Eduardo Bolsonaro

El País: Eduardo Bolsonaro inaugura escritório comercial em Jerusalém e reafirma que Brasil transferirá embaixada

Em visita a Israel, filho de presidente diz perante Netanyahu que o Brasil cumprirá o compromisso

A ponto de completar seu primeiro ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro continua sem cumprir sua promessa eleitoral de transferir para Jerusalém a embaixada do Brasil em Israel, uma decisão polêmica que contraria o consenso internacional e que até agora só foi adotada pelos Estados Unidos e a Guatemala. Bolsonaro já evitou se pronunciar sobre a transferência da legação diplomática em abril, durante sua visita oficial ao Estado judeu, mas anunciou, como primeiro passo, a abertura de um escritório comercial. Seu filho e herdeiro político, Eduardo Bolsonaro, afirmou que o mandatário cumprirá seu compromisso, ao inaugurar neste domingo na Cidade Sagrada uma missão da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), entidade vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, mas sem status diplomático.

“[Meu pai] me disse que existe um compromisso firme, que a transferência da embaixada a Jerusalém será realizada”, disse o deputado federal, de 35 anos, que preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Em um ato na nova agência do Brasil em Jerusalém, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu recebeu o anúncio com satisfação, num momento em que se prepara para enfrentar a terceira campanha eleitoral deste ano a fim de tentar se manter no poder. O chefe de Governo de Israel foi além, ante seu visitante, ao declarar que via a inauguração do escritório comercial “como uma parte do compromisso do presidente Bolsonaro de abrir no próximo ano uma embaixada em Jerusalém.”

Apenas a Guatemala —país com uma importante presença de evangélicos defensores do Estado hebreu em seu Governo— seguiu os passos do presidente Donald Trump, ao transferir a embaixada dos EUA de Tel Aviv, onde ficam as representações diplomáticas das demais nações que mantêm relações com Israel. O consenso geral da comunidade internacional deixa o status final de Jerusalém —que os israelenses consideram sua capital “eterna e indivisível” e onde os palestinos aspiram a estabelecer a capital do seu futuro estado na parte oriental— para um acordo de paz duradouro entre ambas as partes.

Em um primeiro momento, o Paraguai também seguiu os passos dos EUA. Após uma mudança na presidência do país, no entanto, ordenou reabrir a embaixada em Tel Aviv. Netanyahu não conseguiu inaugurar mais legações diplomáticas na Cidade Sagrada. Países da União Europeia com Governos favoráveis a Israel estabeleceram recentemente em Jerusalém um escritório comercial (no caso da Hungria) e um centro cultural (República Checa).

Bolsonaro precisa estabelecer um difícil equilíbrio entre o apoio eleitoral que recebeu da comunidade evangélica no Brasil —incondicional defensora do Estado judeu— e os interesses dos poderosos grupos de pecuaristas locais, que exportam todos os anos cinco bilhões de dólares (cerca de 21 bilhões de reais) em carne halal (com aprovação religiosa muçulmana) ao mundo islâmico. A balança comercial se inclina decididamente para os países árabes, que concentram cerca de 5% das exportações brasileiras, contra uma fatia de apenas 0,2% de Israel.

Netanyahu, que mantém estreitos laços com líderes ultraconservadores como o norte-americano Trump e o húngaro Viktor Orbán, agradeceu Bolsonaro pelo apoio do Brasil nos fóruns internacionais, onde o novo presidente se distanciou da tradição de condenação à ocupação dos territórios palestinos mantida pelos anteriores Governos do PT.

Eduardo Bolsonaro, a quem o pai tentou sem sucesso designar como embaixador em Washington, também anunciou ante o premiê israelense que seu país tomará a decisão “mais cedo ou mais tarde” de considerar o partido-milícia libanês Hezbollah como grupo terrorista. “Organizaremos a transferência [diplomática] a Jerusalém”, concluiu o deputado, “não apenas em nome do Brasil, mas como um exemplo para o restante da América Latina.”


Ricardo Rangel: Banzai! Banzai! Banzai!

É bom Eduardo pacificar o partido rapidamente: se Joice e Waldir depuserem na fúria em que estão, o estrago pode ser grande

‘A crise viajou”, dizia FHC quando Sarney saía do país. Hoje o presidente viaja, mas deixa os filhos, e leva o twitter, de modo que a balbúrdia no PSL prossegue. Do outro lado do mundo, Bolsonaro virou o jogo e emplacou o filho líder do partido. No dia seguinte, bradou “Banzai! Banzai! Banzai!” num tuíte.

“Banzai” é uma interjeição que significa “dez mil anos” e costuma ser usada como saudação ao imperador ou como grito de guerra desesperado — como faziam os kamikazes na Segunda Guerra. Não ficou claro por que Bolsonaro a empregou três vezes. Talvez, além de saudar Naruhito, tenha declarado dois ataques desesperados, a Luciano Bivar e ao peixe cru.

O peixe cru venceu, e o presidente retirou-se, derrotado, para comer miojo no quarto do hotel. A saudação a Naruhito foi pelo ralo depois de Bolsonaro contar que preferiu miojo ao banquete (a vingança nipônica foi instantânea como o macarrão: miojo, uma versão vagabunda, para quem não tem dinheiro nem paladar, do “lamen”, é invenção de japonês). Quanto a Bivar, ninguém sabe no que vai dar.

Ou, vai ver, Bolsonaro confundiu “Banzai!” com “Tora! Tora! Tora!”, o código usado pelos japoneses para avisar do sucesso do traiçoeiro bombardeio a Pearl Harbor (“tora” significa “ataque relâmpago”), e estava comemorando o ataque relâmpago e traiçoeiro (segundo os bivaristas) que instalou Zero Três na liderança. Jair revelou que a tarefa do herdeiro é “pacificar” o PSL.

“Para o bem do povo e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”, anunciou, da tribuna, o príncipe-regente, digo, deputado. Magnânimo, Eduardo abriu mão da mais alta colocação diplomática do país para tornar-se líder do PSL — posto que, como se sabe, é importantíssimo para a República.

Conciliador, Zero Três anunciou que não haverá retaliação, e iniciou a pacificação destituindo 12 vice-líderes. Explicou que vai apenas retomar o status quo — aprendeu o significado de “status quo” com o Marechal Lott, que, em 1955, devolveu o país “aos quadros constitucionais vigentes”. Ou com o documentário em que diz ter estudado o papel da Princesa Isabel na Independência. Indagado sobre a marca de sua gestão, respondeu que será a paz. Pelo jeito, a paz dos cemitérios.

Abordado pela imprensa após a primeira reunião (entrou mudo, saiu calado) como líder, Zero Três demonstrou que tem preparo e fôlego para o cargo: correu, desesperado, três anexos com obstáculos. Rocha Loures correu para esconder o dinheiro; Witzel, para comemorar a morte do terrorista; Eduardo, para ocultar suas ideias (ou a falta delas): as personagens mudam, as corridas insólitas permanecem.

A oposição enfim acordou e convidou Joice Hasselmann e o Delegado Waldir para a CPMI das Fake News. Waldir é o ex-líder, deposto por Eduardo, que se referiu a Jair Bolsonaro como “vabagundo” e “essa porra”, afirmou ter uma gravação capaz de derrubá-lo e informou que não se subordina a “nenhum presidente”. Ao ouvir o áudio do Queiroz (que diz ainda ter influência com os Bolsonaro e será convidado para a CPMI também), Waldir entendeu que “em nenhum momento a rachadinha parou” e disparou: “ao fingir que a corrupção não ocorre, é visível que ele (Bolsonaro) se afastou das propostas de campanha”.

Ex-líder do PSL no Congresso, Joice foi destituída pelo presidente, e o acusa de ingrato. Diz que Eduardo é canalha, picareta, moleque e zero à esquerda (Eduardo é zero à esquerda e três à direita), e assinou pedido para destituí-lo do comando do PSL de São Paulo. Afirma que os filhos de Bolsonaro controlam “milícias digitais” com 1.500 perfis falsos para difamar e disseminar notícias falsas, e que se produz material “dentro do gabinete do presidente”. Promete dar detalhes na CPMI.

É bom Eduardo pacificar o partido rápido: se Joice e Waldir depuserem na fúria em que estão, o estrago pode ser grande. Melhor Jair se preparando para bradar “Banzai!” novamente.

E, enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal vai demonstrando que Stefan Zweig, que disse que o Brasil é o país do futuro, estava certo, mas que mais certo estava De Gaulle, que esclareceu que continuaremos sendo o país do futuro indefinidamente. “Dez mil anos!”, diria Naruhito.

*Ricardo Rangel é empresário


Bruno Boghossian: Eduardo Bolsonaro estreia na liderança com teoria da conspiração

Em trama internacional, deputado culpa esquerda por problemas que ainda nem existem

Antes de fugir da imprensa pelos corredores do Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro deu sua primeira contribuição como líder do PSL. O filho do presidente pegou o microfone e lançou no plenário uma teoria da conspiração. Misturou os protestos no Chile e no Equador com a Coreia do Norte e o vazamento de petróleo na costa brasileira.

Potencial ex-futuro embaixador, ele sentenciou que as manifestações em Santiago e Quito são uma maquinação da ditadura venezuelana para desestabilizar governos do continente. Repetiu, ainda, a tese de que o óleo que banha as praias nordestinas é fruto desse mesmo complô.

O bolsonarismo costuma buscar refúgio nas lentes ideológicas para mascarar suas frustrações. Desta vez, o filho do presidente foi longe: reproduziu uma teia de perseguições criada nas redes sociais e compartilhou um vídeo publicado pelo líder da extrema direita do Chile --deixando bem claras suas afinidades.

Ainda que os protestos nas ruas chilenas e equatorianas tenham óbvios contornos políticos, eles refletem mais uma crise de representatividade e um cansaço com os governantes de maneira geral do que um conluio global típico da Guerra Fria.

Os apuros enfrentados por Evo Morales após mudar a regra do jogo para disputar mais uma reeleição na Bolívia juntam as pontas. O resultado das urnas está sob contestação, e o esquerdista se tornou alvo de manifestantes que certamente não são financiados pelos socialistas.

A exaustão dos eleitores não é um fenômeno de 2019. O bolsonarismo, aliás, se alimentou desse sentimento, gestado por aqui desde a primeira metade desta década. Eduardo só descreve os episódios recentes pelo viés da ideologia porque pretende tirar proveito político desse delírio.

A ameaça da esquerda é o eixo principal dessa espiral de alucinações, que serve para disfarçar até os insucessos do governo. "Não fiquem surpresos se mais instabilidade vier por aí", disse Eduardo, jogando para inimigos externos a culpa por problemas que ainda nem existem.


El País: Eduardo Bolsonaro desiste de tentar embaixada dos EUA e finca bandeira no PSL

Integrantes do partido repetem mantra pouco crível, o da separação entre o presidente e sua prole, enquanto Joice Hasselmann ameaça denunciar clã na CPI das 'Fake News'

Quando prestou concurso público para escrivão da Polícia Federal, o então bacharel em direito Eduardo Bolsonaro passou por um teste de aptidão física no qual era obrigado a correr pelo menos 2.350 metros em 12 minutos. Nessa terça-feira, deputado em segundo mandato e recém-empossado como líder do PSL na Câmara dos Deputados, o filho 03 do presidente da República, Jair Bolsonaro, parecia estar fazendo novamente o teste. Vestindo terno, gravata e sapatos social, correu 300 metros em cerca de 40 segundos, uma marca digna do concurso. Cercado por seus seguranças, ele fugia de um grupo de jornalistas que queria questioná-lo sobre a confusão de seu partido que já dura duas semanas.

A estranha fuga de Eduardo em um espaço público foi registrada pelo site Congresso em Foco. Após notar que estava dando munição aos seus inimigos internos, como o líder deposto Delegado Waldir (PSL-GO), e amplificando a bagunça peesselista – que já teve áudios vazados, suspensões de parlamentares, xingamentos pela imprensa e pelas redes sociais – Eduardo decidiu atender aos jornalistas. Disse que, se ele optar por seguir na liderança do PSL, excluirá sua indicação para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Eduardo falou que esse era o momento de apaziguar a legenda. Não mais se alongou.

Já no fim da noite, voltou a se manifestar. Dessa vez, na tribuna da Câmara, onde anunciou que desistiu de ser embaixador em Washington. Por sete minutos, leu um texto no qual justificava que precisava ficar no Brasil para ajudar a manter viva a onda conservadora que o elegeu como o deputado federal mais votado do país, assim como seu pai. "Faço questão de vir aqui na tribuna, local de trabalho confiado a mim por 1.843.735 eleitores fazer um comunicado que vai decepcionar os que torciam para a minha ida para os Estados Unidos, achando que assim eu ficaria distante da vida política no Brasil", disse.

Na tribuna, Eduardo decretou o seu dia do "fico" — que também pode ser lido como uma saída honrosa para não ter de enfrentar um revés no Senado para a aprovação posto nos EUA, algo visto como cada vez mais remoto, por causa da falta de base do Governo e, agora, por causa do quiprocó no PSL.  Reclamou de ter sido vítima de chacota por ter trabalhado em restaurantes nos Estados Unidos. Opositores e militantes das redes sociais o chamavam de "embaixapeiro", por ter declarado que já havia trabalhado em lanchonetes dos EUA. "Este que aqui vos fala, filho de um militar do Exército brasileiro e deputado federal, que foi zombado por ter tido aos 20 anos de idade um trabalho honesto em restaurantes nos estados americanos do Maine e do Colorado, diz que fica no Brasil para defender os princípios conservadores. Para fazer do tsunami que foi a eleição de 2018 uma onda permanente".

Longo caminho

No PSL, a paz, no entanto, está distante de ocorrer. Em reunião extraordinária da cúpula do PSL, o presidente da legenda, Luciano Bivar, decidiu abrir um processo de suspensão de 19 deputados. Entre eles, Eduardo Bolsonaro e o líder do Governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). O argumento é infidelidade partidária. Os casos serão analisados pelo Conselho de Ética do partido.

O processo só não caminhou porque o grupo de bolsonaristas, que faz oposição a ala pró-Bivar, conseguiu uma liminar no Supremo Tribunal Federal para paralisar o caso. Nesse meio tempo, os apoiadores de Bivar e de Waldir ainda tentam coletar assinaturas para destituir Eduardo da liderança. Antes disso, o presidente da sigla já havia destituído os presidentes dos diretórios regionais do Rio de Janeiro (Flávio Bolsonaro), de São Paulo (Eduardo Bolsonaro) e do Distrito Federal (Bia Kicis).

“Eu não criei esse clima de implosão, quem criou foi o presidente da República. É um tsunami que ele criou. Cabe a ele tentar cessar. Nesse momento ainda existe uma grande divisão, como água e óleo”, reclamou o deposto Waldir. Enquanto o ex-líder falava com jornalistas, ouvia piadas, convites e provocações de deputados que passavam por um dos corredores da Câmara. “Vem pro MDB, Waldir. Aqui cabe todo mundo”, disse um dos parlamentares. “Sai daqui seu traíra. O líder é o Eduardo”, gritou um assessor de um bolsonarista.

Em viagem oficial de 12 dias pela Ásia, o presidente Jair Bolsonaro levou a crise junto com ele. Quando questionado na segunda-feira sobre a confusão de seu partido, disse: “O bem vai vencer o mal”. É algo semelhante ao que ele dizia em sua campanha eleitoral. Mas, naquela época, o que ele considerava o mal eram os petistas e outros políticos de esquerda. Agora, são alguns de seus aliados, que se elegeram sob o seu guarda-chuva, são os “malvados”.

Na terça-feira, após uma reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente da Câmara, deu de ombros à briga do PSL. “Se eles vão continuar disputando a liderança ou não esse é um problema do PSL. Vim aqui também com o objetivo de deixar claro que nós continuamos com a nossa agenda de modernizar a Câmara, de modernizar o Estado brasileiro, fazer esse país voltar a crescer e reduzir desigualdades”, disse.

Apesar dos ânimos exaltados, na prática, o racha peesselista ainda não trouxe resultados negativos para o Governo. Ao longo das últimas duas semanas, alguns dos membros do grupo pró-Bivar disseram que não são obrigados a votar conforme a orientação governista. Na primeira votação no plenário, todos os 46 deputados do PSL que estavam presentes na sessão seguiram a orientação da nova liderança. Sete deputados estavam ausentes. Ou seja, a onda de traição interna que resultou também na deposição da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do Governo no Congresso, ainda não chegou ao plenário. Alvo de achaques na Internet, Joice mira suas acusações para o deputado Eduardo Bolsonaro e seus irmãos, a quem acusa de liderar uma "milícia virtual" com apoio de assessores. Questionada se falaria contra seus correligionários na CPMI das Fake News, ela respondeu no Programa Roda Viva, da TV Cultura: "Estou disposta". Ao UOL, depois, afirmou que também levaria seus relatos à Comissão de Ética da Câmara.

“O PSL vai passar por esse momento de crise, separando o joio do trigo”, disse o líder do partido no Senado, Major Olímpio Gomes. Ele é um dos que defendem a expulsão dos filhos do presidente da legenda, mas torce para que o próprio Jair Bolsonaro fique. É um mantra que muitos repetem, mas que não parece crível: a separação do presidente da prole politica que ele cuidadosamente construiu ou mesmo que os filhos ajam sem endosso do pai. “Os filhos atrapalham em tudo o Governo”. Ao que parece, a novela que envolve desentendimentos públicos e fugas da imprensa no único partido que se declara como membro da base governista está longe de terminar.


Demétrio Magnoli: Um conto de dois embaixadores

A nomeação de Eduardo Bolsonaro equivaleria a transferir as chaves da embaixada brasileira ao próprio Trump

Escrevi, para o Itamaraty, décadas atrás, um manual de Relações Internacionais destinado ao exame de ingresso na carreira diplomática.

O primeiro capítulo aborda as origens da diplomacia e as funções do diplomata. Se fosse reescrevê-lo, hoje, missão para a qual certamente não serei convidado, eu organizaria o texto em torno de Kim Darroch e Eduardo Bolsonaro.

O contraste entre as duas figuras esclarece a cisão conceitual que inaugurou a diplomacia contemporânea. Já a queda do primeiro e a ascensão do segundo iluminam o impacto do populismo sobre os corpos diplomáticos.

“O Estado sou eu” —nas antigas monarquias absolutas, o diplomata era um representante pessoal do soberano. Nessa condição, sua única qualificação indispensável era a fidelidade ao soberano. O círculo familiar do rei e a corte funcionavam como instâncias privilegiadas de recrutamento. O enviado era uma ponte entre duas cortes. Por isso, para sua escolha, pesavam positivamente eventuais relações de amizade estabelecidas por ele com os cortesãos estrangeiros.

A indicação de Eduardo obedece ao figurino do Antigo Regime. Candidamente, seu pai e ele mesmo explicaram que, na desolada planície de seu currículo, mais que o hambúrguer, destaca-se a amizade recente travada com o clã familiar de Donald Trump.

Darroch simboliza o oposto disso: representa uma nação, não um soberano. O embaixador britânico nos EUA, diplomata profissional culto e experiente, serviu a governos trabalhistas e conservadores, ocupando inúmeros cargos de alta responsabilidade. Paradoxalmente, na fonte do escândalo que provocou sua renúncia encontram-se os sinais distintivos da diplomacia do Estado-Nação.

Darroch foi atingido por três raios sucessivos. Um: o vazamento de mensagens sigilosas que enviou ao seu governo com avaliações negativas sobre a Casa Branca de Trump e a política externa americana.

Dois: a reação furiosa de Trump, vetando contatos de seu governo com o embaixador. Três: o desamparo a que foi relegado por Boris Johnson, candidato favorito à chefia do governo britânico.

As mensagens vazadas classificam o governo Trump como “singularmente disfuncional” e a política dos EUA para o Irã como “incoerente e caótica”.

Uma das funções do diplomata é conduzir atividades de inteligência, oferecendo a seu governo diagnósticos sobre o país estrangeiro. Darroch apenas cumpria o dever de transmitir a Londres suas apreciações políticas, certas ou erradas. Foi, porém, colhido pelo vendaval do populismo.

Trump extrapolou os limites diplomáticos normais das relações entre aliados, aproveitando-se do vazamento para humilhar os britânicos e ganhar aplausos de sua base eleitoral. Johnson, por sua vez, preferiu lambuzar-se em elogios a Trump, colocando suas convicções ideológicas acima da obrigação de proteger a diplomacia de seu país. Darroch foi traído pelos poderosos de uma nação à deriva, ferida pelo plebiscito do brexit, que já não sabe separar o interesse nacional das conveniências da ala reacionária do Partido Conservador.

A tragédia brasileira é, sob esse aspecto, um tanto parecida com a britânica. Uma prova disso emerge na indicação de Eduardo para a embaixada em Washington, posto estratégico ocupado originalmente por Joaquim Nabuco.

O filho 03 jamais enviaria avaliações críticas como fez Darroch, pois não é capaz de distinguir o interesse nacional brasileiro dos interesses dos EUA —e nem os interesses legítimos americanos das conveniências ideológicas de Trump ou de Steve Bannon.

A sua nomeação, mais que um novo ultraje ao pobre Itamaraty, equivaleria a transferir as chaves da embaixada brasileira ao próprio Trump.

A palavra final cabe ao Senado. Otimista, acalento a esperança de que os senadores decidam declarar o Brasil um Estado-Nação, não uma monarquia absoluta.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


João Domingos: Tensão permanente

Qualquer coisa que atinja os filhos do presidente respingará no governo

Pela composição da chapa presidencial, pelo resultado da eleição para a Câmara e para o Senado, e pela escolha de alguns ministros que tendem a se pautar pela ideologia ou mesmo pela fé religiosa, é bastante provável que o governo de Jair Bolsonaro venha a ter no mínimo três focos permanentes de tensão.

O principal deles, e desse não há como escapar, está na família do presidente eleito. Pela primeira vez na história recente do País, e é possível que em todo o período republicano, um presidente da República terá três filhos com mandato parlamentar: Eduardo, deputado, Flávio, senador, estes dois pelo PSL, e Carlos, vereador no Rio de Janeiro pelo PSC. Todos eles conselheiros do pai, ativos politicamente, e muito atuantes pelas redes sociais.

Qualquer opinião deles a respeito de seja lá o que for, qualquer articulação que fizerem, qualquer coisa que os atinja, respingará no governo e será notícia com destaque. Natural que seja assim, porque não há como desvincular o pai dos filhos sabendo-se que são tão unidos e que têm o pensamento praticamente igual.

Exemplos da grande repercussão de tudo o que envolve os filhos já há aos montes. Em abril o deputado Wadih Damous (PT-RJ) xingou o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, e disse que a solução para a Corte seria o seu fechamento, transformando-a em tribunal constitucional. O deputado Eduardo Bolsonaro disse em julho, numa palestra, no Paraná, que bastavam um cabo e um soldado para fechar o Supremo. O choque maior foi causado pela fala de Bolsonaro, pois ele vive a expectativa do poder. Damous já o perdeu.

Quando a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado começar, qualquer coisa que Flávio Bolsonaro fizer no Senado, ou o irmão fizer na Câmara, será visto como um ato consentido do pai, o presidente da República, mesmo que nada tenha a ver com ele. Se por um lado Jair Bolsonaro pode dizer, como tem dito, que é um pai feliz por ter três filhos em cargos eletivos, por outro ele terá de aceitar que, pelas circunstâncias que envolvem o poder, os filhos são também um peso.

O segundo possível foco de tensão do governo de Bolsonaro estará no recém-criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Em primeiro lugar, porque é um ministério que atuará em áreas sensíveis da sociedade, envolvendo índios, minorias, direito das mulheres, comunidade LGBT e as novas siglas que a ela vão se interligando e direitos humanos. O ministério será um ímã para atrair a atenção dos grupos sociais mais organizados e engajados do País, levando-se em conta as opiniões conhecidas da futura ministra da pasta, a advogada e pastora Damares Alves.

Ela já se disse contrária ao aborto, que ninguém nasce gay, que não é a política, mas a igreja evangélica que vai mudar a Nação, e que as feministas promovem uma guerra entre homens e mulheres. Não há dúvidas de que a polêmica vai se instalar nessa área. Para piorar, o Ministério Público abriu ação civil pública contra uma ONG de Damares por “dano moral coletivo decorrente de suas manifestações de caráter discriminatório à comunidade indígena” por causa da divulgação de um filme sobre infanticídio indígena feito pela organização. Os procuradores pedem que a ONG seja condenada a pagar R$ 1 milhão.

O terceiro possível foco de tensão no governo de Bolsonaro está no vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Acostumado a falar o que pensa sobre tudo e sobre todos, da política externa à política trabalhista, da necessidade de aprovação da reforma da Previdência à privatização de estatais, o vice causa barulho. Mesmo que diga que perdem tempo os que acham que vão intrigá-lo com Bolsonaro, suas declarações sempre vão causar impacto.