energia renovável

Mercado de carbono abre necessidade de redução de gases de efeito estufa | Imagem: Shutterstock

Revista online | O que o Brasil pode ganhar com o novo mercado de carbono 

Cácia Pimentel e Ana Pimentel Ferreira*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)

A descarbonização da economia mundial é uma necessidade evidente em virtude da atual utilização desmedida de energia fóssil. Em especial, o uso intensivo de carvão e de petróleo gerou uma liberação de carbono na atmosfera que excede tremendamente a capacidade de reabsorção dos gases de efeito estufa (GEE) pelo planeta, especialmente o carbono e o metano. Muitas de nossas atividades cotidianas deixam um rastro de contaminação que favorece o aquecimento na Terra e gera insegurança alimentar e hídrica. Além disso, as principais economias do mundo mantêm forte padrão de dependência de energia fóssil para alimentar suas atividades produtivas, sobretudo, transporte e indústria. O carvão e os derivados de petróleo, como diesel, gasolina e gás natural, somam cerca de 80% da energia consumida no mundo, especialmente pela China, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Índia.   

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A solução, porém, não é deixar de produzir riqueza econômica, mas mudar a forma de produção dessa riqueza. Pensando nisso, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que passam pela descarbonização da economia e pela implementação de mecanismos de reparação socioambiental e de controle das emissões de carbono. Um desses mecanismos é o mercado de carbono, instrumento de transação comercial dos créditos certificados de redução de emissões de GEE. Espera-se que o mercado de carbono se some a outros instrumentos regulatórios, com o fim de alcançar a neutralidade climática e reduzir as probabilidades de um aquecimento climático acima de 1,5º C, considerando os níveis pré-Revolução Industrial. No entanto, o cenário atual é que as principais economias do mundo estão aumentando os subsídios à indústria fóssil, o que aponta para um cenário de mais 3,2º C de aquecimento até o fim deste século. 

Revista online | Política fiscal para a expansão energética 

Em linhas gerais, as regras desse novo mercado permitem que os países que não ultrapassarem o valor de emissão de GEE, estabelecido na Contribuição Nacionalmente Determinada (da sigla em inglês NDC), depositada na ONU, possam vender esse crédito aos países que extrapolarem suas emissões. No âmbito interno, esse mecanismo impulsiona os governos a incentivarem o mercado nacional a transacionar seus créditos certificados de emissão, de forma a auxiliar o cumprimento dos compromissos internacionais. Em 2022, o Brasil apresentou na ONU meta indicativa de reduzir, até 2025, suas emissões de GEE em 37% abaixo dos níveis de 2005, assim como reduzir em 50% até 2030. Por isso, o mecanismo de precificação e comercialização do carbono pode ser uma solução fundamental para atingir as metas estabelecidas na ONU. 

Eletricidade | Imagem: reprodução/shutterstock
Hidroelétrica | Imagem: reprodução/shutterstock
Termoelétrica | Imagem: reprodução/shutterstock
Eólica | Imagem: reprodução/shutterstock
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Biomassa | Imagem: reprodução/shutterstock
Gás natural | Imagem: reprodução/shutterstock
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O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) foi recentemente inaugurado pelo Decreto n. 11.075/22, conforme já previa a Lei n. 12.187/2009. O normativo orienta que, para serem comercializados, os créditos certificados sejam registrados no Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), uma espécie de plataforma para registrar os dados de emissões e consolidar o comércio e a transferência de créditos de carbono. As regras de operacionalização do novo sistema ainda dependem de atos e planos conjuntos dos Ministros do Meio Ambiente e da Economia. Ademais, resta saber como se dará o financiamento público e privado para a estruturação desse novo mercado.  

O mercado de carbono é um avanço rumo à descarbonização e poderá impulsionar o empresariado brasileiro, gerar oportunidades de negócios e empregos verdes, mitigar impactos climáticos por meio do desincentivo ao desmatamento e, ainda, impulsionar a inovação tecnológica. Estima-se que o Brasil, em razão de suas vantagens comparativas, poderá suprir até 37% da demanda global por crédito de carbono. Porém, o sucesso depende de como serão conduzidos os próximos passos. Para isso, é fundamental que haja readequação do ambiente regulatório, diminuição gradual dos subsídios concedidos à indústria fóssil e um ambiente de governança multinível que permita a participação ativa dos diversos grupos de interesse, de modo a tornar o Brasil mais competitivo no mercado internacional e alçá-lo à inconteste posição de referência mundial no desenvolvimento econômico sustentável. 

Sobre as autoras

*Cácia Pimentel é doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora de Direito e Sustentabilidade na Columbia University e mestre em Direito pela Cornell University.  

*Ana Pimentel Ferreira é mestranda em Economia Ambiental e graduada em Ciência e Tecnologia do Meio Ambiente pela Universidade do Porto, Portugal.  

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

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José Serra: Energia renovável e recuperação

O Brasil é a maior potência ambiental e pode se beneficiar das transformações do setor

A aprovação do novo marco do saneamento pelo Congresso Nacional, em julho deste ano, proporcionou, como previ naquela ocasião, a discussão e aprovação de uma pauta de retomada do crescimento pós-pandemia, voltada para a melhoria da produtividade. Publiquei um conjunto de artigos sobre investimentos em infraestrutura: um novo marco regulatório para as ferrovias e no setor de energia, com a aprovação urgente de mudanças na lei do petróleo, para possibilitar a realização de leilões em 2021, e nas leis do gás natural e do setor elétrico.

A cada ano que passa o mundo valoriza mais o que é feito a partir das energias renováveis. A vitória de Joe Biden reforçará essa agenda. O presidente eleito dos Estados Unidos deixou bem claro que dará uma guinada na política energética americana, retornando ao Acordo de Paris. Sua presidência deve lançar as bases para a descarbonização mais profunda e radical da História do país. O novo presidente promete investir US$ 2 trilhões em apoio às energias renováveis, para tornar os Estados Unidos totalmente independente do carvão e do petróleo até 2035. Existe a intenção de tornar toda a nação neutra em carbono até 2050.

O que isso tem que ver com o Brasil? Quais são as oportunidades que se podem abrir para o nosso desenvolvimento econômico e social? Já pensou? Um selo brasileiro de produto à base de energia renovável? Seria possível e altamente benéfico para o planeta!

O Brasil é a maior potência ambiental do mundo e pode se beneficiar fortemente das transformações do setor de energia global, com participação crescente das renováveis, da geração solar e eólica e também da inovação no armazenamento de energia. As baterias vão criar novas possibilidades, e tudo leva a uma expansão cada vez mais acelerada das renováveis. Em futuro não muito distante poderemos transformar-nos em potência energética se nos engajarmos nessa nova agenda.

Cabe lembrar que o consumo eficiente também pode ser o caminho mais fácil para atender às demandas futuras. A tecnologia hoje permite que redes inteligentes de energia conectem todos os seus consumidores, com uma riqueza de detalhes e dados que favorecem um sistema complexo e integrado, como o que já existe no Brasil.

Um exemplo bem cotidiano, que já é realidade em outros países, são os eletrodomésticos – como a máquina de lavar roupa – que esperam o momento de preço baixo da energia para funcionar e são automaticamente acionados. Em breve essa realidade passará a fazer parte dos lares brasileiros. Num simples ato de lavar roupas, o consumidor detém um poder de escolha que é bom para ele mesmo, para o sistema elétrico e para o meio ambiente.

É indispensável integrar as energias. Não esqueçamos que, no Brasil, temos uma frota de veículos movida a etanol, em última instância um derivado da “energia solar”. Em breve já poderemos sonhar com uma cena em que os consumidores geram energia com seus carros a etanol, como células combustíveis injetando energia no sistema. Ou mesmo carregando seus carros com energia de painéis solares. Essa energia também pode ser armazenada em baterias e utilizada quando necessário.

Também chegou a hora da diversidade, da integração, da competição e de dar poder cada vez maior aos consumidores. E, ademais, reconhecer que as soluções baseadas exclusivamente na intervenção dos governos e com dinheiro público se esgotaram. Esse gigantesco potencial de integração, pela via do mercado, vai permitir ao Brasil uma relação proveitosa com nossos vizinhos latino-americanos. Em conjunto, temos energia barata, matérias-primas, mão de obra e mercado para suportar um projeto que nos devolva o protagonismo na economia global.

Para que todo esse futuro se torne realidade precisamos modernizar nosso setor de energia. O caminho certo para criar um ambiente que atraia o capital privado e promova a concorrência passa pela nova lei do gás, pela atualização de regras do setor elétrico, por específicas para renováveis e biocombustíveis baseadas na inovação e na competitividade, e não em subsídios eternizados. Assim, vamos reforçar as estruturas de governo e das agências reguladoras com as vacinas que nos protejam dos riscos da captura do sistema por movimentos oportunistas.

No momento em que pensamos na recuperação do Brasil pós-pandemia, devemos pensar num processo estruturado de desenvolvimento com base na competitividade. A energia é uma chave geral desse projeto.

Só o debate democrático permitirá equilibrar os interesses diversos e fazer as escolhas certas. E o eixo desse debate está colocado nos projetos em apreciação no Congresso. Precisamos todos participar desse debate.

A agenda da energia reflete, no campo econômico, as demandas da sociedade brasileira. Ela envolve diversidade, maior poder para as pessoas, maior concorrência e transparência – e contribui para fazer a riqueza do País chegar a todos os brasileiros. Tão logo terminem as eleições municipais deve ser retomada com prioridade, fazendo da energia o combustível e o motor do nosso desenvolvimento.

*Senador (PSDB-SP)


Aloysio Nunes Ferreira: A diplomacia do biofuturo

Até 2030 a bioenergia precisará ter sua participação duplicada na matriz energética global e seu uso triplicado nos meios de transportes. Projeções elaboradas pela Agência Internacional de Energia Renovável e pela Agência Internacional de Energia indicam que ela será necessária em larga escala, mesmo considerando outras soluções concomitantes, como eficiência energética, energia solar e eólica, eletrificação dos transportes, cidades sustentáveis e maior uso do transporte público.

O setor de transportes – responsável por cerca de um quarto das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) – figura entre os principais desafios para a construção de matriz energética mais sustentável nas próximas décadas. E uma das soluções mais eficazes e de mais rápida implementação para esse setor é a ampliação do uso de biocombustíveis, que produz resultados imediatos na redução da emissão de gases de efeito estufa mesmo em mistura parcial com combustíveis fósseis.

Obstáculos políticos e econômicos, porém, têm dificultado a transição para economia mais limpa no que diz respeito à bioenergia. A difusão de falsa dicotomia entre produção de alimentos e de combustíveis – além da insistente prática do protecionismo agrícola – tem impedido a constituição de mercado internacional para biocombustíveis e sua transformação em commodity global.

A revolução tecnológica que está em curso poderá mudar substancialmente esse panorama. O caso do etanol celulósico ou de segunda geração (E2G) é bom exemplo, já alcançando o estágio de produção em escala comercial no Brasil, nos Estados Unidos e na Itália. Outras tecnologias promissoras começam também a deixar os laboratórios e a atingir escalas de demonstração. O País está na vanguarda da inovação tecnológica na produção de combustível limpo e ambientalmente prudente, fato que contribui para liderança em desenvolvimento sustentável.

A segunda geração de biocombustíveis utiliza como insumo a celulose, a matéria verde que compõe a maior parte da biomassa das plantas. Avanços no uso da celulose podem tornar viável a produção de biocombustíveis em larga escala em diversos países que, de outra forma, não reuniriam as condições para replicar a bem-sucedida experiência brasileira com o etanol de cana-de-açúcar. O aproveitamento da celulose, sem prejuízo de outras formas de biotecnologia, é essencial para o desenvolvimento da bioeconomia, seja como alternativa, seja como complemento da indústria petroquímica na produção de plásticos, químicos e medicamentos.

Subsiste o desafio de alcançar escala de produção. Será preciso aperfeiçoar os processos em todas as etapas da cadeia produtiva e proporcionar ambiente de negócios favorável ao setor. Nessa nascente corrida tecnológico-industrial, o Brasil pode largar entre os líderes mundiais, desde que decisões corretas sejam tomadas.

É importante esclarecer que não há conflito de interesses ou concorrência entre a primeira e a segunda geração de biocombustíveis. O etanol de cana-de-açúcar, de primeira geração, é sustentável, não compete com alimentos e traz benefícios climáticos e ambientais. Essa fase continuará como base da produção no setor, com eficiência incrementada pela segunda geração. O desenvolvimento de uma avançada bioeconomia global, que se fortalece com biocombustíveis de segunda geração e bioprodutos, será de grande benefício para o País, que reúne as condições para ser um dos mais competitivos produtores mundiais.

O Itamaraty, em coordenação com outras áreas do governo e com o setor privado, tem liderado o esforço de disseminação global da bioeconomia de baixo carbono. Exemplo disso, foi lançada em novembro de 2016 a Plataforma para o Biofuturo, iniciativa multilateral que pretende acelerar o reconhecimento do papel dos biocombustíveis de baixo carbono e da bioeconomia na transição energética global. O Brasil conseguiu mobilizar outros 19 países, incluídas as maiores economias do planeta e países-chave para a expansão dos biocombustíveis, como Estados Unidos, China, França, Índia, Reino Unido, Indonésia, Itália e Argentina, para avançar nesse empreendimento.

O Brasil tem muito orgulho de coordenar a Plataforma para o Biofuturo, com apoio de seus parceiros internacionais. Esse mandato está sendo implementado por meio da negociação de uma Declaração de Visão, que deverá emitir forte sinal para o mercado sobre o papel relevante da bioeconomia nas próximas décadas, da construção de diagnóstico pormenorizado sobre o estado global dessa bioeconomia e da organização de conferências internacionais para troca de experiências e convergência de políticas. Por essa razão São Paulo sediará nos próximos dias 24 e 25 a primeira Cúpula para o Biofuturo (Biofuture Summit).

A Plataforma para o Biofuturo já tem correspondente doméstico em gestação, na forma do programa RenovaBio, que pretende reformular as políticas nacionais de biocombustíveis, com foco na redução de emissões e no estímulo à inovação e à eficiência energética.

Levar adiante essa agenda, simultaneamente nos planos interno e externo, deverá impulsionar o desenvolvimento de nossos setores agrícola, industrial e biotecnológico. A Plataforma afirmará também a posição de vanguarda do Brasil em energia limpa, com efetiva contribuição do País à construção de economia global social e ambientalmente sustentável, em consonância com os objetivos da Conferência de Paris.

O Acordo de Paris representou um marco na evolução da consciência global em favor da promoção do desenvolvimento sustentável e da economia de baixo carbono. Sem a utilização em larga escala da bioenergia não será possível atingir as metas de Paris, vitais para a humanidade, e a Plataforma representa um importante passo nessa direção.

*MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, É SENADOR LICENCIADO (PSDB-SP)