eleições 2020

Rosângela Bittar: Pandemia tem impacto no voto

O eleitor se distanciou de 2018, quando apostou numa nova política que caducou em menos de dois anos

O impacto da pandemia do coronavírus sobre o eleitor municipal foi amplo, sem limites. Longe de impor seu peso apenas sobre a esperada abstenção dos mais velhos, o efeito maior se deu sobre a definição dos critérios do voto.

O eleitor se distanciou de 2018, quando apostou numa nova política que caducou em menos de dois anos. Também se mostrou alheio a 2022, indiferente à sucessão de Jair Bolsonaro. Pensou no aqui e agora. Valorizou a experiência, a política convencional. Quis escolher as lideranças que, com paixão, compreendessem o drama principal. Menos ideologia, mais emoção.

Ao longo do ano, o eleitor municipal veio informando sobre a prioridade que atribuía à pandemia. Os que negaram a crise sanitária sentiram agora sua presença eleitoral.

A pandemia já fizera vítimas eleitorais derrubando, inclusive, o projeto de reeleição do presidente americano Donald Trump. Se estivesse disputando a sua sorte agora, Bolsonaro teria sucumbido. Restam-lhe dois anos para rever sua teimosia. Como este quadro evoluirá no segundo turno das duas maiores cidades do País é a nova dúvida.

Nesta fase, surge com peso decisivo o voto plebiscitário. No caso do Rio, a questão se concentra nos efeitos do uso da religião e da força do apoio de Bolsonaro. O fanatismo da campanha de Marcelo Crivella prevalecerá contra o patrimônio político de Eduardo Paes?

Em São Paulo, foi surpreendente o desempenho da esquerda, com Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT). Os dois somados levam Boulos ao segundo turno com índice próximo ao do líder Bruno Covas (PSDB).

Os votos de Márcio França (PSB), de centro-esquerda, podem ser decisivos. Mas não devem ir em bloco para um dos dois finalistas. Pessoalmente, França relutaria em aplicar sua força eleitoral para favorecer um candidato de João Doria.

Mas o seu eleitorado, moderado, pode ter mais afinidades ao centro do que à esquerda.

Em São Paulo, a campanha será influenciada por uma desconstrução recíproca. De um lado, Covas identificado ao desgaste de Doria; e de outro, Boulos identificado às invasões e depredações.


Vera Magalhães: Há espaço contra polarização Bolsonaro-PT

O que fica evidente é que há espaço para projetos alternativos à polarização Bolsonaro-PT, porque o eleitor está cansado do primeiro e sem saudade do segundo

Existe a máxima segundo a qual eleições municipais levam em conta apenas fatores diretamente ligados aos municípios. É verdade. Mas também é impossível, sobretudo nos grandes centros urbanos, dissociar esse voto de algumas balizas nacionais.

A primeira delas neste 2020 é a pandemia. Ela não só mudou a maneira como se fez campanha como moldou a disposição do eleitor de encarar os candidatos de forma mais racional e desapaixonada. Os gestores que demonstraram responsabilidade no trato da pandemia foram reconhecidos pelo eleitor.

A segunda grande conclusão possível é que houve um resgate da política do pântano no qual ela foi jogada depois de eventos traumáticos como Lava Jato, impeachment de Dilma Rousseff, prisão de Lula, desmoralização de Aécio Neves e denúncias em série contra Michel Temer no curso de sua curta Presidência.

Esse conjunto surreal de eventos, em menos de quatro anos, permitiu que um outsider como Jair Bolsonaro virasse um Cacareco com sucesso eleitoral.

A pandemia, a maneira irresponsável com que Bolsonaro se comportou ao longo do ano e a rápida debacle de outras figuras histriônicas eleitas na sua aba levaram a que agora, apenas dois anos depois, a “nova” política fosse devolvida às redes sociais.

A terceira conclusão é o surgimento de uma nova esquerda não petista com musculatura em todo o País. PSOL, PDT, PSB e até o PC do B, com histórico de ser um satélite petista, vão avançando em várias capitais, ao passo que o PT tem a cabeça de chapa em apenas duas disputas de segundo turno – sem ser favorito em nenhuma delas.

O partido segue negando as evidências: o fato de que não fez nenhum gesto sincero e efetivo de reconhecimento de que promoveu corrupção sistêmica no governo, ao mesmo tempo em que destruiu a economia.

Por fim, a eleição mostra um espaço de reconstituição do centro, também ele dizimado em 2018. A abrangência desse centro, suas delimitações à esquerda e à direita e quem será aceito na festa do céu são questões postas desde já. O que fica evidente é que há espaço para projetos alternativos à polarização Bolsonaro-PT, porque o eleitor está cansado do primeiro e sem saudade do segundo.


Eliane Cantanhêde: Eleitor dá uma grande vitória ao País

Depois de se aventurar sem racionalidade em 2018, eleitorado desta vez preferiu caminhar em terra firme e a grande vitória destas eleições é da política tradicional

As eleições de 2018 foram um hiato e as de 2020 repõem as coisas nos devidos lugares. Assim como nesses dois anos evaporaram todas as bandeiras de campanha do presidente Jair Bolsonaro, também sumiram de Norte a Sul os partidos, candidatos e compromissos inventados sob o rótulo de “nova política”. Eles não tiveram vez.

Depois de se aventurar sem racionalidade em 2018, o eleitorado desta vez preferiu caminhar em terra firme e a grande vitória destas eleições é da política tradicional, do conhecido, de quem tem serviço prestado. A direita belicosa de Bolsonaro ficou pelo caminho, junto com o PSL, militares, policiais, bombeiros e juízes que se meteram onde não deviam.

A “nova-velha” centro direita, que se contrapõe à extrema direita bolsonarista, é mais moderna e confiável, não surpreende a vantagem de DEM e PSDB, que concorreram separados, mas devem se encontrar em 2022. O DEM ganhou em primeiro turno Salvador, Curitiba e Florianópolis e, no Rio, o ex-prefeito Eduardo Paes enfrenta no segundo turno o atual prefeito, Marcelo Crivella, que tem índices recordes de rejeição.

O PSDB chega em primeiro em São Paulo, reelegeu Cinthia Ribeiro em Palmas e disputa bem em Natal, Campo Grande e Porto Velho. Se Bruno Covas for reeleito, como tudo indica, deverá gerar um outro troféu: o MDB deverá ter o maior número de prefeituras, mas os tucanos poderão governar o maior número de eleitores no País.

Na outra ponta, a esquerda surpreende bem na reta final, mas não o PT. Guilherme Boulos (PSOL) terá dificuldades contra Covas no segundo turno, porque a resistência será forte em São Paulo, mas ele já teve uma conquista: a liderança das esquerdas, que estão bem em Belém, com PSOL, Porto Alegre, com PCdoB, e numa disputa em Recife entre PSB e PT, aliás, entre bisneto e neta do velho Miguel Arraes, grande referência política no Estado.

É assim que, apesar dos problemas do TSE, já se pode concluir que o eleitorado parou de brincar de novidades perigosas e voltou a olhar quem é quem, quem fez o que e o que são e representam os reais partidos. Só isso já é uma grande vitória.


O Globo: ‘O discurso da nova política perdeu a força’, diz cientista político Jairo Nicolau

Ainda sem o resultado oficial do primeiro turno, especialista avalia que as urnas apontam para uma vitória dos grandes partidos e uma redução do impacto das redes sociais

Maiá Menezes, O Globo

Especialista nos meandros da política e autor do livro “O Brasil virou à direita”, publicado este ano, o cientista político Jairo Nicolau interpreta o resultado das urnas como um retorno ao que classifica como velha ordem, em uma eleição em que o espectro da “nova política”, que dominou 2018, se dispersou. Em entrevista ao GLOBO, ainda sem o resultado oficial das urnas, ele avalia o cenário pós-primeiro turno e o impacto desta eleição em 2022.

Na sua avaliação, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou peso na transferência de voto?

O presidente Jair Bolsonaro não tem projeto de organizar um campo político, um partido, todo jogo dele é muito solitário. Nesses dois anos, ele perdeu lideranças que o apoiaram. Não conseguiu agregar nada coletivamente. Ele agiu, na eleição, no estilo que manteve no governo: dando apoios pessoais e ocasionais em lives. Não mirou um campo político. Apoiou candidatos diferentes entre si. Não transferiu votos para ninguém. E quem se elegeu com o poder de transferência que ele tinha em 2018 foi embora. No Rio, na reta final, ele no máximo deu quatro pontos ao (Marcelo) Crivella para chegar ao segundo turno — um candidato que tem a máquina da igreja (Universal) e da própria gestão.

O que as urnas marcaram neste 2020?

Ficou claro que o discurso da “nova política” perdeu a força. As redes sociais perderam a força, muitos candidatos que subiram com o Bolsonaro em 2018 não foram bem. O próprio Crivella tem 1/5 dos votos que teve em 2016. Vejo uma chance remotíssima de se reeleger.

O discurso da nova política então não prosperou?

Houve de fato um insucesso. A maior renovação de 2018 foi a renovação dos votos do PSL. (Em 2016) Houve uma frustração, que levou o Rio a defenestrar o candidato do ex-prefeito Eduardo Paes (o deputado federal Pedro Paulo). O (governador afastado do Rio) Wilson Witzel deu no que deu. Me parece que houve um reencontro com a política. Um entendimento de que ela deve ser feita por intermédio de lideranças. (Guilherme) Boulos (candidato do PSOL em São Paulo) é liderança política importante. Lideranças do DEM ressurgiram.

Que recado as urnas trouxeram?

A impressão é que estamos voltando a uma velha ordem. Depois de 2016 e 2018, retomamos os trilhos de 2014. Os que venceram foram os partidos maiores, mais tradicionais. É o DEM, o PSOL (que não é tão jovem). O mundo era assim. Até que veio a hecatombe de 2016, com os resultados de Rio, São Paulo e Minas reforçando um discurso antipolítica. Sem querer reforçar o clichê, tenho a sensação de que voltamos ao velho normal.

Como explicar a diferença de performance da esquerda no Rio e em São Paulo? A divisão parece ter ficado explícita no Rio.

No Rio, a gente sabe desde sempre que a esquerda sai divida. Novamente, cada um lançou um candidato. Não há garantia de que, sem a Benedita da Silva (candidata do PT, deputada federal), a Martha (Rocha, deputada estadual) teria fôlego para chegar ao segundo turno. Mas essa conta tinha que ter sido feita antes. É preciso lembrar que a esquerda, desde 1992, só concorreu duas vezes no segundo turno no Rio. O fato é que saíram maiores do que entraram.

Qual a repercussão deste resultado em 2022?

Sabemos que os vereadores serão cabos eleitorais. Mas o resultado de uma eleição municipal nem sempre espelha o de uma eleição geral. O fato é que, em 2018, havia uma expectativa de que Bolsonaro teria condições muito propícias para expandir seu poder, e um partido que concorreria com solidez. No entanto, Bolsonaro não tem nada para comemorar. Não tem partido. E seus nomes terem ido mal nas urnas é um mal sinal. Seriam os ativistas de 2022. Ficou clara a derrota de um campo que se dispersou nesta eleição.

A esquerda ganhou espaço. Mas como ficou o Lulismo?

O que aconteceu em São Paulo, com (Guilherme) Boulos foi um fenômeno eleitoral. Ele conseguiu entrar na periferia, foi criativo. Transcende a esquerda. Com um apoio explícito de Lula, talvez carregasse a rejeição ao PT. Ainda não sabemos como se dará essa influência no Nordeste (até o fim da noite, os dados ainda não indicavam o efeito da presença de Lula nas campanhas regionais).

A pandemia de Covid-19 de fato repercutiu na abstenção?

Tudo indica que esta vai ser a eleição que terá a maior taxa de abstenção do país. Algumas cidades como São Paulo ultrapassaram os 30%. Muito provavelmente a pandemia pautou isso. A abstenção já vinha subindo. Agora, certamente será muito mais alta. O aumento da rejeição à política não aumentou. O que ficou claro é que bairros onde majoritariamente moram idosos, como Copacabana, o medo do contágio falou mais alto.

Isso significa que o interesse pela eleição diminuiu?

Não. O medo da pandemia surgiu, mas o interessante é que o número de votos em branco ou nulo diminuiu. Na maioria, quem saiu, tinha candidato.


Fernando Gabeira: O discreto poder das eleições

O prefeito que canalizar energia positiva que há no Rio poderá conduzir a cidade ao seu papel no planeta

Outrora tão animadas, as eleições municipais, coitadinhas, foram bombardeadas, este ano, por vários mísseis adversos: pandemia, as próprias eleições americanas e o crescente desencanto com a política.

Estávamos certos, no passado, quando dávamos a elas uma atenção maior que à escolha por cargos federais. Reuniões diárias, comícios domésticos, sabíamos que, mais do que todas, elas podem transformar nosso cotidiano.

É hábito usar as eleições municipais para checar a força dos líderes nacionais. Bolsonaro mostrou-se um cinturão de chumbo, mas seus candidatos nas duas grandes cidades são náufragos vocacionados: Russomanno populista pelo consumidor e Crivella tentando estrangular uma metrópole cosmopolita, com sua mediocridade administrativa e rígidos princípios religiosos.

A cidade onde vivo por amor passa por um perigoso momento de decadência. Algumas pessoas talentosas já a deixaram ou se preparam para isso. A pandemia nos atingiu em cheio.

Tenho o hábito de documentar os moradores de rua do meu bairro, na esperança de reter com as imagens os únicos rastros de sua passagem pelo mundo. Muitos desapareceram e, no seu lugar, veio uma multidão: famílias inteiras com seus animais domésticos e alguns trapos para cobrir a cama de papelão.

Nesta eleição, em vez de discutir candidatos, conversei sobre programas com pessoas que gostam e entendem do Rio. Minha expectativa inicial foi plenamente satisfeita por eles: não é hora de partir, temos uma grande chance de encontrar a vocação da cidade e de transformá-la numa das mais atraentes para viver no planeta.

Bonita e situada entre o mar e a Mata Atlântica, o Rio pode ser um lugar onde a qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente impulsionam a economia. Quem diz isso é Arminio Fraga, que conhece o mundo, o Rio e a economia.

Empresários do turismo estão prontos para oferecer um calendário de eventos que ocupe o ano, no pós-pandemia. De um carnaval mais bem explorado ao Rock in Rio, a cidade pode fervilhar durante um ano inteiro. Quem diz isso é Roberto Medina, que realizou, depois do carnaval, nosso maior espetáculo.

O Rio é uma cidade de gente que estuda e pesquisa. Tem tudo para ser, além de bonita, uma cidade inteligente. A Coppe/UFRJ já está avançando na busca das ferramentas que permitam à cidade ser administrada com uma racionalidade jamais vista, articulando políticas urbanas, sabendo o que pensam moradores das áreas de intervenção.

Ser dermos voz ao morro, toda a cidade vai cantar. Bastou uma conversa com Celso Athayde para compreender que o quarto da população que vive nos morros já tem seu próprio impulso. Ele seria multiplicado se as pessoas tivessem um endereço, título de propriedade, orientação arquitetônica nas suas reformas, serviços públicos e, sobretudo, saneamento.

Sei que a esquerda condena o Novo Marco do Saneamento. Mas é a única esperança no horizonte para vencer um atraso secular.

Aprendi com Claudia Costin que a educação pode dar grandes passos porque já viveu momentos melhores no Rio. E com a Dra. Margareth Dalcolmo que o próprio drama da saúde pública, agravado pela pandemia, revelou inúmeros aspectos positivos da cidade, na articulação público-privada, nas iniciativas nos morros, campanhas humanitárias na classe média.

O Rio tem gente pensando seriamente no uso racional e democrático do solo. Gente sonhando não só em transformar a cidade num centro de esportes aquáticos, mas em abrir, com isso, oportunidades para milhares de crianças pobres.

O fim de pandemias pode resultar em renascimento. A chegada de uma vacina eficaz e segura nos trará uma chance de recomeçar em novas bases, explorar o potencial que sempre esteve diante de nós e sistematicamente o destruímos nos últimos anos.

E teremos diante de nós um novo Plano Diretor.

Não sei quem será o prefeito. Eduardo Paes foi o mais votado no primeiro turno. Ele é sensível a todos os temas de reconstrução do Rio.

Fomos adversários em 2008, jamais inimigos. Alguns colaboradores de nossa campanha foram ajudá-lo em temas vitais para seu governo. Discordo dos rumos de seu governo, da natureza de suas alianças, das concessões. Mas isso é outra história.

Qualquer prefeito que se disponha a canalizar essa imensa energia positiva que ainda existe no Rio, sobretudo na euforia do pós-coronavírus, poderá conduzir a cidade ao seu papel real no planeta.

As eleições municipais talvez tenham sido uma das mais discretas da história e, paradoxalmente, as que mais importância terão na história do Rio.


El País: Antipolítica sai de cena com centro-direita fortalecida e prefeitos pró-ciência reeleitos no 1º turno

Pandemia elevou abstenção, mas eleitores saíram de máscara para votar em 5.567 cidades brasileiras. Atraso na divulgação dos resultados alimenta teorias conspiratórias de fraudes

Carla Jiménez e Aiuri Rebello, El País

A direita foi deslocada em direção ao centro e a antipolítica perdeu adeptos. A esquerda ganhou fôlego importante em algumas capitais e nas Câmaras de Vereadores e os partidos do Centrão foram os grandes vencedores, através das legendas de sempre: MDB, PP, PSD e DEM. O resultado do primeiro turno das eleições nas capitais do Brasil neste ano ―marcado pelo atraso na divulgação e uma tentativa de ataque hacker no sistema do Tribunal Superior Eleitoral― mostra um refluxo na onda populista da direita que varreu o país em 2018 com a vitória de Jair Bolsonaro. Candidatos desse espectro político, que teve nomes fortes e votações expressivas nas eleições de 2016 e 2018, não tiveram sucesso e saíram derrotados do primeiro turno —como mostram os candidatos apoiados pelo presidente. Seu filho, Carlos Bolsonaro, conseguiu se reeleger como vereador no Rio de Janeiro, mas sua votação foi menor do que há quatro anos. Conquistou 70.000 votos, menos que os 136.000 de 2016, quando foi o vereador mais votado da cidade. Agora teve a segunda melhor votação, atrás de um psolista, Tarcísio Motta.

Na polarização do coronavírus, ganharam em primeiro turno ou passaram para segundo turno em importantes capitais os postulantes que apostaram na ciência, em contraponto ao presidente Bolsonaro. É o caso de Alexandre Kalil, do PSD, em Belo Horizonte, que foi reeleito com 63,3% dos votos, Bruno Reis (DEM), em Salvador, com 64,2% (vice de ACM Neto, que condicionou a volta do tradicional Carnaval se houver vacina contra a covid-19 em fevereiro) e Rafael Greca (DEM), em Curitiba, também reeleito com 59,74%. O atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), que foi diligente na gestão da pandemia na cidade, garantiu a liderança nas pesquisas e passou para o segundo turno, que será disputado com Guilherme Boulous, do PSOL.

Um total de 147,9 milhões de brasileiros estavam aptos a votar neste domingo em 5.567 cidades ―Macapá, capital do Amapá, teve o primeiro turno adiado devido ao apagão que atinge o Estado há semanas. A pandemia, porém, levou a uma abstenção de 23,14% segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Quatro anos atrás esse índice foi de 17,5%. Mas as ruas do Brasil ficaram cheias de eleitores de máscaras saindo de casa para votar num dos momentos mais emblemáticos do país, que ultrapassou 165.000 mortes por covid-19, e um presidente que reforça crises diariamente. Algo está diferente no Brasil de 2020 e, no dia 29 de novembro (data do segundo turno), vai ficar mais claro para onde os ventos políticos vão soprar.

Em São Paulo, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) concorreu à prefeitura seguindo a mesma receita de 2018, com um discurso liberal e antiesquerda, mas não vingou. Se em 2018 ela foi a deputada federal mais votada da história do Estado de São Paulo, ao alcançar um milhão de votos ―289.404 só da capital paulista— na disputa municipal ela ficou com 1,84% das cédulas, ou 98.239 votos. Seu rompimento com Bolsonaro poderia ser apontado como um fator que tenha influenciado esse resultado. Mas o deputado Celso Russomanno (Republicanos) fez o oposto e tampouco teve sucesso. Russomanno saiu de favorito ao cargo de prefeito no início da campanha, mas caiu para um minguado quarto lugar, logo depois de vincular seu nome ao de Bolsonaro. “Russomanno assumiu o padrinho e pagou o preço, como Jilmar Tatto também assumiu (Lula) e pagou também. Já Bruno Covas não assumiu [o governador] João Doria e não pagou o preço”, admitiu Elsinho Mouco, marqueteiro da campanha de Russomanno, em entrevista ao jornal O Globo.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez campanha para Tatto em São Paulo, mas o candidato petista obteve só 8,65% dos votos, ficando atrás até do deputado estadual Arthur Do Val (Patriotas), com 9,78%. Tatto, porém, saiu de 1% das pesquisas eleitorais, enquanto Russomanno chegou a ter 29% no início da campanha, e fechou a disputa com 10,5% ―derrotado, declarou apoio a Boulos no segundo turno. Covas foi ao segundo turno como favorito mantendo distância de Doria, que tem alta rejeição na capital. Logrou reforçar sua posição ao fechar uma aliança de centro direita entre diversas siglas.

No Rio, porém, o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) que tenta a reeleição, conseguiu chegar ao segundo turno, depois de ter mostrado publicamente sua aliança com Bolsonaro. Crivella teve 21,9% dos votos, atrás do ex-prefeito da cidade Eduardo Paes (DEM), que alcançou 37,01% dos votos. O prefeito corria o risco de ficar em terceiro, numa disputa acirrada com a Delegada Martha Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT). Mas conseguiu crescer na reta final. Terá de reverter uma rejeição de 60% na cidade para lograr a reeleição.

O pleito mostrou ainda jovens lideranças de partidos da esquerda ofuscando a hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT) e entraram na disputa pelo segundo turno em capitais importantes, com Boulos em São Paulo e Manuela D'Ávila (PCdoB) em Porto Alegre. As vitórias simbólicas no primeiro turno não chegam a representar tendência nacional. O pleito deste ano mostrou um eleitor refratário a surpresas e que preferiu apostar em nomes conhecidos da política tradicional. A figura de outsiders ou “gestores” que tiveram sucesso em 2016 não tiveram destaque no primeiro turno nos principais colégios eleitorais. Em compensação, candidaturas de mulheres transgênero garantiram sucesso para se eleger vereadoras, caso da professora Duda Salabert, a mais votada da história de Belo Horizonte. Em São Paulo, a Erika Hilton (PSOL) e Thammy Miranda (PL) se tornaram as primeiras trans eleitas para a Câmara de Vereadores.

No Nordeste, o PT não conquistou nenhuma capital, mas tem em Marília Arraes sua chance de garantir uma vitória em Recife, capital de Pernambuco. Ela enfrenta no segundo turno o primo, João Campos (PSDB), filho de Eduardo Campos —que morreu em plena campanha presidencial num acidente aéreo em 2014. O partido do ex-presidente Lula obteve 140 vitórias no primeiro turno, mas ficou fora por primeira vez, desde 1988, de um pleito em São Paulo.

No inicio da madrugada de segunda-feira (16), já com a maioria das urnas apuradas Brasil afora, o velho MDB celebrava 746 prefeituras conquistadas na eleição. Também o centrista Partido Social Democrático (PSD) era um dos grandes vencedores da eleição com 627 prefeituras nas cidades médias e pequenas. Essa capilaridade pelo território podem fazer destes partidos aliados importantes para as eleições presidenciais de 2022.

No sábado, o presidente Jair Bolsonaro publicou em suas redes sociais uma lista de candidaturas que apoiava Brasil afora. Nas capitais, além de Russomanno e Crivella, o presidente também indicou voto em Delegada Patrícia (Podemos) em Recife, Capitão Wagner (Pros) em Fortaleza, e Bruno Engler (PRTB) em Belo Horizonte. Apenas Wagner passou ao segundo turno das eleições. A postagem do presidente foi apagada na manhã deste domingo.

Na noite do primeiro turno, postagens questionando a regularidade do pleito e sugerindo fraude no sistema de apuração invadiram as redes de bolsonaristas derrotados, que emularam Donald Trump numa tentativa de desacreditar as eleições. O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, acabou levando a anticampanha na esportiva. “Evidentemente não tenho controle sobre o imaginário das pessoas. Mas objetivamente, foi preservada a segurança e a integridade do sistema, os dados são confiáveis e conferíveis pelos boletins das urnas”, disse ele, como relata o repórter em Brasília, Afonso Benites. Uma falha em um hardware do supercomputador que totaliza os votos atrasou a divulgação dos resultados em três horas, o que abriu brecha para as teorias conspiratórias.


Míriam Leitão: O derrotado e o nosso risco

O grande derrotado desta eleição é Jair Bolsonaro. Publiquei essa frase aqui no dia primeiro de novembro, com base em entrevista com o cientista político Jairo Nicolau. Existem duas dimensões da derrota, a dele mesmo e a dos seus candidatos. Por outro lado, existem as perdas diárias do Brasil com este governo. Nessa última semana, Bolsonaro debochou do país, comemorou um evento que envolvia a morte de um jovem, indicou o quanto quer interferir na Anvisa, mostrou desprezo pela vida humana, e no fim de um dia de atitudes repulsivas falou em guerra contra os Estados Unidos. Essa última fala é tão ridícula que não merece ser analisada. O que o incomodou mesmo foi o fato de o senador Flávio Bolsonaro ter sido denunciado.

O grande projeto do presidente é ele mesmo e seus filhos. Ele é tão desagregador que dispersou até as forças com as quais chegou ao poder, há dois anos. Brigou, humilhou, traiu um grande número de aliados. Chegou a esta eleição sem partido. A Aliança, legenda que tentou criar, foi, segundo definição de Jairo Nicolau, “o maior desastre da história da formação dos partidos”. Os candidatos que apoiou estão tendo um fraco desempenho e sua reprovação está subindo.

Eleição municipal tem outra lógica, como ensinam os especialistas. Mas o bom desempenho eleitoral de administradores que levaram a pandemia a sério revela que o eleitor reprova o desprezo que o presidente demonstrou com os riscos da pandemia, que vai do “e dai?” ao “país de maricas”.

O argumento do cientista político Jairo Nicolau foi que Bolsonaro malbaratou seu próprio capital político. “Ele perde para o que poderia ter sido” se tivesse usado o impulso da sua eleição para organizar o seu campo político. Mas ele perde também pela trajetória daqueles que apoiou nesta campanha. A incompetência de Bolsonaro é um alívio, dado que seu projeto é obter vantagens para ele e seus filhos, desmontar a ordem constitucional e iniciar outro ciclo autoritário.

A questão é que o Brasil na gestão Bolsonaro tem perdido demais. Perdido vidas, tempo, rumo, inserção no mundo, valores civilizatórios, florestas, coesão social. Nesses quase dois anos, o país retrocedeu e as instituições foram fracas. Não defenderam o nosso patrimônio político. Como é possível que ele não tenha enfrentado um processo de impeachment depois de ter, em plena pandemia, realizado por sete domingos consecutivos manifestações antidemocráticas? Atentou contra a saúde e a Constituição ao mesmo tempo, e qual foi a resposta? Notas de repúdio e um processo no Supremo no qual ele não é o alvo, mas apenas os financiadores dos atos. Bolsonaro foi para frente do quartel-general do Exército e disse que as Forças Armadas estavam com ele. E qual foi a resposta? Alguns generais, inclusive da ativa, e o ministro da Defesa estiveram com ele na maioria desses atos. As Forças Armadas foram usadas como espantalho contra seu próprio povo. E aceitaram. A declaração do general Edson Pujol foi um alento na sexta-feira, mas com a nota de ontem voltou-se à ambiguidade.

Então, sim, a última semana foi ruim para Jair Bolsonaro. Seu filho foi denunciado pelo Ministério Público estadual, e nos Estados Unidos seu farol político foi derrotado. Perdeu do Rio a Washington. Terá um desempenho pífio nas eleições. O mais importante, contudo, é o que o país perde diariamente por ter um presidente como Jair Bolsonaro. Ele mentiu quando disse que a vacina, desenvolvida pela China e o Instituto Butantan, provoca “morte, invalidez e anomalia”, e não foi cobrado por isso. A Anvisa teve que liberar o retorno dos testes, porque ficou escandalosa a suspensão, mas Bolsonaro deu mais um passo na destruição da credibilidade da Agência de Vigilância Sanitária indicando o coronel da reserva Jorge Luiz Kormann para a diretoria do órgão. Ele é obviamente a pessoa errada: sem notório saber, negacionista da ciência, divulgador de fake news, autor da tentativa de manipular números da Covid. Não tenho esperança de que o Senado o rejeite. O Congresso tem ajudado o presidente a desmontar instituições confirmando todas as suas indicações desastrosas.

Uma eleição municipal tem muitos significados, mas claramente esta não fortalecerá o movimento que levou Bolsonaro ao poder. Entretanto, o triste balanço desses 22 meses e 15 dias é que Bolsonaro tem dilapidado o legado dos constituintes de 1988. E a resposta das instituições tem sido fraca diante do dimensão do risco.


Elio Gaspari: Tempestade numa proveta

Um dia se saberá o que aconteceu na Anvisa entre as 15h e as 21h25m de segunda-feira, quando ela suspendeu os estudos clínicos que avaliavam a Coronavac

Um dia se saberá o que aconteceu na Anvisa entre as 15h e as 21h25m de segunda-feira, quando ela suspendeu os estudos clínicos que avaliavam a Coronavac. Uma rede de computadores fora do ar e uma comemoração de Jair Bolsonaro transformaram um suicídio numa lastimável tempestade de proveta.

A polícia achou o corpo do voluntário na tarde de 29 de outubro. No dia seguinte, uma sexta-feira, o centro de pesquisas do Hospital das Clínicas informou à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep, e ao Instituto Butantan.

O médico Jorge Venâncio, coordenador da Conep, disse à repórter Constança Tasch que conversou com pesquisadores “duas vezes por dia” e decidiu não suspender os testes. Ele explicou o motivo: “O voluntário tomou a segunda dose da vacina 22 dias antes, não tinha nenhum problema de saúde e chegou a fazer um check-up particular, com uma batelada de exames, pouco depois.”

Numa outra pista, correu a notificação do Instituto Butantan à Anvisa. Ela foi emitida no dia 6 de novembro, informando na sua parte conclusiva que a morte do voluntário não tinha a ver com o teste da vacina. Segundo a Agência, seu sistema de computadores estava fora do ar e a comunicação do dia 6 não havia sido lida.

Às 15h do dia 9, segunda-feira da semana passada, a Anvisa pediu ao Butantan informações sobre os “eventos adversos graves inesperados” ocorridos desde 30 de outubro.

Segundo uma cronologia divulgada pelo Butantan, às 18h13m o pedido foi reiterado e 11 minutos depois as informações que haviam sido mandadas no dia 6 foram reenviadas. Os fatos que subsidiaram a decisão da Conep estavam todos lá. Só faltava a palavra suicídio. Segundo uma linha do tempo da Anvisa, ela chegou “sem nenhum detalhe”.

Às 20h47m a Anvisa convocou a equipe do Butantan para uma reunião de emergência no dia seguinte, sem agenda especificada.

No entanto, 13 minutos depois, em outra mensagem a Anvisa suspendeu os testes daquilo que Bolsonaro chama de “a vacina chinesa do governador João Doria”.

Às 21h25m a Anvisa informou que suspendera os estudos clínicos da Coronavac.

Por motivos que podem ser compreensíveis, durante três dias a Anvisa ficou fora do lance, mas, como ela revelou, sabia “por meio de contato informal com o Ministério da Saúde e com a Conep” que um “evento adverso grave teria ocorrido”. Entre as 15h e as 21h25m criou-se uma crise sanitária, alavancada no dia seguinte pelo capitão, que viu na sua decisão “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Na sua entrevista de terça-feira o contra-almirante Antonio Barra Nunes, que é médico, repetiu à exaustão que fez tudo de acordo com o manual e que a decisão foi dos técnicos, funcionários de carreira. O diretor do Butantan, Dimas Covas reclamou: “Um telefonema teria resolvido”. Juntando-se as peças, a Anvisa revelou que soubera “informalmente” da ocorrência de um “evento”. Ela, que estivera fora do ar, decidiu suspender os testes sem não falar com o Butantan e muito menos com a Conep, que avaliara o caso.

Barra Nunes fez tudo pelo manual, que não prevê telefonemas. Aparecer numa manifestação diante do Palácio do Planalto à qual incorporou-se o presidente Bolsonaro também não seria coisa do manual, mas deixa para lá.

Achando que seguia o manual, em 1941, o comandante da frota americana do Pacífico menosprezou as advertências que lhe chegavam sobre a possibilidade de um ataque japonês e deixou parte de seus navios atracados na base de Pearl Harbor. Na manhã de 7 de dezembro, de uma janela, viu o ataque. A sorte tinha mandado três porta-aviões ao mar.

Dez dias depois o almirante Kimmel perdeu o comando e duas das quatro estrelas que tinha.

BolsonaVac

Antes mesmo da certificação da CoronaVac, o governador João Doria parece ter descoberto a BolsonaVac.

Durante quatro dias, enquanto a Anvisa estava metida na encrenca dos testes da vacina e Bolsonaro falava de um país de “maricas” ele se manteve no mais absoluto silêncio, como se praticasse um distanciamento político.

Doria pode ter descoberto uma vacina contra bate-bocas com gotículas viróticas e contagiosas.

Chapman precisa se cuidar

O embaixador americano Todd Chapman precisa puxar o freio de mão. Ele incluiu uma homenagem aos seus fuzileiros navais no portal da repartição sem qualquer segunda intenção. Mesmo assim, com menos de dois anos no posto, apareceu bastante, coloriu-se demais e deixou que Washington organizasse uma ridícula viagem do secretário de Estado Mike Pompeo a Roraima. Na quinta-feira, reuniu-se com o embaixador argentino para tratar de uma política que levava em conta a vitória de Joe Biden. Como palitar dentes à mesa, poder, pode.

Em julho, quando a Covid já havia matado mais de 63 mil pessoas no Brasil, Chapman deu um almoço para Bolsonaro e seus hierarcas. Nenhum maricas, todos sem máscara, inclusive ele. William Tudor, o segundo representante do governo americano no Brasil chegou ao Rio em 1827 e em 1830 morreu de febre amarela. Seu túmulo só foi achado em 1944.

Chapman tem à mão a boa memória de outro antecessor. Jefferson Caffery ficou no posto de 1937 a 1944, atravessando a turbulência do Estado Novo durante a Segunda Guerra Mundial. Foi um craque na profissão pelo que fazia em pé, Chapman pode seguir seu exemplo.

Erro

O ministro Gilmar Mendes informa que estava errada a informação aqui publicada segundo a qual “não há no mundo corte constitucional renomada que decida em turmas”.

Diz e prova: A Corte Constitucional alemã divide-se em dois Senados, um cuida dos processos de controle de constitucionalidade e o segundo cuida de conflitos entre os entes federativos e questões eleitorais. A Suprema Corte do Reino Unido tem 12 juízes mas nem todos se manifestam em todas as decisões.

Eremildo, o idiota

Eremildo é muito macho, não usa máscara e vai a Brasília para presentear o capitão com uma garrafa de sua caipirinha de açaí com cloroquina.

O cretino foi a única pessoa que entendeu a metáfora da pólvora. Ela pode ser usada pelos agrotrogloditas para explodir as árvores que não queimarem.

Mesmo que o capitão estivesse ameaçando Joe Biden com um uso da pólvora, Eremildo também acha a ideia ótima. Ele pretende se alistar na primeira tropa para combater os americanos. Espera ser feito prisioneiro e levado para Nova Jersey onde abrirá uma franquia de chocolates caso consiga ficar por lá.

Houve aviso

Paulo Guedes está frustrado por não ter conseguido privatizar coisa alguma. Nem a estatal do trem-bala o governo Bolsonaro conseguiu fechar.

Aviso não faltou. Antes mesmo da posse o economista Mansueto Almeida avisou-o que suas metas de privatizações, eliminação do déficit e venda de imóveis da União eram voo de anjo.


Bruno Boghossian: Tropeço eleitoral deve desvalorizar passe de Bolsonaro no mundo político

Fracasso de apadrinhados e vitórias do centrão podem mostrar que presidente não é ator decisivo

Nas últimas eleições, alguns políticos chegaram a passar vergonha quando buscavam o apoio de Jair Bolsonaro. Um candidato a governador pegou um avião até o Rio só para tentar aparecer ao lado do favorito na corrida presidencial. O sujeito tomou um bolo do capitão, mas continuou usando sua imagem na campanha mesmo assim.

Bolsonaro puxou muita gente na onda conservadora de 2018. As eleições municipais deste domingo sugerem que o cenário mudou. Enquanto candidatos associados ao presidente lutam com dificuldade por vagas no segundo turno, fica cada vez mais claro que ele não aparece mais como um cabo eleitoral decisivo.

Depois de prometer que não se envolveria nas disputas deste ano, Bolsonaro mudou de ideia e tratou seu apoio como um item disponível para um público seleto, escolhendo a dedo as corridas de que participaria. O fracasso de alguns de seus apadrinhados ameaça desvalorizar o passe do presidente no mundo político.

Os bolsonaristas podem se tornar uma nota de rodapé dessas eleições. Em Belo Horizonte, Bruno Engler (PRTB) abusou da imagem do presidente, mas não conseguiu passar dos 4% das intenções de voto. No Recife, Delegada Patrícia (Podemos) descolou um apoio na reta final da campanha. Ela ficou estagnada nas pesquisas, e sua rejeição disparou.

Nas duas maiores cidades do país, Bolsonaro não conseguiu produzir nem mesmo uma marola até aqui. Celso Russomanno (Republicanos) despencou, e Marcelo Crivella (Republicanos) passou a ser ameaçado por duas adversárias. Os dois candidatos ainda podem chegar ao segundo turno, mas será difícil vender a ideia de que o presidente os ajudou.

Além do risco de fiasco, Bolsonaro também precisa ficar atento ao desempenho de candidatos de sua base aliada que ficaram sem apoio oficial. Uma vitória em massa desses nomes mostraria ao centrão que a máquina do governo e o auxílio emergencial podem render frutos, mas também aumentaria as dúvidas sobre o peso político do presidente.


Hélio Schwartsman: A festa da democracia

Hoje, todos os brasileiros com mais de 18 anos e menos de 70, que sejam alfabetizados e que não estejam cumprindo pena com sentença transitada em julgado estão obrigados a ir às urnas. Acho meio autoritário. Não é meu modelo favorito de direito de voto, mas é um sinal inequívoco de que a democracia está em vigor, apesar de o país ter colocado no poder um indivíduo que não tem o menor apreço por ela.

As instituições estão ou não funcionando? É um caso clássico de copo meio cheio e meio vazio. Para os mais exigentes, que esperam do sistema que ele corte pela raiz quaisquer extremismos e faça com que todos se comportem como lordes ingleses, então as instituições fracassaram. Nossos mecanismos antirradicalismo, notadamente o segundo turno, não impediram a eleição de Jair Bolsonaro, que pode ser acusado de muitas coisas, mas não de cavalheiro.

Para os mais pragmáticos, contudo, que se satisfazem com um sistema que seja capaz de prevenir a ruptura da ordem legal e a violência física entre facções, até que nossas instituições não estão se saindo tão mal.

Bolsonaro e seu clube de generais de pijama não foram capazes de dar o tão temido golpe —e não porque não tenham desejado. Continuamos votando normalmente e seguimos com um Congresso e um Judiciário relativamente independentes, porque o desenho institucional prevê uma divisão dos Poderes que não é tão fácil de atropelar.

Na verdade, o sistema é que conseguiu em alguma medida domar Bolsonaro. Com o duplo temor do impeachment e da cadeia para os filhos, Bolsonaro alterou seu comportamento. Não se tornou obviamente um moderado, mas moderou o discurso golpista, parando de atacar semanalmente o Parlamento e o STF.

Não devemos, porém, nos iludir. As instituições resistiram até aqui, mas sofreram desgastes —e não há garantias de que resistirão para sempre. É preferível ser obrigado a votar a não poder fazê-lo.


Vinicius Torres Freire: A onda cinza da eleição municipal e os meteoros vermelhos

Eleição terá vitórias das sublegendas do centrão, de PSDB-DEM e traços rubros no céu

Quem olhasse a eleição pelo binóculo embaçado das pesquisas veria uma onda cinza cobrindo as maiores cidades. O grosso das vitórias ficaria com aquela massa indistinta de conservadorismo ou de reacionarismo moderado que são as sublegendas do centrão. Não é novidade. Esse pequeno establishment costuma governar os interiores do Brasil.

Quem se ocupasse de pensar em vitórias simbólicas ou na conquista de massas de eleitores veria o sucesso da velha dupla dos anos FHC, PSDB e DEM, a interiorização maior do PT e raros meteoros vermelhos, o PCdoB e o PSOL.

Como não tem partido, Jair Bolsonaro poderia ter ficado ausente da eleição sem se chamuscar, mesmo que seus adeptos anônimos não ganhem quase nada de relevante. Mas deve levar na testa a marca da derrota em São Paulo e no Rio.

Trata-se aqui das eleições em 95 das maiores cidades do país. A ideia era verificar a situação de 95 municípios em que, por lei, pode haver segundo turno. Como em 13 deles não havia pesquisas ou não era nada prudente acreditar nelas, escolheram-se outros a fim de completar os 95. Juntos, têm mais de 80 milhões de habitantes, 38% da população brasileira.

Como São Paulo é sobrerrepresentado nesse grupo, o PSDB parece ter chances de levar 15 prefeituras. O PSD de Gilberto Kassab ficaria com umas 12, em seu avanço seguro e gradual de empreendimento bem projetado do centrismo-centrão. O MDB, campeão histórico das municipais, com 11. DEM, com 9. PT e PP, com 8. Pode ser mais ou menos (“margem de erro” de 3, digamos).

A dupla PSDB e DEM levaria 42% da população das 95 cidades. Ao menos pelo ranking das pesquisas, os tucanos ganhariam, entre outras cidades, São Paulo; o DEM ficaria com Rio, Salvador, Curitiba e Florianópolis, por exemplo.

Não quer dizer que tais partidos vão necessariamente ganhar mais força na política do país. Se por mais não fosse, as grandes cidades são trituradoras políticas. Não garantem projeção nacional e causam sequelas em seus governantes.

Em São Paulo, ninguém se reelege (Bruno Covas, PSDB, é o caso de vice que assume e ganharia a recondução, como foi o caso de Gilberto Kassab). Ainda assim, seria vitória ao menos simbólica da dupla dos tempos fernandinos, PSDB e DEM.

A seguir, o balaio mais cheio seria o do PSD, que levaria Belo Horizonte no primeiro turno, reelegendo Alexandre Kalil, que então se torna uma figura mais nacional. Logo depois, viria o MDB.

Afora o desastre paulistano, em números gerais o PT não faria tão feio. Menos ainda se levasse Recife. Mas Marília Arraes, a candidata petista, tenta chegar ao segundo turno. Chegando, terá contra si o ora líder João Campos (PSB) e a direita. No mais, o PT deve levar cidades médio-grandes e talvez Vitória.

Manuela d’Ávila (PCdoB) pode levar Porto Alegre. Guilherme Boulos (PSOL) pode não levar nada, mas por ora é a cara ou a moda da esquerda na cidade natal do PT; o PSOL ainda pode levar Belém e disputa outras três cidades.

Esses dois nanicos da esquerda correm risco de desaparecimento no Congresso, por causa da cláusula de barreiras. Mas vão parecer a luz vermelha no fim do túnel da esquerda nesta eleição. Assim, devem ficar ainda mais escancarados os problemas do envelhecimento e da liderança do PT no “campo progressista”, embora o partido não tenha substituto à altura, mesmo nessa decadência.

Haverá ainda a conta bruta do número de vitórias de cada partido nas demais 5.473 prefeituras, ainda incógnita, que ajudará a pintar também o quadro da eleição. No mais, é uma onda cinza, com trovoadas de PSDB-DEM e meteoros vermelhos.


Ricardo Noblat: Estas eleições enterram o que Bolsonaro chamou de Nova Política

Para onde o vento sopra

Em suas lives semanais no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro pediu votos para 55 candidatos a prefeito e a vereador. Mas ontem, em mensagem postada nas redes sociais, reduziu para apenas 7 seus candidatos a prefeito, e 5 a vereador.

Os candidatos a prefeito: Coronel Menezes, em Manaus; Sartori em Santos; Delegada Patrícia no Recife; Bruno Engler em Belo Horizonte; Capitão Wagner em Fortaleza; Celso Russomanno em São Paulo; e Marcelo Crivella no Rio.

Salvo se as pesquisas de intenção de voto errarem feio, o que em tempos de epidemia é mais do que possível, estas eleições enterrarão o que Bolsonaro chamou de Nova Política quando candidato a presidente e depois de ter sido empossado.

Foi ele que matou a Nova Política, que nunca explicou direito do que se tratava. E o fez entre final de abril passado e final de maio ao concluir que se não vestisse a fantasia de presidente normal correria o risco de não completar o mandato.

No final de abril, ele ainda desafiava o Congresso e a Justiça, embora já se rendesse ao Centrão loteando o governo em troca de votos. Chegou ao ponto de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal. No final de maio, depois da prisão de Queiroz, amansou.

Deu por esquecido o que dissera em sua primeira viagem a Washington como presidente quando defendeu que era preciso quebrar o “sistema” para no futuro reconstruí-lo. Bons tempos aqueles em que se apresentava como o Trump do Brasil.

O “sistema” venceu. Das 82 candidaturas mais bem posicionadas nas pesquisas em 26 capitais (Brasília não tem eleição), apenas 4 são de nomes que podem ser considerados estreantes, segundo levantamento feito pela repórter Júlia Dualibi.

As ferramentas tradicionais de disputa, como dinheiro, alianças partidárias e tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão foram reabilitadas. O espaço para surpresas foi reduzido a um tamanho insignificante. Virou pó a influência de Bolsonaro.

Se não desistir da reeleição em 2022, Bolsonaro será obrigado a se reinventar. É possível? Sim, é possível. Mas a conta da pandemia ainda não chegou para ele com todo o seu horror. E o estado da economia até lá não será seu maior trunfo.