eleição 2022

Cristovam Buarque: Futuro para a esquerda

''Critico a esquerda com a esperança que se atualize. Para isso, seguem algumas das minhas sugestões''

O artigo “É o futuro, esquerda”, publicado nesta página, em 15 de dezembro, foi criticado por ter aplicado os conceitos de “direita” e “esquerda” a conservadores e progressistas, respectivamente. Também por ter sido mais duro com os progressistas. No entanto, no texto, afirmo que a “direita” ainda nem aceitou a Lei Áurea e que a “esquerda” deve fazer sua revolução para ter futuro. Critico a esquerda com a esperança que se atualize. Para isso, seguem algumas das minhas sugestões.  

1. Acreditar em utopias.   

Os progressistas precisam recuperar sonhos utópicos, aceitando a marcha da história: automação, inteligência artificial, limites ecológicos, o valor da natureza, o esgotamento do Estado, a globalização, a mudança no perfil etário da população. Não devem mais prometer a ilusória e autoritária igualdade de renda e consumo. De fato, devem buscar que, graças a um piso social, todos, mesmo aqueles com baixa renda, tenham acesso a todos os bens e serviços essenciais; e que, graças a um teto ecológico, ninguém, mesmo aqueles com renda alta, possa consumir bens e serviços que desequilibrem o meio ambiente. Os progressistas também devem assegurar igualdade na qualidade dos serviços de saúde e educação, permitindo que cada pessoa use seu mérito para ascender socialmente.  

2. Modificar o entendimento da realidade social e econômica.   

É preciso livrar-se de falsas narrativas, negacionismos e preconceitos que impedem entender a realidade em sua marcha ao futuro, e perceber que o Brasil é uma sociedade com apartação. E o primeiro compromisso moral é com o combate à exclusão social. Diferenciar direitos de privilégios, mesmo quando estes beneficiam assalariados. Nas disputas entre servidores e o público, é preciso ficar do lado deste. Entender que, na Era do Conhecimento, o capital não é gerado pela acumulação de dinheiro, mas de conhecimento que vem, sobretudo, da escola. Por isso, educação é mais do que um direito de cada pessoa, é o vetor do progresso nacional, tanto econômico quanto social. A revolução está na garantia dos filhos dos trabalhadores e pobres nas mesmas escolas que os filhos dos patrões e ricos.   

É imperativo entender que estatal não é sinônimo de público, renda não é sinônimo de bem-estar, e no “neoliberalismo social”, as bolsas e cotas são necessárias, mas não representam as transformações necessárias para trazer eficiência, justiça e sustentabilidade. Temos que reconhecer que a inflação é uma corrupção que rouba todos, especialmente os assalariados, aposentados e pobres. Portanto, a irresponsabilidade fiscal é um crime contra os interesses de longo prazo da população e do país.   

É essencial reduzir a importância das siglas partidárias e valorizar alianças para abolir a exclusão social, reduzir a desigualdade, equilibrar a ecologia, assegurar democracia, liberdade e direitos humanos, lutar contra a corrupção e a defesa do meio ambiente. Saber que alguns membros de siglas de “direita” têm mais compromissos progressistas do que muitos filiados a siglas que se consideram de “esquerda”, mas defendem privilégios.  

3. Bandeiras transformadoras 

A “esquerda” não deve continuar no acomodamento da luta limitada apenas a reivindicações por pequenos ganhos para os trabalhadores e insuficientes políticas compensatórias para os pobres. Deve lutar para o Brasil completar a Abolição e a República, por meio de bandeiras transformadoras.  

É necessário implantar sistemas públicos únicos de educação e saúde, com a mesma e máxima qualidade para todos; erradicar o analfabetismo de adultos; garantir sistema de água e esgoto para cada família, com o direito a um endereço onde estabelecer sua moradia; oferecer amplo programa de incentivos sociais que empregue para produzir o que as camadas pobres precisam para sair da pobreza, tal como estudar, melhorar a moradia, urbanizar e florestar; respeitar o rigor fiscal e equilibrar o orçamento por meio de mais eficiência dos governos e mais impostos sobre as rendas altas;  eliminar privilégios, mordomias e vantagens financiadas com recursos públicos, inclusive subsídios ao consumo das camadas ricas; defender o meio ambiente; comprometer-se e defender a liberdade, a democracia, a diversidade e os direitos humanos; e ser radicalmente intolerante com a corrupção no comportamento dos políticos e na definição das prioridades.  

*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)


Carlos Pereira: Só, com o povo ou com os partidos

Pesquisa identifica três estratégias para governos presidencialistas minoritários

Jair Bolsonaro tem sido acusado de trair seus eleitores em função de escolhas inconsistentes na forma de lidar com a condição de governo dividido, situação na qual o partido do presidente não controla a maioria de cadeiras em uma ou nas duas casas legislativas.

O livro The Politics of Divided Government, editado por Gary Cox e Samuel Kernell, é um dos poucos que estudam como governos presidencialistas minoritários se comportam e delineiam os vários caminhos que o presidente pode seguir para lidar com esse desconforto. Os autores identificam três estratégias para presidentes que se deparam com governos divididos.

A primeira é a do “go it alone”; ou seja, quando o Executivo decide não barganhar com os legisladores. Em vez disso, decide usar os recursos constitucionais e legais disponíveis de forma unilateral. A vantagem dessa estratégia é colocar o Legislativo numa posição reativa à iniciativa do presidente como se fosse um fait accompli, o que diminuiria as chances de reversão pelo Legislativo. O perigo associado à estratégia do “eu sozinho” são potenciais impasses e crises políticas com disputas abertas, podendo levar até a conflitos institucionais.

A segunda opção é a do “go public”, quando o presidente faz compromissos diretamente com os eleitores, sem a mediação das instituições e partidos. Nesse caso, o público age como intermediário entre o Executivo e o Legislativo. O objetivo é aumentar os custos de defecção dos legisladores e, assim, fortalecer a sua posição nas negociações com o Legislativo. Essa estratégia, entretanto, produz resultados positivos para o Executivo apenas no curto prazo, pois gera animosidades crescentes entre legisladores que se sentem pressionados e expostos à opinião pública. A qualquer sinal de vulnerabilidade do presidente, os legisladores podem querer dar o troco, não apenas com a imposição de derrotas no Congresso, mas colocando em risco o próprio mandato presidencial.

A terceira estratégia de governos minoritários é a do “bargain within the beltway”; ou seja, acordos em que os principais ganhadores seriam os próprios políticos em oposição aos interesses e prioridades da população em geral. Neste caso, tanto Executivo como Legislativo sabem que precisam negociar e chegar a um acordo. Contudo, nenhum dos dois quer dar o primeiro passo e parecer politicamente fraco.

Portanto, os acordos são adiados até o último minuto, táticas de blefe são adotadas, negociações sobre certas políticas são priorizadas em relação a outras, e assim por diante até uma posição de compromisso ser tenuamente encontrada na última hora e não necessariamente de forma republicana. O risco desta estratégia é que nenhuma aliança substancial e estável tende a ser alcançada. Mesmo quando maiorias são acertadas, tendem a ser cíclicas e episódicas não sendo garantia sólida para o governo governar e de se proteger contra potenciais ameaças de impeachment.

Nesses 20 meses de governo, é possível identificar que Bolsonaro adotou, de forma quase que sequencial, essas três estratégias. Inicialmente, preferiu governar sozinho, renegando os partidos e acusando-os de fazer parte da política tradicional. Quase como um desdobramento complementar da primeira estratégia, também se utilizou fartamente de conexões diretas com o público para pressionar e desgastar o Legislativo e suas lideranças. Ultimamente, no entanto, vem construindo alianças políticas com os partidos do chamado Centrão por meio de barganhas cujos objetivos e termos de troca, até o momento, não são claros nem seguros.

Diante das sucessivas derrotas e desgastes com o Legislativo durante esse período, fica claro que nenhuma dessas três estratégias de governar na condição de minoria está sendo bem-sucedida. Condições institucionais e políticas para a formação de uma coalizão majoritária e estável não faltam no presidencialismo multipartidário brasileiro. Além do mais, a preferência mediana do atual Congresso é muito próxima daquela do presidente. Por que então “trair” seus eleitores apenas pela metade?


Ricardo Noblat: Medo do impeachment contém ímpeto de Bolsonaro por mais gastos

No momento, é claro…

O que mais deixou Jair Bolsonaro furioso com o ministro Paulo Guedes, da Economia, foi Guedes ter dito em público que a pressão por mais gastos com obras de infraestrutura e o desrespeito à lei que limitou o crescimento de despesas poderiam provocar a abertura de um processo de impeachment contra ele.

Pois o ministro, em conversas reservadas com o presidente na semana passada, voltou a adverti-lo para o perigo se enveredar por tal caminho. O nervo exposto de Bolsonaro é justamente esse: ainda não contar com número seguro de votos confiáveis no Congresso para derrotar um pedido de impeachment.

Lembre-se do que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, insistiu Guedes com Bolsonaro. Para gastar mais ou para disfarçar gastos que já fizera, Dilma acabou pedalando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como, de resto, presidentes que a antecederam haviam feito. Deu no que deu.

Tudo bem que presidente com popularidade em alta dificilmente é alvo da abertura de um processo de impeachment. Dilma, e antes dela Fernando Collor, só começaram a cair quando a avaliação positiva dos seus governos oscilou entre 10% a 15%. A de Bolsonaro está longe disso, e sobe. Mas…

Bolsonaro tem cobrado pressa aos ministros que negociam o apoio do Centrão. Às favas todos os escrúpulos – adiante com o loteamento de cargos do governo. Foi ele mesmo que há uma semana bateu o martelo para a troca do líder do governo na Câmara. Saiu o Major Vitor Hugo (PSL-BA). Entrou…

Entrou uma figura com a cara do Centrão – o deputado Ricardo Barros (Progressista-PR), que já foi condenado a devolver dinheiro aos cofres públicos quando era prefeito de Maringá, apareceu na lista da Odebrecht como beneficiário de propina e foi denunciado por improbidade administrativa quando ministro da Saúde.

Tem ou não tem as credenciais necessárias para representar o Centrão junto ao governo e falar pelo governo na Câmara? Nada separa Barros de Bolsonaro. Os dois se conhecem há muito tempo. Bolsonaro já foi filiado a diversos partidos do Centrão. A tal da Nova Política, com a qual acenou, era de brincadeira.

Bolsonaro, hoje, embarca para Sergipe. E ainda esta semana deverá ir ao Rio Grande do Norte. Se tudo começou pelo Nordeste quando Pedro Álvares Cabral deu às costas da Bahia em 1500, por que Bolsonaro não poderá finalmente descobrir o Nordeste depois de tê-lo ignorado por tanto e tanto tempo?

Quanto a Guedes e a sua relutância em gastar além do que deve… Bolsonaro está deixando que ele se acostume com a ideia. Se não se acostumar, todas as vênias lhe serão feitas, mas o Brasil deve sempre estar acima de todos e só abaixo de Deus. E o futuro radiante do Brasil, segundo Bolsonaro, passa por sua reeleição.

E Antonio Palocci, hein? E Sérgio Moro, hein?

Só Lula e Bolsonaro têm o que comemorar

Sem mais nem menos, a seis dias do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, o então juiz Sérgio Moro divulgou um anexo da delação do ex-ministro Antonio Palocci feita à Polícia Federal surpreendendo os procuradores da força tarefa da Operação Lavo Jato, em Curitiba, que a haviam recusado por falta de provas.

Sabe-se lá o quanto a divulgação do anexo fortaleceu à época a candidatura de Jair Bolsonaro que liderava as pesquisas de intenção de voto, mas certamente não a prejudicou, antes pelo contrário. Palocci acusava Lula de ter autorizado o loteamento de cargos na Petrobras com os partidos que apoiavam seu governo.

Dois dias depois da divulgação do anexo por Moro, uma procuradora perguntou aos colegas: “Vamos fazer uso da delação do Palocci?” Outro procurador respondeu: “O que Palocci trouxe parece que está no Google”. Um terceiro disse: “O acordo é um lixo, não fala nada de bom (pior que anexos Google)”.

Uma semana antes do anexo tornar-se público graças a Moro, um procurador havia escrito: “Russo [apelido do juiz] comentou que embora seja difícil provar, ele é o único que quebrou a ‘omertá’ petista”. Foi rebatido por uma procuradora: “Não só é impossível provar como é impossível extrair algo da delação dele”.

Bingo! Um relatório da própria Polícia Federal que, ontem, se tornou público, aponta que a delação premiada de Antonio Palocci era recheada de desinformação. “As afirmações foram desmentidas por todas testemunhas, declarantes e por outros colaboradores da Justiça”, concluiu o delegado Marcelo Feres Daher.

Nada restou de pé do que afirmou Palocci sobre um caixa de propinas para Lula administrado pelo banqueiro André Esteves, do BTG. Recentemente, o Supremo anulou outra acusação de Palocci: a de que Lula teria recebido 12,5 milhões de reais da Odebrecht para a compra de um novo terreno para seu instituto.

Os procuradores da Lava Jato acertaram ao considerar a delação de Palocci um pastel de vento. Moro ainda deve explicações por ter divulgado o anexo da delação às vésperas da eleição de 2018. Condenado a 18 anos de prisão, Palocci teve sua pena reduzida pela metade e a cumpre em sua casa com tornozeleira eletrônica.

O desmonte da delação de Palocci reforça o discurso do PT de que Lula é inocente, deixa Moro outra vez sujeito a críticas, e Bolsonaro por isso mesmo feliz.