eleições 2018

Valor Econômico: No Brasil, economia de mercado é "caricatura", diz Eduardo Giannetti

SÃO PAULO - A operação Lava-Jato escancarou a deformação patrimonialista do Estado brasileiro, diz o economista e escritor Eduardo Giannetti, para quem o país tem a oportunidade de corrigir essa distorção. Segundo ele, o problema resulta da combinação de "um patronato político que usa as suas prerrogativas para se perpetuar no poder" e de "empresários de peso, do setor privado, que buscam desesperadamente atalhos de enriquecimento junto a governantes dispostos a negociar".

Para Giannetti, o país assiste, "ao vivo", uma aula de sociologia política sobre a deformação patrimonialista do Estado. Ela mostra que "a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido" - na frase de Sérgio Buarque de Hollanda, em "Raízes do Brasil" - e que a economia de mercado no Brasil é uma caricatura, segundo ele.

Na visão de Giannetti, o problema "chegou a um tal paroxismo que abre uma oportunidade de correção profunda". Mudar esse estado de coisas depende de uma reforma política e de uma reforma econômica que as eleições de 2018 "podem viabilizar, mas não garantem", avalia ele, que diz gostar da ideia de uma Constituinte exclusiva, focada na reforma política e em alterar o pacto federativo.

Giannetti antevê dois cenários possíveis ao falar das eleições de 2018, um de polarização e outro de pulverização. O de polarização depende fundamentalmente de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser candidato, afirma o economista. "Se isso ocorrer, vai surgir quase que inevitavelmente um outro polo que será o anti-Lula. Pode ser [João] Doria [prefeito de São Paulo], pode ser [Jair] Bolsonaro [deputado do PSC-RJ]".

Já no de pulverização, sem Lula, haveria "uma dispersão grande de candidatos", com mais políticos se animando a participar do pleito", porque o quadro tende a ficar mais aberto. "Acho que é melhor para o Brasil o cenário de pulverização, embora haja o problema de que ele também abre a porta para outsiders aventureiros." Caso se concretize o de polarização, Giannetti acredita que a eleição tende a ser "muito rancorosa, muito violenta, e muito sem diálogo".

Giannetti também fala sobre a sua relação com Marina Silva (Rede), a quem destaca pelo compromisso ético, pela visão de mundo e por ser um "exemplo de vida e de superação". Diz que não se afastou da ex-senadora, de quem foi conselheiro nas eleições de 2010 e 2014, mas considera que ela precisa decidir se é uma líder de movimento, como o americano Martin Luther King e o indiano Gandhi, ou uma candidata a chefe de Executivo.

Ele vê com bons olhos a possibilidade de Marina e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa estarem juntos na eleição de 2018. Afirma ainda que, "numa condição de aconselhamento e estrategista", está "perfeitamente à disposição". A seguir, os principais trechos da entrevista com o autor de livros como "Trópicos Utópicos" e "O Valor do Amanhã".

Valor: Michel Temer tem lutado para seguir no cargo. Quais as consequências de sua permanência até o fim de 2018?

Eduardo Giannetti: Uma condição de governabilidade que vinha se restaurando foi altamente comprometida a partir de 17 de maio, quando veio a público a delação de Joesley Batista, da JBS. É um governo que vai usar a sua energia daqui para frente simplesmente para sobreviver, ainda mais com o procurador-geral da República fatiando a denúncia. Isso obrigará o governo a ficar muito tempo numa postura de garantir o próximo dia. Para mim, Temer perdeu a autoridade e a legitimidade para governar. O que ocorreu em termos de apuração é conclusivo. Ele está envolvido em práticas inadmissíveis juridicamente no exercício do cargo.

Valor: Qual o impacto da nova crise política sobre a economia?

Giannetti: O timing para a economia não poderia ter sido pior. No momento em que se desenhava finalmente um cenário consistente de recuperação, o processo foi interrompido, os horizontes se encurtaram dramaticamente e se perdeu a condição de governabilidade, que é fundamental para avançar nas reformas e na recuperação de um mínimo de tranquilidade para a economia voltar a ter confiança. Os indicadores de confiança já estão todos regredindo. As decisões de investimento que começavam a ser tomadas foram novamente suspensas e não há um horizonte decisório para ações que envolvam comprometimento de recursos por um prazo maior.

Valor: Há mais aspectos preocupantes?

Giannetti: Uma coisa grave para o Brasil institucionalmente é o modo como essa delação premiada veio a público. Foi muito atabalhoado. Isso vem se repetindo na história da Lava-Jato, e é um enorme desserviço para a justiça, porque cria muito ruído desnecessário. Uma delação dessa gravidade, quando vem a público, deve ocorrer de um modo organizado, institucional, e não na forma de vazamentos seletivos, com um timing que ninguém sabe o que definiu e por que canal ocorreu.

Valor: A perspectiva de um Temer fraco até 2018 significa que teremos uma reprise do fim do governo Sarney?

Giannetti: Há semelhanças com o fim do governo Sarney e com o período que precedeu o impeachment da Dilma, mas com uma diferença importante - e para melhor. Hoje nós temos uma equipe econômica excelente não apenas na Fazenda, mas também nas principais estatais e no Banco Central. Isso nos protege, eu acredito, de uma aventura populista. No curto prazo, o incentivo para um governo desesperado para sobreviver é usar o que tem para comprar apoio. É necessário monitorar se a equipe econômica se mantém ou se vai sofrer baixas relevantes, que seriam indicativas de que estamos degringolando para uma situação como a do governo Sarney.

Valor: Há chances de Temer aprovar a reforma da Previdência?

Giannetti: A cada dia que passa me parece menor a probabilidade. Se for aprovada, vai ser muito desidratada, e a possibilidade de isso ser realmente votado antes do começo da temporada eleitoral é cada vez mais restrita. O fatiamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República estreita ainda mais a janela de oportunidade de uma votação. E, depois da farsa que foi o julgamento do TSE, em que Temer foi absolvido por excesso de provas, estou preparado para uma farsa talvez ainda pior na Câmara dos Deputados. O mais provável é Temer concluir o mandato.

Valor: Como o sr. vê a situação fiscal? Em que medida a trajetória da dívida pública preocupa?

Giannetti: A dívida bruta não é grande se você a olhar estaticamente. Ele está acima de 70% do PIB, não é alguma coisa que dispare todos os alarmes. Ela é muito alta para os padrões emergentes, mas, se você olhar no mundo, não é como a do Japão, como a da Itália. O problema é a taxa de crescimento, que é explosiva. Isso preocupa. E há um problema de Previdência gravíssimo que, se não for tratado a tempo, vai levar o país para a insolvência. O que ocorre no Rio pode ser apenas uma primeira manifestação, se nada for feito, de uma realidade para a nação.

Valor: Os Estados estão em situação delicada. O que levou a isso?

Giannetti: Há um esgotamento do ciclo de expansão fiscal que começou em 1988. Juros e Previdência são parte do problema, mas não acho que isso dê conta da piora da situação fiscal de lá para cá. Em números arredondados, o país tem uma carga tributária de 35% do PIB e um déficit nominal de 8% a 9% do PIB. Com isso, 43% a 44% do PIB são intermediados pelo setor público. Juros e Previdência, juntos, dão algo como 20% do PIB. Nós teríamos 23% a 24% do PIB livres de juros e Previdência para atividades fim no setor público. É a carga tributária bruta para um país de renda média, mas sociedade não vê a contrapartida. O investimento público caiu desde 1988 como proporção do PIB. Os nossos indicadores sociais são muito defasados, muito ruins. Há alguma coisa mais além de juros e Previdência. A minha conjectura é que é um problema de federalismo truncado.

Valor: O que é exatamente isso?

Giannetti: Nós tínhamos um modelo muito concentrado no governo central no regime militar. Em 1988, fez-se a opção pelo Estado federativo. Mas, em vez de transitarmos de um para o outro, acoplamos um ao outro. A sociedade, que carregava um Estado nas costas, passou a carregar dois Estados superpostos. Se tudo tivesse corrido bem de 1988 em diante, nós teríamos visto que, a um aumento do gasto líquido de Estados e municípios, teria correspondido uma queda do gasto líquido do governo central. Mas os três níveis de governo passaram a crescer. Brasília ficou grande demais. Defendo uma redução do tamanho do governo central e um encaminhamento de um genuíno Estado federativo, com maior poder principalmente para o governo local. Isso implica um redesenho da autoridade para tributar. O dinheiro vai a Brasília para voltar. É péssimo.

Valor: Há um grande descrédito em relação à política. Isso abre espaço para um candidato fora do sistema em 2018?

Giannetti: Antes de falar em candidatos, acho importante dizer que o Brasil nunca teve uma oportunidade como essa, que agora se oferece, de corrigir a deformação patrimonialista do Estado. O que é isso? É um patronato político, um estamento político, que usa as suas prerrogativas para se perpetuar no poder, e são empresários de peso, do setor privado, que buscam desesperadamente atalhos de enriquecimento junto a governantes dispostos a negociar. Isso não foi inventado da redemocratização para cá. É uma característica que acompanha a formação do Brasil como nação, mas se escancarou agora de um modo como nunca antes. Nós estamos tendo uma aula de sociologia política, ao vivo, sobre a deformação patrimonialista do Estado brasileiro. Tudo aquilo que Raymundo Faoro [autor de "Os Donos do Poder"] fala, tudo aquilo que Sérgio Buarque de Hollanda fala -"a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido". Está aí. A caricatura que é o funcionamento da economia de mercado no Brasil. Os grupos que dominam empresarialmente não são aqueles que obtêm o crescimento por meio da inovação, da oferta de bens e serviços cujo valor o mercado reconhece, a sociedade reconhece. Nós temos uma chance de quebrar o lamentável mal-entendido da democracia e de criar finalmente uma verdadeira economia de mercado, em que haja uma separação clara e definida entre o setor público e o privado.

Valor: Esses seria o grande legado da Lava-Jato?

Giannetti: A Lava-Jato não é condição suficiente, mas é condição necessária para isso, porque escancarou a deformação patrimonialista como nada na história do país tinha permitido. É por causa disso que eu tenho citado um verso de Fernando Pessoa - "Extraviamo-nos a tal ponto que devemos estar no bom caminho". A deformação patrimonialista chegou a um tal paroxismo que abre uma oportunidade de correção profunda.

Valor: Isso pode ocorrer na eleição de 2018?

Giannetti: Isso depende de uma reforma política e de uma reforma econômica também, que as eleições de 2018 podem viabilizar, mas não garantem.

Valor: O sr. não vê o risco de esse cenário político conturbado levar a eleição de uma aventureiro?

Giannetti: Acho que dois padrões podem ocorrer na eleição de 2018. Um é o de polarização e o outro, de pulverização. O primeiro depende fundamentalmente de Lula ser candidato. Se isso ocorrer, ele tem automaticamente um piso de 20%, 20% e poucos por cento do eleitorado, que o coloca no segundo turno. Nesse quadro, vai surgir quase que inevitavelmente um outro polo que será o anti-Lula. Pode ser Doria, pode ser Bolsonaro. E essa polarização dominará o quadro sucessório.

Valor: E no de pulverização?

Giannetti: Nesse cenário, Lula não será candidato. Nós vamos ter uma dispersão grande de candidatos e acho que muitos se animarão a participar do pleito, porque vai ficar mais aberto. Acho melhor para o Brasil o cenário de pulverização, embora haja o problema de que ele também abre a porta para outsiders aventureiros. Pode surgir alguém do nada, ou um candidato com ideias muito demagógicas e muito irresponsáveis, mas que obtenha do eleitorado algum tipo de adesão. No entanto, seria muito ruim para o Brasil um cenário de polarização radical, porque seria uma eleição muito rancorosa, muito violenta e muito sem diálogo. Para a democracia brasileira, é melhor Lula não ser candidato.

Valor: Há elementos suficientes para que Lula não seja candidato?

Giannetti: É uma decisão que cabe à Justiça brasileira. Mas, pensando numa eleição que nos permita um bom debate e um bom amadurecimento do que precisa ser feito, eu acredito que o cenário de pulverização é mais arejado. Tem mais oxigênio para o diálogo, para o debate e para uma campanha construtiva. Uma campanha altamente polarizada, depois de todo esse processo, vai ser corrosiva.

Valor: O sr. foi conselheiro de Marina Silva em 2010 e em 2014. Ela pode ser uma candidata fora do sistema e que ao mesmo tempo agrade empresários e o sistema financeiro, com uma mensagem reformista?

Giannetti: Marina é uma líder com características raras em qualquer lugar do mundo. De compromisso ético, de visão ampla de mundo, de exemplo de vida e superação. Mas precisa decidir se é uma líder de movimento ou é uma candidata a chefe do Executivo.

Valor: Qual é a diferença?

Giannetti: Líder de movimento é alguém que abraça uma causa e tem fundamentalmente um papel de mobilização e trabalha muito num plano simbólico. Estou falando aqui de Martin Luther King, de Gandhi. É um caminho de mobilização de consciências. Outra coisa é ser candidato a chefe do Executivo, que precisa ter definição em relação a temas muitas vezes espinhosos e que vão desagradar a muitos, porque inevitavelmente haverá ganhadores e perdedores. Tem que ter uma equipe sólida, técnica, que dê suporte ao projeto. E Marina, na minha avaliação, reluta muito entre essas duas situações. Uma figura do século XX inspiradora é Nelson Mandela, que transitou de uma liderança de movimento para uma chefia de Estado. Uma das coisas muito interessantes que Mandela fez é o seguinte. Ao se eleger presidente da África do Sul, manteve no BC a mesma equipe da época do apartheid, porque não se brinca com moeda.

Valor: O sr. está afastado da Marina?

Giannetti: Não. Eu não sou filiado ao partido [Rede]. Sempre que eu sou demandado, eu ofereço o melhor que eu tenho. E vejo como uma promessa de renovação desse campo a possibilidade de Joaquim Barbosa e Marina estarem juntos na campanha em 2018. Os dois têm duas características comuns muito poderosas para a imaginação brasileira e para a renovação da nossa política. São dois brasileiros com compromisso ético inabalável, que não estão contaminados pela velha política e que, vindos de situações de maior adversidade, conquistaram e abriram trajetórias por meio da educação.

Valor: Mas eles teriam a habilidade política necessária para governar um país que atravessa uma crise como a atual?

Giannetti: Tem que construir, tem que ter um bom time técnico, sólido, tem que ter articuladores políticos competentes, que são fundamentais num projeto desse tipo. Mas eles têm muito a oferecer como exemplo para a sociedade brasileira daquilo que nós mais precisamos ter, que é a centralidade da educação e do conhecimento na construção do nosso futuro.

Valor: O sr. colaboraria de novo com Marina em 2018?

Giannetti: Eu tenho os meus limites e as minhas possibilidades. Eu jamais assumiria um cargo executivo, porque não tenho perfil para isso. Eu não sou uma pessoa que sabe trabalhar em equipe, que gosta de dar ordens, que cobra resultados.

Valor: Mas participou das duas campanhas de Marina.

Giannetti: Numa condição de aconselhamento e estrategista, colaborando num debate, eu estou perfeitamente à disposição, se for o caso. Não sei se é o mesmo papel das eleições anteriores, mas, para discutir o futuro do Brasil numa visão generosa e mais focada em redução de desigualdade e construção de uma prosperidade sustentável, eu estou disposto a contribuir com o que eu puder.

Valor: Como sr. vê João Doria como candidato a presidente?

Giannetti: Acho que é muito cedo para avaliar a sua aptidão, inclusive como gestor. Acho prematuro. Seria precipitado um voo dessa altura neste momento.

Valor: Bolsonaro tem avançado nas pesquisas. Ele pode ser eleito?

Giannetti: Acho muito remota a viabilidade eleitoral de Bolsonaro, mas ao mesmo tempo eu fico extremamente preocupado com as intenções de voto que tem obtido. É o desencanto radical com a política. Ele galvaniza toda a raiva de alguns segmentos que estão absolutamente desgostosos com os caminhos que as coisas tomaram no Brasil. Mas certamente não é por aí que nós vamos melhorar. Um dos cenários mais perturbadores, que me deixaria profundamente melancólico e deprimido, seria Lula e Bolsonaro no segundo turno.

Valor: É possível ser otimista em relação a 2018?

Giannetti: O meu otimismo é em relação ao autoconhecimento pelo qual o Brasil passa. Tínhamos um câncer que nos corroía as entranhas e que a Lava-Jato explicitou e escancarou. A deformação patrimonialista do Estado, o mal-entendido que é a nossa democracia e a caricatura que é a nossa economia de mercado. É fundamental hoje para o Brasil o fato de que esse câncer aflorou, para nosso terrível desgosto e perplexidade, mas ele se tornou aberto. A grande pergunta é o que nós vamos fazer diante dessa realidade.

Valor: Isso cabe ao próximo presidente?

Giannetti: Cabe à sociedade. A campanha vai inevitavelmente discutir como lidar com essa realidade que nos ofende profundamente e na qual nós não nos reconhecemos. Há um problema muito sério de relação promíscua entre o público e o privado. Vemos a ruína de um sistema de poder. Nós teremos que refundar a democracia no Brasil. Eu vejo com bons olhos a possibilidade de uma Constituinte restrita e exclusiva.

Valor: Nos moldes do que o jurista Modesto Carvalhosa propõe?

Giannetti: E que outros já propuseram, como Marina em 2010. A regra de ouro é a cláusula de exclusão. Quem participar não se elege para cargo público por dez anos. O fundamental é separar o processo constitucional do jogo político-partidário, o que não foi feito em 1988.

Valor: A Constituinte deveria tratar apenas da reforma política?

Giannetti: Trataria da reforma política e do pacto federativo, abordando a reforma tributária, a autoridade para tributar no Brasil. O sistema tributário é quase inexplícavel na sua labiríntica complexidade e irracionalidade.

Por Sergio Lamucci , do Valor Econômico

Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/5028488/no-brasil-economia-de-mercado-e-caricatura-diz-eduardo-giannetti

 


Fernando Gabeira: Conversa num barco encalhado

Na semana passada nosso barco encalhou perto da Baía dos Pinheiros, no litoral sul do Paraná. A maré baixou rápido e ficamos mais ou menos perdidos: só tínhamos as coordenadas e um rádio. Não havia o que fazer, exceto esperar a maré subir. Alguém me provocou: nosso barco está encalhado como o país.

Nessas horas de espera a gente alonga a conversa. Disse que de uma certa forma . Até lá estaremos encalhados de uma forma diferente do pequeno barco colado na lama do fundo do mar. Haveria muita turbulência e, como estamos no final de uma grande investigação, muitas situações repetidas.

A de Temer, por exemplo, afirmando que não há provas, dizendo-se vítima de uma perseguição. Quem não ouviu essa fala em outros atores da grande série político-policial?

Embora às vezes a gente se sinta perdido na complexidade da crise brasileira, é possível achar um rumo. Ele passará pela sociedade e pelo Congresso. Vamos entrar num período eleitoral, e a sociedade costuma ter mais peso nessas épocas. O Congresso torna-se mais sensível às pressões populares. De memória, lembro-me apenas de uma grande exceção: a derrota na emenda Dante de Oliveira.

Enquanto o barco não sai do lugar, movido pelos ventos da legitimidade, há muito o que fazer na espera. Num barco, temos de distribuir as bananas, agasalhar a garganta do sudeste frio que sopra no litoral. Num país é preciso saber o que se quer enquanto estamos à espera de voltar a navegar. Fora Temer, ou fica Temer.

A Câmara terá que decidir isto. Mas não o fará sozinha. Se a pressão social a levar a aceitar a denúncia contra Temer, é o fim para ele. Só restará, depois de visitar a União Soviética, passar umas férias no Império Austro-Húngaro.

Começaria aí uma nova etapa, a escolha do novo presidente. É preciso algumas precauções básicas, pois não é possível derrubar presidentes com tanta frequência.

Entregue a si próprio, o Congresso tende a escolher alguém que o proteja da Lava-Jato. Mas não existe mais possibilidade de tomar as decisões nas madrugadas. Uma vigilância social pode conter os passos do escolhido para a transição.

O que se espera de um presidente de país encalhado é principalmente tocar a administração. Quando a maré subir, com eleitos no poder, tomam-se as grandes decisões.

Alguém me lembra que isso é não é uma situação sonhada. Mas a que a realidade nos coloca. Mesmo as eleições de 2018, embora tragam mais legitimidade aos eleitos, não devem ser vistas na categoria de sonho, mas sim de uma oportunidade, depois de tudo o que pessoas viram e ouviram sobre o sistema político partidário.

Na rua ouvem-se muito os nomes de Lula e Bolsonaro. Potencialmente pode surgir uma força de equilíbrio que suplante as duas. Não creio que aconteça o mesmo que aconteceu na França, onde houve uma ampla renovação, da presidência ao Congresso.

Mas alguma coisa vai acontecer. Enquanto a maré não sobe, há muito o que fazer no barco encalhado. É preciso que o essencial funcione.

No momento em que escrevo ouço os helicópteros da PM sobrevoando o morro. Uma dezena de tiroteios por dia, uma onda de roubos de carga, imagens de crianças deitadas no chão da escola enquanto os tiros ecoam.

Temer chegou a anunciar um plano de segurança para o Rio. Era pura agenda positiva, esse tipo de ação que fazem quando a barra está muito pesada e é preciso mudar de assunto. A dimensão da crise no cotidiano, a existência de 14 milhões de desempregados, esse pano de fundo inquietante torna a tarefa mais difícil. Quando governantes já caídos se apegam ao poder, na verdade colocam seu destino acima do destino nacional. Os reflexos na economia são sempre negativos. Encalhamos um pouco mais. A compreensão do momento vai exigir da sociedade evitar que o barco encalhado torne-se um barco naufragado. Será preciso um amplo entendimento entre todos que reconhecem a gravidade da crise, para que cheguemos em condições razoáveis em 2018.

Esta semana faltaram passaportes na Polícia Federal. É um sintoma. Se não houver o mínimo de energia na administração, daqui a pouco não faltarão apenas passaportes mas as próprias saídas.

Não é nada agradável se desfazer de dois presidentes num curto espaço de tempo. Mas o roteiro, de uma certa forma, estava escrito. Retirado o PT do governo, restaram em seu lugar os companheiros de uma viagem suja pelos cofres públicos brasileiros.

A investigação chegou a eles e à própria oposição. Não importa qual o desfecho jurídico desse imenso esforço, ele serviu para desvendar para a sociedade um gigantesco esquema de corrupção e um decadente sistema político partidário.

Daí pra frente a bola está com a sociedade.
* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/conversa-num-barco-encalhado-21544014

 

 


Fernando Henrique Cardoso: Apelo ao bom senso

As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a Constituição e o bem-estar do povo.

Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país, urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o crescimento econômico seja retomado.

A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.

Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.

A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.

Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).

Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.

Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.

Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia convencional e social.

É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.

Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.

Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.

Coloca-se a questão agônica do que fazer.

Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.

Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por eleições indiretas.

Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?

É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do sucessor.

Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidade ou de obstrução de Justiça.

Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente questionadas.

Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular.

O imbróglio é grande.

Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.

Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.

Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.

Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.

Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.

Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no país.

Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove meses, quem sabe?

Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida.

Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil (1995-2002) pelo PSDB.

Foto: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1896003-apelo-ao-bom-senso.shtml

 


Ruy Fausto: 'Hegemonia de esquerda não pode ser mais do PT'

Para Ruy Fausto, sigla deve se articular com outras frentes e partidos, como o PSOL, nas eleições do ano que vem

Marianna Holanda, O Estado de S. Paulo

É de esquerda e critica o chavismo, trotskismo, maoismo e o marxismo. Repudia todas as formas de populismo, totalitarismo e adesismo – às quais tem dado o nome de “patologias da esquerda”.

Aos 82 anos, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Fausto, radicado na França, transformou o artigo que publicou na edição da revista piauí de outubro passado no livro Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução (Companhia das Letras), a ser lançado em 3 de julho.

Em entrevista ao Estado, Fausto defende o fim da hegemonia do PT no campo da esquerda e a formação de uma frente única progressista para a eleição presidencial de 2018 com, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

ESTADÃO - Há uma hegemonia de direita?

RUY FAUSTO -  No mundo, há uma ofensiva grande da direita que surgiu, principalmente, com o fim da União Soviética. Me assusta muito, particularmente, a extrema direita, que tem uma linguagem muito violenta. Tem ainda a situação brasileira, com o PT, que acabou fortalecendo a direita. A política petista trouxe maior distribuição de renda, mas também houve uma corrupção absolutamente intolerável. Ainda assim, nada justifica o impeachment (da presidente cassada Dilma Rousseff), que foi um desastre. Mas a direita se lançou nessa aventura, conseguiu e isso permitiu que eles levantassem a cabeça. A corrupção foi um discurso bem apropriado pelos movimentos de direita.

Como o senhor avalia as críticas ao que o PT fez enquanto ocupou o governo?

Um partido de esquerda que se pretende democrático tem de ter lisura administrativa absoluta. Há uma política de “fins justificam os meios”. A lição que se tira no PT hoje é: “nós não fomos suficientemente oportunistas”. Isso é um desastre total e tem intelectual saudando isso aí. Certamente faltou um mea-culpa. Nesse sentido, os melhores são o Tarso Genro (ex-governador do Rio Grande do Sul), o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça no governo Dilma). O PT vai continuar a existir. Mas o caminho é de queda, para haver uma renovação.

Lula seria um bom candidato?

Acho que não. Primeiro, acho muito difícil que ele concorra, a situação jurídica é muito difícil. Eu não desejo a condenação do Lula, embora ache difícil ele conseguir evitar isso. Desejo, sim, que ele possa legalmente se candidatar, mas não acho que, nas condições atuais, ele seria um bom candidato para a esquerda. Acho que os melhores nomes podem vir do PT, do PSOL, ou mesmo da sociedade civil.

O senhor acredita que a esquerda deveria sair unificada em 2018?

Sim, é essencial que se crie uma frente única de esquerda, fazer uma espécie de fórum desses movimentos independentes. Não é para ter uma ruptura total com o PT, mas a hegemonia não pode mais ser dele, no campo da esquerda. Isso também não significa que a gente vá ganhar em 2018. A gente tem de ter uma boa campanha. E, aí, surgem possíveis nomes. O Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo), por exemplo, é bom sujeito, competente, não é corrupto. Outro nome é o Marcelo Freixo, que me parece um sujeito bom. Acho que talvez o Fernando Haddad possa sair como candidato ou como vice. Às vezes, um dos melhores do PT com um dos melhores do PSOL poderia funcionar.

Mas Fernando Haddad não conseguiu se reeleger em São Paulo e Marcelo Freixo também não foi eleito prefeito no Rio na eleição do ano passado...

O Haddad, eu não estive aqui (no Brasil) durante toda a sua gestão na Prefeitura, mas tenho a impressão de que fez um bom governo. Ele teve uma péssima campanha, foi muito atacado e avaliou mal os movimentos das ruas. Já o PSOL é até meio de extrema esquerda. Há muito essa ideia de que se deve ir mais à esquerda – como se a luta política fosse uma espécie de escala. Você pode até dizer isso, mas redefina a esquerda. Enfim, o PSOL tem seu mérito por ter criticado a corrupção e as alianças sem escrúpulos do PT, mas ainda é de extrema esquerda. Alguns flertam com chavismo e castrismo. Mas, na verdade, é um partido muito variado.

Existem ainda outros nomes que surgem: o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o Guilherme Boulos, líder do MTST, e mesmo a ex-ministra Marina Silva (Rede)...

A Marina, eu respeito a biografia, mas seu programa econômico não é bom e ela não se move muito bem na política. O Ciro é um sujeito que fala muitas verdades, mas fala demais. O Boulos não conheço de perto. Ele certamente faz um trabalho muito importante na periferia, mas ainda tem um discurso muito bolivariano, e acho que isso tem de mudar. Devemos priorizar um programa mais democrático.
* Ruy Fausto é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da USP. Irmão do historiador Boris Fausto, escreveu livros como A esquerda difícil, em que fez rigorosas análises políticas. Aos 82 anos, lançará uma obra com possíveis saídas para a crise da esquerda no País.

O Estado de São Paulo

Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,hegemonia-de-esquerda-nao-pode-ser-mais-do-pt,70001861049

 


Fernando Gabeira: Hora de desligar aparelhos

No futuro, não há estabilidade, e sim turbulência. No terceiro ano da Lava-Jato, um assessor do presidente é filmado correndo com uma mala preta. No interior da mala, R$ 500 mil de uma pizzaria. Antigamente, tudo acabava em pizza. Aqui começou numa pizzaria chamada Camelo. Depois da delação da JBS, Temer entrou em guerra com a Lava-Jato. Os métodos são os mesmos, politizar a denúncia, investir contra juízes e investigadores. Os detalhes da denúncia da JBS são conhecidos, foram repetidos ad nauseum na televisão. A iniciativa de Temer ao partir para o confronto marca mais um capítulo de uma resistência histórica à Lava-Jato.

Nas gravações divulgadas, Lula foi o primeiro a articular uma reação, criticando os procuradores, confrontando Sérgio Moro, politizando ao máximo a luta ao que chama de República de Curitiba. Lula tentou articular uma reação. Ele percebeu que todo o sistema político partidário poderia ruir. Não conseguiu avançar. Havia a possibilidade do impeachment, e o tema da luta contra a Lava-Jato caiu para segundo plano.

Num outro compartimento, as gravações de Sérgio Machado mostram a cúpula do PMDB tramando para deter as investigações. Nas intervenções de Romero Jucá fica claro que a expectativa era deter a sangria. Mas ao mesmo tempo era preciso derrubar o PT. Possivelmente, julgavam-se mais capazes, uma vez no poder, de realizar o sonho de preservação do sistema.

As intervenções de Aécio Neves, presidente do PSDB, são mais ambíguas. Aécio não assumia publicamente que era contra a Lava-Jato. No entanto, articulava leis para neutralizá-la, seja pela anistia ao caixa dois ou pela Lei de Abuso de Autoridade. No terceiro ano da Lava-Jato, Aécio é gravado tratando de dinheiro com Joesley Batista, um empresário, por boas razões, investigado em várias frentes.

A resistência do velho sistema foi se esfacelando até encontrar, agora em Temer, o último general, com uma tropa de veteranos da batalha de Eduardo Cunha, como o deputado José Carlos Marin. É um presidente impopular que se escora apenas na cativante palavra estabilidade. A mesma que Gilmar Mendes utiliza ao absolver a chapa Dilma-Temer diante de provas que o relator Herman Benjamin classificou de oceânicas.

Que diabo de estabilidade é essa? O Tribunal Superior Eleitoral, num espetáculo caro aos cofres públicos, perdeu toda a credibilidade. Mas mesmo ali, julgando um fato passado, a Lava-Jato estava em jogo. Não só porque desprezaram provas da Odebrecht.

O ministro Napoleão Nunes mostrou-se um bravo soldado do sistema em agonia. Referindo-se aos seus delatores, falou na ira do profeta passando a mão pelo pescoço, como se fosse decapitá-los. Num mesmo espetáculo, soterram provas contundentes, e um deles se comporta, simbolicamente, como se fosse um terrorista do Estado Islâmico.

Nada mais instável do que abalar a confiança na Justiça. As reformas necessárias, os 14 milhões de desempregados são uma realidade inescapável. Mas a estabilidade que o núcleo do governo está buscando é uma proteção contra a Lava-Jato. Oito ministros são investigados. O chamado núcleo duro, Moreira Franco e Padilha se agarram ao foro privilegiado.

Olhando o futuro próximo, não é a estabilidade que vejo, e sim turbulência. Um presidente desmoralizado pelos fatos policiais vai buscar todas as maneiras de se agarrar ao poder. Quando tiver de hesitar entre a estabilidade fiscal e a do seu cargo, certamente lançará mão de pacotes de bondades.

Mesmo um presidente indireto teria de seguir a sina de Lula, Renan, Jucá, Aécio e do próprio Temer. Uma das condições para que o Congresso escolha alguém é a promessa de proteção contra a Lava-Jato. Tarefa inglória. Todos falharam até agora. Por que um presidente nascido de uma escolha indireta teria êxito?

O seu trabalho seria desenvolvido num período eleitoral. A experiência mostra que nesses períodos a sociedade tem um peso maior sobre as decisões do Congresso.

Isso completa a visão de que não há estabilidade à vista, mas uma rota de turbulência. A escolha portanto é voar para frente ou para trás. Desligar ou não os aparelhos do velho e agonizante sistema politico partidário, ancorado na corrupção.

A ausência das manifestações de rua não significa que a sociedade perdeu o interesse. Pelo contrário, o impacto de espetáculos como o do TSE tem um longo alcance. É muito provável que, num momento em que achar necessário, vá comparecer com a célebre voz da rua. Se tudo o que aconteceu passar em branco, corremos o risco de nos transformar numa nação de zumbis. Com a exceção de praxe: os índios isolados da Amazônia.

* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/hora-de-desligar-aparelhos-21488149


Alon Feuerwerker: Todos trabalham para nada acontecer. E o efeito didático desse travamento geral

O sistema político brasileiro travou, e isso torna muito difícil a ruptura organizada. A nossa história republicana tem sido feita de rupturas organizadas, mas está complicado produzir uma. A crise toma viés crônico. No geral, mas também na vida interna de cada ator. O traço mais visível da política brasileira hoje é a paralisia degradante.

Em todos os nossos impasses desde 1930, sempre houve alternativa à mão. Ou nascida de uma dissidência do sistema dominante, ou surgida da cooptação de dissidentes do poder por forças novas emergentes. E a vida seguia, com componentes de renovação e continuidade. Até um novo impasse exigir, mais uma vez, a solução prussiana de sempre.

Mas hoje não há dissidência efetiva no poder, unido no objetivo de conter o Partido da Justiça. E as “forças novas emergentes”, quando não caricaturais, são embrionárias e desprovidas de maior influência no único canal possível para acesso ao governo: os partidos. Daí que o debate no Brasil gire, apenas, em torno de como estes vão se salvar do tsunami.

É a lógica que comanda o PT, coeso no esforço para Lula poder ser candidato em 2018. Faz sentido para o PT, pois Lula é competitivo. Mesmo se perder, será forte puxador de votos para os candidatos da legenda e coligadas de esquerda. Mas o discurso do PT morre por aí. Eleger Lula para quê? Vai governar como? Com quem? Para fazer o quê? Não há pistas.

O PT está como o exército que espera fora das muralhas da cidade sitiada, enquanto dentro dela os inimigos se enfraquecem a cada dia nas disputas internas. Supõe-se que alguma hora ficarão suficientemente fracos e não poderão resistir. Mas é uma suposição perigosa. E se, sobrevivendo, conseguirem unir-se para enfrentar e esmagar a força adversária?

Parece ser o cálculo do PSDB, que luta para manter o sistema de alianças montado no impeachment de Dilma e na ascensão de Temer. Espera ganhar 2018 com esse bloco, contando ainda com o sempre tonificante controle das torneiras do orçamento federal. Os tucanos não estão debatendo se vão sair do governo. Estão procurando a melhor maneira de continuar nele.

O PSDB talvez seja a sigla mais bem posicionada por enquanto para 2018. Além de influência no federal, tem na mão os orçamentos do estado e da cidade de São Paulo. Tem um candidato com currículo, Alckmin, e um “novo”, Dória. E teria, certeza absoluta, apoio maciço do establishment, imprensa inclusive, num eventual segundo turno contra Lula.

O desafio do PSDB é evitar contaminar-se com a infecção galopante do governo Temer sem abrir mão das posições de poder. Num mundo ideal, o PSDB faria como fez com Collor: ajudou a derrubar o presidente e depois reaglutinou a base collorida para isolar e derrotar a esquerda. Mas Collor era um só e inorgânico. Temer e o PMDB são muitos. E muito orgânicos.

O PT, que viu o poder escapar assim em 1994, não enxerga vantagem em apoiar uma facção do peemedebismo-tucanismo contra a outra, pois não quer ajudar a consolidar uma nova hegemonia contra ele. Faz certo sentido. Mas com isso o PT abre mão de desestabilizar imediatamente o inimigo. E quem sobrevive pode ficar forte mais adiante.

Já o PSDB corre o risco de surgir em seu campo uma alternativa viável e não contaminada. Mas ela teria de vir de fora do mundo político hegemônico. E a lei brasileira reduz muito a permeabilidade do sistema eleitoral ao surgimento de Macrons, Corbyns ou Trumps. Aqui os partidos são donos da política, e os políticos são donos dos partidos. O sistema defende-se.

Se você anda estupefato por nada ter acontecido ainda diante da avalanche de fatos, eis a explicação: nada acontece porque acontecer alguma coisa não interessa a ninguém que pode fazer alguma coisa acontecer. Decepcionante talvez, mas com certeza didático. Você que sai à rua atrás de miragens tem aqui a chance de crescer. Políticos movem-se pelo poder.

Este talvez venha ser o principal saldo positivo desta crise. A possibilidade de absorver rapidamente, da vida prática, o que se levaria uma existência inteira para aprender dos livros. É um choque brutal de didatismo. As instituições “neutras” e os aparelhos “destinados à defesa do bem comum” ficam pelados na via pública e menos capazes de amortecer os choques.

O problema das calmarias são as tempestades que podem vir depois. Ainda mais quando tem eleição no calendário. Até a semana que vem. Ou até um fato novo, nosso visitante cada vez mais habitual.

* Alon Feuerwerker, analista político FSB Comunicação

Fonte: http://www.alon.jor.br/2017/06/todos-trabalham-para-nada-acontecer-e-o.html?m=1

 

 


Mulheres do PPS discutem estratégias para aumentar presença feminina na política

 

A Coordenação Nacional de Mulheres do PPS realizou na última sexta-feira (7), em Brasília, workshop com o tema “Propostas para avançar com as mulheres no Parlamento”. No encontro foram debatidos a pesquisa encomendada pelo PPS sobre o desempenho feminino do partido nas eleições de 2016, estratégias de campanha e a Reforma da Previdência.

Na abertura, a coordenadora do evento, Tereza Vitale, fez um resumo dos debates que ocorreram no seminário realizado nesta quinta-feira (6). Para ela, é preciso trabalhar mais o envolvimento partidário das mulheres para combater o que a dirigente classificou como a “masculinização dos partidos políticos”.

“Não podemos aceitar de bandeja que os partidos sejam masculinizados. Estamos em outro século. Temos que fazer um trabalho político nas ruas. Não queremos apenas ocupar espaços dentro dos partidos. Vamos fazer reuniões regionais e queremos conhecer o nosso potencial para podermos trabalhar esses nomes e potencializar nossas candidatas”, disse.

Eleições 2018

Na primeira oficina do workshop, a pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP e do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do Cebrap, Beatriz Rodrigues Sanchez, apresentou um levantamento (veja aqui) que mostra o desempenho das mulheres do PPS nas eleições de 2016. Ela destacou que os dados são preocupantes.

“As mulheres do PPS tiveram um resultado pior em 2016 quando comparado às eleições de 2012. Na disputa das prefeituras ficamos abaixo da cota de 30%. O PPS está pior que todos os partidos quando se compara o número de candidatas e de efetivamente eleitas”, disse.

Já na segunda oficina, as participantes acompanharam a apresentação da assessora da SPM (Secretaria Nacional de Política para as Mulheres) e da ONU Mulheres Brasil, autora do livro “A mulher candidata – Competindo para vencer”, Silvia Rita de Souza. Na apresentação ela falou como as candidatas devem se preparar para as eleições de 2018.

“É preciso três coisas: honestidade, competência e sensibilidade. Não temos que esperar ninguém. Devemos nos unir e tentar um espaço para nossas candidaturas com uma narrativa para prender o eleitor. A narrativa é o fio condutor que dá sentido a imagem da candidata. Para isso, é preciso saber o que o eleitor quer, não pode falar qualquer coisa. É preciso ouvir o eleitor, principalmente antes do início da campanha”, alertou.

Reforma da Previdência

O presidente do PPS, Davi Zaia, participou do encontro e falou sobre a postura do partido diante da Reforma da Previdência. Apesar de reconhecer que o tema é bastante polêmico na sociedade, o dirigente afirmou a necessidade das mudanças para garantir a aposentadoria das gerações futuras.

“Todos nós temos acompanhado o debate sobre a questão da Previdência. A primeira questão é se ela realmente é necessária e isso gera um grande debate. É preciso tomar cuidado com as versões que nos são repassadas pela internet e pelo canais como o whatsapp. A aposentadoria é um pacto entre gerações em que a atual paga para a anterior. Até aqui foi relativamente fácil pagar, pois tínhamos poucos aposentados, muita gente trabalhando. A pergunta que precisa ser feita é: será que nossos filhos vão querer pagar a conta para nós?”, questionou.