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Penúria castiga refugiados no Brasil, mostra reportagem da Política Democrática Online

Haitianos estão no grupo de estrangeiros que mais sofrem em busca de emprego e renda

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em busca de melhor qualidade de vida, centenas de imigrantes encantam-se ao encontrar uma oportunidade de trabalho no Brasil, mas, com o passar dos dias, vivem o pavor de serem explorados. Em Minas Gerais, por exemplo, trabalham até as 21 horas. Em média, são 17 horas por dia, com intervalo apertado para engolir refeição rápida. De segunda a sábado. A equipe de reportagem da revista Política Democrática Online viajou para cidades do Estado e verificou as dificuldades enfrentadas por pessoas oriundas de outros países para sobreviverem no Brasil.

Além das histórias de exploração de mão de obra, a reportagem mostra a história de duas irmãs do Congo que se mudaram para o Brasil para não serem vendidas por "dotes" no país africano.

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“Não gosto de trabalhar aqui. Já pensei muito em desistir e voltar para meu país, mas, por enquanto, não tenho outra opção e também não consigo ter permissão para trazer minha família”, conta Sonel, perto de um dos balcões da Ceasa. Ele perdeu a mãe no terremoto que matou 300 mil no Haiti há 10 anos e ainda tenta reconstruir a vida. Todo mês, envia para a mulher e dois filhos pequenos ajuda de R$ 500, metade do que recebe sem carteira assinada. No mercado nacional, há quase 12 milhões de brasileiros desempregados.

Administradores de duas empresas instaladas na Ceasa de Contagem, onde também trabalham brasileiros que não conseguem emprego melhor, tentaram impedir a equipe da revista de conversar com haitianos e tirar fotos. Não houve explicação. A suspeita é de exploração de mão-de-obra. Um deles ligou para a segurança terceirizada, que, em seguida, enviou quatro homens e pediu aos profissionais da reportagem para cessarem os trabalhos. Ninguém da administração da central compareceu ao local no momento.

O governo brasileiro registrou 774,2 mil migrantes em território nacional, de 2010 a 2018, conforme dados mais recentes do Relatório Anual do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, divulgado no ano passado. Haitianos, venezuelanos e colombianos, segundo informações oficiais, são os que mais migram para o Brasil, o sexto país que mais recebe refugiados no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU)

Assim como Sonel, Roberson (36) é outro haitiano que trabalha o dia todo na Ceasa. “É muito complicado aqui”, reclama. “Meu sonho é trazer minha família, minha mulher e meus dois filhos, para viver aqui no país, mas é tudo muito penoso porque as autoridades dificilmente liberam. Ficar longe da família é muito ruim. Quero voltar para meu país”, afirma, com forte sotaque francês e um pouco de dificuldade de falar a língua portuguesa.

O Conselho Nacional para os Refugiados (Conare), ao qual estão vinculados cinco ministérios e a Polícia Federal, concedeu refúgio a 21.541 pessoas, em 2019, o que representa 82,6% do total de casos analisados pelo colegiado. Em relação ao total de refúgios, porém, apenas 181 (0,84%) pessoas beneficiadas tiveram autorização para estender esse direito a algum familiar. Outros 3.883 (14,9%) processos foram encerrados por desistência, e 606 (2,3%), indeferidos.

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O Estado de S. Paulo: Estrangeiros detêm um Rio de Janeiro em terras no País

Levantamento mostra que, apesar da desconfiança demonstrada por Bolsonaro em relação aos chineses, eles têm fatia pequena

Por André Borges, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA  - As declarações feitas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro de que haveria necessidade de frear o avanço chinês sobre “nossas terras agricultáveis”, porque “a segurança alimentar do País está em risco”, estão longe de refletir a realidade fundiária do Brasil. Levantamento realizado pelo ‘Estado’ por meio de dados oficiais do governo federal mostra que a China tem atuação quase irrelevante quando o assunto é comprar ou arrendar terras para produzir no País.

Na prática, na verdade, a venda de terras para estrangeiros está praticamente estagnada desde 2010, por conta das duras regras vigentes sobre esse tema. A flexibilização dessas regras é, até, uma demanda do próprio agronegócio que apoia Bolsonaro: os produtores querem abrir a porteira para entrada de investidores internacionais, o que não ocorre hoje.

Existem hoje no País 28.323 propriedades de terra em nome de estrangeiros. Juntas, essas áreas somam 3,617 milhões de hectares. Seria o mesmo que dizer que, atualmente, uma área do território nacional quase equivalente à do Estado do Rio de Janeiro está nas mãos de estrangeiros. Desse total, 1,293 milhão de hectares está em nome de pessoas físicas, enquanto os demais 2,324 milhões de hectares aparecem em nome de empresas. A presença internacional é notada em 3.205 municípios, ou seja, o investidor estrangeiro já está presente em 60% dos municípios do Brasil.

Os números vêm de um cruzamento de informações feito pelo Estado a partir do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), banco de dados administrado pelo Incra, órgão responsável pelo controle da aquisição e do arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil. Foram obtidas informações sobre as áreas compradas ou arrendadas, localização, quem são os donos internacionais dessa terra e para que a utilizam. O balanço foi validado e enviado à reportagem pela Divisão de Fiscalização e de Controle das Aquisições por Estrangeiros do Incra.

Não é a China, mas sim o Japão, por exemplo, um dos grandes compradores internacionais de terras brasileiras. Entre as mais de 28 mil áreas declaradas por donos estrangeiros, 6.912 estão em nome de japoneses. Ou seja, de cada 5 áreas, uma está em nome dos japoneses. Em termos da área ocupada total, porém, essa participação japonesa é menor, com 368.873 hectares, 10% do total.

Países como Portugal, Espanha, Alemanha, Holanda, EUA, Argentina e Líbano lideram o mapa das terras de estrangeiros. Os chineses surgem no balanço com apenas 664 propriedades no País, somando 10.126 hectares. Os dados do Incra guardam algumas imprecisões, uma vez que, até 2015, os registros de terras limitavam-se a ser um ato declaratório do dono. Alguns registros mais antigos não apontam o país de origem do investidor ou a área total da posse, por exemplo. Isso indica que a área ocupada por estrangeiros tende a ser maior. Nos últimos anos, o Incra tem pressionado os proprietários para atualizarem suas informações.

Avaliação

As conclusões do mapeamento não surpreendem especialistas. “O chinês nunca foi um comprador ativo de terras no Brasil. O foco do investidor chinês está em energia elétrica, em concessões de infraestrutura, mas não vemos muita ação em aquisição de terra”, diz Márcio Perin, coordenador da área de terras da consultoria Informa Economics IEG/FNP, especializada no agronegócio.

Para o analista da consultoria em commodities agrícolas ARC Mercosul, Tarso Veloso, baseada em Chicago (EUA), o investidor estrangeiro, em especial o americano, teria interesse em investir em terras no Brasil, mas tem enfrentado dificuldades. “A falta de uma legislação mais aberta evita que muitos deles optem por ter um parceiro brasileiro, o que reduz os aportes.”

A entrada de chineses ou não nas terras brasileiras está travada por conta de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2010, ano em que a empresa Chongqing Grain Group, da China, chegou a anunciar planos para aplicar US$ 300 milhões na compra de 100 mil hectares no oeste da Bahia, para produzir soja. Para evitar a “invasão estrangeira” no País, a AGU decidiu restabelecer restrições de compra e arrendamento, proibindo que grupos internacionais obtenham o controle de propriedades agrícolas no País.

No ano passado, o governo de Michel Temer tentou avançar com uma proposta de liberação das terras para estrangeiros. O projeto de lei previa que o investidor estrangeiro poderia comprar até 100 mil hectares de terra para produção, podendo ainda arrendar outros 100 mil hectares. Esse projeto, no entanto, está parado no Congresso.

O tema é polêmico e divide opiniões. Até 1998, uma lei de 1971 permitia que empresas estrangeiras com sede no Brasil comprassem terras no País. Naquele ano, a AGU interpretou que empresas nacionais e estrangeiras não poderiam ser tratadas de maneira diferente e, por isso, liberou a compra. Em 2010, a AGU mudou de posicionamento, restabelecendo o entendimento original.

Agronegócio espera abertura para investimento externo

O fato de o presidente eleito Jair Bolsonaro criticar abertamente a entrada de estrangeiros em terras nacionais e ter um posicionamento contrário à proposta não demove o agronegócio da ideia de que é preciso abrir as terras do Brasil para o capital internacional.

Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), afirma que o agronegócio espera que o governo se sensibilize com a necessidade de atrair capital externo para os negócios nacionais.

“Temos discutido esse tema há muito tempo com o Congresso. O que queremos é reverter esse parecer da AGU de 2010, que limitou a legislação que sempre vigorou no País. Não defendemos a venda de terra em si para estrangeiros, mas sim a permissão para que investidores internacionais possam investir em empresas brasileiras agrícolas”, diz Vieira. “Vamos avançar nessa discussão com o governo novo. Esperamos que ele apoie uma legislação de incentivo ao investidor internacional.”

Em carta aberta a Bolsonaro, a SRB deu parabéns a Bolsonaro e lembrou de seu “compromisso de buscar vencer paradigmas para reduzir a estrutura do Estado, desburocratizar, simplificar e assegurar mais liberdade para o empresário brasileiro investir, assim como permitir o ingresso de investimentos estrangeiros, com a garantia de maior segurança jurídica”.

Antes de pensar em aquisições de terras, porém, o setor espera respostas para eventuais mudanças locais que possam ter impacto nas exportações do que é produzido por essas terras. “Há uma apreensão sobre algumas políticas que possam criar entraves às exportações. Um exemplo: se houver um aumento forte de desmatamento na Amazônia para plantio de soja, alguns países poderão criar embargos para importação de grãos com origem no Brasil”, diz o analista Tarso Veloso, da consultoria em commodities agrícolas ARC Mercosul.

Critérios para venda de terra

Existe vedação para a aquisição e o arrendamento de terras por estrangeiros no Brasil?

Sim. É proibida a aquisição por pessoa estrangeira não residente no País e pessoa jurídica estrangeira não autorizada a funcionar no País.

O que se exige dos estrangeiros interessados em adquirir ou arrendar terras no Brasil?

Residir no País ou ter empresa instalada no País. Se for empresa, deve obter autorização no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para adquirir ou arrendar o imóvel rural. Se for pessoa física, não é necessária autorização se a área tiver menos de três módulos de exploração indefinida (MEI). A dimensão do MEI varia entre cinco a 100 hectares, de acordo com a região e município do País.

Há limite de aquisição ou arrendamento de área?​

Os estrangeiros podem adquirir ou arrendar até 25% da área territorial de cada município.