 pela imprensa internacional cresceu 146% no segundo trimestre.

“A cobertura da crise sanitária agravou a percepção de um Governo irresponsável, de uma gestão sem liderança, cheio de declarações negacionistas sobre a doença. A notícia sobre o presidente ter testado positivo para o coronavírus, por exemplo, teve ampla cobertura pela forma desrespeitosa em que ele fez o anúncio”, diz Olga Curado sócia-fundadora da consultoria. Após informar que tinha contraído a doença durante entrevista coletiva com jornalistas no Palácio da Alvorada, o presidente tirou a máscara que usava. O mandatário brasileiro também seguiu insistindo que a infecção pelo novo vírus só é perigosa para idosos e pessoas com doenças prévias. Entre os veículos pesquisados estão o francês Le Monde, a revista inglesa The Economist, a alemã Der Spiegel e a edição espanhola do EL PAÍS.

Desgaste por números alarmantes do desmatamento

A consultora ressalta, no entanto, que, desde o ano passado, as críticas sobre as políticas ambientais de Bolsonaro também permeiam bastante o noticiário e que vários veículos já projetam os impactos econômicos das ações do Governo. Em 23 de junho, por exemplo, três jornais, The Guardian, The New York Times e The Washington Post fizeram reportagens sobre alertas de “investidores de trilhões de dólares” ao Brasil pelas políticas de “desmantelamento” da Amazônia. Naquele dia, instituições financeiras responsáveis pela gestão de mais de 4 trilhões de dólares enviaram uma carta ao Governo Bolsonaro avisando sobre o risco de retirada de investimentos no país caso não houvesse uma ações mais efetivas para controlar o desmatamento. Depois, o empresariado nacional aumentou o coro sobre o tema com um manifesto semelhante assinado por 38 companhias, entre elas pesos pesados como o Banco Itaú, o maior da América Latina, Santander, e empresas ligadas ao agronegócio, como o braço brasileiro da Cargill.

A pressão dos estrangeiros acendeu um alerta vermelho no Planalto, que marcou uma reunião por videoconferência com representantes dos fundos, na última quinta-feira, 9, comandada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia. Na sexta, foi a vez de Mourão receber o movimento brasileiro. “Em nenhum momento investidores se comprometeram com investimento, eles querem ver resultados, querem ver a redução de desmatamento”, disse Mourão, após o encontro online com investidores. O vice-presidente brasileiro admite a necessidade de combater ilegalidades na Amazônia, mas defende, assim como Bolsonaro, que há um exagero na percepção sobre destruição da região. “A floresta está em pé, muitos colocam que a floresta está queimando”, disse. Na mesma sexta-feira, 10, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou a maior alta de desmatamento para o mês de junho desde 2015, apesar de uma ação militar, comandada por Mourão, ter entrado na Amazônia em maio para combater o desmatamento.

No início do mês, em discurso na Cúpula do Mercosul, o mandatário brasileiro já tinha reclamado de “visões” no exterior que, segundo o seu entendimento, são “distorcidas” e não refletem o real esforço do Governo, sobretudo em temas como a defesa da região amazônica e o relacionamento com povos indígenas. Num esforço para continuar as negociações do acordo do bloco com a União Europeia, o presidente afirmou que seguirá o diálogo com diferentes interlocutores para desfazer essas opiniões. Segundo fontes diplomáticas europeias consultadas pelo EL PAÍS, se os resultados práticos de redução dos índices de desmatamento não aparecerem rapidamente, há um risco do acordo entres os blocos não sair do papel.PUBLICIDADE

Incerteza política

Para além do problema ambiental, a crise política no país e a agenda econômica diante da pandemia também preocupa investidores estrangeiros que, ao fim e ao cabo, paralisam potenciais recursos que poderiam ajudar o Brasil ainda mais neste momento de crise. “Há uma forte incerteza política, saídas de ministros, discussões entre o Executivo, Congresso e governadores. Há até mesmo uma avaliação da condução de uma crise sanitária como essa. São coisas que os investidores ponderam no momento que decidem se vão investir em um país”, diz Martin Castellano, chefe da seção de América Latina do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).

Na avaliação de Castellano, há ainda muitas dúvidas sobre a capacidade que o presidente terá de retomar as pautas reformistas da equipe econômica. “Por conta da pandemia e motivos domésticos, as reformas ficaram de lado e perderam a prioridade. As restrições para seguir são mais desafiantes que antes”, diz. O próprio pacote de estímulo para combater os efeitos da crise sanitária, um dos mais ambiciosos da região, gera incerteza sobre o tamanho do rombo das contas públicas e o futuro fiscal do país, alerta Castellano. As primeiras consequências no curto prazo já podem ser constatadas com o aumento da saída de capital estrangeiro, principalmente do setor acionário, mas também do investimento estrangeiro direto, segundo Castellano. A projeção da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) é que o o volume de capital estrangeiro para o país só tende a começar uma retomada em 2022, ano eleitoral, e um desafio em dobro para Bolsonaro que sonha com a reeleição. A forte desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses também é um indício dessa desconfiança crescente em relação à economia brasileira.

Do ponto de vista diplomático, o desgaste da imagem do Brasil diante da pandemia, que matou mais de 72.000 pessoas no país, já acarretou na perda de representatividade nos fóruns internacionais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não convidou Bolsonaro para participar de debate multilateral sobre o enfrentamento à crise sanitária. “Sempre houve uma tradição brasileira, que nem os governos militares conseguiram destruir, de uma diplomacia competente e profissional, de mediação”, explica Javier Vadell, professor de relações internacionais da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Minas Gerais. Mas, agora, segue Vadell, com o alinhamento do Brasil com Donald Trump, as gafes do presidente e membros do Governo com líderes mundiais e toda a atitude negacionista sobre a Amazônia e a pandemia, “a reputação do país está no chão”.

Mais publicidade para agenda positiva

Com a imagem do Brasil abalada por sucessivas crises e declarações, o Governo tenta reverter o quadro apostando em mais gastos em publicidade e relações públicas para fomentar uma agenda mais positiva do país. A Secretaria de Comunicação do Governo (Secom) pediu, no início de junho, a liberação ainda para este ano de 325 milhões de reais para publicidade e relações públicas ― mais que o dobro previsto no orçamento do início do ano ― e justificou o pedido de ampliação com o argumento da pandemia. Segundo a Folha de S. Paulo, em um dos ofícios da Secom à Secretaria-Geral da Presidência, se argumenta que a repercussão negativa das ações do Governo está impactando a imagem do país e é necessário incentivar a “veiculação de pautas positivas” no Brasil e no exterior. Há ainda o pedido de liberação de 60 milhões para gastar em veículos no exterior. “O Brasil tem sido citado de forma recorrente pelos principais jornais e agências de notícias internacionais, e críticas à atuação do governo no enfrentamento à covid-19 têm sido amplamente divulgadas”, diz o secretário-adjunto Samy Liberman em um dos ofícios encaminhados segundo a Folha de S.Paulo. Desde janeiro de 2019, a Secom está sem contrato para os serviços de relações públicas no exterior.

No Brasil, a imagem do presidente também sofre abalos. Segundo a pesquisa do Datafolha, feita no final de junho, a rejeição ao presidente atinge 44% dos brasileiros. A aprovação é de 32%, enquanto os que avaliam Bolsonaro como regular são 23%.


UE prepara lista de países para reabrir fronteiras e Brasil deve ser excluído

EUA e Rússia também não cumpririam os critérios exigidos pelo bloco comunitário

União Europeia está concluindo uma lista de países considerados suficientemente seguros para que seus cidadãos possam viajar para o bloco comunitário a partir de 1º de julho. Segundo fontes diplomáticas, o documento, que deve ser adotado por consenso, se basearia em três critérios: sanitários, de reciprocidade e vínculos com a UE. Isso deixaria de fora países como Brasil, Estados Unidos e Rússia, que não têm conseguido controlar a pandemia de coronavírus. Entretanto, a confecção da lista está sendo um quebra-cabeça para os 27 países da UE, pela dificuldade em encontrar uma fonte de dados fidedigna para embasar esses relatórios.

UE fechou sua fronteira externa em 16 de março, com exceção de viagens “estritamente necessárias”, como a repatriação de europeus. À medida que se aproxima o 1º de julho, alguns sócios insistem com mais força na urgência de publicar uma lista antes de começar a abri-la. Há semanas os Governos da UE tentam concluir uma tarefa que várias fontes descrevem como extremamente complexa. Os embaixadores tratarão nesta quarta-feira, em uma reunião, de fixar uma primeira lista de países candidatos a ingressar nessa primeira leva, mas será difícil que isso ocorra. Em todo caso, a intenção é fechá-la antes de 1º de julho, dado o risco de que as capitais nacionais decidam seguir seus próprios critérios.

Um dos pontos mais polêmicos envolve os Estados Unidos, que soma 2,3 milhões de diagnosticados e 120.000 mortos, o que indica que a expansão do vírus está longe de ser controlada. Se forem seguidos critérios epidemiológicos, a UE ainda não deveria abrir suas fronteiras com os EUA. Mesmo assim, a decisão não depende só dos dados sanitários. Os Estados Unidos atualmente não permitem a entrada de viajantes europeus, por isso as capitais podem negar a chegada de cidadãos desse país, por questão de reciprocidade.

Fontes governamentais indicam um terceiro elemento mais subjetivo. Em alguns casos, haverá razões políticas ou de proximidade com o país em questão que induzam a abrir as portas mesmo que não haja reciprocidade. Em nível comunitário, fala-se dos países dos Bálcãs. No caso da Espanha, o foco de interesse é Marrocos, que fechou a sete chaves sua fronteira pouco depois de declarada a pandemia, mas que tem um nível de contágios muito baixo e, portanto, a retomada do fluxo de pessoas vindas desse país acarreta um risco pequeno.

Mas, mesmo sob esse critério, não é fácil tomar uma decisão em favor dos EUA, porque o próprio Donald Trump ignorou a importância da relação transatlântica ao decretar, sem aviso prévio, que se fechassem todas as portas a cidadãos procedentes da UE.

Temporada turística

A pressão para abrir as fronteiras procede sobretudo de países turísticos, em especial a Grécia. Atenas, que elaborou sua própria lista com 30 países que considera seguros, não quer prescindir de grandes mercados, como o russo, e inclusive sugere a possibilidade de abrir suas fronteiras aos cidadãos desses Estados para que as companhias aéreas e operadoras de turismo possam oferecer seus pacotes.

Outros países, por outro lado, estão abrindo suas fronteiras com a máxima precaução. É o caso da Dinamarca, que até o próximo dia 27 só autoriza a entrada de cidadãos da AlemanhaNoruega e Islândia. A Espanha evita dar pistas sobre quais países integrarão a lista europeia, mas assegura que não agirá unilateralmente.

A preparação da lista, entretanto, não é uma tarefa nada simples. Todos os países proporcionam dados sobre o alcance da pandemia. Mas várias fontes diplomáticas duvidam da fiabilidade de muitas dessas estatísticas. “O problema é de confiança”, argumentam fontes comunitárias. A isso se soma que muitos países fazem suas contribuições ao debate com argumentos políticos ou de proximidade, segundo estas fontes.

Os diplomatas, entretanto, esperam chegar a um acordo antes do dia 1º para evitar que o desacordo ponha em risco as garantias sanitárias na fronteira externa da União Europeia. O que, por sua vez, representaria uma ameaça para toda a área Schengen.


Míriam Leitão: Dia de susto no meio do carnaval

Casos de coronavírus na Itália e na Coreia do Sul derrubam as bolsas e aumentam risco de desaceleração da economia mundial

O mercado financeiro global vai entendendo por espasmos o impacto da crise do coronavírus na economia, o que deveria estar claro desde o início, porque a China é o país mais inserido na globalização. Segunda-feira de carnaval foi um destes dias de compreensão do grau de risco em que todos os países estão. No mar das quedas abruptas de ontem, as cotações de produtos que exportamos e as ações de empresas brasileiras foram afetadas. Desta vez, o susto veio da Itália, com cidades isoladas e o carnaval de Veneza suspenso, e do aumento de casos na Coreia do Sul e no Irã.

A China é o hub global. O mundo quase todo importa de lá ou vende para o país. Ela produz milhões de peças para todo o tipo de indústria, eletrônica, digital. O Japão não produz sem a China. A Coreia do Sul proclamou alerta máximo e pôs sete mil soldados em quarentena. Diante dos 43 casos no Irã, com 12 mortes, Turquia, Jordânia, Paquistão e Afeganistão fecharam as fronteiras ou restringiram as viagens com destino ou origem no país. O turismo, a indústria de aviação, a farmacêutica, tudo depende da potência asiática, é o que alertam observadores que acompanham de forma mais atenta a economia chinesa.

A Itália atingida, com 10 cidades isoladas, coloca em questão a política das fronteiras abertas na qual a Europa se assenta. Investidores ontem alertavam sobre a proximidade da região com a zona industrial alemã. O país faz parte de um continente que dissolveu as fronteiras. Bruxelas está emitindo sinais de que é preciso agir, mas evitar o pânico. Produtos que são importantes para a exportação brasileira, como minério de ferro, caíram e derrubaram as ações de grandes mineradoras internacionais. BHP, Rio Tinto e Vale caíram 7% nos mercados internacionais.

Bancos brasileiros caíram 5%. Petrobras, 6%. Tudo isso lá fora, já que a bolsa brasileira só reabre na próxima quarta. A segunda-feira começou mostrando que enquanto nos países mais devotos da folia a população se diverte, o mundo vivia um momento de queda nos preços dos ativos. O mercado de ações no mundo todo despencou, e os investidores correram para as proteções de sempre, o ouro e os títulos do Tesouro americano. A Ásia teve queda forte e foi seguida pela Europa, enquanto o futuro do S&P já apontou que seguiria a mesma tendência. Assim começou a segunda-feira. Ao fim do dia, ficou claro que a parada do Mardi-gras seria muito bem-vinda para que todos pudessem tentar refletir sobre a real dimensão dos acontecimentos.

Aqui neste espaço, alerta-se desde o começo que este é um evento sem precedentes, porque na última pandemia, a do Sars, o mundo era menos conectado e a China era menos importante para as cadeias globais de suprimento. Então, estamos no terreno das incertezas no qual a volatilidade é a regra.

O mercado financeiro oscila entre dois polos. Ou subestima os riscos ou tem picos de pânico. Quando o mais racional seria ter análises mais profundas sobre o grau de conexão entre as cadeias globais de produção.

Na China, há algumas boas notícias. A província de Guangdong, cuja capital Guangzhou fica a uns 500 quilômetros do centro da crise, baixou o nível de gravidade. A partir desta segunda-feira puderam ser abertos restaurantes, bares, fast foods. As escolas, inclusive as estrangeiras, voltaram a funcionar no dia 16.

Apesar das muitas críticas feitas ao governo chinês, diplomatas que vivem lá dentro do país reportam que é impressionante a rapidez com que a sociedade respondeu ao problema. No começo, e instantaneamente, todos os locais públicos, hotéis, shoppings, estações de metrô passaram a ter sempre pessoas medindo a temperatura de todo mundo. Uma semana depois, os termômetros foram substituídos por câmeras infravermelhas capazes de identificar, em uma multidão, quem tem temperatura acima de 37,3 graus. Agora, todo cidadão tem um código e a cada lugar que entra, shopping, metrô, ônibus tem que registrar o seu código. Se por acaso ele aparecer com sintomas, será possível rapidamente refazer seus passos. A tecnologia na qual a China investiu para ser vencedora no mundo globalizado e digital, e para controlar sua vasta população num regime autoritário, está sendo usada, desta vez, para criar a cordão de proteção sanitária.

Ainda não está claro o quanto o mundo será atingido, mas qualquer avaliação que subestime os riscos não é aconselhável. O fato é que o mundo ainda não sabe. E esse é o terreno mais pantanoso para a economia.


Marcelo Tognozzi: Os pobres da Europa, observa Marcelo Tognozzi

Estratégia Europa 2020 fracassou. Continente tem 112 milhões de pobres

Há uma parte da Europa igual à periferia de São Paulo, Rio, Buenos Aires, Lima, Cidade do México ou Bogotá. A Europa pobre. Em 1 ano aumentou bastante o número de pessoas vivendo nas ruas, pedintes, camelôs e sem-teto. Pessoas que passam a noite em bancos de praça ou marquises de ruas movimentadas. Estão em Madri, Paris, Genebra, Lisboa, Berlim, Istambul, Roma, toda parte. São imigrantes? Ao contrário, fazem parte dos 112 milhões de pobres europeus, pouco mais de 20% da população dos 28 países membros da União Europeia. Eles nos mostram que nada mais será como antes da crise de 2008.

A Estratégia Europa 2020, um plano aprovado em 2010 e cuja meta era tirar da pobreza 20 milhões de pessoas, fracassou. Os técnicos e os políticos apostaram que o crescimento econômico e a geração de empregos fariam com que a pobreza diminuísse. Mas emprego virou algo precário em todo mundo, não é mais um seguro contra a pobreza. Há poucos dias, dezenas de pobres e sem-teto montaram um acampamento em frente ao Museu do Prado, o principal de Madri, por onde passam anualmente cerca de 3 milhões de pessoas vindas de todas as partes do planeta. Estão ali, em exposição permanente, mostrando a agonia do estado de bem-estar social.

Pessoa dorme perto de propaganda do Santander em Madri. Em 1 ano, aumentou o número de pedintes, camelôs e sem-tetoMarcelo Tognozzi/Poder360 – 8.jun.2019

 

Os acampados são pessoas que não conseguem emprego, este artigo de luxo que um dia foi a salvação da classe trabalhadora. E também não têm acesso aos serviços básicos simplesmente porque na Espanha quem não tem um endereço fixo e não é “empadronado”, como se diz por aqui, tem dificuldade até para ser atendido num posto de saúde. Os técnicos da União Europeia não costumam falar de pobres, mas de “risco de pobreza” nos seus relatórios. Uma fineza para com os desvalidos por parte de quem não entende que, seja em São Paulo, Paris, Nova Iorque ou Istambul, todo mundo é parecido quando sente dor.

Stephane Hessel (1917-2013) publicou em 21 de outubro de 2010 seu ensaio Indignai-vos, de apenas 32 páginas. Tinha 93 anos e exibia a mesma energia de quando era um moleque de 20 recrutado pela resistência francesa na 2ª Guerra como maquis. Argumenta que a Europa que emergiu da guerra era mais solidária e comprometida com as questões sociais, a garantia ao trabalho e uma aposentadoria digna. A indignação de Hessel pode ser resumida em uma frase: “O homem justo crê que a riqueza gerada pelo trabalho deve prevalecer sobre o poder do dinheiro”.

Esta mentalidade foi se perdendo ao longo dos últimos 74 anos e a pobreza da Europa crescendo na mesma proporção do acúmulo exagerado de riqueza pelo setor financeiro, o que o ex-maquis chama de “ditadura internacional dos mercados financeiros, que ameaçam a paz e a democracia”. Hessel não estava delirando quando escreveu ter o setor financeiro engordado tanto, que tirou das mãos do homem comum o dinheiro que deveria estar circulando e gerando menos pobreza. Por este raciocínio, o correto seria que os bancos devolvessem à sociedade parte desta riqueza acumulada sob a forma de impostos que financiassem ações contra a pobreza. Eles seriam capazes disso? Por quê?

Em fevereiro deste ano, Bradesco, Itaú e Santander pagaram R$ 32,8 bilhões em dividendos e juros aos seus acionistas. Nada menos que um aumento de 43% sobre o lucro de 2018. Praticamente o mesmo valor do orçamento da Bolsa Família para 2019. Isso, num país com 14 milhões de desempregados, 40 milhões de miseráveis, crianças que vivem nas ruas, escolas e hospitais que não funcionam. Bancos geram cada vez mais lucro e cada vez menos empregos. São ao mesmo tempo uma fonte de riqueza e de pobreza. Seja em São Paulo ou Madri, miséria é miséria em qualquer parte, riquezas são diferentes.

*Marcelo Tognozzi é jornalista e consultor independente há 20 anos. É pós-graduado na Graduate School Of Political Management - The George Washington University e faz pós-graduação em Inteligência Econômica em Madrid.


Clóvis Rossi: Contra o ódio, é preciso conversar

Macron mostrou o caminho; será seguido aqui?

Duas iniciativas do presidente da França, Emmanuel Macron, talvez devessem ser replicadas no Brasil.

A primeira foi a convocação de um grande debate nacional: durante dois meses, desde meados de janeiro, se realizaram mais de 10 mil reuniões em todo o país. Macron participou de uma dúzia delas.

Objetivo: dar voz aos franceses, para entender a insatisfação popular. Que há insatisfação, é só ver a quantidade de gente que participa, todos os sábados, das manifestações dos "coletes amarelos".

A propósito: não vale confundir os protestos, quando pacíficos, com o vandalismo promovido pelos chamados "casseurs", que saem quebrando o que encontram pela frente. Não é civilizado.

Segunda iniciativa de Macron, levada a cabo na segunda-feira (18) e que avançou pela madrugada de terça (19): chamar ao Palácio do Eliseu 64 acadêmicos (filósofos, historiadores, sociólogos, economistas, cientistas), como se fosse o epílogo do grande debate nacional.

Por que acho que são iniciativas que deveriam ser imitadas?

Primeiro, porque o Brasil precisa conversar. O que há hoje é um monólogo dentro de cada tribo, não uma conversação entre uma tribo e outra (ou entre diferentes tribos).

Segundo, porque há no Brasil uma situação razoavelmente parecida com a que o filósofo Pascal Bruckner descreveu para Macron sobre a França. Lamentou, no Eliseu, "esta anarquia crescente, que faz da França um país em um estado de quase guerra civil latente, na qual o ódio de todos contra cada um parece triunfar".

Que há uma guerra civil mais que latente no Brasil é óbvio, embora de características diferentes. Que há ódio no ar (e nas redes sociais) é igualmente evidente.

Nessas condições, o brasileiro é hoje mais infeliz que nunca, a julgar pelo Relatório Mundial de Felicidade, divulgado há uma semana.

A média brasileira para 2018 era de 6,1, a mais baixa desde que se iniciou esse tipo de levantamento, em 2006. O país ficou no 32º lugar entre 156 países.

Para comparação: a França ficou em 24º, por mais que os franceses sejam tidos como resmungões o tempo todo, ao passo que os brasileiros são considerados risonhos.

Se a França, menos infeliz que o Brasil, se dispõe a conversar e se seu presidente chama acadêmicos para completar a conversa, não há razão lógica para que o Brasil se tranque em bolhas que não se comunicam.

Afinal, a eleição de 2018 revelou dois colossais blocos: os 57 milhões que votaram por Jair Bolsonaro e os 89 milhões que preferiram ou Fernando Haddad ou o voto branco/nulo ou nem sequer compareceram para votar.

Como parece altamente improvável que um bloco ou o outro seja subitamente tragado pela terra e, em consequência, o outro possa fazer o que bem entender, ou se decidem a conversar ou o ódio de todos contra cada um vai mesmo triunfar, como teme Bruckner no caso da França.

Lá como cá, a iniciativa tem que partir do chefe de governo. O presidente Jair Bolsonaro precisa ser convencido de que não adianta ficar conversando só com os seus.

Vale o que escreveu na sexta-feira (22) Brian Winter, editor-chefe de Americas Quarterly, após viagem ao Brasil e conversas com inúmeras pessoas que podem não ter votado por Bolsonaro, mas lhe disseram que "o país não pode aguentar outro fracasso".

Cultivar o ódio é namorar com o fracasso.


Luiz Werneck Vianna: Impasses da hora presente

Não se pode ocultar que se vive tempo sombrio, mas há o outro lado da Lua, até mesmo aqui

Fazer a roda da História girar para trás não é um exercício fácil, mas é esse o movimento tentado aqui e alhures. No cenário europeu com o Brexit do Reino Unido, nos EUA com o trumpismo, que recusa o fenômeno da globalização, dos grandes movimentos migratórios e da agenda ambiental, e em nuestra America, com o Brasil que refuga não só a história de construção da sua soberania como nação para se atrelar à política e aos objetivos do poderoso país do norte do nosso continente, como também conquistas civilizatórias na agenda comportamental, tais como na emergente questão feminina, que afeta tanto o mundo do trabalho como variadas dimensões da vida social, sujeitando-as a um nefasto patriarcalismo, uma das raízes do nosso autoritarismo político.

Esse movimento em marcha à ré, embora sua magnitude atual, não conta com bases sociais capazes de manter sua sustentação, uma vez que ele é mais uma construção de ideólogos e políticos que identificam no estado de coisas no mundo sinais de uma mudança de época que erodem a sua forma de domínio e suas fontes de reprodução. À margem do plano da consciência, contudo, vive-se uma mutação nas camadas mais fundas das estruturas sociais que não tem como ser revertida pelos esforços da política do presidente norte-americano, mesmo com os recursos de que dispõe.

O labirinto sem saída do Brexit testemunha a dificuldade que essa via retrô tem encontrado, assim como os embaraços que o próprio Donald Trump encontra em seu país para a edificação do muro com que pretende barrar o fluxo migratório dos latinos em seu território, principalmente em razão da resistência parlamentar a esse projeto xenófobo, na contramão de suas instituições democráticas. Na verdade, o que se pode qualificar como a política de Trump não passa de uma tentativa de deter os processos que estão em curso no mundo e sinalizam no sentido de impor limites, como na questão ambiental, à expansão de um capitalismo sem freios cujos efeitos perversos já se fazem sentir no clima e nos riscos de desaparição de espécimes vitais para a reprodução da vida humana.

Não por acaso, a ONU, instituição que alerta para a gravidade desses riscos e atua para conter os perigos a que todos estamos expostos, tornou-se um dos alvos principais do trumpismo, que, em nome de um nacionalismo anacrônico e de uma crença igualmente anacrônica na panaceia de que o bem-estar social virá da expansão das forças produtivas materiais do seu país, opera no sentido da corrosão da sua legitimidade. Mas o cenário de Trump não é de céu de brigadeiro nem internamente, onde conhece uma renhida oposição, e tampouco no plano externo, quando se defronta com rivais do porte da Rússia e seu poderoso arsenal bélico e da emergente China, mais os aliados de ambos, que não são poucos – nada, entretanto, que comprometa a hegemonia americana nos negócios do mundo, apenas a expõe a maior competição.

Tal contexto, longe de apontar para perigos que reclamem guinadas na posição do País em suas relações internacionais, se apresenta, ao contrário, como uma janela de oportunidades para sua afirmação na economia do mundo, tal como ocorreu nos anos 1930, quando soube aproveitar-se das disputas geopolíticas entre as grandes potências da época para implantar as bases da moderna industrialização, com a criação em Volta Redonda do nosso parque siderúrgico. Nesse sentido, um alinhamento automático do País aos Estados Unidos, como certos círculos oficiais alardeiam em nome de um espírito de cruzada em favor da defesa de um Ocidente de fantasia, desserve aos interesses nacionais.

A agenda comportamental recessiva, inspirada por um cediço fundamentalismo religioso, uma das fontes principais da votação que elegeu Jair Bolsonaro, aplica-se no mesmo movimento de girar a roda da História para trás, não só na questão feminina, como na vida privada em geral, com ênfase em simplórias concepções sobre a complexa sexualidade humana, denunciadas em voto histórico proferido pelo ministro Celso de Mello em julgamento recente sobre o tema no Supremo Tribunal Federal. Tais esforços, por mais ingentes que sejam, não têm o condão de devolver as mulheres à sua condição de subordinação na ordem patriarcal brasileira de outrora, minada, entre outras e ponderáveis razões, por um mercado de trabalho que as incorpora massivamente, assim como as exigências crescentes desde a Ilustração por autonomia pessoal de homens e mulheres. Ideais por autonomia que ao longo do tempo como que se incorporaram ao DNA da nossa espécie, o que a faz repelir, na construção da personalidade de cada qual, interferências do Estado e das religiões.

Não se pode ocultar que se vive tempo sombrio e que a atual corrida armamentista traz maus presságios. Mas há o outro lado da Lua, até mesmo aqui. O atual governo, em sua composição heteróclita, embora contenha em si um componente marcadamente ideológico, de raiz metafísica, exemplar no chanceler Ernesto Araújo, que desafia abertamente as tradições da política externa brasileira em suas concepções de soberania – vide notável artigo de Celso Lafer neste espaço –, admite outras presenças com distinta formatação histórica e diversas concepções do mundo, entre os quais os personagens do mercado e da corporação militar, esta quantitativamente a mais expressiva.

Essa mistura não dá boa química e será testada severamente, entre outras questões, na da Venezuela e das nossas relações com os países do Oriente Médio, clientes privilegiados do agronegócio, quando o mundo bruto dos interesses será confrontado com os da pura ideologia. Os impasses que daí surgirem vão nos defrontar com uma encruzilhada: uma via nos levará a uma ruptura radical com nossa História e nossas tradições de nação soberana, a outra, a retomar o seu leito, em novas circunstâncias, certamente mais complexas. O articulista aposta nesta última.


El País: Pressionado por ultimato europeu, Maduro se nega a abandonar o poder

O líder chavista rejeita, em entrevista na TV, a possibilidade de convocar eleições presidenciais

O líder chavista Nicolás Maduro rejeitou neste domingo em uma entrevista ao programa Salvados, de La Sexta, a possibilidade de abandonar o poder ou convocar eleições presidenciais. "Eu não aceito ultimatos de ninguém, a política internacional não pode ser baseada em ultimatos, por que a União Europeia deveria dar ordens a um país?", questionou Maduro, referindo-se ao prazo de oito dias — que terminou à meia-noite europeia — que foi dado por vários países europeus, incluindo Espanha, França, Reino Unido e Alemanha, para convocar eleições presidenciais. Na segunda-feira, espera-se que esses parceiros europeus reconheçam claramente o autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, após o prazo de oito dias dado ao líder chavista.

Ao final da entrevista, o apresentador do programa, Jordi Évole, ligou para Guaidó na frente de Maduro, mas seu telefone estava desligado e a caixa de correio estava cheia. O líder chavista deixou uma mensagem: "Pense bem no que você está fazendo, que você é um jovem, que você tem muitos anos de luta, que você não machuque mais o país, que você abandonou a estratégia do golpe, pare de simular uma presidência para a qual ninguém o escolheu, e se ele quer contribuir com algo, ele que se sente a uma mesa de conversação, cara a cara, diretamente, e nós falamos sobre os problemas do país, as soluções, que a política não é um jogo para meninos, exige muita responsabilidade, muito bom senso, por isso estou pedindo que você não seja usado por governos estrangeiros ou pelos velhos caciques da direita ”.

Durante a entrevista, Maduro acusou repetidamente Guaidó. "Há apenas um presidente da Venezuela", disse ele. E acrescentou: "Esta pessoa não é autorizada por nenhum artigo [legal], é uma piada autoproclamada em uma praça, não tem base constitucional, legal, protocolar, formal...". "Eles buscam dividir e uma intervenção que impõe um governo fantoche, eles tentam gerar a impressão de um governo paralelo que existe na mídia internacional, mas não existe na realidade", acrescentou.

Maduro argumentou que o processo de mobilização da oposição e a autoproclamação de Guaidó é parte de um golpe de Estado. "É uma campanha muito perigosa, como a que fizeram na Líbia", alertou, e defendeu a decisão de armar as milícias populares. "São as pessoas organizadas com armas em bairros, fábricas, universidades, dois milhões, há 50.000 unidades com um sargento cada, as pessoas já estão se armando", explicou.

Quando questionado sobre o risco de um conflito armado, Maduro disse: "Não depende de nós". Ele acrescentou: "Tudo depende do nível de loucura e agressividade do império do norte e seus aliados, eles querem voltar para o século 20, para saquear nossos recursos naturais, não pode ser." Quanto à possibilidade de um diálogo com a oposição, assegurou que fez "mil propostas privadas e públicas" tanto à oposição quanto ao governo dos Estados Unidos, ao qual pediu "respeito" e atribuiu ao racismo a falta de de comunicação: "A supremacia branca que governa a Casa Branca absolutamente despreza nosso povo."


Luiz Sérgio Henriques: A crise latino-americana no espelho da Europa

Pouca ou nenhuma compreensão merecem aduladores de tiranetes terceiro-mundistas

Este tem sido um tempo de manifestos de intelectuais, no Brasil e fora daqui, a respeito dos problemas que nos acometem num ritmo quase de tirar o fôlego. Fácil demais, mas inútil, ironizar esse tipo de “literatura”, caracterizando-a como manifestação superficial de intelectuais sartrianamente engajados, para usar terminologia anacrônica, a respeito de caóticas situações de um Ocidente distante, posto na periferia do mundo e submetido, em passado não tão remoto assim, a golpes sangrentos e regimes de exceção.

Não se trata só de cálculo pragmático. Todo e qualquer democrata, seja de que tendência for, conhece o peso e a dimensão de um Jürgen Habermas ou de um Charles Taylor – para só mencionar dois nomes que, avalizadores da hipótese de golpe contra a democracia brasileira com o impeachment de Dilma Rousseff e os problemas judiciais de Luiz Inácio Lula da Silva, carregam consigo a capacidade de influenciar pessoas de bem nas mais diferentes latitudes. Não são “companheiros de viagem”, como se dizia outrora daqueles cujo apoio uma esquerda muitas vezes sectária aceitava transitoriamente, enquanto lhe serviam de um ponto de vista puramente tático. Na verdade, mais além do pragmatismo, o que dizem de certo ou errado, de profundo ou superficial, faz pensar nas relações entre cultura e política, nos meios e modos de recíproca influência entre duas esferas ligadas, mas irredutíveis uma à outra.

Se Habermas é um intelectual que estimula e inspira respeito, há, evidentemente, outros nomes cuja atitude diante não só do Brasil, como também da América Latina, dá margem a preocupação e a pessimismo. A virada à esquerda que marcou a política do subcontinente sulamericano na primeira década do novo século nem sempre foi acompanhada com sobriedade e mesmo seriedade. Tendências que se afiguravam desde o início autoritárias e potencialmente destrutivas foram saudadas por figuras públicas maiores ou menores como indícios de insurgência anti-imperialista, rebeliões populares contra o neoliberalismo, como se conviesse à esquerda reeditar, com sinal trocado, o doloroso passado de caudilhos e ditaduras de nuestra América.

A justiça social, assim, se imporia à força, em contraposição às formas de uma democracia estruturalmente vazia e oligárquica. Novos heróis libertadores elaboraram, ou tiveram quem por eles elaborasse, estratégias de refundação radical de seus países. Nas situações mais extremadas, a mistura de nacionalismo e militarismo criou o terreno para o surgimento do homem forte e providencial, acima das instituições, que, aliás, deveriam ser remodeladas segundo uma receita que pouco a pouco se espalharia – Constituintes (ou “prostituintes”) exclusivas, reeleições indefinidas, mecanismos plebiscitários de legitimação.

A Venezuela, o país vizinho e amigo que ora apodrece sob o chavismo e o madurismo, terá sido o exemplo mais acabado desse retorno tosco ao nacional-popular de outras eras. O bolivarianismo lançou ondas de choque por toda parte, hegemonizando o discurso da esquerda não só no entorno mais imediato. No reino restaurado do nacional-popular, um submarxismo não poderia deixar de se fazer presente, como quando o caudilho anunciou, com a megalomania característica, a criação de uma “V Internacional” em torno de seu país, a nova Meca revolucionária. Ou quando passou a exportar para a Europa – para alguns de seus políticos e intelectuais – as estratégias de uma esquerda de tipo populista, como suposto remédio para a crise – efetiva – da esquerda histórica. Que o diga o Podemos espanhol, que por aqui teve, e tem, seus admiradores.

O petismo, que poderia ter sido um contraponto a esse movimento, não raro foi um elemento a ele subordinado e, por isso, incapaz de se tornar a vanguarda do Ocidente político na subregião. Construiu uma mitologia global em torno de seu líder único, o que talvez seja agora um elemento de força para a agitação e propaganda em torno do “golpe branco” e do regime de exceção que teria imposto ao Brasil. Num tempo em que não só mercadorias transitam velozmente, mas também ideias e visões de mundo, estabeleceu pontes com a cultura europeia progressista, aproveitando-se, também nesse ponto, do caráter cartorial e provinciano das demais correntes partidárias internas. Conseguiu prodigiosamente manejar a linguagem bolivariana e a do socialismo reformista, que evidentemente considera como capitulação – ainda que, no poder, tenha praticado um reformismo errático e fraco, passivamente sustentado, como acontece a qualquer economia agroexportadora, no extraordinário dinamismo da “globalização chinesa” da década inicial do século.

Nada casual, pois, que intelectuais da área social-democrata, de sólido compromisso com as liberdades, subscrevam a versão petista da nossa crise. Num mundo ideal, grandes intelectuais não deveriam vir a reboque da política de uma facção – de qualquer uma delas. Deveriam ser mais amigos da democracia como um todo do que de um só partido, atitude que requer estudo, serenidade e análise refletida de mitos, mais além da imensa competência em seus campos específicos. Seja como for, trata-se de interlocutores preciosos, pensadores que defendem a razão neste tempo conturbado e não isento de perigos para todas as democracias, incluída aquela sob a qual vivemos ininterruptamente desde 1988.

Pouca ou nenhuma compreensão merecem os aduladores de tiranetes terceiro-mundistas de fachada revolucionária. A destruição da Venezuela é séria demais para que deixemos de cobrar responsabilidades de quem insiste em ver a América Latina como uma Sierra Maestra que não passa. Quanto à nossa esquerda, longe de projetar golpes e catástrofes, já era para ter ciência plena de que ciclos eleitorais vão e vêm, como é próprio das democracias normais, que, com toda a firmeza, deveríamos aspirar a ser.