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Sergio Lamucci: O equilíbrio difícil para 2021

Incerteza fiscal, fim do auxílio e piora da covid afetam cenário para a economia brasileira no ano que vem

A economia brasileira caminha para entrar em 2021 com o cenário fiscal em aberto, sem o auxílio emergencial e com um quadro de recrudescimento da covid-19. Há dúvidas sobre como ficará o orçamento do ano que vem, com o risco de o teto de gastos não ser respeitado e incertezas quanto ao avanço das reformas para conter a expansão das despesas obrigatórias. Já a retirada abrupta dos estímulos fiscais deverá ter impacto negativo sobre a atividade, num ambiente de desemprego elevado. A evolução recente da doença também preocupa, o que poderá ter impacto negativo sobre a economia.

O Brasil enfrenta uma situação complicada, que exigiria habilidade e liderança do governo para encontrar uma solução razoável. De um lado, houve uma deterioração expressiva das contas públicas em 2020, por causa do aumento dos gastos para combater os efeitos da pandemia e da queda de receitas causada pela recessão. De outro, a perspectiva para o ano que vem é de um corte significativo nas medidas de estímulo, depois de o país ter adotado um pacote de apoio expressivo neste ano.

Nesse cenário, é preciso indicar claramente a retomada do ajuste fiscal, num país em que o endividamento público deu um salto enorme e tem déficits primários (excluindo gastos com juros) desde 2014. De outro, retirar os estímulos bruscamente, encerrando o auxílio emergencial sem colocar nada no lugar - como um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família -, vai afetar a recuperação da atividade. É um equilíbrio difícil, que esbarra na aversão do presidente Jair Bolsonaro a tomar decisões muitas vezes impopulares.

Em relatório sobre as perspectivas para 2021, o J.P. Morgan diz que o principal assunto para os mercados e a economia brasileira em 2021 é se o governo vai respeitar o teto de gastos. “Com a crise deixando desemprego elevado, seguido agora pela possibilidade de uma segunda onda de casos de covid-19, há pressões para novos estímulos no ano que vem”, escrevem os economistas Cassiana Fernandez, Cristiano Souza e Vinicius Moreira. Para eles, há diversas opções para desatar esse nó: novas transferências de renda sem nenhuma compensação em contrapartida, o que tenderia gerar reações negativas do mercado; novas transferências de renda combinadas à aprovação de reformas fiscais de médio prazo, preservando a credibilidade fiscal; ou o encerramento do auxílio emergencial sem maiores mudanças nas políticas sociais. O ideal seria a segunda opção, uma solução intermediária.

O cenário-base do banco, porém, é que o governo não será capaz de aprovar reformas de médio prazo para acomodar mais gastos no curto prazo e tampouco conseguirá mudar o teto. No entanto, como as despesas obrigatórias continuam a crescer, a pressão sobre o mecanismo que limita a expansão dos gastos da União vai seguir, mantendo dúvidas sobre a sustentabilidade de médio prazo das regras fiscais, avaliam os economistas do J.P. Morgan. Com isso, a discussão sobre reformas que garantam a sustentabilidade das contas públicas continuará a ter destaque em 2021, com efeitos sobre as expectativas e possivelmente causando volatilidade durante o ano.

Com a premissa de que o teto de gastos será mantido e com o aumento de casos da covid-19 na Europa e nos EUA, o J.P. Morgan vê o PIB brasileiro se enfraquecendo na virada do ano, com aceleração posterior. A economia teria um crescimento de 2,6% em 2021 - para 2020, a estimativa é de uma retração de 4,6%.

Depois de crescer no terceiro trimestre 7,7% em relação ao anterior, feito o ajuste sazonal, o PIB deve perder bastante fôlego no quarto trimestre deste ano e no primeiro trimestre do ano que vem, avalia o J.P. Morgan. Para os três últimos meses de 2020, a projeção é de alta de apenas 1%; para os três primeiros meses de 2021, de queda de 0,5%.

O banco estima que haverá um forte impulso fiscal negativo no primeiro trimestre de 2021, equivalente a 1,9% do PIB, considerando a mudança do resultado primário ajustada pelo ciclo econômico. Esse efeito deverá ocorrer devido ao fim do auxílio e à retirada de outras medidas de crédito, avaliam Cassiana, Souza e Moreira. Na visão do banco, haverá uma recuperação gradual, num cenário em que, além do impulso fiscal negativo, o desemprego vai permanecer elevado. Esse efeito pode ser parcialmente compensado pelo uso da poupança acumulada durante a crise, mas os economistas do J.P. Morgan avaliam que isso não será suficiente para contrabalançar totalmente a retração fiscal, em meio à piora da covid-19.

Ao longo do ano, porém, a situação tende a ser tornar mais positiva, dizem eles. É verdade que o agravamento da pandemia em algumas regiões, especialmente na Europa, deve desacelerar o crescimento global no fim deste ano e no começo do próximo. No entanto, várias opções de vacina estarão disponíveis no início de 2021 e a mobilidade deverá aumentar ao longo do primeiro semestre, uma vez que a vacinação em massa deverá começar nos países desenvolvidos por volta do meio do ano que vem, escrevem os economistas. Com esse cenário externo mais positivo, o J.P. Morgan espera uma retomada da economia brasileira, com a normalização das condições domésticas e a perspectiva de que haja maior disponibilidade de vacinas também no Brasil no fim do ano. Desse modo, haveria uma tendência de melhora moderada ao longo de 2021, liderada pelo consumo das famílias. Os maiores riscos a esse cenário são um recrudescimento da pandemia que afete a mobilidade e a perda de credibilidade da política fiscal, dizem os economistas do banco.

A condução irresponsável da crise sanitária por Bolsonaro e a falta de um planejamento para a vacinação indicam que essa é uma ameaça de peso para o cenário de crescimento em 2021. No front fiscal, há vários motivos para ceticismo. O presidente se recusa a tomar decisões difíceis e há problemas na articulação política do governo. Se não ficar claro que há um plano de ajuste das contas públicas de médio prazo, há o risco de danos graves para a confiança na política fiscal, o que coloca em xeque a manutenção dos juros baixos. Já o fim do auxílio, sem a adoção de um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família, poderá causar uma desaceleração mais significativa da economia, além de aumentar a pobreza e a desigualdade.