emissões

Brasil na contramão do mundo tem alta de 9,5% nas emissões na pandemia

Desmatamento explica piora no cenário

Emilio Sant’Anna / O Estado de S.Paulo

Mesmo com a pandemia que derrubou a economia do País, e na contramão do mundo, o Brasil teve em 2020 um aumento de 9,5% nas emissões de gases do efeito estufa em relação ao ano anterior.  A tendência mundial no ano passado foi de queda de quase 7%. A causa do sinal trocado brasileiro: a alta no desmatamento da Amazônia e do Cerrado, enquanto em países desenvolvidos a redução na poluição esteve ligada a menores atividade industrial e demanda de geração de energia. A fragilização no combate aos crimes ambientais tem feito a gestão Jair Bolsonaro ser alvo de críticas de grupos econômicos, sociais e científicos no Brasil e no exterior. 

Os dados são do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, que reúne 70 organizações ligadas à área ambiental, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Na próxima semana, começa a 26ª edição da Conferência do Clima (COP-26), em Glasgow, onde o Brasil pretende cobrar dos países desenvolvidos verbas para manter a floresta em pé por aqui.

De acordo com o relatório do Observatório do Clima, as emissões brutas atingiram 2,16 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) no ano passado, ante 1,97 bilhão de toneladas em 2019. Desde 2006, esse é o maior volume de emissões do País. 

Em alta, o desmatamento na Amazônia em 2020 chegou a 10.851 km², segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O SEEG utiliza os dados do consórcio MapBiomas. Os dados apresentam tendências semelhantes: alta na derrubada da floresta, que ocorre em meio ao avanço da grilagem de terras, do garimpo ilegal e da extração irregular de madeira.


previous arrow
next arrow
 
previous arrow
next arrow

As 782 milhões de toneladas de CO2e. emitidas no ano passado na Amazônia pelas mudanças no uso do solo fazem que a floresta sozinha seja uma das maiores fontes de emissão do planeta. Se fosse um país, seria o 9º maior emissor do mundo à frente, por exemplo, da Alemanha. Se somadas às 113 milhões de toneladas de CO2e lançadas na atmosfera a partir do Cerrado, os dois biomas juntos poderiam ser o 8º país com a maior emissão entre todos.

Ou seja, em um ano em que a economia brasileira teve queda de 4,1% no Produto Interno Bruto (PIB), as emissões do País cresceram e a maior parte delas foi decorrente de uma atividade ilegal e que não gera nenhum tipo de riqueza para o Brasil. Pior: no geral, as emissões que de fato criam renda (como a agropecuária e a indústria) estão gerando menos, afetadas pela pandemia e o aumento do desmate na Amazônia e no Cerrado. Em 2019 o País gerava US$ 1.199 por tonelada de CO2e emitida, esse valor caiu para US$ 1.050 em 2020.

Em relação às emissões globais, o Brasil é o 5º entre os maiores poluidores, com cerca de 3,2% do total mundial, atrás apenas de China, Estados Unidos, Rússia e Índia. O impacto do desmatamento nessa conta é tão grande que distorce até mesmo a média de emissão per capita e coloca o brasileiro em situação pior do que a média do resto do mundo. Em 2020, a média de emissão de CO2 por brasileiro foi de 10,2 toneladas brutas, ante 6,7 da média mundial.

Dos cinco setores da economia responsáveis pela quase totalidade das emissões do Brasil, três tiveram alta (mudanças no uso da terra, agricultura, setor de resíduos), um teve queda (energia) e um permaneceu estável (processos industriais). A aceleração da crise econômica sobre o Brasil, impulsionada pela pandemia, fez com que as emissões do setor de energia regressassem para os níveis de 2011. As mudanças do uso da terra, no entanto, foram responsáveis por lançar na atmosfera 23,6% a mais, em relação a 2019, gases de efeito estufa. 

Assim como nos anos anteriores, as mudanças de uso da terra foram responsáveis pela maior fatia das emissões no Brasil: 46% do total bruto, o que representa 998 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2 e). Quando o parâmetro são as emissões líquidas (descontando as remoções, ou carbono sequestrado, por florestas secundárias, áreas protegidas e terras indígenas), esse índice cai para 24%, ou 362 MtCO2 e.

Ainda em relação às emissões brutas, a agropecuária é a segunda maior fonte: 27%, o setor de energia, com 18%, e os processos industriais, com 5% do total  aparecem na sequência.

O SEEG foi criado em 2012 atendendo a uma determinação da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC). O decreto que regulamenta a PNMC estabeleceu que o Brasil deveria produzir estimativas anuais - o que nunca foi feito pelo governo federal. Os inventários nacionais são publicados apenas a cada cinco anos. 

Organizações processam governo por meta climática insuficiente

O Observatório do Clima protocolou na quinta-feira, 26, uma ação civil pública na Justiça Federal do Amazonas contra a União e o Ministério do Meio Ambiente, para cobrar a atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima. Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou que o Brasil foi o país que mais recuou em suas metas de cortes de emissões de gases de efeito estuda entre as principais economias do planeta. 

O afrouxamento da meta do Brasil é fruto de alteração na base de emissões calculadas em 2005, de onde se devia partir para chegar a uma redução de 43% de corte dos gases de efeito estufa até o início da próxima década. Se o ponto de partida das emissões fica maior, o limite de gases sobe, ainda que a meta de corte mantenha a mesma proporção.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-emissoes-gases-efeito-estufa-desmatamento,70003882541


João Gabriel de Lima: Uma razão para ter orgulho do Brasil

Uma ideia que ajudou a mudar o mundo nasceu, como algumas canções da bossa-nova, em guardanapos de papel. Era o ano de 2009 e almoçavam, em Brasília, a secretária nacional de Mudança Climática, Suzana Kahn Ribeiro, e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. O assunto: o que o Brasil poderia sugerir na COP 15, a Conferência do Clima de Copenhague? Suzana rabiscou um esquema no guardanapo. Nascia a “espiral positiva”.

A ideia era simples. Suzana e Carlos achavam que o Brasil deveria propor, unilateralmente, a redução de suas emissões de carbono. Mais: fixar metas concretas. Ainda mais: expor-se ao escrutínio internacional, abrindo seus números. Houve resistências dentro do governo, cujo discurso – recorrente entre os caramurus à esquerda e à direita – era cheio de “não podemos abrir mão de nossa soberania” e “eles devastaram suas próprias florestas, não se metam com a nossa”.

A “espiral positiva” era, antes de tudo, um desejo, um “wishful thinking”: inspirados pelo exemplo do Brasil, vários países tomariam atitudes semelhantes, numa competição virtuosa. A ideia venceu as resistências internas – entre elas, a da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ganhou a adesão do Itamaraty, com seu timaço de negociadores com experiência em meio ambiente (a coluna voltará ao assunto em breve).

No plano externo, o sucesso não foi imediato. Os brasileiros ganharam aplausos em Copenhague, mas não adesões. A semente germinaria seis anos depois. O Acordo de Paris, assinado em 2015, era precisamente a ideia do Brasil – países propondo voluntariamente metas de redução de carbono, com métricas críveis.

O que mudou em seis anos? “Ficaram claros os incentivos para uma economia de baixo carbono. Não se trata apenas de salvar o planeta, mas também de ganhar dinheiro”, diz Suzana Kahn Ribeiro, atualmente professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela discorre sobre o assunto no minipodcast da semana.

As oportunidades são inúmeras. Segundo Suzana, a China, que já foi refratária a metas de emissões, cresceu o olho sobre o mercado de energia renovável. Países nórdicos investem em madeira certificada: do lado certo da força, ganham a concorrência com nações que devastam florestas. Acessam, de quebra, o bilionário mercado de títulos verdes. O lado certo da força, diga-se, acaba de ser demarcado com sabre de luz pelo Obi-Wan da vez – o presidente americano Joe Biden.

Se há uma razão para que os brasileiros se orgulhem de seu país, é a liderança que já exercemos na área mais estratégica do planeta – a que garante a própria sobrevivência da esfera azul que habitamos. Além de inspirar, em alguma medida, o Acordo de Paris, o Brasil foi o berço do moderno combate à mudança climática – na Rio 92, marco positivo do governo Collor.

Perdemos, no entanto, essa primazia – e, com ela, oportunidades de enriquecimento e projeção internacional. “É possível que, depois da pandemia, o mundo se reconstrua como uma economia moderna”, diz Suzana. “Conectar-se com esse futuro é uma chance enorme.” O tema começa a entrar em pauta entre os pré-candidatos de oposição para 2022. Do governo atual, pelo que diz e faz, não se deve esperar nada.

O Brasil conhece bem o caminho para reconquistar alguma relevância no mundo. Já houve um tempo em que nossas ideias, rabiscadas em guardanapos de papel, faziam o planeta cantar – ou ajudavam a salvá-lo, inspirando boas práticas.

Fonte:

O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,uma-razao-para-ter-orgulho-do-brasil,70003708202


Acordo de Paris entra em vigor. Desafio agora é torná-lo mais ambicioso

O Acordo de Paris para o combate às mudanças climáticas entrou nesta última sexta-feira (4) em vigor em tempo recorde, menos de um ano depois de ter sido fechado na capital francesa por 195 países, com o desafio de acelerar e incrementar suas ações a fim de evitar os piores impactos do aquecimento global.

A rapidez na adoção, até ontem, por 94 países, cria um momento de empolgação diante de um problema complexo. As emissões de gases de efeito estufa precisam cair drasticamente, mas continuam subindo, enquanto o planeta está cada vez mais quente – a expectativa é que 2016 vai bater o recorde, pelo terceiro ano seguido, como o mais quente desde o início dos registros.

Por outro lado, novos cálculos confirmam que as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) – nome técnico dos compromissos que cada país ofereceu como contribuição ao acordo –, ao serem somadas, ficam bem aquém do necessário para limitar o aquecimento do planeta a menos de 2°C até o final do século. Estão mais distantes ainda do 1,5°C, valor mais desejado para evitar danos aos países mais sensíveis à mudança do clima.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) fez nesta quinta o alerta de que o mundo só vai alcançar a meta dos 2°C se fizer um corte adicional de 25% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 em relação ao que já estava previsto para ser reduzido.

O dado consta do Gap Report, relatório que todo ano mede a lacuna entre as ações que a humanidade está tomando para diminuir a quantidade de gases que é lançada na atmosfera e o quanto de fato precisaria estar sendo feito para limitar o aquecimento.

Pela conta, em 2030 todos os países juntos deveriam emitir no máximo 42 gigatoneladas de CO2 equivalente (a soma de todos os gases de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono), mas considerando o ritmo de ações atuais e os compromissos assumidos pelos países junto ao Acordo de Paris, a emissão do mundo estará entre 54 e 56 gigatoneladas. Com isso, o planeta fica no rumo de aquecer entre 2,9°C a 3,4°C até 2100, na comparação com níveis de antes da Revolução Industrial.

A rápida entrada em vigor do acordo passa um sinal claro aos países que ainda não o ratificaram, e também a empresas, mercado financeiro e setores que de algum modo estão ligados ao problema, que o mundo está comprometido a resolvê-lo. A expectativa é que também acelere as ações justamente para fazer essa conta fechar.

“É um momento para celebrar. E também de olhar para frente com vontade renovada para a tarefa que temos adiante. Em curto tempo – e certamente nos próximos 15 anos – precisamos ver reduções sem precedentes nas emissões de gases de efeito estufa e esforços inigualáveis para construir sociedades que possam resistir aos crescentes impactos climáticos”, afirmam Patricia Espinosa, secretária executiva da Convenção do Clima da ONU, e Salaheddine Mezouar, ministro das relações internacionais do Marrocos e presidente da conferência do Clima de Marrakesh.

Em artigo que será divulgado nesta sexta, eles lembram que as emissões ainda não estão caindo, “fato de deve estar à frente das preocupações no encontro de Marrakesh” para ser coletivamente resolvido.

Marrakesh

A partir da próxima segunda-feira, a cidade vai sediar a 22.ª Conferência do Clima da ONU, que terá a missão de dar o pontapé inicial nesse processo. Será a primeira oportunidade para as partes que já ratificaram o Acordo de Paris a começarem a decidir como se dará sua implementação. Desse grupo fazem parte os dois maiores emissores do planeta – China e Estados Unidos – e também pesos-pesados nessa discussão, como Índia, União Europeia e Brasil.

Na prática, porém, a entrada em vigor, comemorada como um arroubo de vontade política até então inédita nas negociações de clima – principalmente quando Estados Unidos e China resolveram tomar a dianteira desse processo –, não significa que imediatamente os países começarão a adotar novas medidas para cumprir suas metas de redução de emissões.

O acordo passa agora por um processo burocrático para definir algumas regras do jogo e só então torná-lo de fato operacional. É preciso definir, por exemplo, o conjunto de informações que os países terão de apresentar quando forem comunicar suas NDCs; qual será o mecanismo de contabilidade de avanços; como se dará o mecanismo de mercado e de financiamento (Veja propostas brasileiras para a negociação).

A verdade, afirma o embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, negociador-chefe da delegação brasileira, é que não se esperava que o acordo entraria em vigor tão rápido. Quando foi fechado, em dezembro do ano passado, se considerava que isso só ocorreria em 2020.

“A entrada em vigor marca um momento político favorável e demonstra consenso da comunidade internacional sobre a urgência de ações que devem ser tomadas para combater a mudança do clima”, disse ontem em coletiva à imprensa. Mas não quer dizer que a pressa não foi importante, ressalta. Segundo ele, isso vai acelerar os trabalhos de implementação.

Ao mesmo tempo, diz, é preciso ter uma solução para ações anteriores a 2020, que também estão previstas no Acordo de Paris.

Isso porque quase todos os compromissos que os países apresentaram para o acordo têm como ponto de partida o ano de 2020, para serem cumpridas até 2025 ou 2030. Mas o texto também estabeleceu que antes disso outras ações, ainda a serem definidas, têm de ser feitas, como incrementar compromissos anteriores, voluntários, que foram apresentados em 2009, na COP de Copenhague. “Não temos tempo a perder”, afirmou o embaixador.

Responsabilidade

Para Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, o principal ganho da entrada em vigor é justamente que a partir de segunda já haverá o primeiro espaço formal para começar a regulamentação.

“Ninguém imaginou que o acordo entraria em vigor em menos de um ano e agora temos quase cem países que já o ratificaram. Imagino que isso vai impor um censo de responsabilidade para tirar o Acordo de Paris do papel”, disse ao Estado. “O que acontece é que nenhum país mais pode se esconder. O acordo é realidade. Os países têm de começar a se preparar.”

Ele lembrou que o Gap Report traz “uma mensagem contundente de que a coisa tá feita” e disse que espera que isso possa de algum modo influenciar as negociações em Marrakesh. “Talvez a conferência impulsione o inventário informal que será feito em 2018”, afirmou.

Rittl se referiu uma checagem que vai ser feita naquele ano para que os países digam se tem condições de aumentar a ambição de suas metas. “Começar a implantar o Acordo de Paris agora pode nos permitir vislumbrar um aumento das reduções de emissões já em 2018.”

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.


Fonte: cidadessustentaveis.org.br