Estadão

Lourdes Sola: O eleitorado mira o ‘efeito túnel’

Liderança do ‘defensor dos ricos’ é atribuída às aspirações das classes médias emergentes

Vivemos uma conjuntura crítica, quem não sabe? Em alguns aspectos, sem paralelo na nossa História ou na trajetória de outras democracias jovens, menos ainda nas democracias do Atlântico Norte. Mas podem-se traçar paralelos com a maioria delas. A razão é que quase todas passam por transformações que podem genuinamente ser caracterizadas como deslocamentos de placas tectônicas. Compartilham um grau de polarização inédito em relação à História (recente) de cada uma delas.

Mais intrigante ainda, em quase todas se registra a dominância da política sobre a economia. Pois o que a literatura jornalística analisa como “crise da democracia” ou “o risco de regressão autoritária” inclui tanto casos de prosperidade quanto de crise econômica. Exemplos: o estilo divisionista de Trump, mesmo com pleno emprego; um Brexit problemático, sem crise; a regressão autoritária na Turquia de Erdogan ganhou impulso com altas taxas de crescimento. É o caso também de Orbán, na Hungria, e Moraviecki, na Polônia - cujo “sonho é (re)cristianizar a Europa”. De fato, não é só a economia, idiota.

Analistas políticos selecionam uma ou outra desse rico menu de opções sombrias focalizando o risco de uma regressão autoritária, com base na ideia de uma “guerra cultural”, entre valores opostos. O problema existe, mas essa noção não faz jus à dominância da política, tampouco às características distintivas da nossa conjuntura. E essa é uma falta grave para os que querem situar-se no território da oposição democrática. Como lembrou Gabeira neste espaço (19/10), o horizonte de alianças políticas para quem defende o meio ambiente, direitos humanos e os das minorias se estreita, mas está longe de se fechar. Concordo também com sua caracterização da cena eleitoral, “talvez mais reveladora do Brasil que as outras”, desde que se a mire, como ele, com olhos de ver.

A ênfase dominante na dimensão cultural leva a crer que as inclinações autoritárias da sociedade, antes submersas, vieram à tona de repente - ao contrário do que registram os índices de aderência à democracia, os mais altos desde 1989 conforme o Datafolha. Pior, obscurece a resiliência do ethos democrático (e das instituições), apesar da sucessão de traumas, a Lava Jato, o impeachment, a falência do sistema partidário. Ao mesmo tempo, o eleitor nunca esteve tão bem servido de informações e de análises doutas: com pesquisas de opinião, de alta qualidade, cujo efeito multiplicador a mídia e as redes repercutem em escala ampliada.

Se é assim, como situar a “maré conservadora”? Em primeiro lugar, mirando as bases sociais da política, como ensina a teoria política. Quer dizer, mirando os critérios de legitimação por meio dos quais a sociedade valida o exercício do poder por quem o exerce. (Nenhum governo autoritário se impõe só pela força.) Esses critérios mudaram e não foram internalizados pelos principais players. A nossa é uma crise de legitimação política que, superposta à crise do sistema partidário, adquiriu os contornos ameaçadores de crise de autoridade - mais aguda para os do andar de baixo. É assim que explico o sentimento anti-PT. Menos do que uma rejeição do ethos igualitário - afinal, graças a ele o partido foi eleito e governou juntamente com “as elites” -, reflete a inoperância dos seus cálculos políticos e da reiteração de seus velhos automatismos. Quer dizer, a postura “nós contra eles”, a aposta preferencial em sua hegemonia, a contestação do sistema de Justiça - e uma agenda econômica do tipo Dilma 3.

Mas afinal, em que mudaram os critérios de legitimação política? Em que ajudam a entender a conjuntura atual? Uma de suas características distintivas - este é o segundo aspecto - consiste no fato de que a nossa é uma crise dual, política e econômica. A análise dos riscos políticos deve embutir a dimensão econômica, sob pena de se delegar essa tarefa exclusivamente ao mercado. Entre as várias mudanças nos critérios de legitimação, analistas do Datafolha Paulino e Janoni (Folha, 19/10, A10) registram uma verdadeira mutação. Pela primeira vez o candidato identificado como “defensor dos ricos” lidera as pesquisas, na contramão das eleições anteriores, quando esse era o atributo dos derrotados (Serra, Alckmin, Aécio). Atribuem isso à mudança na composição da sociedade brasileira, ou seja, ao papel estratégico das classes médias emergentes, de escolaridade média ou superior, mas baixos salários. Suas aspirações refletem aburguesamento: ordem nos serviços públicos, segurança na vida privada (família) , para “alcançar por méritos próprios (trabalho)” os padrões das classes mais altas.

Esse fenômeno inédito pode ser aprofundado à luz de uma das contribuições de Albert Hirschman quando há 40 anos se debruçou sobre um paradoxo: a tolerância pela desigualdade entre os “setores deixados para trás” era maior justamente quando ela aumentava, isto é, durante o crescimento acelerado. A percepção do aumento da desigualdade emergia apenas na reversão do ciclo econômico, pela demanda por reformas - impondo-se então aos governantes uma correção de rumos e também reformas redistributivas. O paradoxo resultava da expectativa fundada na experiência, ou seja, os evidências de aumento generalizado da renda em termos absolutos nos anos de bonança permitia projetar sobre o futuro a hipótese de que a fila continuaria avançando . É o efeito túnel. Ele legitima os governos incumbentes enquanto dura o crescimento.

Entendo que o esgotamento desse efeito explica o eleitor de Trump e os do Brexit, por exemplo, mas aqui assume outros contornos. A bonança trouxe redução, e não o aumento das desigualdade, graças à integração (parcial) à economia global e às políticas distributivas do PT. Mas a ação corretiva exige reformas econômicas que implicam redistribuição de privilégios e de penalidades, além das necessárias para barrar a captura do Estado.

* Lourdes Sola é cientista política, pesquisadora sênior da USP, foi presidente da Associação Internacional de Ciência Política


O Estado de S. Paulo: ‘Centro se afunila entre Alckmin e Marina’, afirma Roberto Freire

Presidente nacional do PPS diz que trabalha para consolidar pré-candidatura tucana, mas não descarta apoio à sigla da ex-ministra

Por Emanuel Bomfim e Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, disse, em entrevista ao Estado e à Rádio Eldorado, que o centro político do País está se afunilando em torno de dois nomes nas eleições 2018: o tucano Geraldo Alckmin e Marina Silva, da Rede. Freire avalia que o debate eleitoral ocorre em meio a um momento de raiva e indignação. “As pessoas estão escolhendo com o fígado. É nesse tom de raiva que cresce o Bolsonaro.” Abaixo os principais trechos da entrevista:

O nome do sr. foi apontado por emissários de Marina Silva como possível vice dela. Como avalia essa tentativa de aproximação?
É claro que é uma honra ser lembrado, ainda mais por uma pessoa que merece ser respeitada como Marina. Mas foi algo que surgiu mais pela imprensa e por pessoas ligadas a ela. Não houve nenhuma conversa entre nós. Isso só é possível de ser discutido se o PPS porventura entender que não tem que cumprir com o indicativo que aprovou em seu congresso nacional, de apoio ao Geraldo Alckmin. Eu como presidente do partido vou fazer cumprir a decisão do congresso. Posso adiantar que não cumpro apenas por dever de ofício, mas por achar que a melhor opção que temos.

Está 100% descartada qualquer possibilidade do PPS formar uma aliança com Marina?
Se eu disser que não é 100%, a manchete vai ser: ele admitiu. Não posso dizer qual será o cenário futuro, mas estou trabalhando para consolidar a candidatura de Geraldo Alckmin. Ele fez uma boa gestão em São Paulo, é um homem tolerante e moderado. O Brasil está precisando disso. O Brasil perdeu qualquer possibilidade de tolerância.

O PPS apoia o movimento que tenta unificar as candidaturas do centro em uma só. Para isso, alguém precisaria abrir mão. Marina pode ser essa candidata?
Nenhum desses candidatos vai dizer que não é. Ninguém começa uma discussão dessa abrindo mão. Mas a coisa está afunilando.

Em torno de quem?
Ainda não de um, mas dois nomes: Alckmin e Marina.

Por quê Alckmin não decola nas pesquisas?
A palavra da moda é essa: ‘não decolou’. As pesquisas não podem ser levadas ao pé da letra. Elas têm distorções gravíssimas. O ex-presidente da República (Luiz Inácio Lula da Silva) foi condenado a pena de reclusão e está ainda nos cenários. Vocês acham que o brasileiro vai ser ingênuo de acreditar que quem não participa de debate tem algo a dizer ao País? Nesse momento a raiva é fundamental, a indignação. As pessoas estão escolhendo com o fígado. É nesse tom de raiva que cresce o (Jair) Bolsonaro (pré-candidato do PSL).

Classe política e eleitores estão apartados hoje?
Eu diria que temos um centro eleitoral que não se decidiu. E ele representa a ampla maioria da sociedade brasileira. Esse centro da direita à esquerda democrática que ainda não se encontrou. Nesse cenário, as forças políticas começam a se afunilar. As forças políticas começam a se aproximar do Geraldo, e da Marina, por conta de seu recall.

Há uma tentativa da Marina de se aproximar do PPS? Como enxerga esse movimento?
Como uma tentativa dela de fugir do isolamento. Ela jantou ontem (nesta quarta-feira, 20) com o Luciano Huck. Falei com ele. Um das coisas que eu disse foi que é ótimo que conversem. Precisamos ter cuidado para não ficarmos ansiosos. De 1990 para cá, as eleições coincidem com Copa do Mundo. Em todas, as chapas já estavam formadas na abertura da Copa e as coligações consolidadas. Os candidatos estavam assistindo aos jogos. A Copa já começou e não tem nenhuma chapa organizada em nenhum lugar do País. Estamos vivendo uma crise e ela está impactando nesse processo. Será que a gente pode falar que outsider vai presidir essa eleição. Teve um momento que sim.

O sr. trabalhou por um, que foi o Luciano Huck...
Estávamos trabalhando para isso. Tínhamos a compreensão que um outsider ganharia essa eleição. Era ele, depois o Joaquim Barbosa. Quem é agora?

O sr. achava naquele momento que o Huck era um candidato mais competitivo que o Alckmin?
Eu achava que ela era um candidato que poderia representar um sentimento que iria crescer. Ele trazia a celebridade e tinha uma presença na sociedade. Isso aconteceu também com o Joaquim Barbosa.

Sem eles dois, avalia que Marina Silva estaria mais próxima desse perfil que o eleitorado magoado com a política?
Tenho medo que esse pessoal magoado com a política vá se omitir. Experimentamos isso no Tocantins.

O Rodrigo Maia chamou essa articulação do centro de conversa de bêbado...
Conversa de bêbado é muito boa porque você delira de vez em quando. Mas não serve para a política.

O sr. deixou o governo Michel Temer após o caso envolvendo o Joesley Batista. Como avalia a gestão e a candidatura do ex-ministro Henrique Meirelles?
Tive clareza de sair do ministério (da Cultura) porque achava que a partir daí o governo entraria em processo de desgaste. Mas sabendo que foi uma irresponsabilidade sem tamanho do (ex) procurador-geral da República (Rodrigo Janot). Hoje é um governo com uma tremenda fragilidade que está cumprindo tabela.

Um candidato apoiado por Lula estará no 2.° turno?
Não necessariamente. Precisa saber qual será. Teve um momento que imaginavam que poderia ser o Ciro (Gomes). Em 2002, quando ele foi candidato pelo PPS, teve um momento que achamos que ele poderia ganhar as eleições. Ele jogou fora isso já no meio da campanha por uma série de problemas. Um certo descontrole. Ciro tem o que dizer, mas por conta de um certo desequilíbrio deixa de fazer.


Vinícius Müller: Violência e desigualdade. Como o Exército e a escravidão moldaram nossa História

A efeméride dos 130 anos da Lei Áurea e a descoberta de documentos referentes ao governo do general Ernesto Geisel revelaram o poder que a História tem de nos incomodar 

Há quem pense que ela sempre se repita em ciclos. Outros, como farsa ou tragédia. No meio do caminho, rupturas. E assim, para outros tantos, em direção ao progresso. O cardápio é variado, o que, às vezes, torna a escolha um tanto confusa e sofrida. Contudo, a História não se deixa domesticar tão facilmente. Ela acontece independentemente de nossas maneiras de entendê-la, de nossos desejos e escolhas. E, muitas vezes, em ritmos e tempos que nos surpreendem. A surpresa pode ser o incômodo para novos entendimentos, revisões e ajustes com o passado. Nos últimos dias, por duas vezes, a História nos tomou algum tempo de reflexão. A efeméride dos 130 anos da Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, e a descoberta, pelo professor Matias Spektor, de documentos referentes ao governo do general Ernesto Geisel, revelaram o poder que a História tem de nos incomodar.

No primeiro caso, (re) descobrimos que, após 130 anos, ainda não demos conta de responder aos desafios criados pela Lei assinada pela Princesa que redimiu um povo, mas perdeu o trono. Desafios que menos se relacionam com o debate entre o arranjo e a ruptura e mais com a continuidade e transmissão. Ou seja, menos importante é saber se teria sido melhor abolir a escravidão no Brasil por uma Guerra, como fizeram os norte-americanos, ou sob o longo acordo que fizemos sob a feição de D. Pedro II. Importa muito mais saber como os valores envolvidos e representados pela escravidão se transferiram para outros aspectos, garantindo sua sobrevivência e o nosso atraso. A desigualdade, por exemplo, mesmo representada agressivamente pela escravidão não acabou com a Lei Áurea. Ela se traveste e se encaixa, quase como uma free rider, em nosso comportamento diário e em nossas instituições. A escravidão não é a desigualdade, é sua representação. Acabar coma escravidão, portanto, não é acabar com a desigualdade.

O mesmo vale para o segundo caso. As revelações de que Geisel sabia mais do que supúnhamos sobre ‘os porões da ditadura’ e que muitas vezes deu anuência à ação criminosa de agentes do Estado contra indivíduos brasileiros, nos mostram que a troca da liderança militar – saiu a ‘linha dura’ de Médici, entrou a transição de Geisel – não se fez em prejuízo da institucionalização da violência, mas ao seu sabor. O que dava a Geisel a marca da ‘abertura’ não era sua vontade e capacidade de estancar a violência, e sim sua competência em controlar e transferi-la dos ‘porões’ ao seu gabinete. E essa transferência toma tempo, porque assim como a desigualdade, a violência também pode ser entendida como um jogo em que alguns ganham e outros perdem. Por isso, aqueles que ganhavam resistiam. Aqueles que perdiam se apressavam. Foi entre os dois que o tempo da História ocorreu. E Geisel deixou claro desde o começo que, para ele, esse tempo seria ‘lento e gradual’.

O que torna essas duas passagens mais interessantes é que, um dia, elas já estiveram juntas. Escravidão e Exército ou desigualdade e violência são elementos centrais à formação do Brasil ao longo do século XIX. E a ponderação entre elas permanece como uma das continuidades mais resistentes de nossa História. Entre 1865 e 1870, o Império viu-se obrigado a ampliar sua política de recrutamento militar. Estávamos em meio ao conflito por nós brasileiros chamado de Guerra do Paraguai e o Exército carecia de estrutura, inclusive de oficiais, para enfrentar o não tão poderoso vizinho. A ampliação do recrutamento incluiu ex-escravos, liberados do cativeiro diretamente para a Guerra sob a negociação entre o Império e os proprietários de gente. Com o fim da Guerra, tal política encerrou-se, desagradando o Exército e o afastando parcialmente do Império.

Desta briga institucional emergiu uma das mais relevantes questões sobre a formação do Estado brasileiro e, a rigor, de qualquer Estado. Ao defender a manutenção de uma política de liberdade de escravos que se transformariam em oficiais militares, o Exército indiretamente se aproximou dos abolicionistas. E essa aproximação fez do Exército um dos defensores daquela que seria a pauta modernizadora do país. O término da escravidão não era apenas a modernização econômica voltada à entrada do país no capitalismo contemporâneo. Era também a modernização moral e civilizatória, amparada na ideia de que a escravidão embrutecia escravos e senhores e tornava impossível a civilização. Mas, além disso, e para os militares, o fim da escravidão representava a superação do hiato que existia entre a ordem privada que permitia o uso da violência em âmbito doméstico e a modernização institucional do Estado Brasileiro que, em tese, teria o monopólio da violência.

Assim, terminar com a escravidão, a mais eloquente manifestação da desigualdade que nos funda, era não só o passo fundamental para o desenvolvimento econômico e para a construção de uma sociedade minimamente civilizada, mas também condição para a modernização e, quiçá, para a própria construção do Estado Nacional. E para isso, era essencial transformar o uso da violência em algo público, não privado. Dessa forma, atacar a desigualdade e garantir a modernização econômica e moral dependia da centralização do poder sobre a violência em mãos do Estado e de seu braço armado, o Exército.

Contudo, estes elementos se recombinam ao longo da trajetória histórica de modo a confundir os incautos. Se a modernização é a tentativa de diminuir a desigualdade cujo antepassado é a escravidão, ela pode ser também a superação da violência em âmbito privado. Se a civilização depende disso, é porque ela dependia no passado da superação da escravidão em favor do avanço capitalista. E ambas estiveram, em nossa história, ligadas à ação do Estado e de seu braço armado, o Exército.

Portanto, ao centralizar a decisão sobre o uso da violência durante seu governo, Geisel estava, mesmo que não soubesse, lidando com questões cuja temporalidade é muito maior do que ele e do que a lamentável experiência da qual fez parte. Enfrentava uma situação de recombinação dos elementos que nos forjaram como nação e que permanecem presentes mesmo à nossa revelia. O Estado e sua função última, o uso da força, podem servir a variados fins: à modernização econômica, à definição do que é moral e civilizado e à garantia de que a violência é assunto público, não privado. Depois de mais de um século que as três questões estiveram juntas, talvez seja tempo de definirmos se elas ainda fazem sentido em conjunto. Desde então, todas as vezes que o Exército – e seu chefe maior, o Estado – se voltou à modernização econômica ou à definição do que é moralmente certo, os resultados não se sustentaram.

A História, que pode ser cíclica, evolutiva, irônica, farsesca ou trágica, também pode ser a recombinação de elementos permanentes com as mudanças circunstanciais. Deixemos, então, que ela reconfigure os elementos de nossa trajetória e que, assim, a economia seja do mercado e que a civilização seja da sociedade civil. Ao fim, estaremos garantindo que o Estado e seu monopólio sobre a violência se volte à promoção e zeladoria da igualdade jurídica. Ou seja, à eterna vigilância de que a igualdade se funda na garantia de uma ordem cuja definição do justo e de sua sustentação a partir do uso da violência seja sempre pública e nunca privada.

* Vinícius Müller é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper.

 


Vinícius Müller: Gustavo Franco para crianças

Em 'A Moeda e a Lei', o economista Gustavo Franco revela como a tragédia da inflação foi sendo construída no Brasil por diversos interesses. Confira a análise de Vinícius Müller, do Insper 

Há uma cena no filme Real: o Plano por trás da História, do diretor Rodrigo Bittencourt, na qual o personagem de Gustavo Franco, interpretado pelo ator Emílio Orciollo Neto, desabafa sobre sua insatisfação em ter de corrigir provas de alunos ‘comunistas’. Gustavo Franco, sabe-se, é professor do departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro, faculdade reconhecida pela sua excelência no ensino e pesquisa e, de modo algum, caracterizada por ser defensora de teses ‘comunistas’. Pelo contrário, o departamento notabilizou-se no Brasil pela presença de professores vinculados ao mainstreamda Ciência Econômica, fortemente influenciada pelas propostas ortodoxas que, do marxismo, nada carregam. Imagina-se que o aluno que opta por cursar Economia na PUC do Rio de Janeiro conheça essa característica e, portanto, não seja propriamente alguém com tendência à economia heterodoxa ou marxista. Curioso, então, que aquele que viria a ser um dos artífices do Plano Real e presidente do Banco Central durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 1998, se mostre tão frustrado com seus alunos ‘marxistas’.

Para além da ironia contida na cena, independentemente de ser fiel à realidade ou não, seria interessante saber o que Gustavo Franco pensaria – ou qual seria o tamanho da sua frustação – se lecionasse em escolas e cursos cujo viés é, de fato, marxista. Um curso de História de qualquer universidade brasileira, por exemplo. O economista, culto como demonstram seus estudos sobre a relação entre literatura e economia, seria desafiado a defender seu brilhante estudo recentemente publicado, A Moeda e a Lei(Ed. Zahar, 2017), para uma plateia de céticos e, quiçá, agressivos ouvintes dispostos a ofensas pessoais do mais baixo calão.

Contudo, talvez, entre eles, ao menos um estudante estivesse disposto a ouvir e a entender a complexa trama estabelecida pelo autor em seu novo livro. Trama que dialoga com três áreas fundamentais do conhecimento, a Economia, a História e o Direito, e que as apresenta de modo a não só estabelecer o diálogo, mas também a complexa relação entre elas. É assim quando, por exemplo, ao contar a trajetória da moeda e da inflação no Brasil desde 1933 (ano da criação da moeda fiduciária no país), oferece sua versão sobre como a inflação foi um subproduto de uma perversa combinação entre o mau entendimento sobre o poder simbólico da moeda, uma mentalidade tacanha que apostava no isolamento do país em relação às experiências bem sucedidas no controle inflacionário e na condução da política monetária de outros países, e do modo como esta mentalidade se transformou, em instituições formais, em leis.

Além disso, expõe a indisfarçada preguiça mental e canalhice intelectual daqueles que creditaram à inflação algo positivo ao desenvolvimento e, por tabela, negligenciaram em suas opiniões a tragédia que foi para outros países a convivência com índices de hiperinflação; ou seja, removeram de suas análises a memória sobre a hiperinflação alemã e o caos que ela promoveu. Gustavo Franco, especialista no tema, nos relembra disso.

Em nove capítulos, a obra revela como a tragédia da inflação no Brasil foi sendo cuidadosamente construída ao longo do século XX, seja pelo uso discricionário de políticas monetárias e cambiais em nome de uma modernização que, no final, privilegiava seletivamente alguns em detrimento de quase todos; seja por que tal seletividade se transformou em regra de funcionamento tanto da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito, órgão responsável pela política monetária entre 1945 e 1964) quanto do Banco Central, criado logo após o golpe de 1964 – em síntese: como a desculpa de que a moeda e o câmbio se ditados pelas regras do mercado seriam obstáculos ao desenvolvimento do país se transformou no controle monetário e cambial exercido por órgãos subordinados aos interesses políticos e de grupos organizados. O incrível é que, em nome de sua aversão ao mercado, muitos apoiaram tal controle e, de quebra, os benefícios que gerou a determinados grupos, como se fosse uma defesa da soberania nacional ante o avanço do ‘imperialismo’ estrangeiro.

Essa não só é a face mais terrível dessa história, como é também uma das causas dos fracassados planos de estabilização dos anos 80. A espúria associação entre o uso de certa ortodoxia, de um lado, e os interesses estrangeiros, de outro — o que leva muitos a relacionar a heterodoxia aos defensores do interesse nacional –, deu a sustentação ideológica e simbólica aos planos de combate à (hiper) inflação que destruíram boa parte da geração que entrou no mercado de trabalho nos anos 80. Foi preciso a superação deste grave equívoco intelectual e histórico, ao menos por alguns, para chegarmos ao Plano Real em 1994. Quantos não se voltaram contra o Plano Real, acusando-o de ser o representante do neoliberalismo que entregaria o país aos norte-americanos, entre outras insanidades semelhantes? Se, por um lado, devemos receber com uma salutar desconfiança o elogio feito por Gustavo Franco ao mais bem sucedido plano econômico de combate à inflação que já tivemos em nossa história (afinal, ele foi um dos formuladores), por outro, alguém precisava sair em defesa do evento mais importante que ocorreu na economia brasileira nos últimos trinta anos sem medo de ser perseguido pela patrulha dos que não entenderam nada. Curioso é que tal defesa seja feita por um economista, e não por um político.

O livro de Gustavo Franco é, assim, inovador em sua forma e conteúdo. Só por isso, já deveria ser adotado pelos cursos de História, de Direito e de Economia. Mas o que talvez Gustavo Franco não saiba é que ainda que seu trabalho tivesse apenas um leitor atento em nossos já mencionados cursos dominados por inclinações marxistas, esta única exceção revela mais do que a princípio parece. Entre outras coisas, revela que os espaços ocupados ao longo do tempo por grupos que foram progressivamente vencidos em tantos embates de nossa trajetória foram, em geral, justamente os espaços negligenciados pelos vencedores. Ou seja, que há uma hierarquia que se revela não só entre os projetos vencedores e perdedores, mas também nos espaços que foram ocupados a fim de promover a reprodução e/ou sobrevivência destes últimos; que o federalismo, por exemplo, quando derrotado no embate contra o projeto de centralização imperial, ajustou-se nas franjas do poder de modo que, décadas depois, renasceu com força irresistível em São Paulo; que o centralismo, mesmo derrotado em 1891, se refugiou entre militares e positivistas de modo a, na melhor oportunidade, tomar a frente do país com a ascensão de Vargas em 1930; e, por analogia, que os ‘comunistas’, que tanto irritavam Gustavo Franco, se esconderam e sorrateiramente se reproduziram nas escolas e na academia para, décadas depois, se lançarem ao poder. Cada um coloniza o espaço que lhe sobra ou lhe interessa. No caso, os ‘não comunistas’ pouco se importaram com a Educação, e assim a escola e a academia se transformaram no melhor abrigo aos tantos que, na hipotética visita aos futuros historiadores descrita acima, vaiavam o ex-presidente do Banco Central.

Por isso, o inicial estranhamento sobre a reclamação do professor da PUC do Rio de Janeiro que não queria corrigir provas de ‘comunistas’ transforma-se em revelação: os ‘comunistas’ não mais escolhem ou se incomodam em cursar Economia ou História, na PUC carioca ou nas universidades públicas. Na verdade, eles nem sabem o que é ‘comunismo’ ou que eles são ‘comunistas’, afinal toda sua vida escolar pregressa foi assim. A educação, e seu lugar de formalização – a escola – e de aprofundamento – a Universidade –, abandonadas como foram pela elite, se transformaram no refúgio e, concomitantemente, no local de sobrevivência dos ‘comunistas’ que, ao longo da nossa trajetória, perderam embates cruciais à sua perpetuação. Eles colonizaram o universo educacional e lá apresentaram a sua formação e viés como os únicos possíveis. Portanto, transformaram-na em um espaço vinculado não à educação, mas ao jogo de poder.

Por isso, a indignação do professor Gustavo Franco deve se transformar em ação: se há um livro infantil chamado O Capital para as Crianças (Liliana Fortuny, editora Boitempo, 2018), que com todo o direito inicia os pequenos à obra de Karl Marx, devemos criar uma campanha para termos “Gustavo Franco para Crianças”. Seria uma justa maneira de mostrar a relevância de seu último livro para a ascensão de um novo debate que envolva, desde o início, a formação de futuros Economistas, Historiadores e Advogados.

* Vinícius Müller é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper.


O Estado de São Paulo: A miséria da esquerda

Sem Lula, os partidos do dito 'campo popular' (esquerda) dificilmente serão capazes de comover os eleitores com seu discurso estatizante

Os intelectuais petistas começam a admitir em voz alta aquilo que seus colegas militantes apenas murmuravam aqui e ali: a esquerda - como eles a entendem - é totalmente dependente de Lula da Silva para existir como força eleitoral. Sem o demiurgo petista e suas bravatas demagógicas, reconhecem esses amuados ativistas, os partidos do dito “campo popular” dificilmente serão capazes de comover os eleitores com seu discurso estatizante, baseado na puída tese marxista da luta de classes. Ou alguém acredita que Dilma Rousseff, que se julga herdeira de Leonel Brizola e seu esquerdismo terceiro-mundista, teria sido eleita e reeleita presidente da República não fosse seu padrinho?

“Impedir o PT de ter um candidato competitivo a um ano do pleito equivale a banir a esquerda da vida política”, sentenciou o professor de História da USP e autor do livro História do PT, Lincoln Secco, em recente entrevista ao Estado. Segundo Secco, “a esquerda não tem plano B sem o Lula”. Mais do que isso: o professor petista considera que, “sem apoio do Lula, nenhum candidato da esquerda se viabiliza”.

O professor Secco não está sozinho nessa avaliação. A sentença do juiz federal Sérgio Moro que condenou Lula a mais de nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro teve o condão de fazer com que outros militantes manifestassem sua preocupação com o futuro eleitoral da esquerda, depois de mais de uma década de bonança petista. Para essa turma, é preciso começar a encarar a vida sem Lula na cédula de votação em 2018.

O mais curioso desse diagnóstico é que Lula da Silva jamais foi de esquerda. Sua carreira como líder sindical e depois como político se notabilizou pelo oportunismo desbragado. “Eu nunca fui um esquerdista”, disse o chefão petista em 2006, quando era presidente, buscava a reeleição e tinha de convencer o mercado de que nada mudaria na condução prudente da política econômica. Já quando precisa insuflar a militância esquerdista, Lula não tem dúvida em bradar, como fez no mais recente congresso do PT, que é necessário fazer “a esquerda voltar a governar o País”. Cabe aos ingênuos escolher em qual Lula se deve acreditar.

Diante da perspectiva muito concreta de passar os próximos anos na cadeia, Lula da Silva parece ter intuído que o melhor a fazer no momento é travestir-se de esquerdista, vociferando palavras de ordem contra o capital, a imprensa e a classe média, de modo a eletrizar os tolos que ainda se dispõem a defendê-lo, a despeito de todas as evidências. Sua intenção é óbvia: transformar seu julgamento em um caso político, como se sua condenação judicial, acompanhada de carradas de provas, fosse uma ação da “direita”, interessada em destruir as chances eleitorais da “esquerda”.

Essa encenação para engambelar esquerdistas bocós conta com a participação ativa da cúpula do PT, ciente, é claro, do risco de ver o partido encolher drasticamente nas próximas eleições caso Lula não possa concorrer. No mais recente encontro do Foro de São Paulo - o notório convescote de partidos esquerdistas da América Latina que acabam de se reunir em Manágua -, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse que “a direita reacionária e golpista não descansa” em seu intento de “destruir o PT e impedir que o maior líder popular brasileiro, Lula, seja nosso candidato nas eleições presidenciais de 2018”. Segundo a petista, “mais do que nunca necessitamos de um governo de esquerda de volta ao nosso país”. No mesmo discurso, sem ruborizar, a senadora aproveitou para se solidarizar com as ditaduras da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua.

A estratégia petista de vincular o destino de Lula ao da esquerda - não só brasileira, mas latino-americana - parece estar funcionando bem, a julgar pelo lamento dos esquerdistas que já se consideram órfãos do chefão petista. Isso só comprova a miséria do pensamento dito “progressista” no País. Afinal, se essa esquerda, para existir, depende de um rematado demagogo condenado por corrupção, então é mesmo o caso de considerá-la moralmente extinta.

Editorial O Estado de São Paulo

 

 


O Estado de S.Paulo: Um documento histórico

Sentença assinada pelo juiz Sérgio Moro constitui um importante documento para a consolidação da democracia no País

Editorial O Estado de São Paulo

A sentença assinada pelo juiz Sérgio Fernando Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além de uma pena acessória de sete anos de inabilitação para o exercício de cargos públicos, constitui um importante documento do processo de consolidação da democracia no País.

O ineditismo da peça condenatória – a primeira proferida contra um ex-presidente da República pela prática de crimes comuns – já seria, por si só, razão suficiente para atribuir-lhe a devida adjetivação histórica. Trata-se de um marco incontrastável do primado da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, um dos pilares democráticos consagrados pela nossa Constituição.

Sabedor da repercussão que sua sentença tem no presente e terá no futuro, Sérgio Moro cercou-se de cuidados que dizem muito sobre o seu senso de responsabilidade. Todos os pontos da sentença, do relatório do longo processo até a fixação de penas, foram minuciosamente descritos e motivados, para eliminar dúvidas de quem quer que leia a peça.

Ao longo das 238 páginas da sentença, não foram poucas as atitudes do réu – e não apenas dele, mas também de seus representantes legais e de seus partidários – que foram classificadas por Moro como graves o bastante para ensejar a decretação de sua prisão preventiva no curso da ação penal. Houve ali orientação para a destruição de provas, ameaça ou coação de testemunhas e mobilização da militância do Partido dos Trabalhadores (PT) e dos assim chamados “movimentos sociais” para a prática de atos públicos com o único objetivo de tumultuar o bom andamento do processo. Entretanto, Sérgio Moro, acertadamente, decidiu com prudência e, a certa altura, optou pela condução coercitiva de Lula da Silva, uma medida severa, sem dúvida restritiva da liberdade, mas longe de privar o réu dessa mesma liberdade.

O mesmo cuidado pautou o comportamento do magistrado ao permitir que o condenado recorra da sentença em liberdade. “Considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”, decidiu Sérgio Moro.

Já o Partido dos Trabalhadores, em nota oficial, abusa da imprudência ao classificar a condenação do chefão do partido como uma “medida equivocada, arbitrária e absolutamente ilegal”. Sérgio Moro é acusado de ser “um juiz parcial”, que age a serviço dos “meios de comunicação” e do “consórcio golpista”, os inimigos imaginários do PT que não seriam capazes de aceitar a “trajetória de sucesso de Lula na Presidência”. Este é pintado como vítima de “um caso típico de lawfare”, vale dizer, uma implacável perseguição política por meio do uso indevido de recursos jurídicos.

Evidentemente, trata-se da rançosa cantilena da vitimização que ressoa como música nos ouvidos da militância petista, mas que não resiste a uma leitura sóbria da sentença proferida por Sérgio Moro.

Antes de condenar Lula a quase dez anos de cadeia, o magistrado detalha, didática e minuciosamente, os episódios de todas as fases do processo e enumera todos os elementos fáticos, testemunhais e indiciários que formaram a sua convicção para a imputação da pena. A tão propalada “ausência de provas” fica reduzida a mero discurso político, um subterfúgio ante a fragilidade da defesa jurídica do ex-presidente.

Na sentença, fica cabalmente demonstrado que a cobertura triplex no Guarujá, bem como a milionária reforma do imóvel para atender às necessidades de Lula e de sua família, constituíram “vantagens indevidas em um acerto de corrupção” entre o ex-presidente e a empreiteira OAS. Sérgio Moro reserva dezenas de páginas para esmiuçar as artimanhas usadas para ocultar a transferência da propriedade do imóvel, incluindo a análise de fartas provas documentais e periciais apresentadas pelo MPF.

No futuro, quando arrefecerem as paixões, a sentença do juiz Sérgio Moro haverá de ser lida como um registro da vitalidade do Estado Democrático de Direito em um período particularmente conturbado da história do Brasil.

 

 


O Estado de S.Paulo: A confiança na mídia

Pesquisa do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo mostra que 60% dos brasileiros acreditam nas notícias que leem ou ouvem e reconhecem a responsabilidade das empresas de mídia na filtragem das informações

Levantamento realizado pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, vinculado à universidade inglesa de Oxford, revela que os cidadãos continuam confiando nos meios de comunicação para se manterem informados. Intitulada Relatório de Jornalismo Digital 2017, a pesquisa também mostra que o Brasil é um dos países em que essa confiança é mais acentuada. Segundo ela, 60% dos brasileiros entrevistados afirmaram que acreditam nas notícias que leem ou ouvem e que reconhecem a responsabilidade das empresas na filtragem das informações que veiculam.

Ao todo, foram entrevistadas mais de 70 mil pessoas, num total de 36 países. A média de confiança nos meios de comunicação entre os países pesquisados foi de 43%. O país em que o nível de confiança é mais alto é a Finlândia, com 62%, seguido pelo Brasil. Os índices de confiança também são expressivos em Portugal, Polônia e Holanda. Nos Estados Unidos, o índice é de 38%. Entre os países em desenvolvimento, a Coreia do Sul é o que registra um dos índices mais baixos, de 23%.

A tendência é de crescimento dos níveis de confiança. Levantamento realizado no ano passado com mais de 33 mil pessoas de 28 países, pela consultoria americana de relações públicas Edelman, mostrou que a confiança cresceu globalmente de 45%, em 2015, para 47%, em 2016. Esse foi o índice mais alto desde a eclosão da crise financeira de 2007-2008, quando 380 bancos de pequeno e médio portes quebraram e grandes instituições, como o Lehman Brothers, faliram. No Brasil, o índice pulou de 51% para 54%, entre 2015 e 2016.

Alertando para os efeitos das novas tecnologias sobre a qualidade da informação, a pesquisa mostra que 40% dos entrevistados consideram que as empresas de comunicação estão no caminho certo, criando blogs especializados para investigar a veracidade das notícias publicadas na internet. Revela, igualmente, o impacto negativo da proliferação de mensagens caluniosas e de notícias falsas - as chamadas fake news - nas redes sociais. Segundo a pesquisa, os aplicativos que têm ganhado mais espaço são os que permitem comunicação mais privada, como o WhatsApp. Já os aplicativos que utilizam algoritmos para definir quais informações terão maior visibilidade, como o Facebook, têm perdido espaço.

O Facebook e o WhatsApp são os aplicativos mais acessados nos 36 países pesquisados, seguidos pelo YouTube, Twitter, Instagram e Linkedin. Para se manter à frente nas redes sociais em todo o mundo, há três anos o Facebook comprou o WhatsApp por US$ 21,8 bilhões. No Brasil, 46% dos entrevistados afirmaram usar o WhatsApp para acessar e compartilhar notícias em 2017 - o que corresponde a um aumento de 7% em relação a 2016. Já o Facebook registrou uma queda de 12%, no período. Pertencente à Google, o YouTube é a fonte de informação para 36% dos entrevistados brasileiros - ante 35%, em 2016. Em seguida vêm o Instagram e o Twitter, ambos com 12%.

Além disso, o levantamento do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo aponta mudanças significativas nas formas de acesso a informações e compartilhamento de notícias pela internet. Pela primeira vez, no Brasil, os celulares ultrapassaram os computadores como o principal instrumento para acesso a notícias. A utilização de smartphones para leitura de notícias nas regiões urbanas do País é de 65%, ante 62% dos computadores. Na média dos 36 países pesquisados, 56% dos entrevistados afirmaram ter usado o celular na semana anterior para se informar, ante 58% no caso de computadores. O Chile é o país em que os celulares são mais usados para leitura de notícias - 74% dos pesquisados dão prioridade a eles, enquanto a taxa de acesso a informações por computadores é de 51%. No México, a proporção é de 70% e 45%, respectivamente.

Se o funcionamento da democracia depende da liberdade e da qualidade das informações e da responsabilidade dos meios de comunicação, o aumento dos índices de confiança da população na mídia digital é uma importante notícia.

 

 


O Estado de S.Paulo: A lógica torpe do petismo

PT mostra que não aprendeu nada com os erros cometidos durante o período em que esteve no poder e faz questão de perder cada oportunidade que aparece para exercer uma saudável autocrítica

Editorial

A resolução aprovada no 6.º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) revela de modo incontestável a torpe lógica que move o partido. Se os discursos de Lula da Silva, o líder máximo da organização, e do restante da cúpula dirigente durante o evento já indicavam que o PT opera em uma realidade alternativa, como se fosse um mero observador da crise econômica, política e moral que legou ao País, e não seu responsável direto, agora, com a publicação do teor do documento, ao cinismo, à soberba e à desfaçatez daquelas falas se soma o atestado de que, realmente, os polos do partido são invertidos.

No texto, o PT ataca o que classificou - entre aspas, vale ressaltar - como “republicanismo” de Lula da Silva e Dilma Rousseff no processo de escolha dos nomes para a Procuradoria-Geral da República (PGR), para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para a Polícia Federal (PF) durante seus mandatos na Presidência. No caso da Procuradoria-Geral, os ex-presidentes escolheram os primeiros colocados na lista tríplice enviada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Já a indicação de ministros para o STF teria recaído sobre juristas que não estavam comprometidos, a priori, com a agenda do partido. E a não interferência dos chefes do Poder Executivo nas indicações para a diretoria da PF constituiu o tal “republicanismo”.

De acordo com o documento, a postura “republicana” de Lula e Dilma durante as referidas nomeações foi diretamente responsável pelas agruras vividas pelo partido a partir da eclosão do escândalo do mensalão, em 2005. “Sem aquele tipo de ‘republicanismo’, a Operação Lava Jato e antes dela a Ação Penal 470 (mensalão) não teriam conseguido instalar a ‘justiça de exceção’ organizada com o objetivo de destruir o PT e Lula”, diz o projeto de resolução aprovado pela direção petista. Tudo soa tão descabido e surreal que o texto está mais próximo de um roteiro de comédia pastelão do que de um documento oficial de um partido que governou o País por 13 anos.

O caso das indicações para a PGR é um dos mais nítidos exemplos da lógica torpe do PT. O partido, agora na oposição, é uma das entidades que acusavam o presidente Michel Temer de “ameaçar a Lava Jato” caso não indicasse o primeiro colocado na lista tríplice da ANPR como sucessor de Rodrigo Janot. Ora, nem Lula, nem Dilma, nem Temer ou qualquer presidente da República têm a obrigação legal de atender a esse critério.

Em que pesem as eventuais críticas que possam ser feitas aos membros da cúpula da PGR e da PF e aos ministros do STF, a ressalva que o PT faz é, na prática, um elogio à atuação daqueles que, aparentemente, critica. Para o partido, indicações corretas seriam aquelas em que os indicados estivessem comprometidos, acima de quaisquer outros desígnios, com os interesses da própria legenda. Aliás, não foi imbuído de outro espírito que, uma vez no poder, o PT aparelhou cada repartição pública que encontrou pela frente.

Seria absolutamente natural um partido que chegou ao poder indicar para cargos-chave da administração pública quadros identificados com seu projeto de governo. O que se viu, no entanto, foi a ocupação do Estado com o único objetivo de saquear os cofres públicos para viabilizar um projeto de poder, e não de país.

Diante dos maiores descalabros cometidos durante os mandatos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores foi condescendente, como também foi com os membros da cúpula petista enredados pelas teias da Justiça. Quando supostamente “acertaram” - segundo os critérios da lógica invertida do partido -, foram criticados.

Com uma resolução desse teor, o PT mostra que não aprendeu nada com os erros cometidos durante o período em que esteve no poder e faz questão de perder cada oportunidade que aparece para exercer uma saudável autocrítica, a tal “refundação” defendida por alguns de seus próceres. Mas é compreensível. Devem ser de difícil contrição erros que são vistos como virtudes.

 

 


O Estado de São Paulo: Falastrão e enganador

O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros

A estratégia lulopetista de sobrevivência está focada no quanto pior, melhor, que visa a manter o Brasil paralisado e a crise econômica e social se agravando. É uma lógica irresponsável e socialmente cruel, mas que oferece aos salvadores da Pátria nostálgicos do poder – ou ameaçados pela Justiça – o falacioso argumento de que é necessário lutar para que “os trabalhadores continuem com os seus direitos”, como declarou Lula, na quarta-feira passada, em entrevista a uma rádio da Paraíba. Na entrevista, o ex-presidente até falou em conspiração, mas para levantar a suspeita de que o governo norte-americano esteve por trás do afastamento do PT do governo.

O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros. Em franca campanha, sabe que eleições diretas serão realizadas, de acordo com a lei, em outubro do ano que vem. Mas, para manter o discurso populista, continua defendendo “Diretas Já”. Não será de estranhar, portanto, que, quando as urnas se abrirem em outubro de 2018, proclamará tratar-se de conquista sua. E insiste também no “Fora Temer”, para manter coerência com sua própria história: com maior ou menor empenho, esteve por trás do “Fora Sarney”, do “Fora Collor”, do “Fora Itamar” e do “Fora FHC”. Ou seja, mesmo que outros sejam eleitos, só o PT tem legitimidade para governar o País.

A quarta-feira passada foi pródiga em oportunidades para o falastrão, que se proclama “o homem mais honesto do País”, se comportar como se o Brasil não tivesse passado pela experiência de tê-lo, e a sua pupila Dilma Rousseff, na chefia do Executivo. Na entrevista à emissora paraibana, Lula começou atacando o alvo preferencial do revanchismo petista, a quem responsabiliza por todos os males que afligem os brasileiros: “Ninguém quer mais o afastamento do Temer do que nós. Queremos a saída do Temer e eleições diretas porque queremos fazer com que os trabalhadores continuem com seus direitos”. Quer dizer: até a chegada de Lula ao Planalto, os trabalhadores não tinham direitos. A partir de então o Brasil tornou-se um campeão dos direitos civis, um verdadeiro “protagonista internacional”: “Nenhum país conseguiu fazer o que o Brasil fez em 12 anos. Acho que tinha interesse americano que o Brasil não desse certo”. Aí vieram os “golpistas”, derrubaram Dilma e seguiu-se o “governo ilegítimo” de Temer, que conspira contra os direitos dos brasileiros e as eleições diretas.

Embora a estratégia lulopetista de conquista e manutenção do poder tenha sido, desde sempre, a de dividir o País em “nós” contra “eles” – uma reprodução tosca da luta sindical da qual Lula copiou os fundamentos de sua ação política –, o estadista de Garanhuns condenou na entrevista o clima de “ódio e intolerância” que domina a política brasileira, atribuindo a responsabilidade por isso, especialmente, a Michel Temer e Aécio Neves. E acrescentou, em tom irônico, que ambos estão agora experimentando o “próprio veneno”.

Na mesma quarta-feira, ao falar em Brasília na solenidade oficial de posse da senadora Gleisi Hoffmann (PR) na presidência nacional do PT, Lula partiu para cima do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que “deve estar se preparando para ser o próximo presidente da República como seguidor do golpe, e não podemos achar que um golpista é melhor do que outro”. Logo, se for o caso, “Fora Maia”. E emendou, como se as eleições diretas para presidente tivessem sido abolidas: “A mudança que queremos é que o povo brasileiro volte a ter o direito de escolher o seu presidente. Errando ou acertando é o povo que tem o direito de tirar e colocar pessoas”.

É verdade. Errando ou acertando, foi o povo quem elegeu Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, que agora é presidente porque os senadores e deputados nos quais o povo votou livremente em 2014 cassaram o mandato da titular.

Editorial

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,falastrao-e-enganador,70001880053

 


O Estado de São Paulo: O valor probatório da delação

É muito oportuna a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região afirmando que colaboração premiada, sem outras provas, não basta para condenar um réu

Editorial

Num momento em que pairam acaloradas discussões sobre o papel das delações no processo penal, é muito oportuna a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região afirmando que colaboração premiada, sem outras provas, não basta para condenar um réu. No caso, a 8.ª Turma, por maioria de votos, absolveu o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, condenado pelo juiz Sergio Moro a 15 anos e 4 meses de prisão – por considerar que não havia prova suficiente, existindo apenas delações premiadas.

O TRF da 4.ª Região não costuma abrandar penas. Em geral, a Corte confirma as punições aplicadas pelo juiz Sergio Moro e, não raro, as aumenta. Tanto é assim que, na mesma decisão que absolveu o sr. João Vaccari Neto, os desembargadores mais que dobraram a pena de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás. Eles entenderam que havia ocorrido concurso material nos crimes de corrupção, e não simples continuidade delitiva. Com isso, a pena inicialmente aplicada ao sr. Renato Duque, de 20 anos e 8 meses, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, passou a ser de 43 anos e 9 meses de reclusão.

A decisão do TRF manifesta uma exemplar sintonia com a lei. No art. 4.º, § 16 da Lei 12.850/2013 é expresso: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Diante da clareza da lei, não é possível transigir e achar que, em algum caso excepcional, haveria a possibilidade de condenar alguém com base apenas em delações premiadas. A corrupção e a impunidade não serão vencidas com manobras interpretativas da lei. Justamente por ser tão urgente conferir outro grau de respeito à lei urge ser muito estrito na aplicação da lei, também quando ela não agrada a todos.

É muito pedagógico que um tribunal decida pela absolvição de um réu por falta de provas, mesmo havendo delações premiadas que o apontem como culpado. Na decisão de absolver não há uma afirmação definitiva de que o crime pelo qual ele foi acusado não foi cometido. Diz-se apenas que o Ministério Público (MP), mesmo tendo obtido várias delações premiadas, não produziu as provas necessárias.

Tal ponto tem uma enorme importância nos dias de hoje, diante de uma distorção que vem se tornando cada vez mais frequente. Na forma como foi concebida e é aplicada em outros países, a delação premiada é ponto de partida para investigações criminais. A partir das informações prestadas pelo colaborador da Justiça, os agentes da lei realizam investigações com o objetivo de produzir provas robustas, que fundamentarão, a seu tempo, o processo penal. No Brasil, parece às vezes que as delações são vistas como o término da investigação. O trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público seria destinado a conseguir delações premiadas. Uma vez obtidas, estariam prontos – essa é a impressão – para levar o caso à Justiça.

Ora, a delação premiada não deve substituir a investigação. A experiência tão positiva dos outros países, que levou a que o ordenamento jurídico nacional ampliasse cada vez mais o uso da colaboração premiada, aponta que a eficácia do acordo de delação está justamente em ser auxílio à investigação. Ao contrário do que se poderia pensar, a colaboração premiada não diminui o trabalho investigativo da Polícia e do MP. Ao abrir novas frentes de investigação, apontando crimes antes desconhecidos, ela as amplia enormemente.

A proibição da Lei 12.850/2013 de se condenar apenas com fundamento em colaborações premiadas preserva, portanto, o sentido original das delações, de auxílio às investigações. Caso meras palavras, ditas por quem se beneficia em dizê-las, pudessem servir para provar crimes, o processo penal ficaria seriamente enviesado. Em vez de ser um instrumento para alcançar a verdade dos fatos – finalidade de todo processo judicial –, as delações se transformariam num obstáculo adicional para o juiz saber o que realmente ocorreu, já que se atribuiria valor probatório a informações transmitidas em contexto não isento.

É preciso reconhecer que conteúdo de delação que não foi provado não serve para nada. A decisão do TRF da 4.ª Região talvez possa ajudar alguns a perceber que o passo seguinte à obtenção da delação deve ser a investigação, e não o vazamento. E que nenhuma campanha de convencimento da opinião pública substitui provas, num tribunal honesto.

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-valor-probatorio-da-delacao,70001869796

 


O Estado de S.Paulo: Lições de uma derrota

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio a Michel Temer no Congresso

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado foi comemorada como um gol de placa pelo time dos inimigos da modernização do Estado. O senador petista Humberto Costa (PE) chegou a dizer que foi “a maior derrota do governo Temer”. É um evidente exagero, considerando-se principalmente que o revés não altera de nenhuma maneira a tramitação da reforma no Senado e, mantidas as atuais condições, sua aprovação em plenário deverá ser razoavelmente tranquila. Mesmo assim, o episódio serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio ao presidente Michel Temer no Congresso, algo preocupante diante dos imensos desafios que ainda estão pela frente, em especial a reforma da Previdência.

Michel Temer não pode se dar ao luxo de perder nem votações secundárias, como esta na CAS, porque a estabilidade de seu governo está assentada na presunção de que ele controla uma boa bancada no Congresso, capaz de levar adiante as impopulares reformas. Ao se descuidarem dessa maneira, permitindo que governistas rebeldes prejudicassem os esforços do Palácio do Planalto, os operadores políticos do governo ajudaram a alimentar uma imagem de fragilidade que, somando-se aos problemas jurídicos de Michel Temer, coloca em questão a capacidade do presidente de concluir sua agenda reformista.

É preciso também destacar o papel negativo do PSDB nesse episódio da votação na CAS. Os tucanos precisam decidir se estão mesmo na base de apoio ao presidente Temer e se são favoráveis às reformas, como garantem seus dirigentes. A rejeição à reforma trabalhista contou com a ajuda do senador Eduardo Amorim (PSDB-SE), que na planilha do Palácio do Planalto havia sido contabilizado como um voto a favor. Como o placar foi de 10 a 9, pode-se concluir que esse voto foi decisivo para a derrota. Mas é digno de nota também o comportamento irresponsável de outros governistas na CAS. Cinco senadores da base aliada simplesmente não apareceram para votar.

E há também a sabotagem, pura e simples, capitaneada por Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado. Sem fazer parte da comissão, Renan pediu a palavra e tratou de desqualificar todas as reformas encaminhadas pelo governo, acrescentando ainda críticas aos “erros em série da política econômica”. Segundo o senador, que falava como se fosse um sindicalista da CUT, a equipe econômica está levando o País a um “quadro desesperador”.

Nominalmente, o senador Renan Calheiros é do mesmo partido do presidente Michel Temer, mas, na prática, seu partido sempre foi ele mesmo. Neste momento, Renan, alvo de múltiplos inquéritos sob acusação de corrupção, parece acreditar que sua salvação se encontra numa aliança tácita com o chefão petista Lula da Silva, ainda muito forte entre eleitores do Nordeste. De quebra, espera que essa proximidade com Lula ajude o filho, Renan Filho (PMDB), a conseguir a reeleição como governador de Alagoas.

Como era esperado, o governo deu o troco a Renan, usando a linguagem que o Congresso entende: demitiu apadrinhados do senador Hélio José (PMDB-DF), que é do grupo de Renan e votou contra a reforma na CAS.

Mas apenas isso não basta. É preciso denunciar, com a máxima crueza possível, que esses parlamentares são a vanguarda do atraso. Não está em jogo apenas um punhado de mudanças na legislação trabalhista ou no sistema previdenciário. O que está em jogo é a definição do futuro imediato do País.

É urgente enfrentar os problemas estruturais que condenam o Brasil ao desenvolvimento medíocre e à baixa produtividade. As reformas em curso, tímidas diante do desafio, são apenas o começo desse processo, que tem de servir principalmente para romper a lógica segundo a qual tudo neste país começa e termina no Estado. Os inimigos das reformas são justamente aqueles que construíram relações privilegiadas com o Estado, seja na forma de subsídios e isenções em geral, seja como obséquios para funcionários públicos, em detrimento do resto da população, que deve arcar com os impostos que sustentam essa relação viciada. A derrota do governo é a vitória dessa gente.

 

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,licoes-de-uma-derrota,70001854590

 


O Estado de São Paulo: A vitória de Macron

A ampla vitória do presidente da França, Emmanuel Macron, nas eleições legislativas, nas quais seu partido A República Em Marcha (REM) obteve folgada maioria na Assembleia Nacional é importante não apenas porque lhe dá condições de aprovar as reformas que propõe na economia e na política.

A ampla vitória do presidente da França, Emmanuel Macron, nas eleições legislativas, nas quais seu partido A República Em Marcha (REM) obteve folgada maioria na Assembleia Nacional – ainda maior quando somada à bancada de seu partido aliado, o Movimento Democrático (MoDem) – é importante não apenas porque lhe dá condições de aprovar as reformas que propõe na economia e na política. Ela muda em profundidade o panorama político do país e tem repercussões que vão além de suas fronteiras, na medida em que fortalece a União Europeia (UE), abalada pela saída do Reino Unido.

No curto período de um ano, Macron, ex-ministro da Economia de François Hollande, que bateu recorde de impopularidade, elegeu-se presidente, transformou seu novo partido no maior do país, com 308 deputados num total de 577 da Assembleia, que se sobrepõe hoje às tradicionais forças de direita (Os Republicanos e seus aliados), com 131 eleitos, e esquerda (Partido Socialista e aliados), com 31 eleitos, que dominaram a política francesa por mais de 40 anos.

Um conjunto de circunstâncias favoráveis permitiu essa ampla renovação dos quadros políticos: dois terços da Assembleia, com a chegada de um grande número de jovens e de mulheres (158), boa parte dos quais estreando na política. Tudo indica que a crise de representatividade, que atinge vários países de todos os continentes, está sendo resolvida ali rapidamente e sem maiores abalos.

O ponto fraco, logo apontado pelos adversários de Macron, foi a alta taxa de abstenção, de 56,6%. Taxa que já vinha crescendo no país e agora ultrapassou a metade do eleitorado. Em primeiro lugar, é evidente que o problema afeta tanto Macron como todos os que se opõem a ele. Em segundo lugar, o primeiro-ministro, Edouard Philippe, se apressou não apenas a comemorar a vitória como a reconhecer, certamente levando em conta a abstenção, que o governo não recebeu um cheque em branco.

A oposição, tanto a da extrema direita da Frente Nacional – que conta com o apoio de boa parte dos trabalhadores – como a da extrema esquerda da França Insubmissa, promete ir às ruas para se opor à reforma trabalhista. Segundo Macron, as regras atuais são ultrapassadas e atrapalham a retomada da economia e na prática colaboram para o desemprego, porque impõem altos custos às empresas. Embora governo e centrais sindicais reconheçam que as negociações serão difíceis, a ampla maioria parlamentar de que Macron dispõe permite a aprovação fácil da reforma na Assembleia e fortalece sua posição tanto nesses entendimentos como no enfrentamento nas manifestações, prometidas tão logo foram anunciados os resultados das eleições.

No plano político, o caso das mudanças propostas por Macron é diferente. Além de ser igualmente fácil sua aprovação pela Assembleia, não encontram maior resistência na oposição. Tanto a referente à moralização como a alteração parcial do sistema eleitoral. O ponto forte da primeira é o fim do nepotismo por parte de deputados. Ele foi o ponto central do escândalo que fez o candidato da direita, François Fillon – emprego da mulher e dos filhos como assessores, com altos salários –, perder a eleição para presidente, antes dada como certa. A segunda é a introdução no sistema eleitoral de uma dose de voto proporcional, hoje inteiramente distrital. Essa é uma mudança que interessa à extrema direita e à extrema esquerda.

No plano externo, a retomada da economia francesa, estagnada há muitos anos e com uma taxa de desemprego de 10% da força de trabalho, é julgada importante também pela UE, a começar pela Alemanha. A aliança com a Alemanha, considerada o motor da UE desde o início, não pode funcionar a contento com a França na situação em que se encontra.

O tempo dirá se Macron saberá enfrentar o desafio das transformações que prometeu e da esperança que despertou. A mudança no panorama político que já operou e a folgada maioria parlamentar que acaba de obter são passos da maior importância, mas só eles não bastam.

 

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-vitoria-de-macron,70001849874