estimulo ao crédito

Alex Ribeiro: BC começa a retirar estímulos ao crédito

Não é só o “abismo fiscal” que ameaça a retomada em 2021

O fim das medidas de estímulo fiscal, entre as quais a mais importante foi o pagamento do auxílio emergencial, não é a única força que poderá conter o crescimento da economia neste começo de 2021. Cumprindo o cronograma que havia estabelecido, o Banco Central deixou expirar no fim de 2020 alguns dos programas de crédito direcionado que havia criado na primeira onda da covid-19 para manter o fluxo de crédito na economia.

Saiu de cena uma linha que liberou R$ 51,7 bilhões em depósitos compulsórios sobre depósitos em poupança, que estavam retidos no BC, para operações de crédito a micro, pequenas e médias e empresas. Essa mesma iniciativa canalizou outros R$ 7,6 bilhões dos grandes bancos para as instituições financeiras de menor porte, que em geral são especializadas em dar crédito aos pequenos negócios.

Também expirou uma linha de assistência financeira de liquidez que injetou R$ 69,5 bilhões em 49 bancos, com foco nos pequenos. Esse programa ajudou a reciclar a carteira de crédito das instituições financeiras, porque usa como colateral papéis (as chamadas LFGs) que são lastreados por empréstimos, garantindo assim o fluxo de novas operações.

Chegou ao fim em novembro outra iniciativa que liberou capital dos bancos, antes imobilizado para dar suporte a créditos tributários, que permitiu a realização de R$ 14,4 bilhões em financiamentos para micro, pequenas e médias empresas. Essa facilidade acabou antes do esperado porque a medida provisória (MP) que deu origem a ela não foi aprovada no Congresso. Mas, pelo cronograma original, expiraria de qualquer forma no dia 31 de dezembro.

Uma rara iniciativa voltada às empresas de menor porte que ganhou sobrevida é o bem-sucedido Pronampe, em que o Tesouro deu garantia de 85% dos empréstimos. No finzinho do ano, foi realizado um aporte extra de R$ 10 bilhões no fundo que lastreia o programa. Mas esse é um programa fiscal. As medidas de crédito direcionado que usam exclusivamente o balanço do Banco Central acabaram no prazo previsto.

Seguem em vigor, por hora, medidas mais gerais que injetaram liquidez no mercado financeiro como um todo, sem um carimbo que obrigue os bancos a aplicarem o dinheiro num setor ou no outro. É o caso, por exemplo, da redução temporária, de 25% para 17%, da alíquota dos compulsórios sobre depósitos a prazo. O BC definiu que, em abril, a alíquota seja elevada a 20%, mas sem retornar a 25%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a recomendar, no seu relatório de avaliação do país, que a alíquota fosse mantida em 17%. Mas o BC respondeu que só avaliará essa possibilidade depois que colocar para funcionar seu novo mecanismo de assistência financeira de liquidez.

A importância do crédito direcionado é, em geral, pouco reconhecida pelos economistas na resposta do governo à crise, que evitou uma recessão mais profunda. Como muitos dos programas se sobrepõem, é difícil medir o seu efeito exato. Mas alguns dados ilustram o seu alcance. As concessões dos chamados “outros créditos direcionados”, que incluem algumas dessas linhas, somaram R$ 99,048 bilhões no período de janeiro a novembro de 2020, ante R$ 10,490 bilhões no mesmo período do ano anterior. O acréscimo equivale a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

O crédito bancário cresceu 15,6% no período de 12 meses até novembro graças ao “renascimento” dos direcionamentos. Sem ele, teria avançado algo como 8,5%, atendendo basicamente as grandes corporações, que sugaram o caixa dos bancos depois que o mercado de capitais ficou paralisado. Com o fim de vários programas, o Banco Central estima que o crédito vá crescer apenas 7,8% em 2021. O crédito direcionado a empresas vai encolher 5,3%, ou perto de R$ 35 bilhões.

É compreensível a determinação do Banco Central em extinguir os programas de crédito direcionado no prazo combinado. No Brasil, essas iniciativas temporárias costumam se tornar permanentes. A crise econômica do governo Dilma Rousseff se deve, em grande medida, às ações tomadas como resposta à crise financeira mundial. O aporte emergencial de R$ 100 bilhões no BNDES em 2009 virou uma espécie de orçamento, que se repetiu todos os anos. Nos anos 1960 e 1970, o BC tinha dentro de si um banco de fomento para crédito agrícola. Deu na grande inflação dos anos 1980.

A manutenção do cronograma do fim dos programas de crédito direcionado da pandemia é uma aposta do Banco Central de que o sistema financeiro já pode caminhar com as suas próprias pernas, fornecendo linhas para quem precisa, e de que o mercado de capitais vai reengatar, com volumes mais expressivos de captações em debêntures e notas promissórias. A liquidez internacional está favorável, mas o Brasil não deverá aproveitar muito. O BC espera que as empresas rolem apenas 85% das captações no exterior.

Esse, porém, é um cenário ainda muito incerto. A crise não acaba com o ano-calendário, no dia 31 de dezembro, como previu o Banco Central em junho, quando criou alguns dos principais programas. A segunda onda da covid-19 e o atraso do governo em providenciar a vacinação da população representam riscos relevantes. Nos Estados Unidos, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, cortou verbas que sustentam as linhas de financiamento aos pequenos negócios do Federal Reserve (Fed). Embora, por lá, essas linhas tenham sido utilizadas bem menos do que o esperado - o Brasil se saiu melhor nesse aspecto -, dirigentes do Fed reclamaram, sustentando que preferem ter essa ferramenta creditícia ao alcance das mãos se a situação voltar a piorar.

Ao contrário do Brasil, porém, os Estados Unidos têm espaço fiscal e emitem moeda de reserva - estão colocando na rua mais um pacote de estímulo neste ano. Por aqui, o BC reconhece os riscos de que, com o fim do auxílio emergencial, a economia possa ter um novo mergulho recessivo, embora o cenário central não seja esse. O único ponto de conforto é que, se a coisa piorar, o BC pode rapidamente reinstituir os programas que expiraram.