Eduardo Rocha

Eduardo Rocha: Qual o futuro humano?

Para investigar tanto os vícios da natureza humana quanto os fenômenos da natureza, Baruch Spinoza (1632-1677) procurava “não rir, não chorar, mas compreender”. Compreender, interpretar, sim; transformar, porém, é o que importa, completaria Karl Marx (1818-1883).

Cada geração de cada época histórica tem diante si problemas inéditos que produzem grandes acontecimentos qualitativamente transformadores que trazem consequências multifacetadas, incalculáveis e imprevisíveis em todas as dimensões da vida humana e da natureza.

E o gênero humano, ao confrontar-se com tais problemas, criou soluções que transformaram a realidade e forjaram princípios, métodos, ideias, códigos, procedimentos e valores que se tornaram um patrimônio imperecível legado às futuras gerações.

E a humanidade está diante de um grande e inédito problema. Já é difícil compreender a diferença entre Conoravírus, Novo Coronavírus, SARS-COV-2 e COVID-19, imagina então compreender o impacto da pandemia no futuro da história humana universal.

Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias, ensina o Ministério da Saúde. Esse vírus tem vários tipos e o mais novo e temível, inicialmente chamado de “Novo Coronavírus”, foi descoberto em 31/12/19, na China.

Seu nome oficial foi escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e recebeu a sigla em inglês SARS-COV-2, que significa: "Severe Acute Respiratory Syndrome - Conavirus 2" ou, em tradução livre, “Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2".

É este SARS-COV-2 que provoca a doença chamada de Coronavírus (COVID-19), palavra composta por CO (Corona), VI (Vírus), D (Doença) e 19 (ano que surgiu a doença).

Um salto na natureza pode durar milhares ou até milhões de anos, mas na história humana ele se dá às vezes num tempo infinitesimal e, dependendo de sua envergadura, provoca a abertura de uma nova época histórica onde tudo nunca mais será qualitativamente como antes.

Hoje a defesa da vida passa por deter a pandemia, achar a vacina contra o vírus e a cura da doença, que afetam a todos os povos, fazem eruptir todas as contradições nacionais e globais e colocam em xeque a totalidade do atual modo de vida humano.

Constituem desafios teórico-científicos e político-práticos que medirão o grau dos limites e possiblidades da consciência humana na superação do vírus apocalíptico e na promoção do reordenamento das relações produtivas e sociais da humanidade.

Não podemos nem devemos ser fatalistas. O inimigo global pode ser derrotado. A vida, salva! E a civilização humana, neste mundo íntegro e interdependente, construir um novo futuro, universalmente pacífico, democrático, humanista, justo, solidário, fraterno, desenvolvido, ambientalmente sustentável e tendo, por fim, a ciência e a natureza como seus eternos aliados.

Eduardo Rocha é economista

 


Eduardo Rocha: Um antivírus econômico ao coronavírus

Situações extraordinárias exigem soluções extraordinárias. A reativação da economia brasileira no curto prazo, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos programas sociais, o combate à desaceleração econômica e a proteção dos desempregados e informais demandam a adoção pelo governo federal e Congresso Nacional de uma medida imediata, extraordinária e extrema. Vejamos.

O governo federal enviou ao Congresso a Proposta de Emenda à Constituição n° 187, de 2019 (PEC dos Fundos Públicos), para que os cerca de R$ 220 bilhões retidos nos 281 fundos fossem destinados exclusivamente a abater a Dívida Pública.

Essa medida não dinamiza a economia, não gera um emprego nem um centavo nos bolsos dos 11,9 milhões desempregados, 38,3 milhões informais e 4,7 milhões desalentados (trabalhadores que desistiram de procurar trabalho), não ajuda o SUS nem os programas sociais no combate ao coronavírus. É necessário redirecionar esse dinheiro para frentes produtivas e sociais precisas e vitais.

A primeira é concluir cerca de 14 mil obras paradas em todo o País e já listadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e reunidas no livro “Obras Paradas: Entrave para o Desenvolvimento do Brasil” (Outubro/2019), elaborado pela Comissão Externa das Obras Inacabadas da Câmara dos Deputados. Seriam necessários mais de R$ 40 bilhões para que elas fossem concluídas. Dinheiro tem e está paralisado nesses fundos. É preciso dar-lhe vida produtiva.

Tais investimentos elevarão de imediato o nível de emprego formal direto. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) prevê a criação de 500 mil empregos diretos quando as obras forem reativadas. Se cada emprego direto gera, no mínimo, três indiretos, o total de emprego gerado vai para 1,5 milhão. Essa inclusão produtiva precisa obedecer a todos os procedimentos de prevenção ao coronavírus.

A segunda destinação é múltipla: a) fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS); b) incluir os mais de três milhões de pessoas que estão na fila de espera do Bolsa Família; c) dar um 13° emergencial aos 4,6 milhões de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e d) e criar o Cadastro Único dos Informais para que o trabalhador 1) receba nos próximos quatros meses um abono de um salário mínimo, desde que ele não usufrua de nenhum outro benefício, 2) tenha passe livre no transporte público e 3) e suspenso o pagamentos de água, luz e gás, inclusive aos desempregados.

Mudar o destino dos recursos dos Fundos para estes fins é fazer girar a roda da economia através do investimento público produtivo e social gerando, emprego, renda, consumo, circulação, lucro, produção, melhora da infraestrutura e elevação das receitas tributárias oriundas da dinamização econômica, além de proteger milhões de brasileiros socialmente vulneráveis contra o coronavírus. O Estado precisa atuar já. Usem maciçamente o dinheiro do BNDES, Caixa e Banco do Brasil. As empresas não podem fechar e o trabalhador e sua família não podem morrer, nem de fome nem de doença. O superávit da vida das pessoas e da economia deve prevalecer sobre o déficit fiscal.

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: A mulher e as desigualdades

Não obstante os séculos XX e XXI terem assistido a uma revolução no tocante a crescente presença das mulheres em todas as instâncias, no atual estágio do processo civilizatório da humanidade é inadmissível constatar o grau de desigualdade ainda existente entre homens e mulheres.

As mulheres estão em todas as partes da sociedade, mas a igualdade não está em parte alguma. É a conclusão que se repete mais uma vez quando se olha os números expostos no estudo “As mulheres no mercado de trabalho”, infográfico divulgado em 3 de março último pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) com base nos dados do 4º trimestre de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).

Em termos gerais de rendimentos médios mensais, enquanto os homens ganham R$ 2.495,00, as mulheres recebem R$ 1.958,00, ou seja, recebem 22% a menos.

Elas também recebem 29% a menos do que homens que ocupam os mesmos cargos de alta administração, como diretoria e gerência.

Quando se compara os rendimentos médios tendo por base o ensino superior, enquanto o homem ganha R$ 6.292,00, a mulher recebe R$ 3.876,00, isto é, 38% a menos.

Na aposentadoria, a mulher recebe em média R$ 1.707,00 e os homens R$ 2.051,00, ou seja, 17% menos. E como a desigualdade não tem limites, o desemprego atinge mais elas (13,1%) do que os homens (10,2%). E, desempregadas, demoram mais tempo (37%) para conseguirem outro emprego.

Mulheres brancas ganham mais do que negras, mostram dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 2012 até 2018, a diferença entre as mulheres cresceu levemente, de 66% para 71%.

Ainda segundo o DIEESE, a falta de creche tira a mulher do mercado de trabalho. Das que têm filhos em creches, 67% tinha trabalho remunerado. Já entre as mulheres cujos filhos não têm acesso à creche, 41% trabalham.

A desigualdade de oportunidades e rendimentos ocorre entre mulheres brancas e negras, entre mulheres e homens e mesmo numa mesma função/cargo, numa mesma categoria profissional, num mesmo nível educacional, numa mesma cidade, num mesmo estado e numa mesma região.

Mesmo depois de 230 anos da Revolução Francesa, não se concretizaram plenamente os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade – nem para o gênero humano em geral e muito menos para as mulheres em particular.

A democracia brasileira tem de cumprir a “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, aprovada em 1979 pelas Nações Unidas (e assinada pelo Brasil) e o seu cumprimento é mais do que um dever legal, é um dever moral em defesa da vida e da humanidade.

*Eduardo Rocha é economista.


Eduardo Rocha: Fortunas e salários na reforma tributária

Quando crescem no mundo e no Brasil as críticas à desigualdade e os apelos à taxação dos ricos, é decepcionante a afirmação (Valor Econômico - 11/02/2020) do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), negando taxar as grandes fortunas na reforma tributária. “Nunca tratei [de taxação de] grandes fortunas e não vou tratar”, disse na saída de almoço com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).

Em contrapartida, seguem vigentes os enormes prejuízos aos salários causados pela injustiça tributária expressa na defasagem da tabela do Imposto de Renda (IR) que atingiu astronômicos 103,87%, segundo estudo do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).

Entre 1996 e 2019, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) somou 327,37%, enquanto os reajustes realizados pelo governo chegaram a 109,63%. Nos últimos 23 anos, em apenas cinco as correções superaram a inflação: 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009. Desde 2016, não há correção da tabela.

Hoje é isento de IR quem ganha até R$ 1.903,98. Se a tabela fosse corrigida pela inflação acumulada, cerca de 10 milhões de contribuintes que ganham até R$ 3.881,65 ficariam isentos de pagar o IR.

Entre 1976 e 1978, o Brasil tinha 16 faixas de renda nas tabelas do IR, o que garantia maior progressividade. Entre 1983 e 1985, a tabela tinha 13 faixas e a alíquota máxima era de 60% (já foi de 65% entre 1963-1965). A partir da década de 1990 - à exceção dos anos de 1994 e 1995 - o número de faixas caiu para três e a alíquota máxima reduziu-se para 25%. Em 2009, a tabela foi novamente modificada, com a adoção de cinco faixas de salário e alíquota máxima de 27,5%.

Enquanto os poderes centrais são imperdoáveis com os assalariados, pois arrocham o seu poder de compra e fazem que mais e mais trabalhadores entrem na faixa que começa a pagar IR, esses mesmos poderes são dóceis à ''moneycracy'' (dinheirocracia) - que não abrirá mão tão fácil de seus privilégios fiscais.

A Comissão Mista do Congresso Nacional a ser criada para formatar a reforma tributária deve ser pressionada por milhões de cidadãos para que a tabela do IR seja corrigida e que os que mais têm e ganham paguem mais.

Caso contrário, a reforma será um teatro farsesco onde valerá a máxima do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em seu clássico “O Leopardo”: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está” – marcando mais uma vez, infelizmente, o triunfo e alegria da minoria e a derrota e tragédia da maioria.

*Eduardo Rocha é economista

 


Eduardo Rocha: O que está em jogo na reforma tributária?

Desde os sumérios (4.000 a.C), egípcios (3.000 a.C.), romanos (800 a.C), gregos (477 a.C), passando pelo feudalismo até as revoluções burguesas inglesa (1688), francesa (1789) e Brasil desde a colonização, a questão tributária foi e é a expressão de lutas entre uma minoria que controla a riqueza e a maioria que não a tem. E essa luta ficará mais decisiva já a partir de fevereiro no Congresso Nacional, que definirá qual a natureza da reforma tributária o Brasil (quem paga, quem se beneficia e quem será “esfolado”).

O desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo brasileiro necessita de uma reforma tributária estrutural econômica e socialmente justa que efetive a simplicidade; produtividade; competividade; desburocratização; redução de custos de produção; induza o crescimento e o desenvolvimento; combata a desigualdade social; promova a equanimidade; adote a progressividade tributária; distribua renda através dos serviços públicos; avance em cima dos que tem capacidade contributiva ociosa; erradique a pobreza; ataque o desenvolvimento desigual regional e redefina a repartição do bolo tributário entre os entes federativos (municípios, estados e União).

A PEC 45 não mexe com a carga tributária brasileira, mas simplifica sua estrutura por meio de um novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificaria os federais IPI, PIS e COFINS, o estadual ICMS e o municipal ISS. É uma medida necessária, mas insuficiente, pois não mexe com a minoria endinheirada.

É preciso, pois, regulamentar o Imposto Sobre Grandes Fortunas e Heranças; acabar com a isenção do Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos; aumentar o Imposto Territorial Rural (ITR); criar o Imposto sobre os Bens Supérfluos e de Luxo (o IPVA, por exemplo, não é cobrado de quem possui lanchas, iates, navios, “jet skis”, jatinhos, aviões, helicópteros); corrigir a tabela do Imposto de Renda (defasada em 104%) e aumentar a sua progressividade com a criação de novas faixas e alíquotas e combater a sonegação.

Numa entrevista (Infomoney - 05/01/2020), o dono da segunda maior fortuna mundial (US$ 113,7 bilhões), Bill Gates (64), o da Microsoft, defendeu um sistema tributário mais justo. “É por isso que sou a favor de um sistema tributário no qual, se você tiver mais dinheiro, paga uma porcentagem maior de impostos. E acho que os ricos devem pagar mais do que atualmente, e isso inclui Melinda e eu.”, afirmou o bilionário de 64 anos.

É um belo princípio que o Congresso Nacional pode adotar, mas a cidadania deve entrar em campo e pressionar, pois está em jogo o seu bolso e o futuro de cada um de nós, o das futuras gerações e o do Brasil.

*Eduardo Rocha é economista

 


Eduardo Rocha: Injustiça Fiscal e Revolta Social

Pouco antes da erupção da Revolução Francesa (14 de julho de 1789), um primeiro-ministro – o economista Turgot (1774-1776) - e os três últimos ministros da economia da monarquia - Colenne (1783-1787), Brienne (1787) e Necker (1789) – propuseram ao rei Luiz XVI taxar os ricos e diminuir privilégios tributários da aristocracia (nobreza e clero) para fazer frente à caótica situação econômico-fiscal-social. Eles foram derrubados pelos senhores da riqueza do Antigo Regime e a Revolução depois derrubou a tudo e a todos.

Após a queda da Bastilha, Luís XVI escreve, em 12 de agosto de 1789, ao arcebispo de Arles mostrando sua indignação aos decretos revolucionários de 5-11 de agosto, que aboliram privilégios tributários e direitos clerical-senhoriais. “Não consentirei jamais que meu clero e minha nobreza sejam esfolados”, escreveu. As massas populares, nas Jornadas de Outubro, impuseram-lhe a aceitação dos decretos, que iam além da questão fiscal.

Àquela altura, o último rei francês não tomara ciência que seu trono era apenas um assento, que sua coroa era apenas uma relíquia, que a estrutura social feudal-monárquica ruíra e que a história já apagara o seu sol (a escuridão eterna só o alcançaria em 21 de janeiro de 1793, às 10h20m).

Nutridas por múltiplas causas, o fato é que várias revoltas sociais em diversos países e épocas tiveram como fermento político à desigualdade social, fruto também de injustiça fiscal: privilégios à minoria e sacrifícios à maioria.

A reforma tributária em gestação em Brasília reproduz a injustiça fiscal. Em sua forma, sinaliza à simplificação ao fazer cirurgia plástica nos impostos sobre produção e consumo, mas, em sua essência, mantém intocáveis os privilégios fiscais sobre a renda e propriedade da minoria endinheirada.

A concentração da riqueza em favor da minoria em meio a uma maioria pobre, miserável e esfolada enfraquece a democracia, apequena a República, bloqueia o crescimento e o desenvolvimento do país.

A natureza humana suporta até certo ponto a ponto a dor, o sofrimento, o descontentamento, o desrespeito, a frustração, a humilhação, a miséria, a desigualdade e a opressão das circunstâncias, mas passando esse ponto-limite dá adeus à passividade política e liberta seu espírito crítico-social ao statuo quo e aciona um cérebro coletivo revoltoso não só aos efeitos da ordem, mas ao fundamento da própria ordem.

Os conselheiros econômicos de Luís XVI não foram ouvidos e as consequências são conhecidas. No Brasil, serão necessárias novas, mais fortes e mais conscientes jornadas massivas, como as de junho de 2013, para a insensível consciência dos senhores da riqueza aceitarem uma justiça fiscal?

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Isenção para o bilhão, mais imposto no pão, arroz e feijão

Pão, arroz, feijão, leite, café, entre outros alimentos da cesta básica, ficarão mais caros, caso seja aprovada a reforma tributária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados (Proposta de Emenda Constitucional – PEC- 45/2019), que visa aumentar os impostos da comida para combater o desequilíbrio fiscal da União.

Em troca, quer implantar um sistema que (não diz como) restitui parte do imposto pago na cesta básica diretamente às pessoas mais pobres. É como se fosse um empréstimo ao governo.

“Quem empresta, adeus”, disse certa vez Aparício Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971). É mais fácil Saci Pererê cruzar as pernas e vampiro doar sangue do que o pobre ver esse dinheiro de volta ou ser beneficiado com tal armadilha tributária.

O governo federal afirma que o subsídio da cesta básica é alto e custou, em 2018, R$ 15,9 bilhões, ou seja, 5,06% do valor total de renúncia fiscal que atingiu R$ 314,2 bilhões - 25,6% sobre a receita primária líquida e 4,6% do PIB. Aliás, de 2014 até 2019, o total de renúncia fiscal é de R$ 1,7 trilhão – valor maior do que a economia previdenciária que Brasília deseja fazer nos próximos dez anos.

O justo é o contrário. Em vez desse arrocho tributário-alimentar, a reforma deveria zerar o imposto dos alimentos da “cesta básica”, barateando a comida à mesa da população.

Mais, ela deveria: a) regulamentar o imposto sobre grandes fortunas (artigo 153, VII, da Constituição); b) cobrar a Dívida Ativa Não Previdenciária da União (R$ 1,6 trilhão); c) cobrar os devedores do INSS (R$ 504,6 bilhões); d) combater à sonegação (R$ 345 bilhões em 2018; e) cobrar o Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos (R$ 60 bilhões); f) mudar o cálculo do Imposto Territorial Rural (ITR); g) criar imposto sobre aeronaves (R$ 100 bilhões só sobre os 15.000 jatos registrados no país) e embarcações; g) corrigir a tabela do Imposto de Renda aumentando sua progressividade, etc..

A reforma é necessária e requer que os que mais têm e ganham paguem mais. A questão, porém, é: qual será a sua natureza arrecadatória (quem, como, onde, quando e quanto paga) e distributiva (para quem, como, quando, quanto e aonde vai o dinheiro), inclusive para a União, estados e municípios?

A natureza progressiva ou regressiva da reforma tributária será filha política de uma desigual correlação de forças que hoje (amanhã poderá mudar) é expressa entre uma minoria endinheirada fortemente representada no parlamento e uma maioria desnutrida financeiramente e desarticulada que corre o risco real de pagar mais para que uma minoria pague menos ou nada ou receba.

Nesta semana, após 11 dias de protestos, o povo do Equador derrubou o aumento dos combustíveis. Aqui, aumentarão o imposto da comida. O que dizem o estômago, o bolso e a mente do brasileiro?

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: O mundo, a ciência e nós

Nos quadros da dinâmica do acirramento da já violenta concorrência econômica internacional (China, EUA, Europa e os periféricos), é preciso manter sempre a reflexão-propositiva (não apenas diagnosticar) de qual o futuro o Brasil necessita para garantir exemplarmente a dignidade e bem estar social do seu povo aproveitando todo o seu imenso, fantástico, privilegiado e inexplorado potencial econômico, dentro – e sempre - de um regime democrático, pluralista, republicano, global, ético, cosmopolita, cooperativo, decente, solidário, humanista e consciente do seu papel econômico-ambiental neste planeta – esse pedacinho de terra e de água perdido por aí na imensidão do infinito e desconhecido Universo.

Não há futuro nenhum para a felicidade humana sem democracia e liberdade e bem estar social para todo ser vivente.

Falo hoje, em minha coluna, algo que vai além da economia. O tempo exige e impõe que eu faço isso. Ele, o tempo, é o senhor cruel da razão da existência. Sua sentença não admite contestação. O tempo nos concedido nessa existência é apenas um brevíssimo passeio pela beleza da eternidade, o que é um privilégio.

Os mercados mundiais - com suas empresas universais, globais, espetacularmente avançadas, competitivas e financeira e absurdamente fantásticas - não são, como desenvolvimento das forças produtivas, inimigos do progresso humano. O máximo desenvolvimento das forças produtivas possibilitará libertar a humanidade do seu sofrimento universal. Abram-se os mercados nacionais e verá o que é capitalismo em todas as nuances, belas e cruéis.

Constituem essas forças produtivas atualmente o revolucionamento do mundo e de suas relações sociais correspondentes. São realizações do conhecimento humano até hoje conquistado. E constituem, ao mesmo, tempo, a base de onde outros cérebros privilegiados- o conhecimento humano social-futuro – que poderão se apoiar “nos ombros” do passado-pensado, para levar a humanidade a outros universos do conhecimento, jamais nunca imaginados.

Diante dessa simples reflexão, clareia-se que a principal vergonha brasileira é a desigualdade social, escandalosa, estúpida. Desigualdade patrocinada há cinco séculos pelos donos do poder. Mesquinhos. Querem tudo para si. De que adianta sermos a oitava economia do mundo se nossas crianças são reprovadas a avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA)? Oitava economia para quem? Para alguns poucos brasileiros que vivem no primeiro mundo, enquanto a maioria vive no inferno.

A democracia brasileira convoca os senhores para uma reflexão autocrítica, se é que isso é possível. Se não for, que a dinheirocracia brasileira escute e sofra com as críticas das urnas democráticas.

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Privilégio e chicote

As isenções fiscais para diversos setores econômicos e os cortes de recursos para a ciência marcaram a semana e mostram o privilégio para alguns e o chicote para outros. Uma triste tradição na formação econômica e social brasileira.

Se, de um lado, o Governo estima abrir mão de R$ 331 bilhões em arrecadação em 2020 com renúncias tributárias (ou 4,35% do Produto Interno Bruto – PIB), de outro, anunciou o corte de mais 5.613 bolsas de pós-graduação que seriam ofertadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência federal de apoio à pesquisa, a partir de setembro.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também é afetado, pois seu déficit orçamentário é de R$ 330 milhões, valor necessário para o pagamento das bolsas para 85 mil pesquisadores até o fim do ano.

Para 2019, serão R$ 37,8 milhões a menos de investimento em pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

O agronegócio conseguiu aprovar ainda em abril, na comissão especial da Câmara que analisou a PEC da reforma previdenciária, a volta da isenção às contribuições previdenciárias dos produtores rurais que exportam. Sem esse privilégio, os cofres públicos poderiam arrecadar quase R$ 84 bilhões em uma década, segundo cálculos do Planalto. Na mesma comissão especial, os deputados ruralistas mantiveram o perdão de suas dívidas tributárias.

Não há duvida de que o agronegócio é um setor dinâmico e responsável por parcela significativa da economia e das exportações brasileiras: representa cerca de 25% do PIB nacional e é responsável por cerca de US$ 101,7 bilhões de exportações em 2018 (42,4% do total das exportações).

No entanto, essas renúncias fiscais vão contra o esforço – imposto aos mais humildes - de buscar o equilíbrio fiscal e joga um peso sufocante e insuportável na pesquisa científica nacional. Quantos projetos de pesquisa serão abortados, bloqueados, interrompidos. Quantos cérebros serão afetados?

O mundo vive uma revolução científico-tecnológica que está transformando a civilização, e o Brasil não pode ficar de fora. Políticas nacionais de ciência e tecnologia são elementos fundamentais em qualquer política de desenvolvimento, sob pena de o Brasil ver aumentar sua diferença (atraso) com os países desenvolvidos e até com emergentes.

Não será sacrificando a ciência e a tecnologia que o Brasil avançará. Gastos nesta área não são despesas, mas investimento para o futuro.