educação

CNPq não consegue resolver falha e Lattes completa 10 dias fora do ar

Órgão que fomenta a pesquisa havia prometido restabelecer sistemas nesta segunda (2)

Paulo Saldaña, da Folha de S. Paulo

As principais plataformas da ciência brasileira, Lattes e Carlos Chagas, completaram dez dias de inoperância. O governo Jair Bolsonaro prometeu que os sistemas seriam restabelecidos nesta segunda-feira (2), mas os problemas da área de tecnologia que causaram a queda dos sistemas ainda não foram resolvidos.

As plataformas estão fora do ar desde o dia 23 do mês passado. Os dois sistemas são de responsabilidade do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), responsável pelo fomento à pesquisa no país. O órgão é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

O CNPq afirmou na última semana que não houve perda de informações e que o equipamento danificado já estaria sendo restaurado. Apesar da previsão de restabelecimento do acesso para esta segunda, o órgão publicou nota informando que "continua em andamento a verificação completa".

O informe do CNPq não traz uma data com previsão para que os sistemas voltem ao ar. "Essa verificação envolve uma série de testes, que foram realizados ao longo de todo final de semana, com pontuais instabilidades que estão sendo ajustadas para restabelecer a capacidade completa do storage".

O apagão dos sistemas foi provocado pela queima de um dispositivo em um equipamento que tem a função de controlar os servidores onde as plataformas ficam hospedadas. Isso teria ocorrido durante a migração dos dados para um novo servidor. O presidente do CNPq, Evaldo Vilela, descartou a ação de um hacker.

Em e-mail obtido pela reportagem, um funcionário do CNPq relatou, no último dia 26, que o principal servidor do conselho fora atingido e que o equipamento estaria fora da garantia e sem contrato de manutenção. Isso impediria um reparo imediato e traria a necessidade de contratação de empresa externa, como de fato ocorreu.

Questionado pela Folha, o CNPq e o Ministério da Ciência não responderam sobre a operação estar sem garantia e manutenção.

O Lattes é um banco de dados com todos os currículos de pesquisadores, e ações como a aprovação de bolsas dependem da consulta à plataforma. Já pela Carlos Chagas é que se operacionalizam chamadas públicas e editais de fomento à pesquisa, gestão e pagamento de bolsas.

Cerca de 84 mil pesquisadores são financiados com recursos do CNPq. Mas outros órgãos de pesquisa também realizam operações ancoradas no Lattes.

Os prazos para ações como a submissão de propostas, prestação de contas e de vigência das bolsas estão suspensos e serão prorrogados. Novas datas serão divulgadas assim que os sistemas forem restabelecidos, diz o CNPq, que garante o pagamento de bolsas sem atrasos.

Segundo o CNPq informou na última semana, já havia sido concluída a transferência do backup dos dados da plataforma Lattes para um novo servidor. Mas o órgão diz agora que preferiu estender testes nos equipamentos.

"Para garantir a segurança, a estabilidade e o bom funcionamento do equipamento, optamos por estender os testes até ser possível oferecer esse cenário seguro para disponibilização dos sistemas", diz nota desta segunda.

Funcionários apontam a falha como reflexo da queda de orçamento pela qual vive o CNPq. Isso foi rechaçado pelo presidente do CNPq.

O órgão tem em 2021 o menor orçamento ao menos desde 2012, mesmo em valores nominais. A dotação atualizada do órgão para o ano é de R$ 1,2 bilhão –entre 2013 e 2015, por exemplo, o orçamento executado superou os R$ 2 bilhões.


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2021/08/cnpq-nao-consegue-resolver-falha-e-lattes-completa-10-dias-fora-do-ar.shtml


Grupos de zap fervem após live de Bolsonaro, mostrando real objetivo do presidente

A longa live de Jair Bolsonaro na noite desta quinta-feira (29), em que desfiou um compêndio de acusações contra o voto eletrônico, cumpriu seu principal objetivo: manter a base de apoiadores do presidente hiperenergizada

Fábio Zanini / Folha de S. Paulo

Bolsonaro e aliados sabem que não há hipótese de o voto impresso (ou “auditável”, como preferem os bolsonaristas) ser aprovado no Congresso Nacional. Os impropérios de Bolsonaro contra o atual modelo, que sempre se provou confiável desde a adoção, há 25 anos, provavelmente terão o efeito contrário: fortalecer no Legislativo a disposição em rejeitar qualquer mudança.

Por que ele insiste, então? A resposta está no efeito quase imediato que a estratégia de Bolsonaro de espalhar suspeitas infundadas contra a urna eletrônica teve em grupos de WhatsApp que este blog acompanha.

O presidente nem havia acabado de falar quando já circulava em grupos bolsonaristas um clipe de sua fala com o título: “Live bomba de Bolsonaro: a urna em xeque”.

“Que live, meus amigos, que live!! Histórica!”, bradou Kim Paim, um ativista defensor do presidente que se declara especializado na montagem de “dossiês” para militantes usarem nas redes sociais.

Na mesma linha, de que foi um pronunciamento definitivo do presidente sobre o tema, manifestaram-se lideranças bolsonaristas como os influenciadores Allan dos Santos e Leandro Ruschel, o comentarista político Rodrigo Constantino e o deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP).

Como sempre acontece, suas falas reverberaram fortemente nos grupos bolsonaristas, acompanhados de convocações para diversos atos previstos para este domingo (1º) a favor do voto impresso.

A expectativa dos organizadores é que haja manifestações nas principais capitais e em um punhado de cidades médias. Em São Paulo, novamente, o palco será a avenida Paulista, e no Rio, a orla de Copacabana.

Outro hit do zapzap dos apoiadores do presidente foi o esculacho ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, novo inimigo número 1 dos defensores do voto impresso.

Aqui, um exemplo de imagem que circulou em grupos após a fala de Bolsonaro:

Com o arrefecimento da pandemia e o pit stop da CPI da Covid no Senado, a fervura do tema da saúde baixou um pouco entre bolsonaristas. Em seu lugar, a defesa do voto impresso e o ataque ao sistema eleitoral entraram com força, como se fossem os únicos assuntos relevantes do momento no país.

A mudança reflete muito da estratégia eleitoral do presidente para 2022, que pode ser explicada em dois passos: o primeiro, manter a base de apoiadores unida, e com isso garantir a passagem para o segundo turno.

Neste momento, não interessa a Bolsonaro fazer acenos de moderação ou tentativa de ampliação de seu eleitorado cativo, que soma algo entre 20% e 30%.

É preciso radicalizar em bandeiras palpáveis, e a defesa do voto impresso vem bem a calhar, por três razões: tem um componente de paranoia, que está na base do DNA do bolsonarismo; revitaliza o espírito do presidente de insurgir-se contra “o mecanismo” (novo nome para “o sistema”), que ele tão bem soube usar na campanha de 2018; e, obviamente, fornece um elemento aglutinador para o futuro, em caso de derrota eleitoral.

Basta notar que a grande estratégia do presidente americano, Donald Trump, para se manter relevante no debate político e tentar um retorno em 2024 é a alimentar a ladainha de que foi roubado na eleição do ano passado, em que perdeu limpamente para Joe Biden.

Garantida a passagem para o segundo turno, como espera Bolsonaro, a segunda parte da estratégia é fazer um duelo de rejeições contra seu provável adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A demonização do petista e de seus aliados “comunistas” foi um dos principais componentes da live do presidente.

Bolsonaro, assim, mais uma vez rasga a cartilha da maioria dos candidatos ao Palácio do Planalto, que em algum momento fazem acenos ao centro do tabuleiro político.

Político nada convencional, o presidente aposta em radicalizar de agora até o fim do segundo turno do ano que vem. Para isso, o voto impresso é um instrumento perfeito.

É o que explica sua insistência no tema, mesmo sabendo que a chance de aprovação é menor que a do Brasil ganhar ouro no badminton.


Fonte:
Folha de S. Paulo
https://saidapeladireita.blogfolha.uol.com.br/2021/07/30/grupos-de-zap-fervem-apos-live-de-bolsonaro-mostrando-real-objetivo-do-presidente/


Cristovam Buarque: O espírito do tempo e a educação

Estamos percebendo a necessidade de captar as mudanças adiante, de acordo com o espírito do tempo, as curvas que a história está fazendo

Em janeiro do ano passado, a Unesco criou um grupo de 15 pessoas para elaborar proposta sobre o futuro da educação no mundo. A diferença desta nova proposta para outras duas, décadas atrás, é o espírito do tempo atual. Os relatórios anteriores foram elaborados em momentos de evolução, sem as rupturas que temos em marcha no século XXI. Nos debates do grupo, do qual participo, estamos percebendo a necessidade de captar as mudanças adiante, de acordo com o espírito do tempo, as curvas que a história está fazendo.

Uma mudança diz respeito aos novos recursos tecnológicos, graças à computação, à telecomunicação, aos grandes acervos de imagem e som, à inteligência artificial, às redes sociais digitais e a tudo que permite levar a realidade para dentro da sala de aula, e fazer o ensino-aprendizagem à distância, de forma remota entre professores e alunos. O espírito deste tempo permite e induz à passagem da “aula teatral” – professor e quadro negro na presença dos alunos – para a “aula cinematográfica” - professor usando todos os modernos recursos audiovisuais e computacionais para uma aula dinâmica, presencial ou não. A escola do futuro não será apenas um aperfeiçoamento da atual, será uma “nova escola”. Da mesma forma que, um século atrás, a arte dramática descobriu o potencial do cinema, levando o teatro ao mundo inteiro e com uma linguagem que rompia os limites do palco.

A segunda mudança se refere aos novos conhecimentos a serem desenvolvidos. Os destinos, dificuldades e potenciais de cada ser humano ficaram interligados planetariamente à toda a humanidade. Até pouco tempo atrás, as ideias de planeta e humanidade eram temas limitados a astrônomos e filósofos. No espírito do tempo atual, estes conceitos dizem respeito ao dia a dia de cada pessoa: os alunos do futuro viverão na Terra, não apenas em um país, e a preocupação deles deve ser com toda a raça humana, além da família e dos compatriotas. O ensino deverá tratar dos problemas que ameaçam a humanidade: mudanças climáticas; abismo da desigualdade que está quebrando a semelhança da espécie humana; pobreza e desemprego estrutural; riscos e vantagens da inteligência artificial; o entendimento do papel da ciência na construção de um mundo melhor e mais belo; a prática da solidariedade com todos os seres humanos, especialmente os pobres nacionais, os refugiados apátridas, os migrantes e todos que sofrem exclusão e discriminação; o valor da diversidade social e natural, com respeito às especificidades.

O terceiro desafio é fazer o ensino-aprendizagem em sintonia com o rápido avanço do conhecimento, que evolui e se transforma a cada instante. Esta velocidade faz obsoletos os conhecimentos, as profissões, a concepção de escola e os métodos pedagógicos, inclusive a posição relativa entre professor e aluno. A educação do futuro exige que o aprendizado seja contínuo, não termine ao longo da vida de uma pessoa; diplomas devem ser provisórios. O verbo aprender deve ser usado no gerúndio, sempre aprendendo e aprendendo sempre.

É um desafio também, sobretudo no ensino superior, sair das algemas do conhecimento por disciplina e adotar o conhecimento multidisciplinar, única forma de avançar para novas ciências que estão nascendo nas fronteiras das atuais e de trazer os problemas da realidade para dentro do processo de ensino-aprendizagem. Especialmente os problemas éticos que desafiam a humanidade e as possibilidades da educação de base para construir o futuro, ao formar as novas gerações.

O quinto desafio é a coerência entre o conteúdo humanista e planetário com o compromisso político de assegurar o direito de cada criança desenvolver seu potencial, desde a primeira infância, independente da nacionalidade e do status social, da renda e do endereço; cada criança do mundo tratada como filha da humanidade, com o mesmo direito à educação para seu próprio benefício e para que seu talento beneficie sua família, sua vila, seu país e toda a humanidade. A educação de qualidade - respirar conhecimento -  deve ser um direito tão humano, quanto aspirar oxigênio para estar vivo, aprendendo ao longo de toda a vida. Ninguém deixado para trás na alfabetização para a contemporaneidade: falar, escrever e ler bem seu idioma, falar pelo menos um outro idioma, adquirir um ofício, conhecer história e geografia, filosofia e as bases da matemática e das ciências, ser capaz de usar as ferramentas do mundo moderno.

Certamente que o espírito do tempo exige um plano mundial para dar apoio à educação das crianças do mundo inteiro.

*Professor Emérito da Universidade de Brasília


Fonte:
Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/07/4939914-cristovam-buarque-o-espirito-do-tempo-e-a-educacao.html


Cristovam Buarque: Lei incompleta

A Lei Áurea é considerada um marco social, pela extinção do regime escravocrata, e marco legal pela simplicidade de apenas um artigo: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. Nada mais do que 12 palavras e acabou a infâmia de tratar pessoas como mercadoria.

Esta simplicidade deixou a lei incompleta e de certa forma inócua para o propósito de ir além da proibição da venda, compra e propriedade de pessoas, e de servir também para a garantia da liberdade, promoção social e progresso dos afrodescendentes no Brasil. Aquele artigo simples foi capaz de acabar com os grilhões, mas não de incorporar a população negra à sociedade brasileira. Manteve-se a desigualdade, a exclusão, a pobreza e, consequentemente, o racismo.

Teria sido diferente se a Lei Áurea tivesse mais um artigo: “Fica estabelecido no Brasil um sistema único, público, de educação para todos”. Mas a lei ficou incompleta. Ao longo dos 134 anos de sua vigência, comemorados na semana que passou, o Brasil sem escravismo manteve a escravidão, porque sem educação as algemas físicas que aprisionavam os escravos se transformaram em algemas mentais que amarram todos os pobres brasileiros. Não apenas os negros, mas sobretudo estes, por formarem a maior parte dos pobres do País.

Ao longo destes 134 anos, desde 1888, o Brasil manteve uma desigualdade abismal entre a educação dos que podem pagar por uma boa educação e aqueles que não podem. Se desde aquela época os descendentes dos escravos e seus senhores estudassem em um mesmo sistema escolar com qualidade para todos brasileiros, ao longo destas três ou quatro gerações, a desigualdade que ainda existisse, além de pequena, seria graças ao talento dos que se dedicam aos estudos. A desigualdade não seria herança financeira, que termina sendo também herança racial. Sem o segundo artigo, a Lei Áurea ficou incompleta.

Além da lei incompleta de 1888, atravessamos toda a história pós-abolição e republicana sem acrescentar o artigo e outras ações que faltam. Por 40 anos depois da Lei, nem ao menos criamos um Ministério da Educação; quando criado já nos anos 1930, serviu para coordenar a educação da minoria dos filhos da população branca e rica, ou quase rica, nas poucas escolas de base que foram criadas ao longo das décadas. A obrigatoriedade de vaga aos seis anos só veio em 1988 com a Constituição; aos 4 anos, em 2013; a obrigatoriedade de vaga até os 17 anos, só em 2016; o Piso Nacional Salarial para o Professor, em 2008.

Até hoje, o Brasil deixa a educação nas mãos dos pobres e desiguais municípios. Foram feitas leis como a Merenda Escolar (1955), Emenda Calmon (1983), Livro Didático (1985), Fundef (1996), PNE-I (2001), Fundeb (2007), Piso Salarial do Professor (2008), PNE-II (2011), BNCC (2020), e o Brasil continua com educação entre as piores do mundo e provavelmente a mais desigual entre todos os países.

Até hoje, o Brasil não decidiu completar a Lei Áurea criando um Sistema Nacional de Educação de Base. A sociedade brasileira, seus eleitores e líderes continuam com a mesma visão da Princesa Izabel e do Primeiro-Ministro João Alfredo – basta o primeiro e único artigo da Lei Áurea, a educação de cada criança é assunto da família ou do prefeito, não do país. O resultado é que um século e meio depois da Lei Áurea, temos duas vezes mais adultos analfabetos do que no ano da abolição incompleta, todos eles pobres e quase todos afrodescendentes.

Na verdade, todos os governos seguintes, ditadura ou democracia, de direita ou esquerda, negaram-se a assumir a educação de nossas crianças como uma questão nacional: levar a sério o artigo da Constituição que assegura a educação como um direito de todos os brasileiros e tornar a educação como o vetor do progresso do país.

Nos navios negreiros, havia marujos com a tarefa de impedir os escravos desesperados pularem no mar, já que a morte deles era uma perda financeira para o proprietário. Hoje, não oferecemos escolas que assegurem a seus alunos quererem permanecer nelas, e se eles quiserem pular no mar da deseducação, aceitamos que o façam sem percebermos a perda que isso representa para o futuro de cada um deles, para suas famílias e para todo o País.

Faz 134 anos que demos alforria aos escravos, mas não os libertamos, porque não lhes demos a educação, sem a qual a liberdade é apenas uma ilusão. Por falta de um artigo a mais na Lei Áurea, mantivemos uma última trincheira da escravidão, mantivemos os descendentes dos escravos em um novo tipo de servidão e amarramos o progresso do país.

*Professor Emérito da Universidade de Brasília

Fonte:

Correio Braziliense

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/05/4925679-lei-incompleta.html


Eugênio Bucci: O cerco à universidade

No início do mês a Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) recebeu uma representação em nome do procurador-geral da República, Augusto Aras. No documento, os advogados de Aras reclamam de textos publicados na imprensa e nas redes sociais por um professor de Direito da USP, Conrado Hübner Mendes, que, na visão deles, ofenderiam o atual chefe do Ministério Público Federal. A peça jurídica dedica quatro de suas 11 páginas a discorrer sobre o curriculum vitae da autoridade que se declara ofendida; em seguida, enumera o que afirma serem acusações inverídicas; e, ao final, requer que o caso seja levado à Comissão de Ética da USP para as providências que julga devidas.

Com efeito, o professor Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e Ciência Política, embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt, pesquisador reconhecido pelos pares em temas como Direito Constitucional, Poder Judiciário e autonomia acadêmica, tem feito críticas duras ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público. Suas colunas semanais no jornal Folha de S. Paulo e seus posts no Twitter alcançam leitores em audiências diversas. A democracia garante-lhe a liberdade de expressão. De outra parte, por óbvio, quem se sinta injustamente atacado tem o direito, também democrático, de buscar formas de reparação. Até aí, nada de novo sob o sol – ou nada de novo sob a treva que nos tem sido mais frequente.

Há algo de impróprio, no entanto, na representação feita à USP em nome do procurador-geral, que solicita à cúpula universitária a punição de manifestações públicas de um dos seus docentes. São dois os equívocos.

O primeiro está na tentativa de transformar a universidade pública, que se define como um polo social e material de liberdade, em órgão de vigilância de opinião. Pleitear tal aberração é o mesmo que esperar que o sol esfrie os corpos na Terra. Não há razão nesse pedido. Mais ainda, não há nele a mínima compreensão do que seja a institucionalidade democrática.

O segundo equívoco decorre do primeiro, e o complica ainda mais. Os advogados que assinam a representação parecem não ter assimilado o conceito de autonomia universitária. Eles se dirigem à cúpula da USP mais ou menos como se fossem, no velho jargão dos despachantes de porta de cadeia, o sujeito que vai “dar parte” na delegacia, ou como um estudante de colégio interno que delata os colegas para o inspetor de alunos. Essa postura não cabe na vida universitária de uma sociedade democrática, não é assim que funciona.

Quando se diz que a universidade tem autonomia, o que se quer dizer, se é que ainda não estava claro, é que a universidade não deve obediência a autoridades que lhe sejam externas. Um ministro de Estado, um cardeal, um pai de santo ou um general não podem dar ordens às instâncias universitárias, pois não têm atribuições para pautá-las. Por certo, a universidade tem o dever de prestar contas à sociedade e a todos os órgãos de controle, mas não se subordina a nenhum comando externo, muito menos quando lhe cobram que enquadre o pensamento livre.

Por isso, a representação é equivocada. Seria apenas uma peça inoportuna e desajeitada caso vivêssemos no País uma situação normal. Como estamos naufragados num contexto de atordoante anormalidade, ela nos traz preocupações maiores. Embora possa não ter sido essa a intenção dos advogados, a peça que eles assinam aterrissa na mesa do reitor com sinais de ameaça. Talvez não seja esse o propósito do procurador-geral, mas na quadra da História em que nos encontramos e nos perdemos fica no ar um travo de intimidação. É algo que não está dito, mas pode muito bem estar pressuposto.

Olhemos o entorno. A todo momento a Lei de Segurança Nacional tem sido brandida contra jornalistas, chargistas, artistas e intelectuais. Em março, dois professores da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal e Eraldo dos Santos Pinheiro, foram constrangidos a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por terem criticado o governo federal. Em níveis diversos, proliferam os torniquetes orçamentários contra a educação superior, que prejudicam mais o campo das humanidades, justamente onde mais pipocam ideias críticas e incômodas. As investigações policiais que atingem a administração universitária se paramentam de notas sensacionalistas e espetaculosas, como a primeira fase da Operação Torre de Marfim (o nome escolhido já diz tudo acerca de uma certa sanha antiacadêmica), cuja prepotência trouxe de arrasto a tragédia, com o suicídio do então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, em 2017.

Naquele ano, o cerco em torno de pesquisadores, cientistas e intelectuais ligados à educação superior no Brasil crescia em brutalidade e arrogância, numa trilha de retórica violenta que em 2018 desfraldaria as bandeiras do bolsonarismo. Agora a universidade é bombardeada a todo tempo pelo poder, como se fosse inimiga da Pátria. Nesta hora infeliz, a representação do procurador-geral contra a USP vem piorar o ambiente.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-cerco-a-universidade,70003720292


Michel França: Pobreza estrutural

Existe vasta literatura voltada para compreender os mecanismos que retroalimentam a pobreza. Com o intuito de enfrentar esse desafio, diversas iniciativas e políticas públicas têm sido propostas e adotadas. Na economia, epidemiologia e psicologia têm ampliado a discussão em torno dos potenciais efeitos positivos de investimentos na primeira infância e na juventude.

Durante esse período da vida, são aprendidas habilidades que influenciam os resultados alcançados na idade adulta. Considerando o contexto americano, estudos empíricos mostraram que o ambiente em que crianças e jovens estão inseridos consegue explicar uma parcela significativa das condições de saúde, desempenho educacional, engajamentos sociais e envolvimento futuro em atividades criminais.

Além do impacto social, também existem desdobramentos econômicos relevantes. Estima-se que cerca de 50% da variabilidade dos ganhos ao longo da vida entre as pessoas poderia ser explicada pelas habilidades desenvolvidas até os 18 anos de idade (“The economics of human development and social mobility”, 2014).

No entanto, construir essas habilidades não é algo trivial. Requer considerável esforço e políticas públicas bem orientadas. Existem inúmeros fatores que atuam conjuntamente no processo de formação de uma pessoa.

Um deles é a influência da família. Sabe-se que há uma expressiva correlação entre a renda domiciliar e o desempenho de um indivíduo. Isso ocorre porque a renda está associada a várias características que influenciam diretamente o progresso individual.

A literatura mostra, por exemplo, que crianças que vivem em ambientes desfavorecidos vão entrar em contato com um vocabulário significativamente menor, e isso leva a pior rendimento escolar.

Os pais, que podem ser considerados os primeiros professores de um indivíduo, costumam apresentar baixo conhecimento formal para transmitir a seus descendentes. Além disso, famílias carentes tendem a encorajar menos as crianças no seu processo de aprendizagem.

Possivelmente, o círculo de amizades dessas crianças será formado por pessoas que apresentam baixo nível educacional. Desse modo, o potencial aprendizado derivado das interações humanas também fica comprometido.

Isso tende a fazer com que transferências irrestritas de renda apresentem fraco efeito no processo de desenvolvimento das habilidades de um indivíduo. Deve-se pontuar que as políticas de transferências de renda desempenham um importante papel na suavização das restrições derivadas da pobreza. Entretanto, também é necessário realizar intervenções que ajudem a corrigir outras distorções sociais geradas pelos locais de nascimento.

Nesse cenário, estudos empíricos têm encontrado evidências de que intervenções voltadas para a primeira infância e juventude apresentam significativo potencial de ajudar a quebrar o ciclo de perpetuação da pobreza.

No caso dos Estados Unidos, iniciativas bem-sucedidas conseguiram impactar positivamente o desenvolvimento cognitivo de crianças e melhoraram as capacidades não cognitivas de adolescentes.

Simples programas de mentoria, por exemplo, têm significativo potencial de fornecer informações valiosas para os jovens desfavorecidos, ajudando, assim, a fazer melhores escolhas.

Sem uma intervenção profunda e organizada do Estado, é difícil imaginar que conseguiremos vencer a pobreza estrutural, pois existem muitos canais pelos quais o status socioeconômico se reproduz entre as gerações.

O texto é uma homenagem à música “Não é Sério”, interpretada por Charlie Brown Jr. e Negra Li.

*Michael França é doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/michael-franca/2021/05/pobreza-estrutural.shtml


Gaudêncio Torquato: O desmonte da ciência

É crise puxando crise. Mais uma agora ameaça jogar a ciência brasileira ou seus entulhos no fundo do poço. As instituições de ensino superior e técnico estão recebendo apenas 2,22% dos recursos anuais a que têm direito, deixando perplexos reitores de universidades federais e o alunado que recebe bolsas, comprometendo a assistência estudantil, frustrando pesquisadores, enterrando descobertas da ciência em profundo fosso.

Um desmonte nunca visto, daí a pergunta: qual o nome do ministro da Educação? E tudo isso ocorre em paralelo ao negacionismo dos gestores públicos, a partir do presidente da República, na administração da pandemia da Covid 19.

Impactos podem ser sentidos nos próprios campi, como o da Universidade Federal do Rio de Janeiro, antes um centro de excelência, entre os melhores do mundo. Hoje quase em ruína. Saudosos tempos da Universidade do Brasil. O que diriam alguns de seus reitores do passado, como Benjamin Franklin Ramiz Galvão, primeiro reitor e ex-membro da Academia Brasileira de Letras (ABL); o médico Raul Leitão da Cunha, o ex-ministro da Educação e Saúde Pedro Calmon e outros tantos deste naipe? Teriam vergonha do Brasil. Mas o feio retrato se vê em todo o País.

Alegam cortes para viabilizar o chamado “teto de gastos”. Isso justifica o desmanche brutal? A imagem é necessária: para salvar a vida de uma pessoa, ao invés de amputar um dedo, um braço, extirpam-se as veias. Claro que não haverá salvamento. Assim agem os burocratas. Ora, a educação é a base de uma Nação. Sem ela não há processo civilizatório, progresso, vida saudável. E um território deixa de ser Nação para virar só um pedaço de terra.

Sem educação emerge aquela moldura descrita pelo filósofo argentino José Ingenieros: “em certos períodos, a nação adormece dentro do país. O organismo vegeta; o espírito se amodorra. Os apetites acossam os ideais, tornando-os dominadores e agressivos. Não há astros no horizonte, nem auriflamas nos campanários. Não se percebe clamor algum do povo; não ressoa o eco de grandes vozes animadoras. Todos se apinham em torno dos mantos oficiais, para conseguir alguma migalha da merenda. É o clima da mediocridade… O culto da verdade entra na penumbra, bem como o afã de admiração, a fé em crenças firmes, a exaltação de ideais, o desinteresse, a abnegação — tudo o que está no caminho da virtude e da dignidade.”

E onde está a política no meio dessa mediocridade? Preocupada com outras coisitas que lhe rendem recompensas, como votos. Verbas para comprar tratores, inserir emendas no Orçamento, participar de foros com visibilidade midiática. Assim é a vida da representação parlamentar. Será que suas excelências não devem nada à educação que impulsionou suas vidas? Preferem a balança do pragmatismo: o que pode ser melhor para mim nesse momento?

E a ciência, mesmo sob loas e aplausos de alguns, acaba sacrificada por “outras prioridades”. O que diz o MEC? Os recursos, infelizmente, estão “condicionados”. Ou seja, condicionaram a educação. A esta altura, alguém sabe responder à pergunta acima: como é mesmo o nome do ministro da Educação?

P.S. O clamor foi tão intenso que o governo acabou dando um pouco mais de recursos às Universidades.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

Fonte:

Metrópoles/Blog do Noblat

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-desmonte-da-ciencia-por-gaudencio-torquato


Janio de Freitas: Fuga do general Eduardo Pazuello é covardia

Se a balbúrdia na CPI da Covid continuar como nas primeiras sessões de interrogatórios e proposições, pode-se esperar que traga contribuição importante, apesar de não se pressentir qual seja. O tumulto dá a medida da fragilidade e do medo bolsonaristas diante da cobrança por sua associação à voracidade letal da pandemia.

Mas a clarinada do “não me toques”, protetora de militares acusados ou suspeitos de qualquer impropriedade, não resolverá o caso Pazuello. Militares valendo-se do Exército para fugir da responsabilidade por seus atos, convenhamos, até parece parte da concepção de ética militar. Os generais que mantiveram a ditadura de Getúlio, os do golpe de 64, do golpe de 68, os oficiais da tortura e dos assassinatos, os do Riocentro, esses e muitos outros construíram a praxe.

Nisso há distinção. Os escapismos que recaem na reputação do Exército cabem, antes de tudo, à corporação, à oficialidade, não à instituição. É a deseducação cívica em atos. A fuga de Eduardo Pazuello vai além: não vem da arrogância infundada, ou de uso do Exército para se imaginar acobertado por conveniência da instituição. É covardia, a mesma covardia que o impediu de repelir ordens contrárias ao bom senso, ao dever do cargo e à vida de milhares.

novo comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, mostrou-se preocupado com reflexos, sobre o Exército, do que haja no depoimento de Pazuello à CPI. Esse problema é de Pazuello e de Bolsonaro. Não é assunto militar, logo, o Exército não tem de se envolver. Se o fizer, aí sim, merecerá arcar com todos os reflexos dos crimes contra a humanidade presentes em grande parte do morticínio de mais de 400 mil brasileiros.

A ROTINA

O massacre do Carandiru pela polícia de São Paulo, o maior da história com o extermínio de 111 presos encurralados, motivou incontáveis protestos sob formas variadas. Com efeito que não foi além dos próprios assassinatos. Na Amazônia, massacres policiais ocorrem em sequência só igualada pela inconsequência punitiva. No Rio, os 28 mortos da favela do Jacarezinho compõem o maior massacre policial na cidade e motivam protestos incontáveis. Três exemplos da rotina sinistra que todo o Brasil mantém, com diferenças apenas aritméticas.

Nem a rotina, nem os protestos, nem a insegurança —nada interfere na correnteza desumana. A mais recente solução prometida para o Rio foi protagonizado pelo hoje ministro da Defesa, general Braga Netto. Chefe da intervenção federal na Segurança do estado, feita por Michel Temer, chegou proclamando a “limpeza da polícia” como prioridade e eixo da solução. Com um bilhão para tal. De notável, comprou enorme frota de carros, armas e equipamentos de comunicação. No mais, a tal limpeza talvez tenha ficado nos muros de quartéis, onde vigora a obsessão por pintura de paredes e postes. Os métodos ficaram intocados.

O armamento dado como apreendido no Jacarezinho é espantoso. Pela quantidade e, ainda mais, pela qualidade: todo moderno e novo, incluindo duas submetralhadoras. É sempre arriscado aceitar essas apreensões como verdadeiras, mas não há dúvida de que armas continuam entrando a granel no Brasil. Por ora, para uso bandido. E ainda imaginam que o perigo de conflito está na Amazônia, com estrangeiros.

Todo o problema policial foi construído na ditadura, com as PMs postas sob comando de militares do Exército e métodos norte-americanos. E com os seus esquadrões da morte, “homens de ouro” e impunidade. Todo plano de solução é ineficaz se não busca eliminar esse legado.

RIQUEZA FÁCIL

A juíza Mara Elisa Andrade determinou a devolução da madeira ilegal, objeto da maior apreensão já feita, que causou o incidente entre o delegado Alexandre Saraiva e, defensores dos madeireiros, o ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota. A juíza considerou faltarem, no inquérito, as datas de corte das árvores, o período em que a estrada clandestina foi aberta e se o uso dela é exclusivo.

É assim, com esses desvios, que nunca prendem nem prenderão os grandes e enriquecidos desmatadores-contrabandistas. E Mara Elisa é juíza, não por acaso, na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/fuga-do-general-eduardo-pazuello-e-covardia.shtml

 


Vinicius Torres Freire: Mortos de fome, de Covid, a bala, muitos pobres não largam Bolsonaro

Pouco antes do segundo turno de 2018, o Datafolha perguntou qual era o candidato a presidente que mais defendia os ricos. Deu Jair Bolsonaro com 55% e Fernando Haddad (PT) com 22%.

Quem mais defendia os pobres? Haddad, 54%, Bolsonaro, 31%. Os mais pobres, com renda familiar de menos de dois salários mínimos, eram algo mais estritos na definição de classe: Bolsonaro defendia os mais ricos para 59%, Haddad defendia os mais pobres para 60%.

“Tudo bandido”, disse Hamilton Mourão sobre os mortos do bairro pobríssimo e apartado do Jacarezinho (“apartado” também no sentido de “apartheid”).

No que interessa aqui, tanto faz qual era a situação jurídica das vítimas do massacre: tanto fazia para Mourão. No universo mental bolsonariano atira-se primeiro, esquece-se depois. Os pobres e apartados em geral são “tudo bandido”, filho de porteiro que tira zero, empregada que viaja para fora, filho desajustado de mãe solteira, quilombola gordo imprestável etc. Tudo isso é mui sabido, inclusive o autoritarismo da turma: naquele Datafolha, Bolsonaro era o mais autoritário para 75%.

Nem o insulto bolsonarista nem a injúria da vida dura bastam para fazer com que os pobres larguem de vez Bolsonaro. É ingenuidade citar estatísticas socioeconômicas para explicar bolsonarices, mas convém lembrar delas.

Foram os pobres que mais perderam emprego e renda na epidemia, bidu, os que mais ficaram sem escola ou mesmo merenda. Segundo os estudos disponíveis (com dados do ano passado), são os que mais adoecem e morrem de Covid-19.

Nos últimos 12 meses, a inflação média para pessoas de renda muito baixa foi de 7,2%; para as de renda alta, 4,7% (dados da Carta de Conjuntura do Ipea). Desde que Bolsonaro assumiu, a inflação média (IPCA) acumulada foi de 11,2% —o salário médio subiu menos do que isso, o dos mais pobres, informais, menos ainda, isso quando têm renda de trabalho. A inflação média da comida foi de 28,9%.

Apenas entre os mais pobres Haddad deve ter vencido a eleição, segundo o Datafolha da véspera da votação de 2018. No Datafolha mais recente, de março, 30% do eleitorado dá “ótimo/bom” a Bolsonaro, com diferenças estatisticamente irrelevantes entre as classes de renda. Mas a taxa de decepção com Bolsonaro é muito maior entre os mais ricos (medida pela diferença entre a parcela dos que dão nota “ótimo/bom” agora e a votação em 2018).

Os pobres das grandes cidades vivem sob ocupação de milícias e facções, que são também polícia do Estado de terror. A milícia é um modo alternativo de ascensão social, por assim dizer, de ex-militares de baixa patente e agregados, a mobilidade de parte do precariado. Já tem vínculos firmes com a política municipal de regiões metropolitanas, avança nas Assembleias e pôs um pé no Congresso e no poder federal, vide os Bolsonaro.

A ocupação dos bairros pobres assim se institucionaliza, também no sentido de ter apoio estatal permanente. Em um movimento de pinça, os Bolsonaro apoiam tanto matanças policiais como milícias nos bairros pobres. Apresentadores de TV sanguinários fazem a propaganda do bolsonarismo político e militar-miliciano.

É fácil perceber que diagnósticos socioeconômicos não ajudam a explicar a persistência do bolsonarismo popular, como não explicavam parte da política, digamos, normal. Mas cabe a pergunta, que não é acadêmica: por que não explicam?

É assunto para outro dia, mas bolsonarismo tem a ver com machice, ressentimentos e medos reativos vários, religião e autoritarismo “raiz”. Mas também é revolta contra o “sistema” que larga os pobres à própria sorte, revolta que pode ter essa ou aquela conformação, autoritária ou outra, a depender da conjuntura e da política, de esquerda em particular.

Quem é que vai “lá” falar com os pobres?

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/05/mortos-de-fome-de-covid-a-bala-muitos-pobres-nao-largam-bolsonaro.shtml


Rolf Kuntz: Desemprego, inflação e mais de 400 mil mortos

Combinar desemprego e inflação foi a maior façanha econômica do presidente Jair Bolsonaro, em quase dois anos e meio de mandato. Bolsos vazios dificilmente convivem com preços em alta, mas esse raro conúbio foi promovido pelo atual desgoverno. Multidões em busca de vagas formaram filas no começo do ano e continuam formando. Os desocupados eram 14,4 milhões no trimestre móvel encerrado em fevereiro – o maior número da série iniciada em 2012. Projeção do Banco Central (BC) aponta inflação de 5,1% no fim de 2021, quase estourando o teto da meta, fixado em 5,25%. Em 12 meses os preços ao consumidor já subiram 6,17%, segundo a prévia da inflação de abril, o IPCA-15. O alerta é claro, mas o risco permanece, enquanto a equipe econômica se perde em confusões e o presidente fala mal da China e ameaça editar decretos autoritários. As incertezas criadas pelo presidente favorecem a alta do dólar, um dos fatores inflacionários.

O Brasil continua estagnado, enquanto outros países voltam a crescer e a criar empregos. Também sofrem com novas ondas de covid, mas avançam na vacinação e seguem rumos bem definidos. No Brasil, a imunização, já atrasada, tem sido interrompida por escassez de vacinas. Nos negócios, a retomada é lenta e insegura. No primeiro trimestre a indústria produziu 1% menos que nos três meses finais de 2020. A comparação dos volumes produzidos em 12 meses mostra um recuo de 3,1%.

Com desemprego elevado, orçamento curto, preços em alta e muita insegurança, mesmo os consumidores ainda ocupados têm contido os gastos. As famílias em pior situação, sem ninguém ocupado ou com renda perto de zero, precisaram de ajuda para matar a fome. Dependiam do auxílio emergencial, deixaram de recebê-lo em janeiro e só em abril foram de novo socorridas com recursos públicos.

Campanhas de solidariedade atenuaram o problema, levando comida a favelas e a às áreas mais pobres. Grupos informais, organizações civis e governos locais e estaduais atuaram de diversas formas e depois houve adesão de grandes empresas. O governo federal, o último a se mexer, finalmente restabeleceu algum apoio, muito modesto, às famílias necessitadas.

Não está claro se o ministro da Economia e sua equipe olharam para outro lado, sem se importar com a situação de dezenas de milhões de pessoas, ou se apenas deixaram de perceber o problema. Não se pode menosprezar a segunda hipótese. O ministro parece acordar, de vez em quando, para a economia real, mas só de vez em quando. Ele age e se manifesta, na maior parte do tempo, como se mal percebesse o dia a dia da produção, das vendas, do consumo, do emprego, das condições de vida dos trabalhadores e de suas ambições. Talvez pareça estranho, mas essas ambições incluem visitar a Disney e mandar filhos a universidades. Os dois assuntos já foram comentados pelo ministro e isso remete à primeira hipótese.

Quem pouco se ocupa do mundo quotidiano pode pelo menos olhar os números oficiais. Dados do comércio varejista mostram um pouco da história das famílias e de seus apertos. Em março, as vendas no varejo do dia a dia foram 0,6% menores que em fevereiro. Foi o quarto resultado negativo nos cinco meses a partir de novembro.

Os últimos dados mensais mostraram queda em sete dos oito ramos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só cresceram (3,3%) as vendas de hipermercados, supermercados e outras lojas de alimentos e bebidas.

O auxílio emergencial foi retomado por quatro meses. Medidas adicionais de apoio às empresas e ao emprego também foram anunciadas, mas nenhuma iniciativa ambiciosa de estímulo ao crescimento foi anunciada. A mediana das projeções do mercado aponta expansão econômica próxima de 3% em 2021 e pouco superior a 2% em 2022.

Em março, a produção industrial ficou 16,5% abaixo do pico da série histórica, registrado em maio de 2011. Um plano de reindustrialização poderia fazer sentido, mas planejar é atividade estranha à atual gestão econômica. No mercado, assim como em Brasília, fala-se, de forma imprópria, de uma pauta de reformas.

A chamada reforma administrativa é uma proposta de mudança de regras de RH. Pode ser uma iniciativa útil, mas administração é muito mais que isso. Para os tributos, a equipe econômica propôs somente a fusão do PIS e da Cofins. O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um projeto mais amplo, baseado principalmente na PEC 45. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende um processo fatiado, a partir da pífia proposta do governo.

Em 2019 Bolsonaro conseguiu fazer a economia crescer apenas 1,4% – menos que em 2018. O governo deu algum sinal de vida em 2020, como dezenas de outros em todo o mundo. Mas em 2021 os demais governos continuaram avançando, enquanto o brasileiro chegou a abril sem dispor sequer de um Orçamento, com a economia emperrada e péssimo desempenho no combate à pandemia, com 400 mil mortos pela covid. Quantas vidas teriam sido salvas por uma política mais competente e mais decente?

*Jornalista

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desemprego-inflacao-e-mais-de-400-mil-mortos,70003708634

 


Rolf Kuntz: Desemprego, inflação e mais de 400 mil mortos

Combinar desemprego e inflação foi a maior façanha econômica do presidente Jair Bolsonaro, em quase dois anos e meio de mandato. Bolsos vazios dificilmente convivem com preços em alta, mas esse raro conúbio foi promovido pelo atual desgoverno. Multidões em busca de vagas formaram filas no começo do ano e continuam formando. Os desocupados eram 14,4 milhões no trimestre móvel encerrado em fevereiro – o maior número da série iniciada em 2012. Projeção do Banco Central (BC) aponta inflação de 5,1% no fim de 2021, quase estourando o teto da meta, fixado em 5,25%. Em 12 meses os preços ao consumidor já subiram 6,17%, segundo a prévia da inflação de abril, o IPCA-15. O alerta é claro, mas o risco permanece, enquanto a equipe econômica se perde em confusões e o presidente fala mal da China e ameaça editar decretos autoritários. As incertezas criadas pelo presidente favorecem a alta do dólar, um dos fatores inflacionários.

O Brasil continua estagnado, enquanto outros países voltam a crescer e a criar empregos. Também sofrem com novas ondas de covid, mas avançam na vacinação e seguem rumos bem definidos. No Brasil, a imunização, já atrasada, tem sido interrompida por escassez de vacinas. Nos negócios, a retomada é lenta e insegura. No primeiro trimestre a indústria produziu 1% menos que nos três meses finais de 2020. A comparação dos volumes produzidos em 12 meses mostra um recuo de 3,1%.

Com desemprego elevado, orçamento curto, preços em alta e muita insegurança, mesmo os consumidores ainda ocupados têm contido os gastos. As famílias em pior situação, sem ninguém ocupado ou com renda perto de zero, precisaram de ajuda para matar a fome. Dependiam do auxílio emergencial, deixaram de recebê-lo em janeiro e só em abril foram de novo socorridas com recursos públicos.

Campanhas de solidariedade atenuaram o problema, levando comida a favelas e a às áreas mais pobres. Grupos informais, organizações civis e governos locais e estaduais atuaram de diversas formas e depois houve adesão de grandes empresas. O governo federal, o último a se mexer, finalmente restabeleceu algum apoio, muito modesto, às famílias necessitadas.

Não está claro se o ministro da Economia e sua equipe olharam para outro lado, sem se importar com a situação de dezenas de milhões de pessoas, ou se apenas deixaram de perceber o problema. Não se pode menosprezar a segunda hipótese. O ministro parece acordar, de vez em quando, para a economia real, mas só de vez em quando. Ele age e se manifesta, na maior parte do tempo, como se mal percebesse o dia a dia da produção, das vendas, do consumo, do emprego, das condições de vida dos trabalhadores e de suas ambições. Talvez pareça estranho, mas essas ambições incluem visitar a Disney e mandar filhos a universidades. Os dois assuntos já foram comentados pelo ministro e isso remete à primeira hipótese.

Quem pouco se ocupa do mundo quotidiano pode pelo menos olhar os números oficiais. Dados do comércio varejista mostram um pouco da história das famílias e de seus apertos. Em março, as vendas no varejo do dia a dia foram 0,6% menores que em fevereiro. Foi o quarto resultado negativo nos cinco meses a partir de novembro.

Os últimos dados mensais mostraram queda em sete dos oito ramos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só cresceram (3,3%) as vendas de hipermercados, supermercados e outras lojas de alimentos e bebidas.

O auxílio emergencial foi retomado por quatro meses. Medidas adicionais de apoio às empresas e ao emprego também foram anunciadas, mas nenhuma iniciativa ambiciosa de estímulo ao crescimento foi anunciada. A mediana das projeções do mercado aponta expansão econômica próxima de 3% em 2021 e pouco superior a 2% em 2022.

Em março, a produção industrial ficou 16,5% abaixo do pico da série histórica, registrado em maio de 2011. Um plano de reindustrialização poderia fazer sentido, mas planejar é atividade estranha à atual gestão econômica. No mercado, assim como em Brasília, fala-se, de forma imprópria, de uma pauta de reformas.

A chamada reforma administrativa é uma proposta de mudança de regras de RH. Pode ser uma iniciativa útil, mas administração é muito mais que isso. Para os tributos, a equipe econômica propôs somente a fusão do PIS e da Cofins. O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um projeto mais amplo, baseado principalmente na PEC 45. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende um processo fatiado, a partir da pífia proposta do governo.

Em 2019 Bolsonaro conseguiu fazer a economia crescer apenas 1,4% – menos que em 2018. O governo deu algum sinal de vida em 2020, como dezenas de outros em todo o mundo. Mas em 2021 os demais governos continuaram avançando, enquanto o brasileiro chegou a abril sem dispor sequer de um Orçamento, com a economia emperrada e péssimo desempenho no combate à pandemia, com 400 mil mortos pela covid. Quantas vidas teriam sido salvas por uma política mais competente e mais decente?

*Jornalista

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desemprego-inflacao-e-mais-de-400-mil-mortos,70003708634


‘Não há desculpa para não termos a melhor educação do país’, diz ex-secretário do DF

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Ex-secretário de Educação do Distrito Federal Rafael Parente e sócio efetivo do Movimento Todos pela Educação, Rafael Parente afirma que o DF tem tudo para ter o maior desempenho nessa área no país. “Não há desculpa para não termos a melhor educação do país”, afirma ele.

Em entrevista ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), o ex-secretário afirma que o parâmetro deve ser o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que avalia o conhecimento dos alunos em português e em matemática, além de considerar as taxas de reprovação em cada localidade

Confira o vídeo!

https://www.facebook.com/fundacaoastrojildofap/videos/175275371042039/

Doutor em Educação e diretor da BEI Educação, empresa de inovação nesse setor e impacto social, o especialista vai participar do quinto encontro online do Seminário Brasília Cidadania, na segunda-feira (3/5). A realização é da FAP, em Brasília, com a Zonal do Cidadania no Plano Piloto (veja detalhes ao final da reportagem).

Ranking nacional

Em 2019, o Distrito Federal ficou em segundo lugar nos anos iniciais do ensino fundamental, segundo o ranking nacional do Ideb, atrás apenas de São Paulo. Nos anos finais dessa fase e no ensino médio, ocupou a quinta posição, em ambos.

Naquele ano, Parente coordenou a criação do Educa DF, o plano estratégico da rede distrital de educação do Governo do Distrito Federal (GDF). A proposta se baseia em cinco bandeiras.

– Sempre aprender: acolher, valorizar e fortalecer os profissionais da educação;

– Escolas que queremos: atenção especial para quem mais precisa;

– Educação para a paz: um mundo melhor a partir de cada sala de aula;

– Excelência para todos: novas creches e escolas e mais qualidade;

– Inov@: a educação do futuro está aqui.

 

“Problemas sérios”

Na avaliação do especialista, “problemas sérios de infraestrutura” devem ser solucionados para que o Distrito Federal consiga avançar mais e garantir educação de qualidade.

“A gente tem problemas sérios de infraestrutura que não deveria ter. Por exemplo, temos 4 mil escolas sem banheiro no Brasil. Aqui no DF, tem escolas fechadas por problemas de infraestrutura, isso não deveria acontecer”, critica.


Confira os eventos anteriores do Seminário Brasília Cidadania

https://www.facebook.com/watch/?ref=external&v=750816498957227

https://www.facebook.com/fundacaoastrojildofap/videos/363456928417741/

https://www.facebook.com/watch/?ref=external&v=2774322792831388

https://www.facebook.com/fundacaoastrojildofap/videos/362907601808726/


Potencialidades

Por outro lado, o ex-secretário ressalta uma série de potencialidades que o Distrito Federal tem em relação às demais unidades da Federação, como “a facilidade de ter um sistema que é, ao mesmo tempo, municipal e estadual”.

Esse formato, segundo Parente, permite que o DF acompanhe a pessoa desde ao entrar na creche, ainda criança, até ingressar na universidade, na vida adulta. “Tem como fazer esse acompanhamento todo”, ressalta.

Além disso, o Distrito Federal facilita o deslocamento dos responsáveis pela Secretaria de Educação do GDF a todas as escolas, já que, geograficamente, é menor que as demais unidades da Federação. “Tem número relativamente alto de escolas e muito investimento, com bom orçamento para a pasta”, assevera.

Também confirmaram presença no encontro o ex-senador e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) Cristovam Buarque e a doutora em linguística aplicada Lucília Garcez.

SERVIÇO

Seminário Brasília Cidadania
5º evento online da série: O futuro das políticas de Educação e Saúde no DF
Dia: 3/5/2021
Transmissão: das 19h às 21h
Onde: Portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Fundação Astrojildo Pereira, em parceria com a Zonal do Plano Piloto do Cidadania

O arquivo do vídeo do evento fica disponível para o público nesses canais, por tempo indeterminado.

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Fonte: