eleições 2022

Ricardo Noblat: Bolsonaro faz barba, cabelo e bigode na nova pesquisa Datafolha

Os efeitos do dinheiro no bolso

O que aconteceu entre a última semana de junho passado quando o Datafolha foi a campo para saber a opinião dos brasileiros sobre o governo de Jair Bolsonaro, e esta quando repetiu a dose?

Fabrício Queiroz foi preso na casa do advogado do presidente Bolsonaro e do seu filho Flávio, senador. E, no último sábado, o Brasil atingiu a triste marca dos 100 mil mortos pelo coronavírus.

A devastação da Amazônia seguiu em frente e até cresceu. O Ministério da Saúde completou 3 meses sob o comando de um general. E mal tomou posse, o 4º ministro da Educação adoeceu.

O que explica então que a aprovação de Bolsonaro tenha aumentado e a rejeição caído segundo a nova pesquisa Datafolha? Duas poderosas coisinhas, pela ordem de importância.

A primeira: o auxílio emergencial de 600 reais pago a pelo menos 42% da população para que ela enfrentasse os efeitos da pandemia. A segunda: a mudança de comportamento de Bolsonaro.

O índice dos que acham o governo ótimo ou bom subiu de 32% para 37%. Caiu de 44% para 34% o índice dos que o acham ruim ou péssimo. É a melhor avaliação desde que o governo começou.

Dos 5 pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva, pelo menos três vêm dos trabalhadores informais ou desempregados que têm renda familiar de até três salários mínimos.

Entre os que receberam o auxílio, a taxa dos que consideram Bolsonaro um presidente ótimo ou bom é seis pontos superior à observada entre os que não pediram o benefício.

A popularidade do presidente no Nordeste, a região mais pobre do país, cresceu seis pontos. Bolsonaro no modo bonzinho reduziu sua desaprovação entre os brasileiros de maior renda no Sudeste.

Fique, portanto, Bolsonaro à vontade para criticar governadores e prefeitos que decretaram medidas de isolamento social, defender a volta ao trabalho e prescrever cloroquina aos doentes.

Tudo isso lhe será perdoado. Só não pare de pagar o auxílio emergencial, ou qualquer outro nome que se lhe dê. Nem o reduza. Se reduzir será lembrado como aquele que deu e depois tomou.

A mesma mão que hoje afaga, amanhã apedreja.

O Supremo Tribunal Federal tenta exorcizar o fantasma do SNI

Arapongas sob freios
O fantasma do Serviço Nacional de Informações (SNI) fez o governo Bolsonaro colher mais uma derrota no Supremo Tribunal Federal. Criado depois do golpe militar de 64 para supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e exterior, e extinto em 1990 pelo presidente Fernando Collor, o SNI foi o órgão repressor mais eficiente da ditadura.

“Eu criei um monstro”, reconheceu o general Golbery do Couto e Silva, seu fundador, e ex-ministro dos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo. Foi para evitar que algo parecido possa ressurgir que o Supremo decidiu impor limites à atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ela só poderá pedir informações a outros órgãos se “ficar evidenciado o interesse público”.

São 42 os órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – entre eles a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça. O Supremo também barrou o envio à Abin de dados como quebra de sigilo e escutas telefônicas, que somente podem ser obtidos com prévia autorização judicial.

“Arapongagem não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo”, disse a ministra Carmen Lúcia, relatora do caso. “Qualquer fornecimento de informação que não cumpra rigores formais do direito contraria a finalidade legítima posta na lei da Abin. […] Não é possível ter como automática a requisição sem que se saiba por que e para quê”.

Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luix Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli acompanharam o voto da ministra. Celso de Mello ausentou-se e Marco Aurélio Mello votou contra. Fachin foi direto ao ponto: “O modelo adotado pelo SNI durante a ditadura não pode, sob nenhuma hipótese ser o mesmo da Abin”.

A Abin é comandada pelo delegado Alexandre Ramagem que cuidou da segurança de Bolsonaro depois da facada em Juiz de Fora. Bolsonaro o nomeou diretor-geral da Polícia Federal. Sua posse acabou suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes. Por pouco, o episódio não provocou uma crise institucional. Bolsonaro chegou a anunciar que fecharia o Supremo. Recuou depois.


José Casado: No palanque, o bolsolulismo

Família Bolsonaro selou união com o PT para reeleger prefeito de Belford Roxo

Jair Bolsonaro avança em alianças com grupos hegemônicos na área metropolitana do Rio, onde se concentram 8,6 milhões de eleitores, dois terços do eleitorado fluminense.

Liberou verbas, filhos parlamentares e ministros para apoiar candidatos patrocinados pela oligarquia regional, que em 2018 o ajudou a obter mais de 60% dos votos em 40 das 49 zonas eleitorais do Rio e, acima disso, na Baixada Fluminense.

Bolsonaro viaja no vácuo de Wilson Witzel e antecessores do MDB, hoje encarcerados. Semana passada mobilizou o filho senador e o ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho, em visitas a Duque de Caxias (658 mil eleitores), Belford Roxo (325 mil) e Mesquita (133 mil).

Apoia candidatos da Assembleia de Deus, majoritária no eleitorado autodeclarado evangélico, e da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem como líder político o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), em batalha pela reeleição.

Também se aproxima de outros, cujas biografias confirmam o Rio como a metrópole onde o crime organizado mais avançou na política. Milícias, narcotráfico e empresas de jogos ilegais detêm controle real sobre fatia do eleitorado. Na capital, a Justiça Eleitoral já mapeou 468 seções, com mais de 618 mil inscritos (12% do total), onde há histórica concentração de votos em candidatos ligados ao crime no Chapadão, Maré, Jacarepaguá e Alemão.

Em novembro, o Rio teria o primeiro candidato a prefeito com origem miliciana atestada em tribunal. Mas Jerônimo Guimarães Filho, 71 anos, pioneiro de bandos na Zona Oeste, desistiu depois de dez meses de campanha. Jerominho foi vereador carioca por oito anos, até ser condenado por crimes como a chacina de nove pessoas.

A tradição clientelista do poder local magnetiza o presidente. Semana passada mandou seu filho senador a um comício em Belford Roxo, cidade onde teve 68,8% dos votos em 2018. Ali, a família Bolsonaro selou união com o PT de Lula para reeleger o prefeito Wagner Carneiro (MDB). Vice-presidente do PT, Washington Quaquá justificou a aliança: “Só é contra quem adora teorizar a Baixada tomando chope em Ipanema”. O bolsolulismo subiu no palanque.


Eliane Cantanhêde: Fardas, armas, dúvidas

Fazer dossiês contra policiais críticos do governo soa como extensão do ‘gabinete do ódio’

Que a relação do presidente Jair Bolsonaro e seus filhos com armas, munições, milicianos, policiais e militares é um tanto complexa, todo mundo sabe. Mas nunca ficou claro quais são seus reais planos para as polícias estaduais e é exatamente por isso que o ministro da Justiça, André Mendonça, deve explicações ao Judiciário, ao Legislativo e à sociedade brasileira para dossiês contra “antifascistas”, ou antibolsonaristas. O principal alvo desses dossiês são... policiais.

De um lado, prospera a suspeita de infiltração bolsonarista nas polícias, aumentando a influência do presidente e reduzindo a dos governadores. De outro, surgem esses dossiês sobre policiais que se opõem a Bolsonaro e à ingerência de cima. Quem faz dossiê contra adversários e críticos é porque pretende usá-lo para perseguição ou chantagem, como uma extensão do “gabinete do ódio” do Planalto. Coisa de ditaduras, não de democracias.

Não bastasse o Ministério da Justiça, também o Ministério Público do Rio Grande do Norte produz dossiês de policiais, com fotos, dados, manifestações e posts nas redes, produzindo um banco de dados de quem está “conosco”, quem está “contra nós”. Sabe-se lá em quantos outros Estados a produção de dossiês está virando moda. Se fossem sobre fascistas, até daria para entender, mas são contra “antifascistas”. Ser contra antifascista é ser o quê?

Quando se trata de polícia, instituição fardada e armada, isso se torna particularmente intrigante – ou preocupante. No contexto brasileiro, mais ainda. Na política há três décadas, o presidente da República jamais se preocupou com Economia, Educação, Saúde, Meio Ambiente ou mesmo estratégia de Defesa, geopolítica. Seus mandatos foram consumidos na defesa de aumentos salariais para policiais e militares. Por trás disso, eleição, eleição, eleição.

Hoje presidente, Bolsonaro não se dedica só a garantir votos nos setores armados, mas a articular algo mais complexo, que não está claro. Não bastam os votos de policiais, é preciso manipulá-los, dominá-los? Com que objetivo? Nessa direção, Bolsonaro só sancionou a lei que proíbe reajustes salariais de servidores públicos, por causa da pandemia, após o aumento dos policiais da capital da República – os mais bem remunerados do País.

E as investidas nas polícias não são isoladas, vêm junto com projetos para ampliar porte e posses de armas, a derrubada de três portarias do Exército sobre monitoramento de armas de civis, a disparada de munições. E, enquanto prestigiava solenidades militares, o presidente ia cooptando as polícias. Sem falar nas ligações dos Bolsonaros com milicianos no Rio...

Desde o motim de PMs no Ceará, em fevereiro, os governadores suspeitam de infiltração bolsonarista nas polícias. Naquele motim, Bolsonaro não deu uma palavra de repúdio, determinou envio da Força Nacional a contragosto e só prorrogou a operação depois que governadores de São Paulo, Rio, Pernambuco e Bahia, pelo menos, se articularam para emprestar tropas e equipamentos para o governador Camilo Santana (PT).

Os amotinados saíram fortalecidos e um dos mais destacados agitadores do movimento, Capitão Wagner (PROS), é candidato a prefeito de Fortaleza, parte da tropa bolsonarista nas eleições municipais. Terá ou não o apoio, declarado ou por baixo dos panos, do presidente, que vai tragando para a política cabos, sargentos, capitães, majores, coronéis e até generais?

Evasivo, o governador João Doria diz que “no caso de São Paulo, não há infiltração bolsonarista nas polícias, que são muito profissionalizadas”. E no resto do País? “O risco existe e por isso exige a atenção dos governos, dos Poderes e da opinião pública”, admite. Dá para acrescentar: antes que seja tarde.


Andrea Jubé: A conquista do Nordeste

Para o senador Ciro Nogueira, Bolsonaro vai tomar o eleitor de Lula

O eleitor nordestino ganhou fama de clientelista, de quem troca voto por benefícios sociais, como o Bolsa Família. Na verdade, entretanto, políticos experientes sabem que o eleitor nordestino é cabra astuto, que cobra explicação de quem de repente muda de lado.

Pois o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que foi aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT no Piauí por quase 20 anos, teve de se justificar depois de ciceronear Jair Bolsonaro no périplo nordestino na quinta-feira.

Um dia depois das agendas com Bolsonaro no Piauí e na Bahia, Ciro publicou em sua conta no Twitter: “Há um velho provérbio chinês de muita sabedoria: o sábio pode mudar de opinião. O ignorante, nunca”.

Na postagem mais lúdica, o senador apelou para o cearense Belchior: “Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer. O que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo. E precisamos todos rejuvenescer”.

Com Bolsonaro, Ciro “rejuvenesceu” politicamente mais uma vez, porque antes de se tornar aliado de Lula, integrou os quadros do ex-PFL, hoje DEM, na era Fernando Henrique Cardoso.

O senador, que é presidente nacional do PP, afirmou à coluna não ter dúvidas de que Bolsonaro conquistará o eleitorado de Lula no Nordeste. Quando esgotar o auxílio emergencial de R$ 600 na pandemia, que catapultou a popularidade de Bolsonaro na região, Ciro acredita que o futuro Renda Brasil impedirá a debandada deste novo eleitor, porque será maior que o Bolsa Família, embora inferior aos atuais R$ 600.

O líder do PSD, senador Otto Alencar, que faz política na Bahia há 40 anos, e integra a base de apoio ao PT no Estado, discorda do colega de parlamento.

Os votos da região, que representa quase 27% do eleitorado, decidem eleições. Os nordestinos deram votação recorde ao PT no segundo turno em 2018: 20,2 milhões do total de 47,4 milhões dos votos de Fernando Haddad. No Piauí de Ciro Nogueira, Haddad obteve 77% dos votos válidos.

“Só porque ele montou a cavalo, colocou um chapéu de vaqueiro, e distribui um auxílio que vai acabar ele vai ser o rei do Nordeste?”, questionou Alencar à coluna.

O líder do PSD ainda tripudiou, observando que Bolsonaro colocou o chapéu de vaqueiro, que ganhou do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, ao contrário.

O deputado João Roma (Republicanos-BA), que integrou a comitiva de Bolsonaro na visita a Campo Alegre de Lourdes, na divisa da Bahia com o Piauí, minimizou: “ali no meio da confusão não deu para o presidente vestir o chapéu com tranquilidade”.

Alencar observa que Bolsonaro foi a Campo Alegre de Lourdes inaugurar uma nova etapa de um sistema de abastecimento de água, que o governador Rui Costa, do PT, havia inaugurado há dois anos. Acrescenta que as outras obras que Bolsonaro inaugurou na região - um trecho da Transposição do Rio São Francisco, no Ceará, e o aeroporto de Vitória da Conquista, na Bahia - foram iniciadas nos governos do PT.

Otto Alencar duvida que Bolsonaro expanda sua força eleitoral na região sem o apoio dos governadores, que ataca dia e noite. Mesmo na pandemia, com o fechamento do comércio e das fábricas, a popularidade dos governadores continua alta.

Pesquisas internas do PT mostram o governador Rui Costa com até 80% de aprovação popular em algumas regiões. Contudo, as mesmas sondagens indicam o aumento da popularidade de Bolsonaro no interior, principalmente após o início do pagamento do auxílio.

Os R$ 600, sobretudo em cidades do sertão nordestino, representam uma pequena fortuna nas casas de quem ficava dias sem comer. E embora esta quantia tenha sido definida pelo Congresso, é Bolsonaro quem leva a fama de benfeitor.

Reportagem do Valor mostrou que a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de extrema pobreza nunca foi tão baixa em pelo menos 40 anos, desde o começo do pagamento do auxílio em junho, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas.

Otto Alencar rechaça a imagem de clientelismo do eleitor nordestino. “Isso [o auxílio] é pouco diante do que Lula fez na Bahia, como cinco universidades federais, 30 escolas técnicas, dezenas de obras de abastecimento de água no interior, mais de 560 mil ligações elétricas domiciliares no interior”, enumerou. “Essa renda mínima de cinco, seis meses vai apagar isso tudo?”

O deputado João Roma associa o crescimento da popularidade de Bolsonaro na região ao pagamento do auxílio. Mas ponderou que isso virou um “dilema”, porque o governo não poderá arcar com essa quantia por muito tempo. É incerto o destino deste eleitor após o fim do auxílio.

Saia justa
Bolsonaro prometeu viajar pelo país uma vez por semana. Mas a três meses das eleições municipais, em plena pandemia, com a tensão eleitoral à flor da pele, o presidente terá que evitar saias justas como o ocorrido em Campo Alegre de Lourdes.

No município de 30 mil habitantes, o prefeito da oposição (um “comunista”!) impediu uma adversária, filiada ao Republicanos, partido que abrigou o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, de se aproximar do presidente.

O prefeito Doutor Enilson, do PCdoB, candidato à reeleição, barrou o acesso da futura adversária nas urnas, Eurâny Mangueira, à área reservada atrás do palanque, por onde Bolsonaro passaria ao fim do evento para cumprimentar aliados e apoiadores.

O deputado João Roma, correligionário de Eurâny, tentou solucionar o imbróglio, informando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, que o nome dela constava da lista de convidados. Mas para evitar mais barulho, ficou por isso mesmo. E em vez de cumprimentar a aliada, Bolsonaro dividiu o palanque com o “comunista”.

O episódio soa pitoresco, mas ilustra a inabilidade da equipe presidencial. É prudente que não se repita, especialmente em palcos maiores, se Bolsonaro não quiser dois anos antes implodir alianças para 2022.


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro já adota tom de campanha em viagens

Presidente afasta postura beligerante em giro pelo País; ele tenta capitalizar medidas aprovadas pelo Congresso, até quando foi contra, e obras de gestões passadas

Tânia Monteiro e Jussara Soares, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Era o presidente Jair Bolsonaro em visita oficial anteontem às cidades sertanejas de São Raimundo Nonato, no Piauí, e Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, mas a roupa, o cabelo, o chapéu de couro e o discurso eram de candidato. A cena já tem data marcada para se repetir e revela uma mudança na estratégia do presidente, que cada vez mais irá trocar o discurso beligerante, que marcou a primeira metade do seu governo e o levou a ser ameaçado por impeachment, por uma série de viagens onde irá capitalizar medidas aprovadas pelo Congresso, muitas das quais foi contra, e obras iniciadas em gestões passadas.

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Em Bagé (RS), Jair Bolsonaro conversou com apoiadores e provocou aglomerações; presidente deve intensificar viagens pelo Brasil Foto: Alan Santos/PR

Pesquisas apontam que foi Bolsonaro quem mais ganhou com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 dado aos trabalhadores informais que perderam renda por causa da pandemia do novo coronavírus. Mesmo que tenha inicialmente se posicionado contra o benefício, para o eleitor o que fica é que o dinheiro entrou na conta, foi pago pela Caixa Econômica Federal, portanto, pelo presidente. Sobre inaugurar obras, Bolsonaro costuma dizer que vai concluir o que seus antecessores deixaram inacabado.

Embora o foco seja o Nordeste, tradicional reduto eleitoral petista e pelo qual quer avançar já com vistas à reeleição, a meta é passar por diversos Estados. O tour presidencial, que vai incluir visita a uma ponte em construção, ocorre num cenário em que várias regiões ainda registram aumento de casos da covid-19 e o País se aproxima das 100 mil mortes pela doença. O risco é calculado. O presidente aproveita para carimbar nos governadores e prefeitos a responsabilidade pelo desemprego por imporem o isolamento social, ignorando que essa é a forma mais eficaz de combater a propagação do vírus, segundo autoridades sanitárias.

Com as viagens, o presidente também tem aproveitado para reforçar sua nova base de apoio no Congresso. No giro que fez anteontem por Piauí e Bahia, levou a tiracolo o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), e o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), dois dos principais líderes do Centrão

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Presidente em São Raimundo Nonato, no Piauí Foto: Alan Santos/PR

“O povo foi ao seu encontro (de Bolsonaro) sem qualquer mobilização. Nordeste não é esquerda. Não tem ideologia. É um povo muito necessitado. Se o governo atende suas necessidades, o povo apoia”, afirmou Elmar, que acompanhou o presidente na inauguração de uma adutora do rio São Francisco em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia. A transposição teve início no governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva e foi encampada por todos os seus sucessores.

Expandir o eleitorado, até agora, limitado à classe média antipetista, e se afastar do discurso mais radical de parte de seus apoiadores fazem parte da nova cartilha de Bolsonaro. E o auxílio de R$ 600 tem papel fundamental na nova estratégia.

O governo promete para os próximos meses investir na política de distribuição direta de renda e transformar o auxílio num novo programa, batizado de Renda Brasil, uma reformulação do Bolsa Família, marca da gestão do ex-presidente Lula, que o ajudou a cooptar os votos do eleitorado de baixa renda. 

Políticos do Nordeste admitem que o pagamento do auxílio nos últimos meses ajudou a melhorar a popularidade de Bolsonaro na região. “Há um vazio deixado pelo Lula. As pessoas sabem que ele não é mais candidato e elas não são de esquerda. O auxílio que virá do Renda Brasil é mais que o Bolsa Família”, disse Ciro Nogueira. Proposta em análise pelo Ministério da Economia prevê um uma elevação do benefício médio de R$ 190,16 para R$ 232,31 por família.

O cientista político e economista da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas avalia que, com o auxílio de R$ 600 e outras ajudas financeiras na pandemia, Bolsonaro conseguiu estancar a ideia de “fim de governo” e se descolar da conjunção de crises na saúde, na economia, na política e no mercado externo. “Neste momento de crise profunda, foram injetados R$ 250 bilhões na ponta da linha, fora o saque do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), o que impediu que houvesse depressão e o desemprego fosse imensamente maior do que o registrado”, disse.

Para o cientista político Carlos Mello, do Insper, esse ganho do presidente em popularidade, neste momento, contudo, não deve se estender até as eleições de 2022. “Vamos ver como será lá na frente, pois existem problemas fiscais a serem enfrentados. É uma aposta. Dependerá de como a economia estiver na época das eleições e como isso refletirá no bem-estar das pessoas”, disse.

Agenda

Após dar a largada no giro pelo País em viagem a Bahia e ao Piauí anteontem, Bolsonaro esteve ontem em Bagé, no Rio Grande do Sul, onde fez uma visita a uma escola cívico-militar. Lá, repetiu mais uma vez o ex-presidente Lula ao desembarcar vestindo um poncho, vestuário tradicional gaúcho.

Na próxima semana, nos dias 6 e 7, estão previstas viagem para Baixada Santista e para o Vale do Ribeira, onde deve visitar a obra de uma ponte em Eldorado (SP), cidade de 15 mil habitantes onde vivem sua mãe e familiares. Ainda em agosto, Bolsonaro deve voltar ao Nordeste. 


Bernardo Mello Franco: Em campanha no sertão

Jair Bolsonaro vestiu chapéu de vaqueiro, subiu no lombo de uma égua e acenou em festa para a multidão. A mais de dois anos das eleições de 2022, o presidente produziu ontem uma típica cena de campanha. Só a máscara no queixo lembrava a pandemia em curso.

Com mais de 90 mil brasileiros mortos pela Covid, o capitão desembarcou no sertão para cumprir agenda de candidato. Ele voltou a ignorar as recomendações sanitárias: provocou aglomeração e pegou nas mãos de eleitores. No mesmo dia, o Planalto informou que a primeira-dama está infectada pelo coronavírus.

Montado na máquina federal, Bolsonaro tenta avançar sobre a última cidadela do lulismo. O Nordeste foi a única região em que ele teve menos votos do que Fernando Haddad em 2018. Agora recebe um de cada três reais do auxílio emergencial.

O programa já produziu dividendos eleitorais. O presidente ganhou popularidade entre os mais pobres, que passaram a representar 52% de seus apoiadores. Isso compensou sua queda entre os ricos, desiludidos com o abandono do discurso anticorrupção.

Ontem o capitão foi recebido com um coro inusitado contra a Lava-Jato, que ajudou a elegê-lo. Ele desfilou ao lado do senador Ciro Nogueira, o poderoso chefão do PP. Ex-lulista, o parlamentar é réu no Supremo por organização criminosa. Há cinco meses, voltou a ser denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O presidente visitou dois estados governados pelo PT: Piauí e Bahia. Ele inaugurou uma adutora em Campo Alegre de Lourdes (BA), onde perdeu para Haddad por 89% a 11%. Em cinco minutos no palanque, citou Deus sete vezes e repetiu seu slogan eleitoral outras três.

“Quando nós vemos e sentimos a felicidade de um povo quando chega a água, isso amolece nossos corações”, discursou. A obra já estava quase pronta quando ele tomou posse, mas isso não foi lembrado na cerimônia.

Bolsonaro esnobou os nordestinos no início do governo. Agora aposta neles para pavimentar o caminho da reeleição. Não será uma tarefa fácil. Em junho, o Datafolha mostrou que ele registra 52% de ruim e péssimo na região. Ainda é seu pior desempenho no país.


Hélio Schwartsman: Bolsonaro tem chance de se reeleger?

Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre deles, terá produzido efeito positivo

Um dos problemas com a democracia é que ela favorece demais candidatos que já ocupam o cargo. A taxa de reeleição numa base de quase 3.000 pleitos realizados em diversas partes do mundo ao longo dos últimos dois séculos e meio é da ordem de 80%. Isso significa que nunca se deve desprezar um postulante à reeleição, por mais fraco que ele possa parecer.

Pesquisa recente do Instituto Paraná, que coloca o presidente como favorito à sua própria sucessão, animou as hostes bolsonaristas. Não tenho nenhuma razão para contestar os números do levantamento. Acredito mesmo que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro concorreria com grandes chances. Mas a eleição não é hoje. Será em 2022.

Dois anos em tempos de pandemia são uma eternidade. Nos cinco meses em que o Sars-CoV-2 circula entre nós, já vimos Bolsonaro renegar a bandeira anticorrupção e aliar-se ao centrão. Se há, porém, um fator razoavelmente consistente no que diz respeito a efeitos eleitorais, é a economia, que não vai ajudar o presidente.

Ninguém ainda sabe qual o tamanho do desastre que a pandemia vai provocar, mas é certo que estará entre os piores da história —e não será passageiro. Só por milagre assistiremos a uma recuperação tão intensa que possa servir de cabo eleitoral para o presidente em 2022.

De olho nas urnas, Bolsonaro dá sinais de que vai criar a sua versão do Bolsa Família, que ele tão duramente criticava quando o beneficiário eleitoral do programa era o PT. Em condições normais, poderia funcionar. Mas o Brasil tem hoje pouco espaço nas contas públicas. Se o presidente fizer alguma loucura, a inflação, que é eleitoralmente corrosiva, reaparece.

Alguém já afirmou que mesmo de catástrofes podem emergir coisas boas. Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre de líderes como Trump e Bolsonaro, terá produzido ao menos um efeito positivo.


Roberto Freire: projeto Luciano Huck continua a todo vapor e pode dar protagonismo ao Cidadania em 2022

Para o presidente do partido, viabilidade eleitoral do apresentador incomoda lulistas e bolsonaristas e candidatura pode vingar com apoio de MDB, DEM e PSDB

Em reunião da Executiva Nacional do Cidadania, nesta quinta-feira (30), o presidente Roberto Freire afirmou que o projeto Luciano Huck continua a todo vapor, apesar de a discussão sobre a candidatura ter arrefecido em razão da pandemia, com o apresentador se dedicando mais a articulações em solidariedade aos mais afetados e vulneráveis à doença. Isso, embora, segundo ele, o próprio presidente Jair Bolsonaro já tenha colocado a sucessão na agenda política nacional e nas redes sociais.

“Houve um ataque nas redes sociais em volume muito grande contra Huck, porque ele aparece nas pesquisas como perspectiva e isso gera receio de ambos os lados da polarização. Estamos vendo sua capacidade de articulação. Temos que ter afirmação nacional de que a nossa candidatura não é uma candidatura que admita o lulismo no seu retorno ou a ideia de bolsonarismo na sua continuidade. Isso tem de ser afirmado inclusive nesta campanha”, avaliou.

Freire viu nos duros ataques contra Huck, partindo de bolsonaristas e lulistas no Twitter, uma afirmação de força do apresentador, dando perspectivas cada vez melhores a uma eventual candidatura. Ele considerou um movimento importante, nesse contexto, a saída de MDB e DEM do centrão e apontou uma “oportunidade histórica” de que o Cidadania protagonize o processo eleitoral de 2022, buscando apoio, ainda, de outros setores e partidos da centro-esquerda e da esquerda democrática.

“Junto com o PSDB, forma-se um bloco importante para discutir uma candidatura do polo democrático. Nós podemos ser protagonistas nesse cenário. É importante ter nessa campanha essa persectiva. [Luciano Huck] Pode vir a ser nossa alternativa, o que é um processo em construção, no campo correto, como candidato de centro-esquerda. Não vamos ganhar com candidatos da direita. Moro, Mandetta e Bolsonaro, se candidatos, ocuparão o campo da direita”, argumentou.

Autonomia nas alianças regionais
Na reunião, chamada para apresentar um balanço das perspectivas eleitorais para novembro, Freire ponderou que, apesar de cada estado trabalhar questões políticas com foco na realidade local, o partido tem uma posição nacional e deve reafirmá-la.

“Não somos um partido regional ou de um local. Estamos com boa capilaridade nacional e cada um dos estados tem suas especificidades, particularmente nas questões políticas. Suas tradições, alianças, questões que mais atraem a preocupação da população, com diversidade em cada um dos municípios, e isso dá, nessas eleições, a realidade local como fundamental para o debate político. Mas é importante saber que o partido existe por uma posição nacional”, destacou.

Ainda segundo Freire, mesmo que aspectos da conjuntura política nacional sejam tratados de forma diferente nos estados, o partido mantém a continuidade do seu projeto.

“Não há um hiato de dizer que o partido tem uma posição nacional e que para neste momento para depois ser retomada. Hoje, o prioritário são as eleições municipais e cada um tem que saber como conduzir suas campanhas, especialmente do ponto de vista político. São autônomos em fazer suas alianças, o partido não tem veto. Mas o partido não vai parar de ter suas posições e sua intervenção no processo político nacional”, sustentou.


Alon Feuerwerker: Os riscos e a prudência

Tentar decifrar o que vai no pensamento alheio é sempre meio estrambótico. Tipo aquelas especulações “o presidente pensou em nomear fulano, mas acabou nomeando sicrano”. Um exemplo de afirmação indesmentível. Quem poderá mesmo garantir que o sujeito pensou em algo, ou deixou de pensar? E assim segue a vida.

Outra excentricidade é imaginar que todas as ações de governos e governantes são previamente pensadas e planejadas para atingir determinados objetivos, e sempre obedecendo a um bem elaborado e pré-estabelecido cenário. Parte do pressuposto, em geral, de que o governante é um gênio.

Esses dois mecanismos mentais derivam em parte da necessidade compulsiva de que tudo tenha uma explicação lógica, necessidade que é irmã siamesa do desejo de acreditar que as decisões de quem nos lidera têm sempre um fundo racional. O paralelismo mais comum, usado à exaustão, é com piloto de avião e comandante de embarcação.

Pululam as teorias sobre a razão da saída de Sérgio Moro. Todas merecem ser jornalisticamente investigadas. Então eu vou participar também com algum “especulol”. E se Jair Bolsonaro forçou a demissão para evitar que um potencial adversário em 2022 continuasse se criando e ganhando musculatura política de dentro do governo?

Perguntei aqui em janeiro: “E se Moro virar o candidato do ‘centro’?”. Sabe-se que 1) a principal oposição ao presidente desde o início do mandato é a busca de um “bolsonarismo sem Bolsonaro”; e 2) até agora os candidatos a liderar esse bloco potencial não demonstram musculatura suficiente, pelo menos nas pesquisas.

A demissão de Moro abre-lhe a possibilidade de disputar o posto agora sem amarras. Mas depende de ele conseguir provocar a amputação do mandato presidencial. Por meio do Congresso ou da Justiça. E depende de um segundo fator: caso Bolsonaro saia, impedir que o vice se consolide na cadeira rumo a 2022.

É um jogo em que tudo tem de dar muito certo. Nada pode dar errado. Uma jogada de alto risco.

Talvez por raciocínio, talvez por intuição, Bolsonaro leva jeito de ter forçado mesmo a demissão de Moro. Poderia eventualmente ter seguido a dança e não feito publicar logo pela manhã no Diário Oficial a exoneração do chefe da Polícia Federal. Imagino que soubesse: ficar nesta circunstância seria humilhante demais para o ex-juiz da celebrada Lava-Jato.

E já que estamos falando em risco, o de Bolsonaro é o impeachment ou alguma outra modalidade legal de afastamento. Neste momento, são bem minoritárias as forças políticas que desejam isso de coração. Exatamente porque não são elas que comerão o bolo se organizarem a festa. Ou vai ser Moro, ou vai ser (Hamilton) Mourão.

A resistência dos políticos nunca é garantia, mais ainda quando a chamada opinião pública entra em modo de campanha para supostamente salvar o Brasil, algo que se dá de tempos em tempos. Entretanto, pensando bem, é um processo que já vinha sendo ensaiado. Então é possível que Bolsonaro tenha decidido limpar a área, mesmo que à beque de fazenda.

Ainda falando em risco, um adicional para Moro é sua onda ser surfada por quem deseja tirar o presidente e depois o ex-ministro ser simplesmente abandonado em favor de quem estará na cadeira com a caneta na mão e isento de culpa na confusão. Sobre isso, cumpre notar que o retrospecto do destino dos heróis dos recentes impeachments recomenda alguma prudência.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação