esplanada

Míriam Leitão: O Brasil concreto espera o governo

Após a campanha dominada por falsos problemas e uma transição confusa, começa o tempo das medidas concretas para os que assumem esta semana

O Brasil tem inúmeros problemas, mas não os que foram criados pela pauta montada para fazer sucesso eleitoral. Encerrada a disputa das urnas, ela continua sendo alimentada pelos vencedores e assim vamos cada vez mais longe dos dilemas reais que temos de enfrentar para ter sucesso como Nação. O país tem uma enorme pobreza, índices educacionais medíocres, déficit habitacional, poluição dos rios e das cidades, falta de saneamento, rombo nas contas públicas, saúde pública em colapso, estagnação do crescimento, alto desemprego. A eleição era uma oportunidade de discutir estes temas, mas em 2018 nós perdemos a chance.

Prisioneiros de um falso dilema, que remonta a meados do século XX, como explicou na sexta-feira a esclarecedora coluna de Pedro Dória neste jornal, revivemos a batalha ideológica da Guerra Fria, como se o país tivesse voltado na máquina do tempo. Para o grupo vencedor era preciso aniquilar os “comunistas”, para o adversário do segundo turno, os “fascistas”. O delírio eleitoral da cruzada contra infieis permaneceu nas entrevistas da transição que não ajudaram a esclarecer a realidade que havia sido deliberadamente sonegada durante a campanha.

O problema da educação brasileira não é a educação sexual nas escolas. É preciso investir na qualificação dos professores, aumentar a capacidade de aprendizado dos alunos, reter os adolescentes que abandonam os estudos cedo demais, tornar atraente o aprendizado, preparar os estudantes para um tempo de mudança acelerada, aperfeiçoar todo o sistema. A educação é a mais decisiva das batalhas, e o debate se perdeu em escaramuças sobre ficções e delírios. Os especialistas fizeram sua parte. Organizações como o Todos pela Educação, entre outras, prepararam propostas para apresentar aos candidatos, com a lista do mais urgente a fazer.

Os agudos problemas da saúde brasileira também foram deixados de lado. A Constituição de 88 deu um passo decisivo e civilizatório quando criou o Sistema Único de Saúde. Todos sabem que é preciso resgatá-lo com uma gestão mais eficiente. É fundamental dar uma resposta para a crise que continuará fazendo vítimas à porta de hospitais. Pouco se falou sobre esse tema que define a fronteira entre a vida e a morte, como se o país pudesse ignorar urgência dessa dimensão. A Previdência esteve presente em debates e entrevistas por insistência dos jornalistas, apesar de ser assunto inadiável.

Metade do esgoto do Brasil não é tratado e isso aumenta as doenças, destrói as águas de rios e praias, empesteia as cidades. Como o governo eleito vai enfrentar o déficit civilizatório do saneamento? Outra das perguntas sem resposta.

O problema ambiental brasileiro não é a “indústria da multa”, ou o suposto “viés ideológico” dos órgãos de fiscalização e proteção, muito menos uma conspiração internacional, mas o fato de que ainda hoje assistimos inertes a um desmatamento irracional feito com correntão, por bandidos armados ocupando terra pública. Os bons produtores do agronegócio, que já entenderam a lógica do tempo atual, sabem que é preciso derrotar os crimes ambientais pelo nosso futuro comum.

O combate à corrupção precisa continuar para proteger os recursos públicos, para melhorar a política, para tornar mais transparentes as relações entre agentes públicos e empresas privadas. O país aprendeu que os erros podem acontecer em qualquer partido. O dilema, porém, foi tratado como uma cruzada dos supostos “puros”, um reducionismo comparável à vassourinha de Jânio Quadros. Na segurança, os altos níveis de homicídios no Brasil não tiveram proposta inteligível, apenas o gesto com os dedos a simular uma arma.

Na economia será preciso pôr as contas em ordem, retomar o crescimento e a geração do emprego. Somado tudo o que foi dito na campanha, com os esboços divulgados durante a transição, não se consegue dizer, sinceramente, qual é o projeto econômico do novo governo. Há apenas uma grande torcida para que a nova equipe acerte e uma ideia genérica de um projeto liberal.

Esta semana o novo governo assumirá e será o tempo das medidas concretas e reais para superar os diversos déficits brasileiros. Os vencedores terão a oportunidade de fazer o que não explicaram durante o confuso ano de 2018.


Luiz Carlos Azedo: O fim anunciado

“O fim do Ministério do Trabalho não enfrentará grande oposição. Os sindicatos se opõem à mudança, mas estão derrotados por antecipação”

O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou ontem que o Ministério do Trabalho será realmente extinto e suas atribuições distribuídas entre três pastas: Justiça, Cidadania e Economia. Com a vitória de Jair Bolsonaro, o fim do ministério era favas contadas. Apesar de o novo governo que está sendo montado ter algumas características que lembram a chegada do positivismo castilhista ao poder central, entre as quais a forte presença de militares na equipe de governo e a relação corporativista com a política, o fim do ministério é um sinal de que a Era Vargas está se esgotando. O governo deverá ter 22 pastas no primeiro escalão, das quais o futuro presidente já anunciou 20 ministros. Faltam ainda os titulares do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos.

Lorenzoni detalhou o esquartejamento de forma superficial: “O atual Ministério do Trabalho, como é conhecido, ficará uma parte no ministério do doutor Moro, outra parte com Osmar Terra e outra parte com Paulo Guedes”, disse, ao anunciar o “humanograma”. O Ministério da Justiça, que será comandado por Sérgio Moro, cuidará da concessão de cartas sindicais. A fiscalização do trabalho escravo também deve ficar com o ex-juiz federal. As políticas ligadas ao emprego ficarão uma parte no Ministério da Economia, cujo titular será Paulo Guedes, e outra parte na pasta da Cidadania, com o ministro Osmar Terra.

O Ministério do Trabalho surgiu ligado à Indústria e ao Comércio, em 26 de novembro de 1930, como uma das primeiras iniciativas do governo revolucionário implantado no Brasil sob a chefia de Getúlio Vargas. Chamado de “Ministério da Revolução” pelo ministro Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta, surgiu para regular o conflito entre capital e trabalho. Até então, no Brasil, as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas como “caso de polícia” ou no âmbito do Ministério da Agricultura.

Joaquim Pimenta e Evaristo de Morais Filho, que advogavam para os sindicatos, e o empresário paulista Jorge Street, em cujas fábricas os trabalhadores eram respeitados, elaboraram os fundamentos da legislação trabalhista. Lindolfo Collor, porém, concebeu os sindicatos como um instrumento para mediar o conflito entre empregados e patrões e, por essa razão, ficaram subordinados ao novo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ou seja, controlados pelo Estado. Também tratou de organizar os sindicatos patronais, o que deu à estrutura sindical uma base corporativista claramente inspirada na Carta del Lavoro da Itália, de natureza fascista.

Também houve atrelamento das Caixas de Aposentadoria e Pensões de marítimos, portuários, ferroviários e outras categorias profissionais. A criação de Comissões de Conciliação entre empregadores e empregados daria origem à atual Justiça do Trabalho. Foram regulamentados a jornada de trabalho na indústria e no comércio e o trabalho das mulheres e dos menores de idade. Em 1933, foi criada a carteira profissional; em 1938, já no Estado Novo, foi estabelecido o salário mínimo. Nessa época, o então ministro Alexandre Marcondes Filho iniciou a cobrança do imposto sindical e sistematizou toda a legislação social até então produzida, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com ajuda de Arnaldo Sussekind e João Segadas Viana. Com a redemocratização do país, em 1945, Marcondes Filho foi um dos organizadores do PTB, partido cuja existência sempre esteve fortemente vinculada ao Ministério do Trabalho.

Desestruturação
O fim da Era Vargas chegou a ser anunciado algumas vezes, mas nunca aconteceu. O regime militar implantado após o golpe de 1964 simplesmente reproduziu o modelo do Estado Novo, com intervenções nos sindicatos, reforçado atrelamento da estrutura sindical e unificação da Previdência. O presidente Fernando Henrique Cardoso até tentou modernizar as relações entre trabalho e capital, mas não teve força para enfrentar a oposição dos sindicatos, que acabaram controlados pelo PT. Durante os governos Lula e Dilma Rousseff, os sindicatos brasileiros chegaram ao auge do seu prestígio e poder, mas nenhum dos dois quis desatrelar a estrutura sindical do Estado, nem acabar com o imposto sindical, antigas bandeiras da fundação do PT.

Foi a reforma trabalhista do presidente Michel Temer, aprovada pelo Congresso, que pôs fim ao imposto sindical. Essa mudança enfraqueceu tremendamente os sindicatos, que estão passando por uma crise financeira sem precedentes, com a demissão em massa de funcionários e a venda de imóveis para pagar dívidas trabalhistas. O enfraquecimento decorre também da reestruturação acelerada do mundo do trabalho, com impacto em categorias poderosas, como metalúrgicos e bancários, por exemplo. Por essa razão, o fim do Ministério do Trabalho não enfrentará grande oposição. Os sindicatos se opõem à mudança, mas estão derrotados por antecipação.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-fim-anunciado/


Valor Econômico: Governo Bolsonaro terá 22 ministérios, 7 além do prometido

O futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni detalhou ontem a estrutura do governo Jair Bolsonaro, que toma posse em 1º de janeiro, com 22 ministérios - sete a menos do que os atuais 29 e sete a mais do que os 15 prometidos durante sua campanha à Presidência da República

Por Fabio Murakawa e Marcelo Ribeiro, do Valor Econômico

Faltam apenas duas pastas para terem os titulares definidos: a de Meio Ambiente e a de Direitos Humanos. O novo organograma da Esplanada cria um superministério, o da Economia, comandado por Paulo Guedes, fortalece a pasta da Justiça e estabelece um sólido núcleo de origem militar, com seis integrantes até o momento.

Onyx disse ainda acreditar que o governo Bolsonaro começará com uma base parlamentar de cerca de 350 de um total de 513 deputados na Câmara e com "pouco mais de 40" senadores, ante 81 membros daquela Casa.

Saem da esplanada as pastas do Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, (Mdic), além de Cultura, Esporte, Integração Nacional, Planejamento, Segurança Pública e Trabalho.

Segundo Onyx, dos 22 ministérios que restaram, "20 serão funcionais e dois, eventuais" - o Banco Central e a Advocacia-Geral da União (AGU). O BC terá status de ministério até que seja aprovada uma lei sobre a autonomia da instituição.

"AGU e BC terão ministros transitórios. No caso do BC, terá status de ministério até que a lei lhe confira autonomia, assim como o titular da AGU também terá o status até que uma mudança constitucional seja feita", explicou.

Essa mudança será para estabelecer que todos os processos judiciais envolvendo a União tramitem no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Quando isso ocorrer, no entender do futuro governo, será desnecessário o status de ministério para a AGU.

Vice-presidente eleito, o general Hamilton Mourão não ficará a cargo da coordenação dos ministérios, como chegou a ser cogitado. Isso poderia esvaziar a Casa Civil de Onyx, que tem essa atribuição.

"No Brasil, o vice-presidente da República tem uma missão constitucional. O Gerenal Mourão vai ajudar e muito em muitas áreas, principalmente de formulação do governo", afirmou Onyx. "Ele tem que ter liberdade e autonomia para contribuir na formulação de políticas públicas."

Para Onyx, "o general Mourão tem que estar plenamente disponível para substituir o presidente". Isso deve ocorrer em janeiro, quando está prevista uma cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia que Bolsonaro carrega desde setembro, quando foi esfaqueado em Juiz de Fora (MG).

Onyx explicou que o Ministério do Trabalho deixará de existir e que as estruturas da pasta serão divididas entre os Ministérios da Justiça e da Segurança Pública, da Economia e da Cidadania (ver nesta página).

Ele revelou ainda que a Fundação Nacional do Índio (Funai) pode deixar a pasta da Justiça e passar para o Ministério da Agricultura. O futuro ministro ponderou, no entanto, que a decisão não está tomada.

"O Brasil há muitos anos cuida de seus índios através de ONGs, que nem sempre fazem esse trabalho de forma adequada", disse Onyx. "Temos conversado com as comunidades indígenas e o que elas querem é liberdade, mantendo suas tradições."

A respeito da resolução de conflitos envolvendo indígenas no país, Onyx disse que é preciso "identificar o que é conflito fabricado".

Onyx, que ficará encarregado da relação com o Congresso, começa a receber nesta semana representantes dos partidos políticos no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funciona o governo de transição. Até o momento, a equipe de Bolsonaro vinha conversando de maneira mais formal com as bancadas temáticas.

O futuro ministro descartou, porém, um retorno à prática do "toma lá dá cá", com a concessão de cargos em troca de apoio político. Ao dimensionar a base do governo no Congresso, disse que o cálculo é feito com base nas "bancadas partidárias". Afirmou ainda que o novo governo será mais maleável e que parlamentares não serão punidos automaticamente caso votem diferente da orientação da base aliada do governo - uma prática na gestão Michel Temer.

"Parlamentar será considerado da base se, ao longo do conjunto, tiver posição a favor do governo", disse. "Teremos a capacidade de compreender quando ele não puder votar a favor de uma matéria. O governo vai compreender aquilo que permeia a vida de um parlamentar, seu foro íntimo e seu compromisso com um setor especifico. Não haverá exclusão por isso."

Onyx negou haver estremecimento entre o eleito e a bancada evangélica. Esse grupo tem dado sinais de insatisfação por não ter visto atendidas indicações como no caso do Ministério da Cidadania. Na semana passada, Bolsonaro confirmou Osmar Terra para o cargo, ignorando os nomes - Marco Feliciano, Gilberto Nascimento e Ronaldo Nogueira - apresentados pela bancada. "Quando o elo é feito em cima de princípios e valores cristãos, ele é indissolúvel. Esse elo não se desfará", afirmou.

Questionado sobre a insatisfação do senador Magno Malta (PR-ES) por não ter sido indicado a uma vaga no primeiro escalão, Onyx disse que, "na eleição, Bolsonaro nunca prometeu ministério para ninguém". "O Magno Malta tem o carinho e respeito de todos nós e vai ser parceiro de todos com um espaço relevante." Mas ele descartou alocá-lo no time de ex-parlamentares responsáveis pela relação entre Planalto e Congresso.

"Teremos um time de ex-deputados e ex-senadores para fazer o trabalho de duas secretarias, que cuidarão da relação com Câmara e com Senado. Não haverá tomá-lá-dá-cá na relação com o Congresso. Parlamentares serão atendidos através de suas bancadas, frentes parlamentares e de seus estados. Não haverá titular de mandato em nenhum espaço de articulação".

Onyx disse que estão estudando o estabelecimento de conselhos setoriais, embora reconheça que "há conselhos demais no Brasil". "Há uma certa perda de esforço, muita conversa e pouco esforço".

Indagado sobre o número de ministérios, Onyx justificou dizendo que algumas fusões não foram possíveis, como a da Agricultura com Meio Ambiente. Segundo ele, Bolsonaro entendeu que seria estratégico manter uma pasta para cuidar do Turismo e se deixou convencer sobre a importância de ter um Ministério dos Direitos Humanos e Mulheres. "O Ministério dos Direitos Humanos será importante não para os direitos dos manos, para proteger os bandidos, mas para as pessoas do bem".


Política Democrática: Em 2018, GDF tem segundo pior investimento aplicado na assistência social em 10 anos

Dados revelam desmonte das ações de atendimento à população em situação de rua e são detalhados em reportagem da revista Política Democrática de novembro

Por Cleomar Almeida

Histórias de pessoas em situação de rua, a forma como elas movimentam a economia marginalizada e o desmonte de políticas públicas voltadas a esse segmento da população, com redução de investimentos do Governo do Distrito Federal (GDF) na área de assistência social, são abordados em reportagem especial da edição de novembro da revista Política Democrática online. Dados obtidos pela publicação por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que o GDF voltou a diminuir as verbas efetivamente aplicadas no setor, chegando ao segundo pior índice em dez anos, atrás apenas do total aplicado em 2016.

Em formato multimídia, a reportagem relata o drama em vídeo, fotos e textos e apresenta uma arte detalhada sobre a diminuição dos investimentos e aponta que o governo não divulga dados detalhados sobre verbas aplicadas especificamente no atendimento à população em situação de rua. Histórias de vida, como as de Márcio Vinícius Peixoto (37 anos) e de Paulo Henrique dos Santos (25), que foram morar na rua depois de perderem o emprego, também levam ao internauta detalhes do drama de quem tem de se virar nas ruas na luta pela sobrevivência.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

A reportagem lembra que a crise na área de assistência social levou os profissionais do setor deflagrarem greve de 83 dias. Eles reivindicam o pagamento do retroativo do aumento salarial previsto em lei desde 2015 e a realização de concurso público para suprir o desfalque de trabalhadores, que, segundo o Sindicato dos Servidores de Assistência Social e Cultural (Sindsasc), chega a 2.600 pessoas. O governo só prometeu lançar o edital do certame. O pessoal voltou ao trabalho por decisão judicial contrária ao movimento.

Com o título “População em Situação de Rua na Economia Marginal”, a reportagem mostra, ainda, que é crescente o número desse segmento da população no Distrito Federal. O governo informa que, no final de ano, chega a 3.500 o número de pessoas nesse quadro. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que, em 2015, em todo o país, havia 101.854 indivíduos nessa condição de desamparo e invisibilidade social, além de sugerir que esse tipo de levantamento seja incluído no Censo População de 2020.

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Foto: Beto Barata\PR

Ascânio Seleme: Montando o governo

A redução do número de ministérios no governo de Jair Bolsonaro não vai resultar necessariamente em queda importante das despesas orçamentárias. Se a Esplanada ficar com 17 pastas, o novo governo terá extinto 12 dos 29 ministérios hoje existentes. Será um bom símbolo de austeridade e de empenho no enxugamento da máquina e na diminuição do Estado, mas é preciso muito mais do que isso para que as contas públicas sofram impacto.

Com 12 ministros a menos, o Estado poderá cortar em cargos de assessoramento e secretariado no máximo uns 300 postos, nada mais do que uma vírgula no oceano de 630 mil servidores civis ou mais de 320 mil militares na ativa no Brasil.

O que Bolsonaro vai fazer, a grosso modo, é reagrupar setores do governo que foram divididos ao longo dos anos para abrigar aliados dos que detinham o poder. Por isso, as funções distribuídas nos ministérios criados sem necessidade não deixam de existir em razão da sua reunião sob comando único, apenas perdem status. No governo Lula, o Estado chegou a ter 37 ministérios, com Dilma foram 39, todos entregues a partidos da base.

Era uma forma de comprar o apoio eo voto desses partidos no Congresso Nacional. Não que essa tenha sido uma invenção petista, mas nos seus governos chegou no ápice. Nos ministérios, além dos cargos remunerados que ocupavam, os partidos podiam fazer negócios. E faziam. Muitos quadros das legendas que apoiavam o governo acabaram na cadeia em Curitiba.

Mas este é outro caso, o que importa agora é a montagem do novo governo e como a redução de ministérios chinfrins e a construção de superministérios pode ajudar o novo presidente. Primeiro, é importante levar em conta que alguns desses agrupamentos à primeira vista parecem exagerados.

Os poderes que serão conferidos ao superministro da Economia, por exemplo, vão requerer de Paulo Guedes superpoderes intelectuais e uma capacidade fora do comum de administrar seu tempo. E o ganho que se pode obter desse arranjo é discutível. Para alguns especialistas, até temerário. Já se tentou antes e não deu certo.

Outros superministérios, como o da Justiça, que será tocado por Sergio Moro, fazem mais sentido e representam um ganho político e institucional importante. Sem qualquer dúvida o combate à corrupção e ao crime organizado terá um símbolo, que será uma das caras mais conhecidas dos brasileiros, a de Sergio Moro. E contra bandido, símbolo que tem muito mais significado, como a estrela do xerife.

Para enxugar a máquina, reduzir o tamanho do Estado e gastar menos, Bolsonaro terá de diminuir as atribuições do governo, estatizar empresas públicas e em seguida demitir servidores. Mas isso não se faz assim, com uma canetada, ou com um plano de demissão voluntária. Estudos terão de ser feitos e tomarão tempo. Reduzir ministérios apenas não adianta. Fernando Collor teve 12 ministérios, mas o Estado ficou do mesmo tamanho.

O simbolismo ajuda, cria empatia, mostra determinação. Mais importante, contudo, é a decisão de Bolsonaro de não nomear pessoas indicadas por partidos políticos e sim quadros técnicos. Se ele conseguir resistir daqui até janeiro à pressão que já está sofrendo, poderá dizer que cumpriu sua primeira promessa de campanha. Mas ainda falta muito tempo.


El País: “Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos”, diz Bolsonaro a milhares em euforia

"Nós somos o Brasil de verdade", diz candidato de extrema direita a uma semana do segundo turno. Seus eleitores deram demonstração de força nas ruas em dezenas de cidades

Por Heloísa Medonça e Naiara Halarraga Gortázar, do El País

Vestidos de verde e amarelo, os apoiadores do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) exibiram neste domingo na Avenida Paulista sua força e euforia a uma semana do segundo turno das eleições em que o candidato aparece com uma enorme vantagem sobre o seu concorrente, Fernando Haddad(PT), segundo as pesquisas eleitorais. O capitão retirado do Exército não compareceu à manifestação paulista que encheu vários quarteirões da avenida, mas discursou por meio de um telão. A um passo do Palácio do Planalto e contra alguns prognósticos de que a corrida do segundo modularia sua retórica, repetiu o discurso mais virulento contra os adversários do PT: "Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil", disse. “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”, afirmou. Bolsonaro, que descreveu a si e aos seus seguidores como "o Brasil de verdade", agradeceu outras dezenas de manifestações pelo país.

Há entre seus apoiadores, no entanto, os que manifestam uma fé cega no líder do Partido Social Liberal. "Se Bolsonaro começar a falar em fechar o STF, eu vou confiar nele. Estou dando meu voto de confiança a ele. Se lá na frente o presidente nos decepcionar, voltaremos novamente aqui para a Paulista para protestar", explicava Hilston Oliveira, um artista plástico, que junto com a mulher e três filhos participava do ato a favor do capitão reformado. "Somos evangélicos e Bolsonaro defende exatamente os valores que acreditamos". Participante assídua das manifestação convocadas contra a corrupção, a advogada Ana Maria Straub diz apoiar Bolsonaro por ele ser uma pessoa íntegra "um patriota e sem os istas [racista, fascista, machista…] que é acusado". "Ele é um candidato que defende os valores da família e é contra o aborto", diz a advogada que garante que, em sua família, conhece apenas um primo que não irá votar no capitão reformado do Exército.

Outro grande protagonista ausente da mobilização foi o PT. A ameaça feita por Bolsonaro no telão retroalimentava o ódio visceral que seus votantes exibiam no chão. "Fora PT" e "Eu vim de graça", foram alguns dos gritos mais entoados por um mar de gente com camisetas de Bolsonaro.

O artista plástico Hilston Oliveira e sua família.
O artista plástico Hilston Oliveira e sua família.

Ex-eleitora fiel do PT, a aposentada Angélica, de 54 anos, abandonou o voto ao partido após os escândalos de corrupção envolvendo o PT. "É corrupção demais, me decepcionou. O que vemos hoje é um país cheio de bandidos e tráfico de drogas. Não é que eu apenas leio sobre esses problemas, eu os vejo nas ruas. Não podemos deixar que o país vire uma Venezuela", diz a aposentada que vestia uma camiseta escrita Bolsonaro Presidente com uma foto do candidato do PSL. "Claro que o Bolsonaro não é santo, mas todas as propostas deles são boas, temos chance de mudar o país", ressalta.

O goiano Leonardo Costa, de 26 anos, aproveitou uma viagem de negócios à capital paulista para participar pela primeira vez de uma manifestação. "Vim porque realmente essa vale a pena. Não podemos deixar que um partido corrupto como o PT continue no poder. A mudança é agora ou nunca", disse ao lado do amigo Guilherme que, vestido com a camisa do Brasil, também apoiava a candidatura de Bolsonaro. "Sabemos que ele não é o candidato ideal, é impossível concordar com todas as ideias defendidas por ele, mas é o único que pode vencer o PT".

A advogada Ana Maria Straub (D) e duas amigas em ato na Paulista.
A advogada Ana Maria Straub (D) e duas amigas em ato na Paulista.

A exibição de força chega dias depois da Folha de S. Paulo publicar que um grupo de empresários pagava ilegalmente envios de mensagens por WhatsApp contra o PT. Desde então, os controladores da aplicação suspenderam as contas das empresas mencionadas. O caso está sendo investigado pelas autoridades eleitorais e é improvável que tenha alguma conclusão antes do segundo turno, no próximo domingo 28.

Em São Paulo, tudo nos cenários, nas cores e nos personagens remetiam à campanha de rua pelo impeachment de Dilma Rousseff: bonecos infláveis do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, conviviam com cinco carros de som - dos movimentos de direita Avança Brasil, Vem pra Rua, MBL e Nas Ruas - também estavam estacionados em diferentes pontos da avenida. João Doria, candidato tucano ao governo de São Paulo que luta por se colar a Bolsonaro, também apareceu. As deputadas do PSL Janaína Paschoal e Joice Hasselmann foram ovacionadas.

No sábado, a Av. Paulista acolheu outra marcha, muito menos multitudinária, a favor de Haddad. Boa parte dos simpatizantes de Bolsonaro coincidem que a prioridade agora é que o PT não regresse ao poder. Pouco importava aos presentes que o homem com mais probabilidades de ser o próximo presidente do Brasil não estivesse presente. Pelo Twitter, o candidato havia lamentado mais cedo não poder participar das manifestações, e lembrou do atentado a faca que sofreu no início de setembro. O candidato praticamente não pisou na rua desde o episódio em Minas Gerais. Prefere permanecer em seu controlado ambiente das redes sociais a participar dos debates de televisão.