Estado de São Paulo

O Estado de S. Paulo: ‘O interesse público virou coisa secundária no Brasil’, diz Andrea Matarazzo

Ex-empresário Andrea Matarazzo vê objetivos partidários sobrepondo-se “a tudo” na vida nacional e entende que a política só volta a ter seriedade com uma reforma que estabeleça o voto distrital misto

Por Sonia Racy, de O Estado de São Paulo

Andrea Matarazzo – um dos primeiros empresários brasileiros a abandonar a atividade empresarial e mergulhar exclusivamente na política, coisa que muitos estão ou pensam em fazer hoje – constata: no País, ninguém mais trata de convencer a sociedade de seus ideais.

“O Parlamento tem enorme força sobre o Executivo e ter um Parlamento sério é fundamental em uma democracia. Resulta, sim, em projetos equilibrados. Esse passo depende de escolhas da sociedade.” O ex-vereador – já com seus 22 anos de vida pública, em que foi ministro de FHC, embaixador na Itália, secretário estadual de Covas e ocupou diversas funções nas gestões de Serra e Kassab na capital – faz a avaliação: os partidos, no Brasil, “representam pouca coisa”. E isso só mudará quando se fizer “a verdadeira reforma política, que é a implantação do voto distrital misto”.

A três meses da eleição, Matarazzo diz não ter expectativa de se candidatar. “Ninguém é candidato de si próprio”, e o que deve tornar alguém candidato “são suas ideias, percurso, experiência e fundamentalmente, decisão do partido”. No seu ver, “a sociedade sabe o que quer, mas também quer muita coisa que não sabe”.
A seguir, os principais trechos da conversa.

Os candidatos de 2018 deveriam fazer uma espécie de carta ao povo, já que ninguém sabe exatamente o que eles pensam?
Fazer carta ao povo pouco adianta. Elas são feitas e rasgadas sem a menor cerimônia. Depende hoje de a sociedade analisar mais não só os candidatos a presidente e governador, mas o Congresso, as assembleias. Ninguém imagina a importância dessas escolhas.

Você foi ministro e embaixador no governo FHC, secretário estadual de Energia e da Cultura em São Paulo, trabalhou em diversas missões na Prefeitura paulistana com Serra e Kassab. E agora se mostra desencantado com uma nova candidatura. Qual seu balanço disso tudo?
Infelizmente se estabeleceu no Brasil nos últimos 10 anos um modo de governar absurdo, onde os fins justificam os meios, para dizer mínimo. Romperam-se os limites entre público e privado. Mas se queremos mudar, temos que persistir.

O que vai mal, exatamente?
O interesse público virou uma coisa secundária, os interesses partidários se sobrepõem a ele. Os projetos pessoais também. E a gente precisa mudar essa equação. O interesse público deve ser a prioridade, esse deve ser o conceito de quem quer ir para governo. Pensar no coletivo, na cidade, no Estado, no País. A transformação de um país é um processo. Não adianta achar que vai mudar de um dia para o outro.

Você foi dos primeiros empresários de peso a entrar, há 22 anos, com pés e mãos, na política brasileira. Hoje existe até partido, o Novo, capitaneado por um ex-integrante do sistema financeiro, João Amoêdo, candidato a presidente. O que o levou a esse caminho?
Quem me levou a conhecer o governo foi o professor José Goldemberg, então ministro da Educação, entre 1991 e 1994. Não tinha ideia de como funcionava o setor público. No fim de 1994 veio a eleição, a disputa entre FHC e Lula – e este, na campanha, levando vantagem imensa. Não gostava e nem gosto das propostas do PT, completamente incompatíveis com o mundo moderno. E como boa parte do empresariado acreditava que o Lula iria ganhar, eu aceitei trabalhar na campanha tucana. Com Goldenberg eu cuidava da Lei de Patentes, e o então senador Fernando Henrique era quem tocava o assunto no Senado. Acabamos nos conhecendo. Fundei o movimento suprapartidário Desperta Brasil, que apoiou o candidato tucano pelo seu projeto de modernização do País.

Largar as atividades empresariais foi difícil?
Não, eu já tinha me decidido pelo setor público. Acreditava que era preciso ter posição, e uma posição clara: a favor do desenvolvimento do Brasil. Fernando Henrique eleito, Mario Covas também, fui chamado pelo governador paulista para presidir a Cesp, pois tinha experiência em tocar empresas. Na época, a Cesp aglutinava todo o setor elétrico do Estado. Depois da Petrobrás, era a maior empresa pública do País.Tinha uma dívida de nada menos que US$ 10 bilhões. Conseguimos fazer o saneamento e criamos o primeiro processo de privatização no Brasil.
Ela já era uma empresa capital aberto, com ações negociadas de Nova York. Era muito diferente de empresa privada?
A imagem que eu tinha de empresa estatal era real. Muito parecida com uma empresa familiar mal administrada onde cada diretoria é dada a um membro da família, a um acionista. O cargo em empresa pública é dado a um partido político. O presidente de estatal, no fundo, não é presidente de nada e cada partido toca uma diretoria como se fosse uma coisa autônoma, com vida própria.

Foi assim com você?
Montamos a diretoria da Cesp só com profissionais da casa. Perguntei ao governador: e os diretores? Ele perguntou: o que é que tem os diretores? Falei: bom, o senhor vai indicar? Ele falou: não, você que é o presidente, você escolhe. Claro que submetemos a ele, mas ele deu autonomia total. Onde estava o problema?as áreas meio, onde os governos contratavam gente sem concurso e inchavam esses setores. FHC e Mario Covas mudaram completamente o conceito de gestão pública. Como? Com privatizações e Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras.

Na Cesp, como foi?
Montamos programa de qualidade total, reduzimos o efetivo e os níveis hierárquicos, e eliminamos tudo aquilo que não era core business da estatal . Os indicadores de qualidade melhoraram, só com gente da casa. Mas percebi, ao trabalhar no dia a dia, algo bem diferente. Quando você é presidente de empresa privada e um diretor discorda, a palavra final é sua. Na pública, temos que buscar consenso. Se decide por maioria. Óbvio que a palavra do presidente é decisiva. Mas o papel dos diretores é determinante. O Wilson Ferreira, depois presidente da CPFL e hoje presidente da Eletrobrás, foi um dos meus braços em todo o processo. Outro foi o Mauro Arce que foi secretário de Energia de Covas.

O que você aprendeu?
A dialogar mais. Queria fechar representações da Cesp no interior. Não podia, sem uma justificativa bem embasada para a Assembleia, vereadores das cidades, prefeitos. A empresa tinha que prestar contas ao Tribunal de Contas. Afinal, travava-se de uma empresa pública. Aprendi a expor bons argumentos técnicos. Aprovamos tudo que foi necessário para a recuperação e venda da empresa. Esse exercício exigiu disciplina, humildade e capacidade de negociação. Algo que se adquire com o tempo.

Aí você foi ser secretário de Energia do Covas
Ali era administração direta, completamente diferente da estatal, até na imprensa. Na Cesp, era setorial de empresas. Na secretaria, jornalistas de política. Apreendi logo o quanto o setor público lhe dá capacidade de melhorar a vida das pessoas. Percebi minha vocação. Aprendi também que o setor público pode ser eficiente. Mas temos que desonerar o Estado em atividades que não cabem a ele. Temos que tirar o Estado das costas do cidadão.

Foi aí que você começou a fazer política?
Na Cesp, já era obrigado a fazer política. Quem entra em governo e fala que não é político está errado. E mais: não tem nova política ou velha. Política é política, é a arte de negociar e alargar limites do impossível.

Mas há uma leva de migrantes da iniciativa privada entrando com um discurso de “antipolítico”. O mote tem sido “eu não sou político, portanto, sou decente…”
A classe política deu margem a isso. Em lugar de você ter o marketing a serviço da política, tem a política a serviço do marketing, na ânsia de não perder eleitores. Temos que convencer a sociedade com novas ideias, como fazem os verdadeiros líderes. A sociedade sabe o que quer, mas também quer muita coisa que não sabe. Se Churchill vivesse no Brasil de hoje e fizesse política como o nosso Congresso tem feito, ele não teria virado o Churchill. Ia fazer uma pesquisa: o povo quer ou não impedir a ocupação nazista? Lógico que não quereria a guerra. E a Inglaterra estaria falando alemão hoje.

Acha que existe preconceito contra empresários e banqueiros na política?
Preconceito pode até existir. Eu me lembro que, quando comecei a fazer política, sempre olhavam para mim como um tonto com um cifrão desenhado na testa. Você tem que se impor e mostrar seus valores e capacidade.

O que você acha desta era politicamente correta?
Muito chata. Mas por outro lado, não dá para ficar no politicamente indesejável, O ideal é o politicamente desejável, respeitoso. Respeito com o outro é importante sempre. Para todos e tudo durante a vida.


José Nêumanne: STF, suprema tavolagem federal

“O atual Supremo não parece muito afeito a questões jurídicas, por mais relevantes que elas sejam num Estado de Direito. O rigor técnico tem cada vez menos importância. O que importa é a perspicácia de antever os movimentos dos outros ministros e assegurar um jeito para que sua posição prevaleça. É assim que se pratica a tavolagem na Suprema Corte.” Esta frase não é de autoria de um político de oposição ou do patrocinador de algum pleito não atendido em decisão monocrática, plenário de turma ou dos 11 membros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas faz parte do editorial intitulado Fuzuê, publicado no domingo 1.º de julho de 2018 em O Estado de S. Paulo. Para o leitor desacostumado de brasileirismos nestas eras de anglicismo cibernético, convém lembrar o significado desse título, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: “substantivo masculino, brasileirismo informal; folia coletiva, ruidosa, animada por música, dança, alegria; carnaval, folia, funçanata, pândega.” Ou ainda, “por extensão informal, desavença, altercação agressiva envolvendo várias pessoas; briga, confusão, desordem, rolo”.

Em preito à clareza e culto ao idioma falado e escrito como mandam os cânones, talvez convenha acrescentar, para não deixar brechas à incompreensão ou à confusão própria dos fuzuês, termo usado no título de uma peça de teatro do poeta paraibano Marcos Tavares (Fuzuê de Finados), o verbete que esclarece o que seja tavolagem em outro dicionário. Vamos ao Aulete Digital, sem delongas: “substantivo feminino. 1. Vício do jogo; jogatina 2. Casa destinada aos jogos de azar; baiuca, cassino, garito, jebimba, tabulagem 3. Ant. Casa destinada aos jogos de tabuleiro”. Na tradicionalíssima página A3 desse diário, fundado em 1875 e desde então dedicado a causas como a abolição da escravatura, a proclamação da República, a revolução constitucionalista paulista de 1932 e a resistência às ditaduras do Estado Novo e militar de 1964, essa comparação das sessões do STF com o vício do jogo resulta de profunda reflexão sobre fatos recentes. E passa a merecer a atenção de todos.

O editorial acima citado comentou a suprema insolência apelativa descrita de Nota & Informações e, no verso dessa, foi reproduzida reportagem importante e chocante da autoria de Julia Affonso, do Blog do Fausto, espaço reservado ao melhor da reportagem investigativa na imprensa brasileira. O título da abertura da editoria de Política do Estado do domingo 1.º foi: Defesa de Lula entrou com 78 recursos do caso tríplex. Acima do texto propriamente dito, o espanto provocado pelo título é devidamente justificado na linha fina acima dele: Lava Jato. Levantamento mostra que questionamentos foram apresentados entre fevereiro de 2016 e a semana passada: advogados do petista fizeram ofensiva no STF.

Para não perdermos de vista os “pais dos burros”, assim mesmo como o vulgo define os dicionários, muito vendidos e pouco lidos – e esses tomos deveriam ficar sempre ao alcance de nossas mãos –, talvez urja esclarecer que no caso a palavra “ofensiva” pode abarcar pelo menos dois significados. O primeiro, usado conscientemente pelo redator, quer dizer ataque. A defesa de Lula atua como um avanço de tropas contra o território inimigo. O segundo, depreende o leitor mais atento, representa um sinônimo de insolência, ou seja, uma extensão da palavra ofensa em seu sentido mais comum. Os advogados do petista, que não se cansam em atacar o Poder Judiciário da planície ao topo da montanha, ofendem não apenas seus membros de primeira, segunda e terceira instâncias, como também exercem o desplante de exigir da última delas comportamento condizente não com os autos dos processos aos quais seu cliente responde, mas de acordo exclusivamente com a conveniência dele.

No domingo em que julho foi inaugurado, o editorial do Estado e o levantamento feito por Júlia Affonso justificaram com sobras muitas atitudes da defesa do ex-presidente. O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, pediu à Procuradoria-Geral da República parecer sobre recurso dos defensores de Lula contra a condenação do cliente pelo juiz da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sergio Moro, sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre. Mas os causídicos não se satisfizeram com a decisão e exigiram que sua demanda fosse encaminhada diretamente à Segunda Turma do Supremo, também conhecida como “o jardim do Éden” pela generosidade com que de três a quatro (às vezes) dos cinco membros concedem habeas corpus a quem os pede. Fachin não ficou esperando sentado a decisão majoritária de seus “colegas” de turma e encaminhou o recurso ao plenário de 11. Antes do recesso de julho Alexandre de Moraes negou o pedido malcriado.

Por sinal, o membro da Academia Brasileira de Letras e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas Joaquim Falcão, especialista em STF, fez uma magnífica descrição da distorção provocada pela guerra interna dos “supremos” que permitem tais malcriações. No artigo A Segunda Turma é o Supremo, publicado na quarta-feira 27 de junho no jornal O Globo, Falcão focou a situação com olhos de águia e desferiu: “A questão hoje não é a palavra final. É a palavra intermediária. É quem manda no ‘durante’. Até chegar ao final. E como o atual sistema é de recursos infindáveis, o final também é, às vezes, infindável. Não adianta o plenário dizer que cabe prisão a partir da condenação em segunda instância. Pois a Segunda Turma pode sempre interpretar diferentemente. Nos últimos tempos, os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes consolidaram uma maioria de três que têm tentado, e muitas vezes conseguido, controlar a Segunda Turma — composta de cinco ministros”. Ou seja, os representantes de Lula provocam porque os “colegas” de Fachin permitem. E o resto é balela.

O resultado dessa batalha absurda só será conhecido em agosto, pois na “tabulagem” do Supremo o sorteio do recurso de Lula versus Fachin caiu nas mãos de Alexandre de Moraes, que é da Primeira Turma, cujo desempenho na concessão de habeas corpus é normalmente oposto ao da Segunda. Isso ocorre graças à posição do próprio Moraes, de Luiz Fux e Luis Roberto Barroso, que conta com o apoio de Rosa Weber, que vota contra a própria convicção por apoiar a permanência da jurisprudência da autorização de prisão após condenação na segunda instância, após ter dado na votação da medida voto vencido. Nessa turma, Marco Aurélio Mello, que faz de tudo para desmoralizar os oponentes que o derrotaram na votação, mantém uma tradição antiga de se isolar naquilo que chama de suas convicções. Por isso, ao contrário da Segunda, a Primeira Turma do STF foi chamada de “câmara de gás” por Gilmar Mendes, cujo voto ajudou a formar a jurisprudência, mas agora a combate com inusitada ferocidade.

Na semana passada, o citado ministro Mello deu exemplo de como se comporta nessa guerra de chicanas autorizadas com citação constitucional: concedeu habeas corpus ao multicondenado do MDB Eduardo Cunha, que, contudo, foi mantido preso por conta de outros dois mandados de prisão. Ou seja, ele não quis soltar o “Caranguejo” da Odebrecht, mas desafiar a decisão da presidente Cármen Lúcia de não marcar, como ele pretende, a rediscussão da jurisprudência até setembro, quando ela entregará a presidência da Corte a Dias Toffoli. Este foi lembrado nas redes sociais por ter mantido preso um morador de rua acusado de furtar uma bermuda de R$ 10, da mesma forma que soltou o ex-chefe José Dirceu, acusado de roubar R$ 10 milhões na Lava Jato. Será possível, então, dizer que o “garantismo” do futuro presidente do STF não é medido em unidades, mas em milhões?

E mais: a defesa de Lula, que pediu para a inelegibilidade dele pela ficha suja ser anulada no “jardim de Éden”, para o caso de votação no pleno, desistiu do pleito, o que não passou despercebido a Fachin. Que tal?

Seja lá como for, certo é que, se a “suprema tavolagem federal” mantiver sua atitudes recentes, descritas no editorial do Estado e no artigo de Falcão, as bancas milionárias de advogados grã-finos continuarão suas ofensas ofensivas, tal como a descrita por Júlia Affonso no caso de Lula.

*José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor


Carlos Alberto di Franco: Faro jornalístico e mundo digital

Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças para apresentá-lo o mais completo possível

Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças para apresentá-lo o mais completo possível. Dentre as competências necessárias para exercer um bom jornalismo, algumas parecem ser inatas e, por mais que se tente aprender, inútil será o esforço. É assim o tal “faro jornalístico”. Uma capacidade quase inexplicável que alguns profissionais possuem de descobrir histórias inéditas, de furar a concorrência e manter pulsando a certeza de que é possível produzir conteúdo de qualidade que sirva ao interesse público.

Nunca se pôs em xeque o papel essencial do instinto jornalístico. Nem eu pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há tempos neste espaço, apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que, por vezes, percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números.

Realidades que pareciam alheias aos negócios da mídia estão cada vez mais próximas dos veículos. É o caso do Big Data. A cada dia os acessos digitais aos portais de notícias geram quantidades incríveis de dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de enxergar o potencial que há por trás dessa montanha de informação desestruturada. Nas redações brasileiras multiplicam-se as telas coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao fim de um dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas. Mas e depois disso? Continuamos incapazes de interpretar adequadamente todas essas cifras e utilizá-las a nosso favor.

É preciso investir forte em tecnologia e não há outro caminho. Os jornais The New York Times e Washington Post, para citar algumas referências da mídia impressa, já entenderam que neste novo contexto digital produção de conteúdo e tecnologia vão de mãos dadas. Tanto que, em tempos de crise no setor, o renomado diário de Jeff Bezos parece fazer questão de andar na contramão da concorrência. Ao invés de enxugar os seus quadros, o que faz é expandir suas equipes. Mas Bezos não contrata apenas jornalistas. Busca também profissionais que, controlando ferramentas de dados, apoiem a redação, o departamento comercial e o marketing. São engenheiros, estatísticos e desenvolvedores que interpretam os números gerados pelas audiências digitais, identificam tendências e propõem estratégias relacionadas ao negócio.

Também não levará muito tempo para que a tão comentada inteligência artificial seja incorporada à rotina das redações. Na Associated Press e em outras agências de notícias já são os robôs que produzem parte das notícias sobre os balanços corporativos e o fechamento das bolsas de valores. Um prato cheio para empresas jornalísticas especializadas na cobertura do setor financeiro. Mas com isso não quero dar a entender que, num futuro não muito distante, as redações poderão prescindir de seus repórteres. Apenas acredito que profissionais altamente capacitados deixarão de se dedicar a informações que podem ser geradas automaticamente para contribuírem com reportagens analíticas e contextualizadas. Quem ganha é o consumidor.

Certo é que os veículos não podem assistir inertes ao avanço dessas novas tendências. Não podemos repetir a atitude que tivemos nos primórdios da internet, quando raras figuras nas redações apostavam que o ambiente multimídia tomaria a dianteira nos negócios. Também não podemos reproduzir a postura de meados da década passada, quando, fechados em nossos paradigmas, observávamos atônitos como o Google e o Facebook abocanhavam parcelas cada vez mais significativas da verba publicitária.

Na última semana tive a oportunidade de conversar com um grupo de executivos e gestores de veículos de comunicação, todos eles responsáveis pelo processo de transição digital em suas empresas. Vindos de diferentes Estados brasileiros e de alguns países da América Latina, eles se reuniram em São Paulo para o primeiro módulo do “Estratégias Digitais para Empresas de Mídia”, programa que dirijo na ISE Business School.

Todos eles estavam desejosos de encontrar novos caminhos de monetização. Em sala de aula crescia a certeza de que as verbas publicitárias não retornarão aos níveis de antigamente e, portanto, os ingressos deverão ser alavancados prioritariamente pelo conteúdo digital. Como tarefa de casa, levaram um desafio nada fácil: olhar para a cobertura de seus veículos e questionar-se se há valor diferencial no que estão entregando aos seus consumidores. Sabem que se a resposta for negativa poucas serão as possibilidades de monetizar esse conteúdo. Afinal, ninguém pagará por aquilo que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede.

Receberam também a missão de colocar a audiência no centro do processo. Já não basta que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. Felizmente, o ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que por muitas décadas imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas que produziam notícias para muitos, menos para o seu leitor real.

Sou otimista quanto ao futuro das empresas de comunicação, mas não deixo de considerar que o renascer do nosso setor será resultado de um doloroso processo. Passará pela construção de uma identidade editorial sólida, com apoio da tecnologia que permita escutar a voz dos consumidores. Mas, antes de tudo, exigirá uma boa dose de audácia para dinamitar antigos processos e modelos mentais que, até este momento, vêm freando as tentativas de inovação.


José Antonio Segatto: Política e representação

Os problemas do voto proporcional poderiam ser resolvidos, em parte, por medidas simples. Mais uma vez, como tem ocorrido invariavelmente em todos os momentos de crise, a reforma política é aventada como panaceia para todos os problemas do sistema de representação e gestão política do País. Em suas diferentes versões, tanto em sentido estrito (mudanças na legislação eleitoral e de regulação partidária) como lato (alterações na forma de governo), seria condição indispensável para conformar o sistema político à governabilidade e à democracia. Uma das medidas primordiais seria a substituição do voto proporcional pelo majoritário/distrital para a eleição de deputados federais e estaduais.

Seus defensores justificam que seria a melhor maneira de aproximar os eleitores da política – a delimitação espacial das circunscrições eleitorais avizinharia representados e representantes, facilitando a cobrança de uns e forçando a prestação de contas de outros. Além disso, tornaria os pleitos menos custosos, eliminaria as deformações do sistema proporcional, em que o eleitor não tem controle de seu voto, e, o que mais importa, diminuiria a quantidade de partidos, excluindo mesmo as minorias e/ou as pequenas legendas, convertendo a governabilidade em algo mais exequível.

Essas razões que embasam as proposições em prol do sufrágio majoritário/distrital podem ser objetadas em muitos de seus aspectos: 1) a divisão das atuais circunscrições eleitorais (Estados) em unidades bem menores, correspondentes à quantidade de representantes nos Parlamentos, coloca o problema da delimitação de suas fronteiras pelo número de eleitores e a diferença entre os pleitos (federais e estaduais), com quantuns diversos de representantes; os critérios para o redesenho dos distritos podem implicar ordenações arbitrárias de privilegiamento de interesses locais ou regionais e oligárquicos. 2) As eleições majoritárias uninominais, ao eleger candidatos por maioria simples, eliminam minorias (mesmo que expressivas), tendem a resultar em governos unitários e subtraem atribuições dos partidos políticos, fomentando o personalismo. 3) A tese de que aproxima os cidadãos de seus representantes por meio da defesa de interesses locais é falaciosa; os atributos de um deputado federal é o de legislar e tratar de questões nacionais, e não de demandas particularistas ou regionais – o risco que se corre é o de conceber vereadores federais (ou estaduais) ou despachantes paroquiais. 4) É duvidosa a alegação de que o sistema de voto distrital diminui os custos das campanhas; os dados revelam que as eleições majoritárias, mesmo que limitadas espacialmente, são sempre mais caras que as proporcionais. 5) O argumento segundo o qual as eleições por distritos menores amplificariam a eficácia parlamentar e potencializariam a representação contém forte teor ideológico, pois, ao contrário, a probabilidade de gerar correspondência assimétrica entre os votos e a representação é bem mais elevada nos pleitos majoritários do que nos proporcionais – exemplos disso são os sistemas eleitorais distritais norte-americano, inglês, francês e outros.

Seria possível enumerar outros problemas do voto distrital/majoritário e suas impropriedades para a representação política democrática. Acredito, entretanto, que os já enumerados são suficientes para apontar que o sistema de eleições proporcionais, embora imperfeito, tem se mostrado mais equitativo para representar a soberania popular, conforme indicam as experiências – mesmo as propostas híbridas, mescla do voto majoritário uninominal com proporcional de lista fechada, como o sistema distrital misto, não revogam suas vicissitudes.

Ademais, as facções políticas que pregam como imperioso o voto majoritário/distrital o apresentam como uma grande novidade e remédio para os muitos males da política brasileira. Esquecem-se, como que numa amnésia histórica, de que tal tipo de sistemática eleitoral foi utilizada por um longo período no País – obviamente que em outras circunstâncias e/ou época –, no Império e na República, desde meados do século 19 até 1930. Seus resultados não foram nem um pouco promissores – atendeu cabalmente aos propósitos do domínio oligárquico e coronelista e às conveniências políticas de uma elite parcamente democrática.

Substituindo o sistema distrital, o de voto proporcional de lista aberta em circunscrições (distritos) equivalentes aos entes nacionais (Estados) vem sendo praticado há mais de sete décadas e, ao longo desse período, sofreu alterações diversas. É inegável que, não obstante certos aperfeiçoamentos, contém ainda muitas imperfeições. Por exemplo: o fato de o eleitor votar em fulano e, com frequência, eleger sicrano, votar no candidato do partido x e eleger o postulante do y (nas coligações); o constante encarecimento das campanhas e as interferências do poder econômico em seu financiamento; entre outras resultantes indesejáveis.

Esses problemas, entretanto, poderiam ser resolvidos, em parte, por medidas simples como a proibição de coligações nas eleições proporcionais e/ou sua substituição pelo mecanismo de federações partidárias; a troca da lista aberta pela lista fechada flexível, estabelecida em prévias eleitorais partidárias, etc. A estas poderiam ser vinculadas a fixação de uma cláusula de barreira para que o partido tenha direito ao funcionamento legislativo, acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito; de um fundo para financiamento público de campanhas eleitorais; a correção da desproporção de representação entre os Estados na Câmara e no Senado; etc. Tais medidas, indubitavelmente, seriam providenciais para salvaguardar a operacionalidade dos mecanismos de representação política e da soberania popular, afora regular o processo democrático, dando-lhe maior previsibilidade e legitimidade.

* José Antonio Segatto é professor titular de sociologia da Unesp

 

 


Luiz Sérgio Henriques: O legado de Armênio, agora

O título remete à serenidade e, indiretamente, à ideia de revolução e luta pelas liberdades, e o livro em si fala de um personagem que, nascido em 1918, nos dá a honra de ser seu contemporâneo, depois de ter acompanhado parte conspícua das batalhas pela democracia segundo a ótica de um pequeno, mas importante, partido da esquerda contemporânea. Refiro-me ao relato de Sandro Vaia sobre a vida de um comunista singular (Armênio Guedes - sereno guerreiro da liberdade, Barcarolla, 2013), cuja leitura convida simultaneamente a uma reavaliação do passado e a uma posição no presente - esta última sempre tão difícil de tomar, se é que, como diz o filósofo, a ave da sabedoria só levanta voo ao escurecer e, por isso, estamos humanamente condenados a travar os combates do dia com uma consciência tão só parcial e muitas vezes enganosa.

O partido, naturalmente, é o PCB, criado no significativo ano de 1922, prenhe de acontecimentos que assinalariam a modernidade brasileira. Entre seus quixotescos fundadores, Astrojildo Pereira, intelectual fora dos padrões convencionais, admirador e estudioso arguto de Machado de Assis - paixão que o acompanharia pela vida afora e muitas vezes o salvaria da aridez sectária tanto na política quanto na literatura. Armênio chegaria ao "partido" - assim entre aspas, como se fosse "o" partido por antonomásia e todos os demais não passassem de ficção ou figuras casuais - em circunstância diversa e posterior, por ocasião da mobilização antifascista que também iria abalar internamente o Estado Novo e propiciar, logo em seguida à redemocratização de 1945, o curto período de legalidade do PCB.

Astrojildo e Armênio se cruzariam na história partidária, já então profundamente marcada por um traço específico do nosso país - a admissão da ala esquerda do tenentismo, simbolizada na figura de Luís Carlos Prestes -, bem como por uma característica generalizada dos velhos partidos comunistas - a adesão à União Soviética e ao corpo doutrinário que daí se irradiava para os demais partidos "irmãos", o "marxismo-leninismo".

Tempos de ferro e fogo, de clandestinidade, prisões e exílios. E também de enrijecimento dogmático, de cisões e excomunhões estrepitosas, como, para dar o exemplo canônico, as que acompanharam a denúncia dos crimes de Stalin e do seu sistema de poder, no já distante ano de 1956.

Prestes e Armênio - uma visão que tendia a soluções militares, marcada por uma assimilação positivista do marxismo, e outra que tendia a valorizar a política e os recursos da democracia, em cujo cerne estão a dissuasão, e não a força, o consenso, e não a coerção. O mais tradicional e moderado dos partidos da esquerda chegaria cindido a 1964. "No embate entre Jango e seu mais feroz opositor, o governador Carlos Lacerda, da UDN, Prestes achava que o PCB podia ficar no meio da briga e sair ganhando o poder que sobraria depois da mortal briga entre os dois lados." Armênio e muitos outros, ao contrário, tiveram consciência imediata do alcance histórico da derrota e do salto de qualidade que o capitalismo iria conhecer entre nós, na sequência dos idos de março de 1964.

Debilitado pelas sucessivas cisões de quadros que iriam fazer a luta armada - Marighella, Gorender, Mário Alves -, o velho PCB, apesar de tudo, acharia forças para prestar um último e decisivo serviço à democracia brasileira, ao tornar-se "linha auxiliar do MDB" e apostar na crescente discrepância entre o arbítrio do regime dos atos institucionais e o resíduo de legalidade que se manifestava na competição eleitoral e no movimento associativo, mesmo sob severos condicionamentos. Uma estratégia que apontava, desde o início, para a derrota do regime discricionário mediante a obtenção de ampla anistia e, fundamentalmente, de uma Carta democrática - esta mesma a que lealmente nos devemos referir em todos os momentos, especialmente nos de crise e incerteza, como o que ora atravessamos.

Eis-nos, como dissemos no princípio, antes de um novo e iluminador voo da coruja, a nos haver não só com o legado de Armênio, como também com os problemas um tanto opacos do presente. Movemo-nos num ambiente em que o mundo virtual - num indício, talvez, de verdadeira mudança antropológica - facilita enormemente a difusão do anseio por uma "democracia direta" que, segundo seus adeptos radicais, eliminaria a mediação institucional e os organismos estáveis da representação.

Além do fato de o mundo virtual também estar atravessado de boas e más possibilidades, podendo gerar, no limite negativo, um "assembleísmo eletrônico" com todos os vícios do assembleísmo tradicional, resta a evidência de que a esquerda hegemônica não parece ter pela Carta de 1988 o apreço a que devem sentir-se convocados todos os cidadãos. Alguns dos seus dirigentes veem a crise como ocasião para "enfrentar a direita e levar o governo para a esquerda", ainda que, a rigor, não tenham nenhum projeto alternativo de País ou de sociedade. Enxergam o conflito social legítimo como oportunidade de processos constituintes espúrios ou plebiscitos mal-ajambrados, que supostamente reuniriam um Executivo ainda mais hipertrofiado e a massa da população, fora ou dentro das redes sociais - mas sempre ao largo das instituições.

Num paradoxo só aparente, o caminho da fidelidade às regras do jogo democrático, como poderia ter sido em 1964 e como se patentearia nos anos da resistência, continua a ser a via mestra das mudanças substantivas, sem aventuras ou saltos no escuro. No velho PCB, em circunstâncias muito mais difíceis, pôde germinar um reformismo como o de Armênio Guedes. A esquerda hegemônica, hoje, está desafiada a fazer o mesmo: hic Rhodus, hic salta, diria conhecido pensador. E já não seria sem tempo.

* Luiz Sérgio Henriques é tradutor, ensaísta e um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil. Site: www.gramsci.org

 


Marco Aurélio Nogueira: Especulações e possibilidades

O que era especulação abstrata virou possibilidade concreta. Rodrigo Maia poderá substituir Michel Temer na Presidência. Juras de amor e lealdade jorram em profusão. Mas quanto mais ambos desmentem, mais gente se movimenta.

Mudará o quadro? Fará diferença?

Sim e não.

Dado o andar da carruagem, um novo governo pilotado por Maia terá de se valer da mesma articulação parlamentar que hoje sustenta Temer ou que já o sustentou. Não há como alterar isso, especialmente porque o PT e os que seguem suas diretrizes não irão se converter em “situacionistas”, posicionados como estão com os olhos fixos nas urnas de 2018.

Maia, além disso, teria os mesmos problemas de credibilidade de Temer, e não consta que se distinga por uma habilidade política fora do comum, embora saiba se conduzir com competência, tenha boa articulação política e trânsito institucional. Mas não é do tipo que dialogará com a sociedade e tenderá a sofrer muitos vetos da opinião pública.

No entanto, tem uma carta na manga. Poderá afastar a banda podre do atual governo e compor um ministério com perfil mais qualificado, preservando até mesmo a banda saudável de Temer (os ministros do PSDB, por exemplo). Poderia trazer para o governo figuras representativas da sociedade civil. E celebrar um pacto com o “alto clero” do Congresso, tendo em vista uma reforma política, a despolarização e a preparação das eleições do próximo ano. Agindo assim, atrairá apoios importantes e aparará arestas. Ganhará corpo.

Seria como que um reinício da prometida “transição” que alimentou o impeachment de Dilma e que foi naufragando conforme avançaram as denúncias contra Temer e seu ministério.

Se nada disso for feito, fica difícil imaginar de onde viriam a redução da turbulência e a “pacificação” do país.

A turbulência, aliás, talvez não seja o problema principal. Ela não assusta nem incomoda a sociedade, desencantada com os políticos e convencido de que aquilo que se faz em Brasília é sempre mais do mesmo. Também não perturba excessivamente a economia e o mercado, que só estão interessados na continuidade e na blindagem da equipe econômica. A economia, afinal, tem razões próprias, não se dobra a eventuais crises políticas.

Alguns dizem que a continuidade da turbulência — com ou sem Temer — somente serve para jogar água no moinho do PT. Pode ser. Mas é sempre bom não esquecer que avanços e vitórias não dependem prioritariamente do fracasso dos adversários, mas sim da mobilização das virtudes dos que desejam avançar.

Área em que o PT está devendo, e muito.

 


Tasso diz que País caminha para a ‘ingovernabilidade’

Presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati avalia que se o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fizer delação premiada, 'não tem o que discutir mais'

Julia Lindner, O Estado de S.Paulo

O presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE) fez um aceno nesta quinta-feira, 6, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para uma eventual sucessão do presidente Michel Temer. Caso a denúncia contra o peemedebista seja aceita pelos deputados e ele seja afastado do cargo, Maia assumiria provisoriamente o cargo por até 180 dias até o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar o caso.

A escolha do relator da denúncia contra Temer por corrupção passiva na Câmara, deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), e a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, acenderam o alerta entre Tasso e seus aliados para acelerar o desembarque. Agora, com os boatos de que o ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha pode fechar acordo de delação premiada, o presidente interino do PSDB acha que a crise deve se intensificar ainda mais.

"Se Eduardo Cunha fizer delação, aí não tem nem o que discutir mais. Se vier essa delação não sei nem quem vai ser citado, quem não vai ser, mas vai ser um semestre terrível para nós", avaliou. Ele reclama que "não dá para viver cada semana uma nova crise" e que "está na hora de buscar alguma estabilidade" para o Brasil.

Embora diga que ainda é "precipitado" falar em nomes para uma "transição", Tasso afirma que o candidato "tem que ser alguém que dê governabilidade" para o País até a eleição de 2018. "Isso não é algo difícil de se encontrar", minimizou.

"Na travessia, se vier, têm várias opções. Se vier um afastamento pela Câmara, ele (Maia)é presidente por seis meses. Se Temer renunciasse já seria diferente, mas, se passar a licença para a denúncia, aí ele (Maia) é presidente por seis meses e tem condições de fazer, até pelo cargo que possui na Câmara, de juntar os partidos ao redor com um mínimo de estabilidade para o País", declarou o tucano. Ele diz que está sempre aberto para tratar de uma "saída negociada" com Temer.

Sobre um cenário hipotético de transição, caso Temer deixe o cargo, Tasso avalia que a equipe econômica do atual governo deveria ser mantida para manter a estabilidade. "O governo tem que ser o mais próximo possível do intocável em termos de postura ética", completou.

Tasso admite que está conversando com todas as legendas sobre o assunto. "Eu acho que o ideal é envolver todos os partidos, inclusive os de esquerda", defendeu.

Para ele, o governo "caminha para a ingovernabilidade", assim como considera que ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) antes do processo do impeachment. Tasso considera ainda que o maior problema de Temer na base aliada é com o próprio PMDB, que está dividido.

"O primeiro sinal que vamos ter é com o relator (da denúncia contra Temer na CCJ, o deputado Sergio Zveiter), que é do PMDB. O PSDB não tem importância nenhuma nessa história. Se ele (Zveiter) der o voto licenciando o processo, quem está dando autorização é o PMDB. Quer coisa mais significativa que isso? Se ele não der (parecer favorável à aceitação da denúncia), aí é outra coisa."

Após mais de 45 dias longe das atividades legislativas, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), voltou ao cargo esta semana e, com isso, gerou um impasse sobre quem ficará no comando do partido. Tasso tem pressionado o tucano a tomar uma decisão definitiva sobre o assunto o quanto antes para ter maior legitimidade em suas decisões. Ele disse que, se continuar na função, a legenda vai começar a defender o parlamentarismo de uma maneira "bastante intensa".

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tasso-diz-que-caminhamos-para-ingovernabilidade-e-fala-em-maia-para-travessia,70001879777


Everardo Maciel: O andar do hipopótamo trôpego

As discussões sobre as reformas trabalhista e previdenciária, cujo desfecho é ainda imprevisível, fizeram aflorar reações que retratam o que existe de mais atrasado no País. São as corporações de todos os gêneros que defendem, arraigadamente, seus privilégios e, sobretudo, o controle do Estado brasileiro, antes limitado a velhos oligarcas políticos e ao empresariado patrimonialista.

Nada, no Brasil, é mais maltratado que o próprio Estado. Dele se extrai tudo que é possível, desde incentivos ineficazes, aposentadorias privilegiadas, programas assistenciais que não viabilizam a promoção social, férias em dobro e convertidas em dinheiro, salários que ultrapassam o teto constitucional e, sobretudo, o que se rouba na farra da corrupção sistêmica.

Como o Estado não produz riqueza, essas práticas de espoliação constituem tão somente uma pervertida forma de redistribuir o que a Nação produz, além de, paradoxalmente, impedir que ela produza mais.

Uma população pouco esclarecida, em razão do lastimável padrão da educação pública, é um espaço fértil para o engodo e a manipulação.

Quando se diz que a reforma trabalhista irá retirar direitos dos trabalhadores, o que na verdade se defende é a manutenção do imposto sindical que abastece o peleguismo, cuja atividade jamais foi fiscalizada, afora tudo o que gravita em torno da justiça trabalhista, que se alimenta da tentacular indústria de litígios.

Os movimentos contrários à reforma previdenciária visam tão somente a assegurar privilégios na aposentadoria do setor público. Não há preocupação com as gerações futuras, nem mesmo com a existência de recursos para o pagamento das aposentadorias no curto prazo. Prefere-se a dolorosa via grega do desastre.

É impressionante a “contabilidade criativa” para tentar, primariamente, mascarar os déficits da Previdência.

Há quem diga, espantosamente, que é necessário contratar mais servidores para assegurar o equilíbrio nas contas previdenciárias, como se o pagamento desses servidores não fosse dispêndio. O Estado brasileiro, ressalvadas algumas ilhas de excelência, além de estar enredado em uma grave crise fiscal, funciona muito mal.

A administração da saúde pública, por exemplo, é uma calamidade. A pretensão constitucional de qualificar a saúde como direito universal é patética, porque viola o inexorável princípio da escassez. A busca desse direito, na Justiça, é uma excentricidade. O magistrado demandado não dispõe de qualificação técnica para aferir a procedência do pedido e muito menos estabelecer, considerada a limitação de recursos materiais e financeiros, prioridade no atendimento.

Greve no setor público nega a sua própria razão de ser. É greve contra os usuários do serviço público, fazendo prevalecer o interesse individual sobre o público. Em alguns casos, assume natureza de motim.

É verdade que essa greve tem previsão constitucional, mas até hoje o Congresso não se dispôs a disciplinar o instituto e, dominado pelo medo das corporações, se abriga em uma decisão precária tomada pelo STF. Há ainda quem se queixe, sem razão no caso, do ativismo judicial.

Foi um enorme erro, na Constituição de 1988, conceder autonomia orçamentária para os Poderes Judiciário e Legislativo e para o Ministério Público.

A consequência dessa imprudente iniciativa se revela nos suntuosos palácios que albergam os órgãos daquelas instituições, em contraste com a precariedade de estradas, escolas e hospitais. De igual forma, os regimes de pessoal de seus servidores são generosos, quando confrontados com os dos demais servidores.

A política de gastos públicos, inclusive a de pessoal, tem que se sujeitar a critérios gerais. Diferenciações não podem decorrer do vínculo a Poder, mas da natureza da atividade. A independência dos Poderes não autoriza concluir que pertencem a Estados soberanos.

Ainda que indispensável, não será fácil reformar o Estado brasileiro. As forças reacionárias são poderosas. Por um bom tempo, o Estado prosseguirá marchando como um hipopótamo trôpego.

* Consultor tributário, foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)

Foto: O senador Cássio Cunha Lima, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, e o senador João Alberto Souza durante sessão plenária para discutir reforma trabalhista (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-andar-do-hipopotamo-tropego,70001878627

 


Número de queimadas avança 361% em julho no Estado de São Paulo

Inverno seco amplia risco de incêndio; desde o início deste ano, Inpe registrou 1.702 focos, 141% a mais do que no mesmo período de 2015

O inverno com pouca chuva até agora e com temperaturas elevadas causou um aumento de 361% no número de queimadas somente em julho, em comparação com o mesmo período do ano passado. O mês teve 687 focos de incêndio no Estado de São Paulo, maior número desde 2000, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2015, foram 149 casos.

Desde o início do ano até segunda-feira, 1º, os satélites do Inpe registraram 1.702 queimadas no Estado, 141% a mais que no mesmo período do ano passado (707). Neste ano, o número de incêndios superou os 1.421 de 2014, quando o Estado viveu a mais severa estiagem dos últimos 90 anos.

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Os satélites do Inpe registram queimadas com linha de fogo a partir de 30 metros de extensão por 1 metro de largura. Os incêndios afetam a qualidade do ar nas áreas urbanas e já causaram pelo menos uma morte. Um morador de rua morreu carbonizado, na noite de segunda-feira, em Sorocaba, depois que a guarita em que dormia foi atingida pelo fogo que se iniciou em um matagal. O incêndio pode ter sido causado por um curto-circuito na fiação elétrica que passa no terreno. De acordo com os bombeiros, em um único dia foram relatados 17 focos na cidade.

Em São Carlos, também no interior paulista, o fogo consumiu 20 mil metros quadrados de mata no bairro Azulville e as chamas chegaram próximas das casas, na segunda. As ruas ficaram tomadas pela fumaça. O sargento Marcos Roberto Dionísio, do Corpo de Bombeiros, relatou ter encontrado animais silvestres queimados. No domingo, uma queimada assustou moradores do Jardim Novo Horizonte, em São João da Boa Vista. Durante a manhã, parte do bairro ficou coberta pela fumaça e as casas foram invadidas por cinzas. No dia anterior, um incêndio destruiu 300 hectares de matas no município de Pirassununga. As chamas atingiram parte de um terreno da Academia da Força Aérea (AFA).

O inverno deste ano está mais seco que o de anos anteriores. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), na maior parte do Estado o índice de chuva em julho ficou em torno de 10 milímetros – a média histórica é de 35 milímetros. O aumento em queimadas às margens das rodovias levou a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) a iniciar uma campanha de alerta aos motoristas. Em 2015, foram registrados 4.551 focos de incêndio nos 6,4 mil quilômetros da malha gerenciada pela Artesp.

Alerta

Entre janeiro e maio deste ano, ainda fora do período da seca, aconteceram 2.662 focos, um aumento de 120% em relação ao mesmo período de 2015. “Nas rodovias, além do problema ambiental, o alastramento do fogo representa insegurança para os motoristas, uma vez que a fumaça reduz a visibilidade”, alertou a agência. Até setembro, as 267 telas eletrônicas nas rodovias vão exibir mensagens orientando o motorista a ligar gratuitamente para a concessionária em caso de incêndio à beira da estrada.


Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.

Por: José Maria Tomazela