eleiçòes 2020

El País: PT não conquista nenhuma capital pela primeira vez desde 1985 e volta ao tamanho ‘pré-Lula’

Com estratégia focada em chapas próprias e enfrentando a força do antipetismo, partido segue o encolhimento que já protagonizava desde 2016 e deverá enfrentar debate sobre futuro da sigla

Beatriz Jucá e Joana Oliveira, El País

Partido dos Trabalhadores (PT) não elegeu nenhum candidato próprio nas capitais brasileiras nestas eleições até agora ― está ainda na disputa em Macapá, onde as eleições foram adiadas. É a primeira vez que isso acontece desde a redemocratização do país, em 1985. Em todo o Brasil, o partido conquistou apenas 183 prefeituras, enquanto outras siglas tiveram resultados muito superiores, como MDB e PP, que superaram as 600 prefeituras cada uma. Seguiu o encolhimento que já protagonizava desde 2016, quando fez 254 prefeitos e voltou, neste ano, a um tamanho semelhante ao que tinha antes dos Governos de Luiz Inácio Lula da Silva, iniciados em 2003 - cerca de 200 cidades com comando do partido.

Por um lado, é uma amostra que o antipetismo segue como uma força política significativa. De outro, trata-se do resultado de uma estratégia que optou por, quase sempre, lançar chapas próprias em detrimento de alianças com outras siglas de esquerda. É o caso de São Paulo, onde o candidato Jilmar Tatto amargou menos de 10% dos votos no primeiro turno, assistindo à ida de Guilherme Boulos, do PSOL, à segunda rodada eleitoral. O resultado foi a fragmentação dos votos e a consolidação de partidos como o PDT e o próprio PSOL como novas opções ao eleitorado de esquerda.

Apesar do resultado das urnas, analistas políticos afirmam, no entanto, que é prematuro falar em uma derrocada política completa. O PT ainda demonstra alguma força. Foi novamente às urnas em 20 das 57 cidades que tiveram segundo turno ― todas elas com colégios eleitorais significativos. E venceu em quatro delas: Contagem, Juiz de Fora, Diadema e Mauá.

Na maioria das cidades, o PT apostou em candidaturas de ex-prefeitos que contavam com a marca da experiência. O objetivo do partido era retomar espaço dentre os 96 maiores colégios eleitorais brasileiros, grupo que inclui as 26 capitais de estados e 70 cidades de interior com mais de 200 mil eleitores, um contingente em que, há quatro anos, o partido venceu apenas em Rio Branco (AC). A maior cidade que será governada por um petista a partir do ano que vem é Contagem, a terceira maior de Minas Gerais, onde a ex-prefeita Marília Campos venceu o advogado Felipe Saliba (DEM) por margem estreita (51,35% dos votos).

“Não posso cravar uma derrocada do PT, mesmo porque esteve em 15 das 57 grandes cidades que tiveram segundo turno. Não é porque perdeu em 11 que vou desconsiderar esta força e dizer que vão esquecer o partido”, declara o cientista político Rudá Ricci. Feita esta ponderação, Ricci avalia que o partido sai diferente destas eleições e prevê que deverá enfrentar um embate interno pela mudança de perfil de seus filiados com mandato. Isso porque candidaturas que tiveram êxito nas urnas, como por exemplo em Contagem e Juiz de Fora, não representam a ala majoritária do PT, ligada ao ex-presidente Lula. “Acho que vai ter um embate interno muito importante porque a corrente majoritária saiu derrotada. Mudou a conjuntura política de quem tem mandato no PT. E não dá pra fazer mais a narrativa que coloca a culpa nos outros”, analisa Ricci.

Já Wilson Gomes, filósofo, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, diz que “o PT estancou a sangria de 2016, mas teve uma grande perda nos dez maiores colégios eleitorais do país [São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Manaus, Recife, Porto Alegre e Belém]”, explica

A presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, tentou defender os resultados alcançados. Destacou que o PT venceu em quatro das 15 cidades que disputava neste domingo e que teve mais de 40% dos votos em nove delas. “Vencemos com o PSOL em Belém, lutamos ao lado de Boulos e Manuela. E o Brasil viu o q fizeram p/ barrar Marília em Recife. O PT segue junto com o povo”, acrescentou. E arrematou dizendo que o “segundo turno mostrou que a esquerda sabe lutar”.

Mudança de perfil

Neste ano, o eleitor que votou nas candidaturas de centro-esquerda não mais associou este campo diretamente ao PT, pontua Ricci. Este eleitorado votou de forma mais plural, em candidatos do PSOL e do PDT, por exemplo. “O PT vinha crescendo desde os anos 1980 e fez quatro vezes a presidência, então ofuscava estes partidos, que agora cresceram”, avalia. O cientista político vê uma transição se formando no campo de centro-esquerda brasileiro, cujas inovações estariam sendo protagonizadas especialmente por mulheres e suas candidaturas coletivas às câmaras municipais. O campo começa, ainda, a apresentar uma pluralidade de lideranças. Ele cita como exemplo nomes como Manuela D’Ávila (PCdoB)Guilherme Boulos (PSOL) e Marília Arraes (PT). Embora nenhum deles tenha vencido no segundo turno, ganharam destaque e foram competitivos. Seria, portanto, uma pluralidade de lideranças que o cientista político não vê no campo de centro-direita.

O Partido dos Trabalhadores começou a crescer nos anos 1980, mas a partir do final dos anos 1990 afastou-se do “modo petista de governar” no âmbito local, representado, por exemplo, pela ideia de um orçamento participativo, conselhos e inversão de prioridades. Com a chegada de Lula ao poder, em 2002, o partido montou um modelo de coalizão ampla que o aproximou do modelo de centro-direita que tradicionalmente domina as prefeituras brasileiras. Nunca chegou a ser um partido majoritário nas municipais, mas ganhou fôlego. Em 2008, fez 557 prefeitos e se tornou a terceira força política do país. Em 2012, chegou a 632 prefeituras. No âmbito nacional, se afastou das bases e dos movimentos sociais e foi se parlamentarizando, com deputados em postos de liderança interna. A partir de 2016, voltou a encolher nos municípios. “Lula não mudou essa lógica do centro-direita da política brasileira. Ele a reforçou. É como se tivéssemos uma cabeça de esquerda e o corpo todo de centro-direita”, compara Ricci. Esta trajetória, para o cientista político, soma uma sucessão de erros estratégicos.

Para Wilson Gomes, um dos maiores equívocos é a resistência a olhar o espelho. “O PT está muito envelhecido, sua cúpula está envelhecida, mas o partido não faz nenhuma mudança em sua autoimagem, nenhuma autocrítica, nada”, diz.

“O PT se tornou um partido com a lógica tradicional, mas que tinha relações com a base marginalizada. É um partido funcional do sistema, mas a base não romperia com este sistema porque tinha o PT e as instituições como canal. Chegou um momento que este canal ficou interditado”, aponta Ricci.Gomes, que considera que o “antipetismo foi o maior eleitor em 2016 e em 2018″, avalia que esse sentimento demonstrou ter ainda grande poder eleitoral em 2020.“Vimos, por exemplo, até um vídeo de Silas Malafaia apoiando João Campos, um candidato supostamente progressista, só para fazer oposição ao PT de Marília Arraes, mesmo em um estado em que ele não tem interesses diretos”.

Mas os resultados deste ano pouco apontam para a discuta de 2022, considera Ricci. “O eleitor está procurando outros caminhos”, analisa. Após uma decepção com o bolsonarismo, o eleitor médio voltou à moderação e ao conhecido e fez dos partidos de centro-direita os grandes vitoriosos desta eleição. “Ele está em transição, abandonando a extrema direita e o totalmente novo de 2016 e de 2018. Ao mesmo tempo, o campo do centro-esquerda também está tendo uma transição importante”, diz.

O antibolsonarismo cresceu e tornou-se uma força política. Prova disso é que 11 dos 13 candidatos apoiados pelo presidente da República não foram eleitos. “Mas isso não significa que o antipetismo diminuiu”, pondera Gomes. “A questão é que o que demorou 13 anos para chegar para o PT chegou em apenas dois para Bolsonaro. Não sei se o que mais prejudicou ele foram as eleições nos Estados Unidos ou as municipais brasileiras”, acrescenta.


El País: Eleições põem à prova o potencial das alianças anti-Bolsonaro

Pleito vai vislumbrar o potencial de frentes amplas criadas em oposição ao presidente em capitais como Rio de Janeiro e Fortaleza e se a esquerda intensifica o avanço apontado nas pesquisas em SP

Naiara Gallarraga Cortázar, El País

As prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do Brasil, são o prato principal do segundo turno das eleições municipais que 60 cidades realizam no domingo. O primeiro turno, no dia 15, foi um revés ao presidente Jair Bolsonaro e uma vitória da direita tradicional. Ainda que sejam eleições decididas principalmente por dinâmicas locais, também permitirão vislumbrar o potencial das alianças anti-Bolsonaro ― os prognósticos para seus candidatos são ruins ― e se a esquerda intensifica o avanço que lhe dão as pesquisas em São Paulo até surpreender e ganhar a prefeitura da cidade mais rica do país.

Mesmo com pouca repercussão midiática, a violência golpeou com força a campanha. Por volta de 200 candidatos foram assassinados, feridos e vítimas de tentativa de assassinato, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

Para Bolsonaro, o tiro saiu pela culatra em sua estratégia de desprezar a gravidade do coronavírus, que matou 172.000 brasileiros, e culpar governadores e prefeitos pelos estragos econômicos da pandemia. O presidente parecia acreditar que os milhões de dinheiro público entregues aos brasileiros mais pobres bastariam para que os candidatos indicados por ele triunfassem. Não foi assim no primeiro turno e, de acordo com as pesquisas, também não será no segundo. Nesta semana, coincidindo com um aumento de hospitalizações por covid-19, chegou a acusar a imprensa de inventar a declaração que se transformou na síntese de sua gestão da pandemia, a de que o coronavírus é “como uma gripezinha”, palavras que pronunciou em um discurso ao país em março.

Nestas eleições “vemos um esfriamento da extrema-direita, um fortalecimento de uma direita tradicional, uma maior pluralidade na esquerda”, resume a cientista política Flavia Bozza Martins, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ela acrescenta que em plena crise sanitária, o eleitorado apostou em políticos com experiência de gestão e castigou as candidaturas antissistema e de outsiders.

O ultradireitista apoiou no primeiro turno das eleições municipais um punhado de candidatos divididos por diversas siglas porque ele há tempos está sem partido. Dois foram ao segundo turno. Estes dois apadrinhados são sua opção para salvar a honra nas eleições. Sua principal aposta é o pastor evangélico Marcelo Crivella, que disputa a reeleição à prefeitura do Rio de Janeiro, feudo político do presidente e a segunda maior cidade do Brasil.

Mas o desempenho ruim de Crivella no primeiro turno se somou a uma frente ampla de quase todos os outros contra ele, que acabou por afundá-lo nas pesquisas. Crivella tem por volta de 32% das intenções de voto contra 68% de Eduardo Paes, de acordo com o Datafolha deste sábado. Quase todo o arco político, da direita tradicional à extrema-esquerda, pediu voto a Paes para derrotar um prefeito que encarna o ultraconservadorismo e gera grande repúdio.

O apoio a Paes é entusiasta em alguns casos. Outros votarão nele tapando o nariz. Por que o que foi o prefeito do Rio nos anos da Copa e das Olimpíadas é cercado por suspeitas de corrupção, ainda que nunca tenha sido formalmente acusado. Apaixonado pelo Carnaval, seus partidários destacam as melhorias no transporte como o grande feito de sua gestão (2009-2016).

Também em Fortaleza foi criada uma grande frente contra o candidato apoiado pelo presidente, o policial militar Wagner Souza, agora empenhado em se desvincular de Bolsonaro. Lá a aliança foi forjada ao redor do homem do clã político que manda na região, a família do esquerdista Ciro Gomes. Tem 20 pontos de vantagem em relação ao capitão Wagner.

A batalha mais encarniçada é a de São Paulo, onde Bolsonaro não conseguiu colocar seu candidato no segundo turno. O duelo é entre o prefeito, Bruno Covas, de centro-direita, e o esquerdista Guilherme Boulos, um ativista e professor que surpreendeu ao passar ao segundo turno e que desde então foi subindo até se colocar a 10 pontos de Covas. Como se não faltasse intriga à disputa, Boulos testou positivo para coronavírus na sexta-feira, o que causou a suspensão do último debate e sua entrada em quarentena. Boulos deu um impulso formidável ao pequeno Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), uma cisão nascida do flanco esquerdo do Partido dos Trabalhadores.

“Não quero gritar gol antes, mas acho que estamos em um período de paixões menos desatadas, onde aumenta a racionalidade, a escuta, o espaço às propostas de Governo, ao debate, isso que toda democracia precisa”, diz a cientista política Martins. “Isso irá se manter para (as eleições presidenciais de) 2022? Não se sabe”.

A melhor aposta do PT para salvar sua honra, após os resultados ruins no primeiro turno, está em Recife. É também a disputa eleitoral que atrai mais curiosidade porque coloca dois primos frente a frente, herdeiros de um clã político. A petista Marília Arraes e João Campos estão em empate técnico. Ambos têm 50% dos votos válidos, segundo pesquisa Datafolha deste sábado.


Eliane Cantanhêde: O grande derrotado

Urnas derrotaram os candidatos, os apoiadores e tudo o que Bolsonaro fala e representa

Tal qual o verdadeiro Trump nos Estados Unidos, o Trump tupiniquim, Jair Bolsonaro, também nega a realidade, não reconhece a derrota e, como não dá para acusar a mídia desta vez, ataca a urna eletrônica e já ensaia o discurso da fraude! Nenhuma pirotecnia, porém, é capaz de anular ou esconder Suas Excelências, os fatos. E os fatos são claríssimos: Bolsonaro é o grande derrotado das eleições municipais de 2020.

Não apenas seus candidatos perderam feio e os votos do seu filho Carlos encolheram 34% na base eleitoral da família, o Rio, como tudo o que Bolsonaro representa afundou: 1) a antipolítica cedeu lugar à política, à experiência, aos partidos; 2) o PSL, que inflou e se transformou em segunda força na Câmara, murchou; 3) tanto bolsonaristas renitentes quanto arrependidos, que brilharam em 2018, apagaram em 2020.

As eleições confirmaram que o Brasil é de centro e que a chegada ao poder da extrema direita bruta, virulenta, delirante e sem programa, foi um ponto fora da curva, que vai ficando rapidamente no passado. O novo normal é normal mesmo. DEM, PSDB, MDB, PSD e Cidadania, que formam um sólido bloco de centro que não se confunde com o Centrão, vão recuperando o espaço perdido para Bolsonaro.

Assim, 2020 projeta a volta do centro e uma polarização atualizada: a direita não é exclusivamente bolsonarista e a esquerda não é mais apenas petista. A direita experiente e confiável amplia seu leque e se articula inclusive com setores da esquerda moderada. A esquerda ganha nova cara e frescor. Basta ver o desempenho no primeiro turno e as perspectivas no segundo de PSOL, PDT, PCdoB e PSB.

Mais do que a derrota de tudo o que Bolsonaro significa e de tudo que ele trouxe à cena nacional em 2018, a guinada político-eleitoral deve ter efeitos práticos e imediatos. Onde? No governo. Não dá mais para fingir que as falas e atos de Bolsonaro são normais e que os militares continuam indiferentes ou coniventes. Muita coisa está mudando e até parte dos militares já admitiu o óbvio: o rei está nu.

O resultado das eleições reforça a posição e os argumentos dos generais, almirantes, brigadeiros e assessores que mantêm os pés no chão e tentam chamar o presidente à realidade, alertá-lo para o que está ocorrendo. Com nomes, siglas, números e porcentuais, talvez alguém possa convencê-lo de que ele faz mal à saúde – dele, do governo e do País. Precisa parar e refletir.

A eleição coincide com a explicitação do racha do governo entre duas “alas”. De um lado, “os meninos” da ala ideológica, capazes de ameaçar o Supremo, ironizar o Congresso e chamar um general de quatro estrelas de “Maria Fofoca”. De outro, a “ala militar”, que mais e mais aplaude em silêncio o vice-presidente, general de Exército Hamilton Mourão.

Os “meninos” pululam em torno dos filhos de Bolsonaro, brincando de ideologia, reverenciando gurus, fazendo apologia de armas, guerreando a favor das más e contra as boas causas. Já a “ala militar” tenta dar ordem à bagunça e se descolar do linguajar do presidente: “pólvora” (contra os EUA), “maricas”, “boiolas”, “gripezinha”, “conversinha fiada”… Como reagiu o general Santos Cruz pelas redes, “é uma vergonha”. Quem há de discordar?

Assim, a derrota de Bolsonaro vem bem a calhar, para dar um choque de realidade e tentar acordar o presidente para o que de fato importa: a pandemia, a economia, a crise social. Assim como Trump perdeu nos EUA, a extrema direita, os seguidores e o blábláblá que levaram Bolsonaro à Presidência também perderam no Brasil. Bolsonaro despedaçou suas promessas e princípios de 2018 e os eleitores fizeram picadinho do que havia sobrado. Os militares estão vendo tudo isso. O Centrão também.