Eduardo Rocha

Eduardo Rocha e George Gurgel de Oliveira: O Brasil tem urgência na vacinação

Um problema extraordinário exige uma solução extraordinária. O Brasil tem urgência na vacinação e as organizações empresarias podem ajudar. O combate eficaz à escalada colossal e fúnebre da pandemia e a defesa da vida exigem uma inédita cooperação entre o Estado, o mercado e toda a sociedade brasileira para promover a universalização acelerada da vacinação.

Propõe-se aqui que os governadores e prefeitos enviem aos seus respectivos Legislativos, de comum acordo com o governo federal e o Congresso Nacional, um projeto de lei que autorize as empresas privadas nacionais e internacionais que atuam no Brasil adquiriram vacinas já disponíveis no mercado mundial contra a Covid-19.

As vacinas compradas seriam divididas em duas partes. Uma destinada a vacinar os trabalhadores dessas empresas adquirentes e outra (cuja quantidade deve ser pactuada e ser superior às destinadas aos funcionários das empresas compradoras) seria doada ao Sistema Único de Saúde (SUS) para vacinar a população dos estados e municípios, seguindo a ordem dos grupos prioritários já definidos.

A compra de vacinas e sua aplicação gratuita aqui proposta visa salvaguardar a saúde e a vida do próprio trabalhador, garantir a continuidade da atividade econômica das empresas (a maioria delas amargando enormes prejuízos), descolapsar a rede hospitalar e atender o interesse social-humanitário da população, que clama por vacinas, enfrentando assim a tragédia sanitária, econômica e social que a sociedade brasileira está vivendo, com desdobramentos imprevisíveis.

Esta nossa proposta vai além da Lei 14.125/21, que autoriza o setor privado comprar vacinas, determina que estas doses adquiridas sejam integralmente doadas ao SUS enquanto estiver em curso a vacinação dos grupos prioritários e, após a conclusão dessa etapa, o setor privado poderá então ficar com metade das vacinas que comprar, e estas deverão ser aplicadas gratuitamente. Mas isso não está ocorrendo ou está muito lentamente e não atende de imediato aos funcionários das empresas compradoras.

Diferentemente desta Lei e de outras iniciativas legislativas (no Congresso Nacional e em algumas Assembleias) que permitem corretamente a compra pelas empresas privadas, mas restringe tal compra apenas a seus funcionários, nossa proposta é mais ampla e unificam as duas iniciativas citadas acima.

Em primeiro lugar, nossa proposta visa, salvaguardada a ordem dos grupos prioritários, a ampliação da cooperação público-privada na compra das vacinas para atender imediatamente aos trabalhadores dessas empresas compradoras, chefes de família (mulheres e homens) que diariamente se deslocam ao trabalho, correndo os riscos de contaminação no trajeto casa-trabalho-casa.

Em segundo lugar, garante às empresas manterem em pé suas atividades econômicas, pois contarão com seus trabalhadores vacinados e, por fim, que estados, municípios e setor privado, numa ação conjunta, acelerem a universalização da vacinação da população, vivifiquem as empresas e possibilitem a retomada gradual do crescimento econômico, do emprego, da renda.

Assim, a presente proposta, sem prejuízo das compras já anunciadas pelos governos federal, estaduais, municipais (e consórcios), fortalece a cooperação público-privada no Brasil em defesa da universalização acelerada da vacinação neste momento trágico de nossa história. É urgente e factível.

Sempre foi a hora suprema de o Brasil combater e eliminar o vírus que nos mata e nos envergonha mundialmente. Somos o centro de propagação e de vítimas fatais da Covid-19, cujo vírus em constante evolução produz novas e mais agressivas cepas, cuja propagação acelerada tende a abrir as portas do inferno caso se concretize a alarmante e sinistra previsão científica de Alexander Gintsburg, diretor do Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia (Instituto Gamaleya), responsável pela criação da Sputnik V, e Acadêmico da Academia Russa de Ciências.

Em entrevista ao site de notícias russas Izvestia, Gintsburg afirma que “a próxima etapa é a infecção de animais domésticos e de fazenda. E quando protegermos a humanidade com a ajuda de boas vacinas dentro de um ano, os animais de estimação estarão infectados nessa época e ninguém vai se livrar de seus amados animais de estimação.”.

Ou seja, um descontrole total da transmissão viral e a lentidão da vacinação combinadas tendem a contaminar (provavelmente com novas cepas) os animais e cujos impactos sanitários ainda estão em estudo. Imagine o impacto para o Brasil (para ficarmos nele) na produção avícola, suína e bovina. Um caos sanitário e econômico e social sem precedentes. O Brasil tem urgência na vacinação!

Os atos da nossa atual geração de brasileiros já estão registrados na história. A consciência cidadã e democrática do futuro narrarão como nós nos comportamos. As futuras gerações sentenciarão se fomos ou não capazes de unir Estado, mercado e sociedade civil em torno de um só único objetivo: salvar vidas!

A história julgará a todos nós, pelo que fizemos ou pelo que deixamos de fazer no enfrentamento do COVID-19. Ser impotente quando lhe falta arma é até compreensível, mas ser derrotado quando lhe falta à razão a boa política, é um crime, que não haverá perdão!

É possível combater e vencer a pandemia através da unidade de ação do Congresso Nacional, dos governos e legislativos estaduais e municipais, da comunidade científica, das empresas, da sociedade civil organizada, dos gestores e profissionais de saúde, da consciente participação da cidadania brasileira e da cooperação internacional.


*Eduardo Rocha (E-mail: edursj@yahoo.com.br) é economista e George Gurgel de Oliveira (E-mail: geogurgel1@gmail.com) é professor da UFBA e Vice Presidente da Câmara Brasil-Rússia de I & C e Turismo no Brasil.


Eduardo Rocha: Riqueza concentrada e pobreza ampliada

Como desgraça pouca é bobagem e nunca vem desacompanhada, a pandemia da Covid-19 mudou os modos de vida, contaminou maleficamente as esferas da produção, distribuição, comércio, finanças, processo de trabalho, emprego, renda, saúde, lazer, cultura, esporte, Estados nacionais, organismos multilaterais, comércio mundial - enfim, toda a arquitetura da sociabilidade humana local, nacional, regional e global – e aprofundou a distância entre dois polos quantitativo e qualitativamente opostos: o da riqueza concentrada e o da pobreza ampliada.

O relatório Riding the storm, do banco suíço UBS e da consultoria PwC, mostra, por exemplo, que os 2.189 magnatas globais somados (em julho deste dramático ano de 2020) aumentaram seu patrimônio líquido para U$ 10,2 trilhões, em plena pandemia.

Os Estados Unidos lideram o ranking. A fortuna dos seus bilionários chegou a US$ 3,6 trilhões. Depois vem a China (US$ 1,7 trilhão), Alemanha (US$ 594,9 bilhões), Rússia (US$ 467,6 bilhões), França (US$ 442,9 bilhões), Índia (US$ 422,9 bilhões), Hong Kong (US$ 356,1 bilhões), Reino Unido (US$ 205,9 bilhões), Canadá (US$ 178,5 bilhões) e, em décimo lugar, o Brasil (US$ 176,1 bilhões. Coexistindo com o crescimento dessa riqueza concentrada está o decréscimo da renda da pobreza ampliada. O terreno da desgraça é longo e fértil em frutos maléficos.

O Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) aponta 1,3 bilhão de pessoas no mundo vivendo na pobreza. O Banco Mundial diz que até 2021 a pandemia levará mais 150 milhões à extrema pobreza (renda diária de até US$ 1,90 ou cerca de R$ 10). A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima quase 690 milhões de famintos no mundo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que 1,6 bilhão de pessoas estão na precarizante informalidade trabalhista. O Brasil tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados, 40 milhões de trabalhadores informais e precarizados.

Foi na seção 4 do capítulo XXIII do Livro 1 de O Capital (1867) que Karl Marx (1818-1883) expos que, sob o capitalismo, a acumulação de riqueza num polo é ao mesmo tempo acumulação relativa de miséria no polo oposto. Tal tendência acentua-se! Não basta, portanto, aplicar uma vacina segura que elimine a Covid-19. É preciso erradicar sua herança nefasta. E não será com caridade/filantropia que se faz isso ou se desativa o mecanismo da acumulação da riqueza, de um lado, e da miséria, de outro.

O infarto econômico mundial causado pela Covid-19 demanda, mais do que as atuais terapias intensivas, uma nova arquitetura socioeconômica global via uma Conferência Mundial pela Produção e pelo Emprego, sob a responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU), visando harmonizar os fluxos monetários e financeiros internacionais de modo a canalizar a poupança pública e privada em investimentos produtivo-reais.

Daí pode sair uma vacina democrático-civilizatória de modo a anular e superar a força gravitacional da recessão mundial tenebrosa e de um futuro sinistro e sombrio e permita a construção de um embrião de um novo padrão global de desenvolvimento neste século XXI.

*Eduardo Rocha é Economista


Eduardo Rocha: Os 250 anos de Hegel

Em 14 de julho de 1793, estudando no Seminário da Igreja Luterana em Tübingen, sul da Alemanha, e antes de completar 22 anos de idade, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 –1831), juntamente com seus amigos de juventude Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854) e Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770-1843), planta uma “arvore da liberdade” em homenagem à Revolução Francesa (14 de julho de 1789) e à proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789).

A Revolução burguesa e seus desdobramentos foram então os elementos radical-constitutivos ao surgimento em Hegel de uma nova teoria sobre o ser realmente existente, sobre o mundo, sobre a natureza, sobre o gênero humano, sobre a história e dá, assim, vida a uma nova ontologia que anuncia pela primeira vez, desde a aparição do primeiro Homo Sapiens, que a história da humanidade é feita pelos próprios seres humanos, que se explicam a si mesmos, que fazem a sua própria história.

Nocauteia as antigas e petrificadas ontologias animistas e religiosas expressas historicamente nas sociedades primitivas, em Aristóteles (384 a.C.-322 a.C), Santo Agostinho (354 d.C.-430 d.C), Tomás de Aquino (1225-1274) – todas centradas numa ontologia dualista mítico-religiosa e mítico-classista entre o mundo da essência eterno, fixo, imutável e dirigente e o mundo fenomênico dirigido e em transformação – e supera o idealismo transcendental e o agnosticismo do ser existente de Immanuel Kant (1724-1804).

Na primeira sistematização da história da humanidade expressa na sua obra Fenomenologia do Espírito (1807), afirma: “não é difícil ver que o nosso tempo é um tempo de nascimento e passagem para um novo período. O espírito rompeu com o mundo de seu existir e do seu representar que até subsistia (…). Esse lento desmoronar-se, que não alterava os traços fisionômicos do todo, é interrompido pela aurora que, num clarão, descobre de uma só vez a estrutura de um novo mundo”.

A Revolução, para ele, consagra a liberdade e dá-se o fim da história, pois não haveria outra sociedade senão aquela proclamada por 1789: a burguesa e o seu último homem, o burguês. Foi Hegel quem disse que ninguém poderia ir além de seu próprio tempo. O mundo que vislumbrou ruiu e levou junto consigo seu sistema, que mereceu os tiros de misericórdia cognitivo-práticos e epistemológicos tanto de Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) quanto de Karl Marx (1818-1883), que, como disse Evald Vasilievich Ilyenkov (1924-1979), foi quem uniu magistralmente a mais elevada cultura filosófico-lógica com o mais elevado da cultura econômico-política.

Nesses 250 anos de seu nascimento, e na busca pela emancipação humana, plantemos em sua homenagem uma árvore, mas a árvore de Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832), para quem: “Toda teoria é cinzenta. Verde e frondosa é a árvore da vida.”

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Desoneração com redução de jornada para geração de emprego

As desonerações feitas até agora sobre a folha de pagamento não exigiram das empresas nenhuma contrapartida no sentido de ampliar os empregos dos 17 setores beneficiados (eram 28 até abril de 2018), dentre eles os de calçados, call center, comunicação, têxtil, couro, construção civil e de infraestrutura, transporte metroferroviário, rodoviário coletivo e de cargas, automotivo, proteína animal, máquinas e equipamentos, tecnologia da informação, projeto de circuitos integrados.

A atual desoneração, de um lado, libera as empresas do desconto de 20% ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, de outro, cobra alíquotas que vão de 2% a 4,5% sobre o valor da receita bruta. O benefício fiscal, que acabaria agora em dezembro de 2020, foi prorrogado até dezembro de 2021, por decisão de deputados e senadores, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a prorrogação. O Congresso Nacional, contudo, votará, nos próximos dias, pela derrubada do veto presidencial e o benefício assim ganhará mais tempo de vida.

Chama a atenção que não há uma só amarração no sentido de vincular o benefício à ampliação de empregos dentro desses setores desonerados. A lógica prevalecente é a de manter ou reduzir o mínimo possível os já existentes. Já passou do ponto ou da hora de enfim capital, trabalho e governo pactuarem um conjunto de medidas orientadas para erguer uma ação público-privada baseada no tripé formado pela desoneração com redução de jornada para geração de emprego.

Isso não é impossível de ser feito. A ampliação do emprego via redução da jornada de trabalho de 39 para 35 horas semanais na França, ainda no governo de Lionel Jospin (1997-2002), virou realidade ao garantir que a redução de impostos sobre a folha de pagamento para todas as empresas com mais de 20 empregados fosse acompanhada da redução da jornada de trabalho e da contratação de trabalhadores adicionais.

O desemprego é resultado de múltiplas causas, dentre as quais se destacam a chamada reestruturação produtiva (expressão da necessidade do permanente revolucionamento da ciência e da técnica aplicadas ao processo gerador de valor) e a dos descaminhos das políticas macroeconômicas recentes e agora, fundamentalmente, a causada pela pandemia no novo coronavírus.

A Covid-19 provocou um infarto econômico mundial e reconfirmou ontologicamente o trabalho – este eterno e necessário intercâmbio entre o gênero humano e a natureza para a reprodução da vida – como a força material fundante na gênese e no desenvolvimento do ser social. A retomada da atividade econômica deve ser pautada pela inovação necessária para colocar na ordem do dia, dentre outras questões, uma nova "geografia" do tempo do trabalho para que cada um trabalhe menos para que todos possam trabalhar.

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Eles sabem o que e para quem fazem!

No clímax de sua crucificação, Jesus clamou: “Pai, perdoa-os! Porque eles não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Para os cristãos, tal postura é a clara revelação de seu generoso perdão e sua profunda misericórdia mesmo àqueles que contra ele conspiraram, prenderam-no, julgaram-no, condenaram-no, maltrataram-no, humilharam-no, crucificaram-no e deixaram-no na cruz a agonizar até o último suspiro inocente absorver os derradeiros lances de ar.

Portanto, há neste mundo os que não sabem por que fazem e mesmo assim fazem. Há também os que sinistramente unem tão diabolicamente os dois verbos (fazer e saber) que nesta hora já modelam a essência e a aparência da futura reforma tributária, cuja arquitetura final tende a expressar e satisfazer os grandes interesses da minoria endinheirada.

Os que lideram o debate político-tributário-econômico falam em “unificação e simplificação de impostos”, “redução da carga tributária e dos custos”, “melhoria do ambiente de negócios”, “transparência ao consumidor”, “neutralidade”, “fim da cumulatividade e disputas judiciais”, “competitividade”, “crescimento econômico” e por aí vai.

As três propostas em tramitação no Congresso (a PEC 45, da Câmara, a PEC 110, do Senado, e o texto do governo federal) podem ter diferenças técnico-pontuais aqui e ali, mas suas ossaturas representam os interesses invisíveis e silenciosos dos grupos sociais dominantes que, em sua grande parte, são conservadores do status quo; defensores dos privilégios do passado, do presente e do futuro; radicalmente dogmáticos no poder milagroso da “mão invisível”; extremamente contrários e resistentes a qualquer mudança que altere minimamente sua participação relativa na produção e apropriação da riqueza e sua reprodução política no poder.

Enquanto protege a alta riqueza e as grandes propriedades da justa taxação, o espírito tributário que vagueia em Brasília quer tirar dos pobres para dar aos mais pobres. Como? O governo quer tirar parte do abono salarial, cujo valor é de até um salário mínimo (R$ 1.045), pago aos trabalhadores com carteira assinada, e tirar parte do salário-família, cujo valor varia com a quantidade de filhos, e destiná-las ao chamado Renda Brasil; não quer novos beneficiados ao seguro defeso (auxílio pago ao pescador durante o período de reprodução dos peixes); quer elevar o imposto da cesta básica e acabar com as deduções do Imposto de Renda (cuja tabela está desatualizada), que atingirão os que pagam planos de saúde e escola particular.

A conta não deve ser jogada à mesa pobríssima da maioria miserável que chora, mas no bolso da minoria milhardária que ri. Mantida, porém, a essência injusta da tributação, os senhores da reforma tributária não terão perdão, pois eles sabem o que fazem e para quem fazem.

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (5)?

A questão fiscal caminha num terreno movediço dentro dum nevoeiro traiçoeiro e sobre uma estreita, fina e frágil faixa de terra, cuja travessia requer todo o cuidado para não cair, de um lado, na contração fiscal e, de outro, na expansão descontrolada do déficit primário e da dívida pública.

Ambas têm efeitos negativos na economia, na execução das políticas sociais essenciais, nas próprias finanças públicas (recessão traz queda da arrecadação), na repartição do “bolo” tributário entre União, estados e municípios, e, por fim, no imaginário popular sobre os benefícios socioeconômicos da democracia.

Não há uma solução única e simples para um problema complexo. É necessário um conjunto de medidas para a recuperação financeira do Estado. Além da reforma tributária justa, essencial para alavancar o crescimento, repactuar financeiramente a federação e garantir a rede de proteção social, é preciso definir os eixos de uma austeridade fiscal que não sacrifique a execução das políticas públicas em suas diversas frentes nem bloqueie a promoção do desenvolvimento.

Dentre esses eixos estão o corte de privilégios fiscais à minoria, maior controle social sobre os gastos públicos, melhor aparelhamento dos órgãos fiscalizadores e arrecadadores, combate implacável à sonegação, dentre outras ações destinadas a interromper a corrosão fiscal.

Por mais que os gastos sociais sejam presas fáceis a todo receituário de austeridade conservadora, a conta do equilíbrio fiscal não pode ser jogada à pobre mesa dos miseráveis. Na mão da tesoura fiscal há o dedo da morte do social.

Não se trata, portanto, só de recuperação fiscal, mas da reinvenção do papel do Estado rumo a um “Estado 5G” e de sua relação com uma sociabilidade brasileira que coexiste com o atraso e o moderno em suas entranhas. Trata-se ainda de determinar qual a natureza das reformas estruturais necessárias para sair das órbitas da reedição de mais uma década perdida e da perpetuação das mazelas sociais seculares.

Como esse debate é 5% técnico e 95% político, tomo aqui emprestado um feliz raciocínio exposto em abril deste ano pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, à primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, quando dos debates acerca do futuro europeu e diante dos discursos glaciais dos tecnocratas: “- Nós estamos escrevendo uma página da história da humanidade, e não um manual de economia.”

Afirmamos o mesmo em nosso caso. Não se trata de escrever um novo clássico de economia política, mas de escrever as futuras páginas da democracia e da civilização brasileiras.

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (4)?

Os artigos anteriores apresentaram resumidamente a essência clássica de uma austeridade fiscal conservadora para fazer frente aos déficits fiscais que se fazem presentes em determinados momentos históricos. Destacaram ainda que tal essência volta a ser defendida por círculos financistas como a “vacina” ideal para a recuperação financeira do Estado e enfrentamento da brutal depressão econômica verificada no Brasil, como prova a queda histórica 13,5% do Produto Interno Bruto (PIB) na comparação de abril de 2020 com abril de 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

O avanço veloz da pandemia do novo coronavírus Sars-Cov-2 e da Covid-1 criou uma situação fiscal preocupante: por trás, os gastos; pela frente, a dívida e, na cabeça, a dúvida. Com as reduções do PIB, do emprego, da renda, do consumo, da receita e o crescimento dos gastos, do déficit e da dívida pública, defende-se aqui que a austeridade não pode nem deve repetir seu receituário clássico conservador, pois sua reedição aprofundará a depressão e agravará o quadro social.

Destinar mais uma vez os resultados financeiros da austeridade em favor das oligarquias e do parasitismo financista especulativo – essa economia dos papeis que compra tudo o que é fruto concreto do saber e do suor humanos – é um crime social e econômico.

É necessária uma austeridade fiscal democrática financeiramente eficaz, socialmente inclusiva, promotora do desenvolvimento, que combata o desperdício, a ineficiência, a ineficácia e elimine a concessão de recursos públicos a grupos sociais e econômicos dominantes fortemente articulados politicamente no aparelho estatal e centros decisórios da República.

A natureza de uma austeridade democrática casada a uma reforma social e econômica rompe, assim, a histórica, repetitiva, criminosa e imoral austeridade fiscal que consistiu até agora em sacrificar os miseráveis mantendo intocáveis os privilégios do “andar de cima”, emprestando aqui a definição de Elio Gaspari.

Tal austeridade democrática supera a estreiteza de perspectivas e ações que caracteriza a política de austeridade conservadora defendida pelos grupos econômicos e financeiros dominantes e entusiasticamente cultuada pelos círculos financistas em torno ministro da Economia, Paulo Guedes.

Reunida quantitativamente a força política para lhe dar vida, o que não é nada fácil, os resultados financeiros da austeridade fiscal democrática podem ser qualitativamente direcionados para a melhoria dos serviços públicos essenciais, a inclusão produtivo-social de milhões cidadãos e ao apoio às empresas do presente e do futuro. (continua…)

*Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (2)?

Na ausência da utópica “mão invisível do mercado” para combater os efeitos maléficos da devastadora recessão econômica causada pela Covid-19, Europa, Estados Unidos e Brasil escantearam seus dogmas fiscalistas restritivos e partiram direta, aberta e desavergonhadamente para a abertura do bolso do Estado (até emissão de dinheiro fizeram) para salvarem empresas e desafortunados da crise.

Agora, ganha força a pregação da austeridade fiscal como um dos instrumentos de recuperação financeira do Estado brasileiro (União, estados e municípios), mas o modo como será aplicada determinará a salvação de uns ao paraíso dos privilégios fiscais e a condenação de outros ao inferno dos castigos tributário-sociais.

A natureza da austeridade fiscal será determinada pela correlação de forças econômicas, sociais e políticas que, ora à luz do dia ora nas sombras clandestinas, lutam entre si para determinar quem pagará a conta dos gastos extraordinários para fazer frente aos efeitos econômicos e sociais da pandemia.

Os cavaleiros do apocalipse fiscal afirmam que a austeridade e as “reformas estruturantes” são a precondição necessária para operar os milagres da retomada do crescimento econômico; da redução do déficit primário, da dívida pública/encargos; da recapacitação financeira do Estado; da ampliação do crédito, do consumo, dos investimentos, do emprego etc.

Os ingredientes dessa sua austeridade são a criação de mecanismos impeditivos ao acesso aos benefícios sociais e a redução de valores e contingentes do programa Bolsa Família, do Benefício Programado Continuado (BPC), do abono salarial, do seguro-desemprego, dos aposentados e pensionistas; do corte salarial dos servidores; a perpetuação da defasagem da tabela do Imposto de Renda; a manutenção dos benefícios fiscais aos grandes grupos econômicos e dos privilégios a militares, magistrados e parlamentares.

Completa essa austeridade fiscal a privatização ampla, geral e irrestrita; a desregulamentação total da economia; a aniquilação dos direitos trabalhistas; a redução de impostos a empresas (e igrejas); a desoneração da folha de pagamento, entre outras.

A natureza política da austeridade defendida pelo ministro Paulo Guedes é a expressão concentrada dos interesses dos grandes grupos econômicos e financeiros, que desejam reformas que consolidem um Estado máximo para uma minoria e um Estado mínimo para a maioria de modo a viabilizar um Estado máximo para a acumulação de capital e um Estado mínimo para o social.

Tal austeridade amplia os muros das desigualdades e mantém invicta a cabeça de Medusa que petrifica o desenvolvimento, perpetua os flagelos dos hediondos déficits sociais históricos que envergonham e frustram a nação.

Outra austeridade fiscal é necessária e falaremos dela.

Eduardo Rocha é economista


Eduardo Rocha: Em defesa da democracia e da liberdade de imprensa

Só os fracos temem a imprensa livre e só os tiranos aceitam como “verdade” apenas a “sua verdade”. Os atos autoritários vistos no “cercadinho” do Palácio do Alvorada, com a anuência do Presidente da República, é a expressão do retrocesso civilizatório. É a manifestação de um primitivismo animalesco selvagem, bárbaro e desumano. É o saudosismo das trevas ditatoriais. É o sinal antidemocrático que aponta para a morte da democracia e para a agressão e até mesmo a morte física dos que pensam diferentemente do plantonista no Palácio do Planalto.

Uma minoria autoritária, barulhenta e bárbara a insultar – e quase agredir – profissionais da imprensa é a expressão ampliada da ignorância cultural, política e civilizatória de um presidente de nítida e confessa formação autoritária e antirrepublicana, que acredita poder governar a República como governa a sua família, principalmente a seus filhos, alçados a príncipes mandonistas de uma Corte de Bobos e Loucos.

É a expressão de um presidente descompromissado com a vida. Em vez de buscar viabilizar respiradores e testes rápidos para o combate à pandemia do Covid-19, em vez de visitar os hospitais para dar apoio moral às famílias que sofrem a perda de entes queridos e aos profissionais de saúde que lutam desesperada e heroicamente em salvar vidas, o presidente da República passeia debochadamente de jet sky , no dia em que faria um churrasco para três mil seguidores, ideia louca descartada após tempestades de críticas, passeia eleitoralmente nas ruas promovendo perigosas aglomerações e participa impunemente em atos golpistas.

É a expressão de um presidente desesperado que tenta transformar a Polícia federal num puxadinho de seu condomínio da Barra da Tijuca na tentativa de barrar e acabar e, de preferência, apagar as investigações que avançam sobre dezenove membros de sua família – principalmente seus filhos - no estado do Rio de Janeiro.

Essa minoria autoritária assassina a verdade e dá vida à mentira. Derruba a razão e aduba o irracionalismo. Menospreza a cultura e valoriza a ignorância. Ama as armas e odeia livros. Agride a imprensa livre e promove sites governistas de fake news. Desarmoniza os poderes da República e conspira contra o meio ambiente. Patrocina o belicismo e pragueja o pacifismo. Expulsa a ciência e abraça o obscurantismo. Cultua a ditadura e condena a democracia. Enaltece a ferocidade e nega a fraternidade. Justifica o egoísmo e repele a solidariedade. Insulta, agride e não dialoga. Descarta a cooperação e promove a confrontação. Idolatra os subservientes e abomina os que pensam. Vomita sectarismo e repele o pluralismo. Ataca a vida e defende a tortura e a morte (pelo menos 30 mil, inclusive de inocentes, como defende o próprio Bolsonaro). Cultiva as trevas e apaga as luzes.

Como os nazistas, pretende essa minoria autoritária usar a democracia para acabar com a democracia, calar a imprensa, fechar o parlamento, amordaçar o judiciário, enfraquecer a universidade, impor a censura, insultar e exilar a inteligência, desacreditar a ciência, impor a noite eterna, sangrenta, triste, desesperada, angustiante, sufocante, submissa e silenciosa, e logo – se não for detida constitucionalmente e com o apoio popular- queimará livros e depois seres humanos.

O povo brasileiro, depois de 21 anos de ditadura, reconquistou a democracia em 1985 e, em 1988, recriou sua Constituição – o estatuto da paz, da democracia, da liberdade, do pluralismo, da cooperação, da laicidade, da cidadania, da civilização, do ser humano, da vida.

“Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”, disse o saudoso e grande democrata Ulysses Guimarães ao defender a democracia e repelir utopias ditatoriais e sabiamente sentenciou: “Traidor da Constituição é traidor da Pátria”.

Deveríamos hoje também acrescentar: Desonrar a Pátria é traí-la!

A sociedade brasileira não pode achar normal e tolerar a intolerância, a escalada autoritária, as ameaças à vida democrática e à integridade moral e física do ser humano. Essa sanha bolsonarista fascistizante deve ser barrada dentro da Constituição de 1988 e da Lei n° 1.079, de 10 abril de 1950.

Minha total e irrestrita solidariedade aos trabalhadores da imprensa.

Não ao Golpe de Bolsonaro!

Viva a Democracia!

Viva a Liberdade!

Viva a República!

Viva a Liberdade de Imprensa

Ditadura Nunca Mais!


Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (1)?

A colossal recessão econômica prevista para o Brasil e o mundo coloca na ordem do dia a construção de alternativas para atravessar o oceano vermelho das estatísticas econômicas e sociais de modo a chegar vivo na outra margem da história para recomeçar a vida num mundo sombrio pós Sars-Cov-2 e Covid-19.

Ao lado do esforço de salvar vidas é preciso retomar a) os investimentos; b) as atividades econômicas nacionais e internacionais; c) o emprego; d) as rendas do trabalho; e) a arrecadação tributária e f) promover a recapacitação das finanças públicas para fazer frente aos velhos, novos e plurais déficits - além de remodelar o modo social de vida.

A recuperação fiscal do Estado brasileiro (União, estados e municípios), a diminuição da dívida pública/encargos e a melhora dos serviços públicos constituem um tema que provoca trovões e relâmpagos devido ao duelo entre os interesses da minoria eternamente privilegiada e os da maioria perpetuamente espoliada.

Já se ouvem as pregações dos cavaleiros do apocalipse fiscal anunciando um futuro caótico caso não haja austeridade fiscal – cuja natureza é um debate necessário, principalmente sobre quem pagará a conta dos gastos extraordinários.

E como profetas sinistros de uma nova aurora humana já receitam como remédio de recuperação econômica, de um lado, a dolorosa via (para quem?) da “austeridade fiscal” e do “privatiza tudo que tá aí”, e, doutro, pronunciam a ameaçadora advertência: “não venham taxar a alta renda nem a propriedade”.

A pandemia congelou o topo do vulcão do debate das reformas, dentre as quais a tributária. Quando o inverno passar, o calor represado será liberto em altas temperaturas e as lavas expelidas moldarão a nova fisionomia do financiamento do Estado e da estrutura social e econômica. Quais alternativas?

Praticar uma terapia fiel à primeira fase da Escola de Chicago manifesta nas opções já citadas acima, levará o enfermo à morte e, com ele, a desestruturação do sistema macroeconômico e gerará inicialmente um reclamo, depois um tumulto, uma jornada, uma rebelião, uma revolta e, por fim, uma revolução.

Promover uma reforma fiscal combinada a um projeto de reforma social renovadora da sociedade brasileira constituiria uma obra de engenharia democrática. Algo, aliás, difícil de ser realizado no quadro atual que a democracia está sob ataque dos saudosistas de 64 que ocupam o Palácio do Planalto.

É preciso superar o quadro atual, fortalecer a democracia, as instituições e, num amplo pacto democrático e social, rumar no cumprimento das promessas centrais desfiladas nas lutas pela redemocratização e consagradas na Constituição de 88.

Qual austeridade fiscal ou quem paga a conta? Debateremos isso nos próximos artigos.

*Eduardo Rocha é economista


RPD || Eduardo Rocha: O pós-coronavírus - Por uma Conferência Mundial pela Produção e Emprego

Dar respostas rápidas para salvar vidas e manter a produção e serviços é o principal desafio enfrentado em todos os países por conta da pandemia do coronavírus Covid-19

A violência meteórica da pandemia global do coronavírus em todo o sistema de reprodução social do gênero humano irrompe nova época histórica, cujo enigma desafia a inteligência a decifrá-la de modo a dar respostas às exigências emergenciais – salvar vidas em risco e manter a produção e serviços –, e futuras da humanidade.

O infarto econômico mundial reconfirmou ontologicamente o trabalho – este eterno e necessário intercâmbio entre o gênero humano e a natureza para a reprodução da vida – como a força material fundante na gênese e no desenvolvimento do ser social, e revelou a necessidade de nova crítica de toda economia política vigente e a reinvenção das relações capital-trabalho.

No Brasil e no mundo, surgiram excelentes estudos explicativos sobre as recentes medidas governamentais para atenuar os efeitos recessivos da pandemia que mundialmente coexiste agora com a quarta revolução industrial. Dois fenômenos que intensificam uma conexão histórico-universal nunca vista, realçam velhas e novas contradições, operam e operarão transformações na totalidade do ser social e demandarão a criação inédita de uma governança global para a construção de uma nova sociabilidade humana ao longo do século XXI.

A pandemia retrai a taxa real de acumulação de capital e problematiza o funcionamento sistêmico do capitalismo global. A reativação econômica e a reinserção produtiva de trabalhadores demandam mais do que as atuais terapias intensivas. Demandam nova arquitetura socioeconômica global, voltada para o futuro da humanidade, de modo a livrá-la da força gravitacional da recessão sistêmica tenebrosa, da profunda insegurança, da pavorosa incerteza e de um futuro sinistro e sombrio.

Pode ajudar na construção dessa nova arquitetura socioeconômica global a realização, sob a responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU), de uma Conferência Mundial pela Produção e pelo Emprego (CMPE), visando a harmonizar os fluxos monetários e financeiros internacionais, com vistas a canalizar a poupança pública e privada em investimentos reais com as globais necessidades sociais, produtivas, de emprego e desenvolvimento global dos povos.

Seria como uma “Conferência de Bretton Woods da Produção e do Emprego” focada na criação de políticas e ações multilaterais para fazer valer a reativação econômica – da produção, do emprego, do pleno funcionamento da rede de proteção social e pavimentar minimamente as vias macroeconômico-globais para impulsionar o desenvolvimento em vastas regiões do planeta.

Além dos chefes de Estado, desta Conferência deveriam participar os demais organismos multilaterais e da sociedade civil. Uma Conferência não para fazer futurologia social utópica, mas concentrar-se na reflexão e proposição de elementos constitutivos de uma macroeconomia global num quadro histórico no qual o amado e odiado clássico keynesianismo, circunscrito na esfera do Estado-nação, é insuficiente na produção de respostas. Tanto de economias nacionais integradas globalmente quanto de um mundo integrado que ainda não dispõe de um governo mundial. São muitas questões em aberto. Se a teoria é feita por dúvidas, a política é feita com convicção. E hoje esta convicção aponta para a necessidade desta Conferência.

Por fim, a questão da redução da jornada de trabalho, a contratação de trabalhadores adicionais dentro de um plano de redistribuição do emprego (na indústria, agropecuária, construção civil, comércio, serviços, setor público) com elevação da produtividade adquirirá importância universal, tanto no aspecto teórico, como no aspecto político prático para a reativação e sustentabilidade do desenvolvimento. A antítese disso é o aumento da superexploração do trabalho.

Em 1998, a França reduziu a jornada de trabalho para 35 horas com duas medidas complementares: a) redução de impostos sobre a folha de pagamento e b) contratação de trabalhadores adicionais aos já existentes. No Brasil, contudo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, em plena pandemia, prometeu reduzir impostos da folha de pagamento após a crise e não exigiu contrapartida alguma dos empresários.

O futuro das relações capital-trabalho dificilmente reeditará as atuais, que nada mais são do que a expressão superestrutural de relações de produção de um mundo que está ruindo aos olhos de todos. É ilusão querer que o mundo “volte à normalidade do passado”. Não há volta. Aquele mundo não existe mais. O caminho terminou, a viagem começa, diria Georg Lukács (1885-1971). O coronavírus abriu nova página da história e desafia o gênero humano a escrevê-la e apontar para onde ir: barbárie ou civilização?

Alea jacta est.

 


Eduardo Rocha: O pós-coronavírus - Por uma Conferência Mundial pela Produção e Emprego

A violência meteórica da pandemia global do coronavírus em todo o sistema de reprodução social do gênero humano fez surgir em diversos segmentos de vários países inúmeras iniciativas práticas como respostas emergenciais ao esforço gigantesco em salvar vidas, proteger as populações e manter a produção e serviços essenciais à população. Esses esforços estão em curso.

Velhas e novas contradições coexistem e provocam transformações no modo cotidiano de vida; na saúde pública; na ciência; nas relações capital-trabalho; no mercado financeiro; no mundo da produção e serviços; nas relações Estado-sociedade-mercado; na renda e tributação; na gestão das finanças públicas; no comércio mundial; na globalização; nas instituições multilaterais; no direito; nas ideologias etc. etc.

O infarto econômico mundial causado pelo novo coronavírus e COVID-19 demanda mais do que as atuais terapias intensivas. Demanda uma nova arquitetura socioeconômica global voltada para o futuro da humanidade de modo a livrá-la da força gravitacional abismal da recessão mundial tenebrosa, da profunda insegurança, da pavorosa incerteza e de um futuro sinistro e sombrio.

Pode ajudar na construção dessa nova arquitetura socioeconômica global a realização, sob a responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU), de uma Conferência Mundial pela Produção e pelo Emprego (CMPE) visando harmonizar os fluxos monetários e financeiros internacionais de modo a canalizar a poupança pública e privada em investimentos reais com as globais necessidades sociais, produtivas, de emprego e desenvolvimento global dos povos.

Seria como uma “Conferência de Bretton Woods da Produção e do Emprego” focada na criação de políticas e ações multilaterais para fazer valer a reativação econômica - da produção, do emprego, do pleno funcionamento da rede de proteção social e pavimentar minimamente as vias macroeconômico-globais para impulsionar o desenvolvimento em vastas regiões do planeta.

Além dos chefes de Estado, desta Conferência deveriam participar as demais organizações multilaterais – Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Saúde (OMS), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e representantes do empresariado, dos trabalhadores e do mundo acadêmico.

O coronavírus abriu uma nova página da história e desafia o gênero humano a escrevê-la e apontar para onde ir. A estupidez e o egoísmo o levarão à barbárie; a inteligência e a solidariedade, à civilização. Qual a sua escolha?

*Eduardo Rocha é economista