Eleições EUA 2016

‘Trumpeconomics’, um salto no vazio

Programa econômico de Trump coloca em perigo o comércio mundial

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, apresentou um programa econômico contraditório, mal-alinhavado e construído fundamentalmente sobre as ideias, claramente nocivas para o crescimento econômico norte-americano e mundial, do protecionismo mais arcaico e da negação do multilateralismo. Não surpreende, pois, que hoje muitos economistas — e também mercados e investidores — queiram se proteger por trás do argumento, fraco mas plausível, de que as declarações incendiárias de campanha e as propostas desatinadas tropeçarão em breve no realismo que qualquer ação de governo impõe. A pergunta pertinente é se o isolacionismo hostil defendido pelo candidato Trump é compatível com uma economia globalizada onde o presidente Trump teria que operar.

Existem razões para um otimismo moderado. O protecionismo proposto pelo candidato, suas investidas contra a globalização e suas ameaças de tarifas e barreiras são ideias de difícil execução. Não é possível desvencilhar-se dos acordos econômicos e ambientais firmados pelos EUA, e dentro do Partido Republicano tampouco existe um acordo monolítico sobre essa neurose protecionista que afeta o presidente eleito. Isso embora seja evidente que o instrumento comercial decisivo para a Europa, o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), sofrerá importantes atrasos ou um congelamento quase definitivo.

O protecionismo é um grave risco para os EUA, a zona do euro e os países emergentes

A concepção protecionista de Trump multiplica o risco de uma recessão global justamente porque cerceia a raiz de qualquer possibilidade de crescimento do comércio internacional; sem o TTIP, a zona do euro perde um instrumento básico para recuperar taxas de crescimento, emprego e renda do euro. Para os países emergentes, as expectativas são ainda piores: dependendo de cada caso, o protecionismo planejado atrasará suas respectivas recuperações durante trimestres ou até mesmo anos.

Como os interesses das empresas norte-americanas no mundo vão além do fundamentalismo isolacionista do novo presidente, é provável que os lobbies intercedam para mitigar as arestas mais radicais do discurso. Convém contrastar a violenta antiglobalização de Trump com a experiência dos que tomariam as decisões econômicas reais no novo Governo. Os temores fatalistas gerados por programas incendiários talvez sejam mitigados depois, quando se leva em conta que a nova equipe econômica tende mais ao realismo. Ainda que as ameaças lançadas contra Janet Yellen, a presidente do Federal Reserve (o banco central norte-americano), não sinalizem nada positivo.

Washington não pode nem deve romper seus compromissos econômicos internacionais

Os mercados mundiais, no momento, optaram por esperar e ver o que acontece. Após uma reação inicial de temor, os investidores ponderam que as propostas do presidente eleito não são disparatadas quando se leva em conta o crescimento econômico interno, mas são contraditórias. Trump propõe ao mesmo tempo reduzir os impostos — algo que Reagan fez com maus resultados, embora a economia vudutenha atraído seguidores na Europa e, sobretudo, na Espanha — e desenvolver um ambicioso plano de investimento em infraestrutura. Gastar mais dinheiro contando com menos receita implica, de forma imediata, elevar o déficit e o endividamento do país; é muito elevada a probabilidade de que sejam necessárias novos aumentos de impostos no médio prazo. O plano estratégico carece de nuances. Uma aposta no petróleo e no carvão é simplesmente regressiva, pois solapa a criação de postos de trabalho com maior valor agregado nas novas energias.

Há outra consequência previsível: as taxas de juros terão que subir (nova pressão sobre a Fed) e também terá de haver uma apreciação do dólar. Para a Europa, o efeito pode ser uma melhora na competitividade — num mercado mundial não protecionista — e, se a expansão fiscal e monetária consolidar o crescimento americano, um incentivo poderoso para que Bruxelas, Berlim e Frankfurt aceitem finalmente a expansão fiscal.

A trumpconomics parece hoje um perigoso salto no vazio. Rompe a fraca relação do comércio mundial, cujo fortalecimento era uma das esperanças para uma recuperação mais pujante; materializa a ameaça de uma guerra comercial entre as áreas monetárias; quebra o ajuste gradual das taxas de juros dos EUA, tendência que era — e já é — um reconhecimento dos compromissos de Washington com a economia global; expõe o mundo a uma nova recessão e propõe o agravamento da desigualdade nos EUA. Washington não pode nem deve se retirar dos compromissos com o equilíbrio econômico geral e com a arquitetura das instituições multilaterais. Essa é a ameaça iminente que Trump representa.


Fonte: brasil.elpais.com


Cai um muro, ergue-se outro

Há 27 anos os alemães derrubaram o muro de Berlim com as próprias mãos. Nesta quarta, os EUA ergueram outro

Neste dia 9 se completam 27 anos que milhares de alemães derrubaram, com as próprias mãos, o muro que por mais de duas décadas dividiu Berlim entre oriental e ocidental. A marca visível de uma guerra fria que incentivou ditaduras e repressão política pelo mundo. E nesta quarta, justamente quando se comemora o aniversário da queda do muro de Berlim, é eleito nos Estados Unidos um presidente que propõe construir uma nova muralha de mais de 3 mil quilômetros de extensão na fronteira entre os Estados Unidos e o México. O objetivo de Donald Trump é conter a imigração ilegal de latino-americanos. A obra, orçada em cerca de 8 bilhões de dólares, seria paga pelo governo mexicano. Para isso, Trump planeja bloquear a transferência de dinheiro de imigrantes ilegais dos EUA para o México até que o governo do país vizinho concorde em arcar com o custo da obra.

O discurso contra os imigrantes hispânicos ocorre num momento de crise econômica e falta de empregos e rendeu muitos votos da classe média branca ao bilionário norte-americano. Mas entre o discurso radical de campanha e a realidade existe um fosso enorme. Uma distância que, se não for respeitada, colocará o mundo de volta ao seu pior passado. Um confronto não ideológico, como foi o da extinta União Soviética contra os Estados Unidos, mas da perseguição das minorias como fez Hitler com os judeus na Alemanha nazista. É bom lembrar que Trump também defendeu a proibição da entrada de muçulmanos no país, a vigilância das mesquitas pelo serviço de inteligência e o uso da tortura em suspeitos de terrorismo para arrancar confissões de supostos atentados.

Mas até onde Donald Trump está realmente disposto a investir nessa verdadeira guerra interna contra os imigrantes? Até que ponto, por exemplo, ele irá avançar na radicalização contra a colônia latina que hoje representa mais de 55 milhões de pessoas? Convenhamos: não seria prudente para um governo em início de mandato e cercado de desconfiança internacional enfiar a mão nessa cumbuca. Principalmente depois que ele obteve parte dos votos de hispânicos em estados como a Flórida, que acabaram por garantir sua vitória no país. Trata-se de um eleitorado latino conservador e religioso, que não raro é machista, homofóbico e contra o aborto. E, portanto, alinhado com o pensamento do novo presidente.

Por tudo isso, não acredito que Trump irá cumprir a promessa bizarra da construção física de um muro. Mas acho bem plausível que ele, com suas políticas públicas, amplie ainda mais o muro invisível de preconceitos e de exclusão contra os latinos na sociedade norte-americana. Daqui para frente vai ser bem mais difícil para os hispânicos tentarem a vida nos Estados Unidos. E mais difícil ainda para os ilegais permanecerem no país. Mas quem sabe essa não seja a janela que se abre para os latino-americanos começarem um novo sonho em seus próprios países. Agora, gostem ou não, o futuro é aqui nestas outras Américas, Central e do Sul.