Estados

Alexandre Schwartsman: Irresponsabilidade revelada

O governo não pode salvar os estados sem exigir contrapartidas duras e claras

O Tesouro Nacional, antes sob o comando de Ana Paula Vescovi, hoje liderado por Mansueto Almeida, tem feito um esforço louvável para detalhar o estado das contas públicas, não só no que se refere ao governo federal, mas expondo também as mazelas dos governos locais.

O exemplo mais recente deste trabalho é o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, publicação que traz dados sobre estados e municípios até 2017.

Os números são preocupantes. A começar pelo aumento do déficit primário dos estados, que pulou de R$ 1,8 bilhão em 2015 e R$ 2,9 bilhões em 2016 (valores irrisórios na comparação com o PIB) para R$ 13,9 bilhões em 2017 (0,2% do PIB).

Note-se que esta medida leva em consideração a despesa empenhada naqueles anos, não a efetivamente paga. A diferença reflete principalmente o atraso no pagamento de fornecedores e servidores, mecanismo adotado por vários estados, na prática “empurrando com a barriga” o problema, ao invés de atacá-lo frontalmente.

A piora do desempenho não decorre da receita. Pelo contrário, durante o período destacado esta cresceu relativamente ao PIB, embora não muito.

Por outro lado, a despesa do conjunto dos estados cresceu bem à frente do PIB, em parte pela recessão observada até 2016, mas além da modesta expansão da atividade no ano passado.

A verdade é que os gastos estaduais vêm aumentando mais do que a inflação, reproduzindo o padrão do gasto federal até 2016.

Dentre esses, a despesa com pessoal, R$ 403 bilhões, merece atenção, representando pouco mais da metade do dispêndio primário registrado no ano passado, R$ 766 bilhões. Segundo o Tesouro, os gastos dos estados com pessoal aumentaram 32% acima da inflação entre 2011 e 2017.

Nada menos do que 14 dos 27 estados (incluindo o Distrito Federal) superaram no ano passado o limite (fixado na LRF) de 60% entre despesas de pessoal e receita corrente líquida.

Há muito mais a ser explorado na publicação, mas acredito que os números acima já deixam claro que boa parte dos estados está na lona por conta da péssima administração fiscal a que foram submetidos.

Não é por outro motivo que, mais uma vez, se fala em novo resgate por parte do governo federal, apenas dois anos depois da última tentativa.

A questão parecia superada com a reestruturação firmada no final dos anos 90, quando o governo federal assumiu a dívida de alguns estados e capitais, os mais ricos, em troca de programas de ajuste fiscal que foram bastante bem-sucedidos por praticamente uma década.

Em particular, esta dívida —apesar da choradeira de governadores e prefeitos —caiu de 13% do PIB para pouco mais de 7% do PIB de 2002 a 2014.

Todavia, sob a gestão de Dilma Rousseff, Guido Mantega e Arno Augustin os estados foram liberados das amarras fiscais, o que acabou nos levando à crise atual.

Muito embora a experiência daquela reestruturação não tenha sido perfeita, seu longo período de sucesso nos deixa lições importantes.

Em hipótese alguma o governo federal pode salvar os estados sem exigir contrapartidas muito duras e claras em termos de redução de gastos, privatização e modernização das práticas públicas, sem as quais nenhum recurso pode ser adiantado.

Por óbvio, nenhum estado é obrigado a aceitar quaisquer condições, mas é ainda mais certo que o governo federal não pode empurrar novamente para a população as contas de governos fiscalmente irresponsáveis.


Fernando Gabeira: Sobreviver ao ano que vem

Não sei se exagero, mas sinto-me como se fosse a luta pela sobrevivência de um país viável

É um momento de escolha de ministros, definição da estrutura do governo. Não importa o que saia daí, o que nos espera no ano que vem é inescapável: o Brasil pode quebrar. A reforma da Previdência não é só um momento de alívio para o governo Bolsonaro, mas também para 14 Estados em profunda crise financeira, entre eles Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul.

Visitei Minas para ver melhor o que aconteceu nas eleições. Inédita na História, a vitória de Romeu Zema, do Partido Novo, contou com 71,8% dos votos. Foi um salto no escuro, preferível para os eleitores aos velhos partidos que dominaram o Estado: PSDB e PT.

A melhor forma de começar uma nova época é realizar a reforma da Previdência. Não resolve tudo, mas indica que o mais difícil foi feito. Paradoxalmente, a reforma é a maneira de seguir vivo até 2022, mas significa, no primeiro instante, uma perda de popularidade. Na Rússia, a reforma previdenciária roubou muitos pontos de aceitação do governo Putin. Sufocada pela Copa do Mundo, a resistência manifesta-se também numa desconfiança, uma sensação de perda.

Segundo o Moscou Times, essa reforma foi decidida por Putin, mas seu déficit talvez pudesse ser facilmente coberto pelos excedentes do petróleo. Mas e os investimentos, a defesa? O governo precisava se antecipar.

No caso grego, a reforma talvez não tenha desgastado tanto a esquerda no poder. Era claramente inevitável. E havia a pressão da União Europeia. O ressentimento acabou canalizado para Angela Merkel.

No caso brasileiro, a reforma da Previdência tem uma chance singular. Ela é claramente uma forma de neutralizar o processo de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Ela tem um quê de Robin Hood, mas esse encanto sozinho não basta para emplacá-la. Em primeiro lugar, será preciso convencer os pobres de que, no fundo, estão ganhando com as mudanças; em segundo lugar, e isso é colossal, vencer a resistência das corporações, algumas articuladas com partidos da esquerda.

O ajuste fiscal será a primeira grande prova tanto para Bolsonaro como para Zema.

O ano que vem marca o início de uma fase triunfante do liberalismo. Ele bateu o marxismo no terreno, mas também partilha com ele um certo idealismo. Um vê no Estado o caminho da salvação, o outro vê no mercado. Como observa John Gray na sua crítica à Nova Direita na Inglaterra, ambos ignoram que são construções humanas e, como tal, imperfeitas.

Uma conclusão de Gray é que essas correntes idealistas veem a vida política de uma forma que conduz a derrotas. Elas tendem a investir num projeto de esperanças transcendentais, numa época sem fé. O conselho realista de Gray é baixar a bola, aceitar a humilde tarefa de uma improvisação sem fim, em que um bem é comprometido para salvar outros, uma espécie de equilíbrio entre os males necessários da vida humana e a perspectiva sempre presente do desastre a ser despachada para outro dia.

Não chego a tanto. Ele teorizava sobre os liberais que concluíam sua passagem pelo governo. Aqui, os vencedores precisam pôr suas ideias em ação.

Mas não consigo esquecer a experiência vivida no Congresso. Vi muitos grandes projetos. E vi sua trajetória real. Alguns deles costumo comparar com o grande peixe pescado pelo velho Santiago no romance O Velho e o Mar, de Hemingway. Comido aos pedacinhos, chegou à praia apenas como um grande esqueleto.

Assim como foi com o marxismo, os liberais vitoriosos correm o risco do que se chama húbris ideológico. Húbris é uma palavra grega que traduzimos como excesso de autoconfiança. De modo geral, esse excesso de autoconfiança é inerente à nossa prática de perseguir princípios universais, esquecendo a política como uma humilde discussão racional, uma acomodação mutual, em busca de um modus vivendi.

De qualquer forma, o Estado brasileiro é uma carga pesada nas costas da sociedade.

Lembro-me de que há quase uma década já discutíamos isso, da ineficácia de algumas estatais aos gastos escandalosos da máquina. Numa das comissões temáticas, questionei os gastos anuais do governo com viagens: R$ 800 milhões. Naquela época já havia um leque de possibilidades tecnológicas, do Skype às teleconferências. Essa escolha liquidaria os gastos. Mas reduziria os ganhos do funcionalismo com diárias.

A relação dessa gigantesca máquina político-partidária com a sociedade precisa ser resolvida em favor das pessoas.

O aumento dos juízes do STF vai nos custar R$ 6 bilhões. É um preço alto, caro, em bens e serviços. Mas tem um lado pedagógico: ficou claro para todo mundo como a elite burocrática se apossa de uma parte maior do bolo, numa sociedade mergulhada na crise econômica.

Creio que muitas pessoas votaram contra isso. Se minha presunção é verdadeira, está em curso uma modesta revolução cultural. Muitas pessoas que viam no Estado um provedor, e de certa forma a Constituição o moldou assim, começam a vê-lo como um obstáculo, sanguessuga.

Isso é o caminho para que seja revisto, de acordo com as circunstâncias históricas e culturais do Brasil de hoje. Não será necessariamente mínimo, que é uma construção ideal. Ele será o que resultar desse que, para mim, é o grande embate de 2019.

No passado, quando terminavam as eleições as pessoas se voltavam para seus problemas, o que é saudável. A verdadeira força transformadora, no entanto, virá da sociedade, e não de esquemas ideais. É possível que, num quadro de crise, ela continue alerta, pois agora começa a viver as consequências de sua escolha.

Não será um ano fácil. Aos que podem, é recomendável ao menos uma semana de férias. Isso porque a economia é apenas uma variável. Além dos 12 milhões de desempregados, parte do território urbano é ocupada por grupos armados, as cadeias são um barril de pólvora, a corrupção se estende pelo interior.

Não sei se exagero, mas sinto-me como se fosse a luta pela sobrevivência de um país viável.


Míriam Leitão: Duas cabeças

O governo está dividido sobre o que fazer diante da crise do Rio Grande do Norte, mas só existe um caminho: o de cumprir a lei. Não é possível seguir a cabeça dos ministros políticos e do ministro do Planejamento, que estão se esforçando para atender ao pedido do governo estadual. Existe uma lei de recuperação fiscal, que estabelece regras, e só através dela se pode dar ajuda federal.

Foi esse caminho que o Rio de Janeiro seguiu. É doloroso, difícil, mas é isso que está na lei. A própria legislação que estabelece a forma de socorrer estados em crise foi uma concessão. Ela cria uma espécie de monitoramento das contas estaduais pelo governo federal e faz exigência de que o estado, antes de ser ajudado, se enquadre em um programa de recuperação das contas públicas. No Rio, os funcionários ficaram o ano inteiro com seus salários atrasados enquanto o governo tentava aprovar o programa de recuperação que previa cortes de gastos, aumento da contribuição de funcionários e a privatização da Cedae. Há percalços, até judiciais, mas o fato é que o Rio vem tentando conseguir formas de se enquadrar na lei de recuperação. O mesmo acontece com o Rio Grande do Sul.

Se o governo quiser transferir recursos para o Rio Grande do Norte para que o governo estadual pague os salários atrasados, estará desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda este tipo de socorro. É isso que internamente tem dito a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi. Oficialmente, o Ministério da Fazenda vetou a ajuda de R$ 600 milhões, depois que ouviu do Tribunal de Contas que a ajuda seria inconstitucional.

É crime pela LRF transferir recursos aos estados sem que eles se enquadrem em um programa de recuperação. Além disso, é quebra da isonomia federativa. Se ajudar um estado, terá que transferir recursos para todos os outros. No dia em que, neste ponto, vencer a ala gastadora do governo, haverá outros 26 governadores na porta do Palácio do Planalto querendo recursos. E é bom lembrar que este é um governo que enfrenta uma enorme crise fiscal e que está com déficit primário nas suas contas.

Em qualquer governo, há divisão entre os gastadores e os que querem manter, em maior ou menor grau, o controle de gastos. Desta vez, a cisão é ainda pior e parece haver, na prática, dois governos Temer, tal a distância que está se abrindo entre um lado e outro. Um deles tem resultados a mostrar porque controlou o pior da crise econômica, já reduziu fortemente a inflação, e esta semana mesmo mostrou melhora de arrecadação e até um superávit primário nestes tempos difíceis de déficits sequenciais. Há outra parte que repete a fórmula da gastança e do toma-lá-dá-cá que o ministro Carlos Marun explicitou esta semana ao defender o uso político dos recursos da Caixa como se fosse natural e apenas “ações de governo”.

O Congresso depôs a presidente Dilma exatamente por não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e por usar politicamente os recursos dos bancos públicos. Se cada disputa interna continuar sendo vencida pela ala que acha que os limites legais são meros detalhes que podem ser contornados, o perigo é enorme. Não para o governo, mas para o país, que tem uma situação fiscal desastrosa e vive uma recuperação econômica frágil.

O Rio Grande do Norte está em uma crise social e de segurança de grandes proporções, com os policiais e os bombeiros aquartelados e em greve há uma semana. No Espírito Santo, houve um motim da PM, deflagrado apesar de os salários não terem atrasado. O governo capixaba enfrentou o problema e ele foi resolvido sem a ajuda financeira do governo federal. Não há outra saída a não ser avisar ao governador potiguar que ele tem que propor um programa de ajustes dentro da Lei de Recuperação Fiscal e só depois disso começará a ser discutida a ajuda federal.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que foi rigoroso com o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, não pode se ausentar nesta discussão. E neste assunto ele tem que pensar com a cabeça de ministro das finanças e não como possível futuro candidato. O governo federal tem que ter a cabeça na lei que aprovou e sancionou, e não em interesses políticos momentâneos.

 


Levantamento mostra que a crise deixada pelo governo do PT tirou R$ 1 trilhão da economia

Um levantamento realizado pela gestora de recursos Rio Bravo Investimentos divulgado na edição deste domingo do jornal “O Estado de S. Paulo” (veja abaixo) mostra que a crise de crédito deixado pelo governo do PT tirou R$ 1 trilhão da economia e aprofundou a recessão econômica no Brasil.

Crise de crédito tirou R$ 1 trilhão da economia e aprofunda a recessão

Com empresas e pessoas altamente endividadas, sem propensão a novos financiamentos, e bancos receosos de verem seus níveis de inadimplência crescer, volume de recursos que gira na economia é hoje equivalente aos níveis de 2012

Alexa Salomão – O Estado de S. Paulo

Nos últimos 12 meses, cerca de R$ 1 trilhão deixou de circular na economia brasileira. Essa montanha de dinheiro equivale aos créditos bancários que foram sendo pagos pelos devedores e não retornaram ao mercado na forma de novos empréstimos, bem como à expansão natural do mercado, que não ocorreu.

Isso significa uma queda de 25% em relação ao que deveria estar circulando se a economia estivesse operando em níveis “normais”. O volume de crédito bancário que gira na economia hoje é equivalente ao disponível em 2012. Para os especialistas, isso mostra que o Brasil vive uma “crise de crédito” e não sairá da recessão se esse nó não for desatado.

O levantamento foi feito pela gestora de recursos Rio Bravo Investimentos, com base nas variações do estoque de crédito monitorado e divulgado pelo Banco Central. O curioso é saber o que motivou o levantamento. O economista da Rio Bravo, Evandro Buccini, ficou incomodado porque os indicadores de confiança na economia permaneciam otimistas, mas os índices sobre a situação atual não melhoravam. E pior: a recessão se aprofundava.

“Fomos checar as componentes do nosso modelo, que traça cenários, e nos deparamos com essa queda no crédito. Está explicado: sem crédito, sem dinheiro, a economia não vai mesmo reagir”, diz. Segundo Buccini, a partir desse dado, fica mais claro que, apesar de União, Estados e municípios estarem com sérios problemas nas contas públicas, que precisam ser sanados, o fiscal não é cerne da recessão.

O que vem corroendo a economia é o que a literatura econômica chama de “credit crunch”, crise de crédito. No caso do Brasil, originada e realimentada pela explosão das dívidas. A economista Zeina Latif, da XP investimentos, há meses alertava para essa questão e lembra que o enrosco tem duas pontas. De um lado estão devedores enforcados.

Cerca de 22% do orçamento familiar está comprometido com o pagamento de juros de dívidas e praticamente metade das empresas tem geração de caixa inferior às suas despesas financeiras. Ou seja: os tomadores de crédito precisam digerir altas concentrações de dívidas. De outro lado estão os bancos, que já renegociaram débitos, ainda temem o calote e não querem – nem podem – correr o risco de emprestar mais em meio a uma recessão sem prazo para terminar.

Trata-se exatamente do que parece ser: um círculo vicioso, que só vai se encerrar com o pagamento das dívidas. Quando Zeina falou na primeira reunião do Conselhão, em Brasília, que a “lua de mel” com o mercado estava em risco, e o governo precisava ser mais ágil para reanimar a economia, tratava, em parte, dessa questão.

“Apesar de o fiscal exigir atenção, também temos uma crise de crédito que pode até evoluir para risco de insolvência (termo financeiro que significa risco de os devedores darem calote)”, diz ela. O minipacote anunciado na semana passada, se for efetivado, pode dar alívio, mas está longe de resolver o problema, diz Zeina.

Tempo

Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, dedicou um recente artigo no Estado sobre o tema e reforça: “O diagnóstico sobre as causas da recessão estava errado: o Brasil sofre com uma crise de crédito. Todos estão muito endividados: famílias, empresas, municípios, Estados e, inclusive, a União.”

Ela lembra que o tempo de digestão de altas concentrações de dívidas pode ser longo e penoso. O que acelera o alívio é uma eventual intervenção dos governos. Guardando-se as devidas proporções, Monica lembra que os Estados Unidos viveram um “credit crunch” com o estouro da bolha imobiliária, em 2008. A diferença é que lá os bancos foram arrastados, o que não ocorreu aqui, pelo menos até agora.

Para sair dela, o governo americano gastou US$ 850 bilhões para socorrer bancos e empresas, mais US$ 4 trilhões com o “quantitative easing”, programa de aquisição de títulos soberanos lastreados em hipotecas, e derrubou o juro a 0,25% – até a semana passada. A economia americana agora entra nos eixos – oito anos e US$ 5 trilhões depois. “Sem chance de o Brasil, neste momento, fazer algo minimamente parecido”, diz Mônica.


Fonte: pps.org.br


Cristiano Romero: Uma oportunidade para o Estado encolher

Uma das contrapartidas dos Estados na renegociação de suas dívidas com a União será a privatização de empresas estatais. O governo do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, concordou em privatizar a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Goiás, por sua vez, aceitou vender a Celg, a distribuidora de energia do Estado.

O processo de venda das estatais estaduais será conduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma exigência do governo federal. O banco, como se sabe, tem expertise no assunto, tendo sido responsável pelas privatizações realizadas nos governos Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

“O BNDES já está trabalhando intensamente nisso [na privatização da Cedae]”, informou ao titular desta coluna o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Os governadores concordaram que o BNDES seja o coordenador do processo”, revelou, conforme antecipou ontem o Valor PRO, o serviço de informações em tempo real do Valor.
União negocia com todos os Estados a venda de estatais

A equipe econômica está negociando com todos os Estados a venda de empresas estatais. A privatização é parte do esforço para melhorar a situação fiscal do setor público, principal vulnerabilidade da economia brasileira neste momento. A medida tem um efeito colateral importante: com a desestatização, a tendência dos setores onde as estatais atuam é ter mais eficiência. Privatizar é, também, uma forma de reduzir drasticamente os incentivos à corrupção.

Na renegociação anterior das dívidas estaduais, em 1997, adotou-se o mesmo compromisso, muitas empresas foram vendidas, mas ainda existe um bom par delas em vários Estados. A severa crise fiscal é uma oportunidade histórica para o Estado brasileiro desistir de vez de sua atuação empresarial, passando a concentrar-se em atividades típicas de sua atuação, como educação, saúde e segurança.

O governo fluminense, na gestão de Marcello Alencar (1995-1998), tentou privatizar a Cedae, mas esbarrou em questões regulatórias – a disputa entre Estados e municípios quanto à competência sobre os serviços de saneamento básico -, na resistência de grupos políticos e no corporativismo dos funcionários. No ano passado, o tema veio à baila na Assembleia Legislativa.

Além do compromisso com a venda de ativos, os Estados concordaram com sua inclusão na proposta de emenda constitucional que limita a correção das despesas públicas à inflação do ano anterior e com a não concessão, por 24 meses, de aumentos reais aos salários do funcionalismo público. O ministro Henrique Meirelles explica que a Constituição assegura aos servidores a reposição do poder de compra (isto é, a inflação), mas alguns governadores entendem que é possível dar reajustes abaixo da variação da inflação.

“Não podemos impedir o que está previsto na Constituição, mas o fato é que, com essa regra, o crescimento real (acima da inflação) dessa despesa será zero. Muitos Estados vinham concedendo reajustes muito acima da inflação”, contou Meirelles.

Considerando-se apenas oito Estados (SP, RJ, MG, RS, SC, PR, BA e GO), o Distrito Federal e a prefeitura de São Paulo, a despesa com pessoal e encargos saltou de 3,7% para 5,2% do PIB entre 2008 e 2015. O investimento desses entes caiu, no mesmo período, de 0,8% para 0,5% do PIB. A despesa corrente (o gasto com educação e saúde, por exemplo) teve que encolher: de 4,7% para 3,8% do PIB.

Um aspecto muito importante da reunião dos governadores com a equipe econômica foi a concordância quanto à necessidade de adesão de todos os Estados à renegociação, mesmo daqueles que estão situação razoável, como o Espírito Santo. “Coloquei na reunião que ou fechávamos um acordo com todos ou não seria possível fazer apenas com alguns. Todos entenderam que era importante resolver a questão não só das dívidas, mas também da questão fiscal dos Estados”, revelou o ministro.

A adoção do teto de evolução das despesas é crucial porque, de 1997 a 2015, observa Meirelles, as despesas da União cresceram 6% ao ano em termos reais. Tomando-se o período em que os governos Lula e Dilma decidiram adotar a chamada “Nova Matriz Econômica” – de 2008 a 2015 -, o gasto avançou 14,5% acima da inflação acumulada. No mesmo período, a despesa total saltou 51% em termos reais, forçando o Tesouro Nacional a elevar a dívida pública em R$ 2,2 trilhões.

“Aprovada a emenda constitucional que fixa o teto, no ano que vem teremos zero de crescimento real”, previu Meirelles. De 2004 a 2015, a despesa primária (que não inclui os juros da dívida) do governo central saltou de 15,6% para 19,5% do PIB. O governo espera, com o teto, diminuí-la em dois pontos percentuais do PIB em três anos.

O ministro da Fazenda confirmou que, em 2017, o setor público consolidado (União, Estados e municípios) deve apresentar um novo déficit primário. Acredita, porém, que o saldo negativo vai baixar ao longo do tempo. O cálculo é o seguinte: Meirelles aposta que, à medida que as iniciativas na área fiscal comecem a ser aprovadas e implementadas, o setor produtivo voltará a confiar na política econômica, o que ajudará a destravar as decisões de investimento, impulsionando a atividade econômica. A retomada do PIB, por seu turno, aumentará a arrecadação, auxiliando o ajuste fiscal.

Talvez, muitos ainda não tenham se dado conta, mas a imposição de um teto para as despesas acabará por tornar realistas os orçamentos públicos. Diante do teto, caberá aos governantes, em negociação com o Congresso e as assembleias legislativas, estabelecer as prioridades do gasto público. Hoje, pode tudo e o resultado é inflação, carga tributária e dívida pública crescentes, asfixia do setor privado e por conseguinte dos investimentos, baixo crescimento e baixa qualidade dos serviços públicos. (Valor Econômico – 22/06/2016)


Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras
E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

Fonte: pps.org.br