Economia
Míriam Leitão: Resposta ao desemprego
O principal problema da economia brasileira hoje é o desemprego. Ele é o fruto mais amargo da grave crise na qual o país entrou por má condução da política econômica. Foi o governo Dilma que jogou o emprego nesta queda livre, mas o governo Temer não tem sabido dar uma resposta efetiva. O mercado de trabalho terá outro ano difícil em 2017, mas começará a colher algumas boas notícias.
O país passou nos últimos dois anos pela maior destruição de empregos da história recente. Só no ano passado, foram 3,3 milhões de desempregados a mais. Desde a eleição presidencial, 5,78 milhões. A taxa pulou de 6,8% no final de 2014 para 12% no fim de 2016. Na média do ano passado, ficou um pouco menor, 11,5%, mas isso não chega a reduzir o problema. Há vários sinais dessa deterioração: no emprego, na renda e no trabalho de qualidade. Segundo o IBGE, houve uma queda de 2,3 milhões de pessoas com carteira assinada. Os empregos criados no fim do ano foram temporários e sem carteira. E mesmo em período em que sazonalmente se cria mais postos de trabalho não está havendo uma recuperação da taxa.
Este ano haverá alguns paradoxos. Segundo o economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV, a população ocupada vai crescer ao longo dos meses, mas a taxa de desemprego cairá pouco. Parece contraditório, mas é um fenômeno que já ocorreu em outras saídas de crise. Como há muito desemprego por desalento — gente que não procura emprego porque acha que não vai encontrar — quando a economia começar a melhorar, haverá uma procura maior por vagas. Por isso, haverá elevação da população ocupada, porém a taxa de desemprego cairá pouco, porque mais pessoas estarão voltando ao mercado de trabalho.
— O indicador que vai determinar o ponto de virada no mercado de trabalho é o da População Ocupada, porque ele vai medir o número de empregos gerados na economia. A taxa de desemprego terá uma influência muito grande do desalento, pessoas que hoje estão tão desanimadas que nem sequer saem de casa para procurar emprego — explicou Ottoni.
Pelas estimativas da FGV, a População Ocupada aumentará em 1,2 milhão ao longo do ano. Já a quantidade de desempregados, na mesma comparação, cairá de 12,3 milhões para 11,9 milhões, uma queda de apenas 400 mil. Outro fenômeno é a falta de confiança das empresas na recuperação.
— O número de horas trabalhadas nas empresas ainda está baixo. E, antes de os empresários voltarem a contratar, eles vão aproveitar ao máximo a mão de obra empregada. Além disso, será preciso ter mais certeza de que a recuperação é duradoura. Em um primeiro momento, as vagas devem ser temporárias, com uma remuneração mais baixa — disse.
A recessão ajudou a criar esse quadro e ele foi resultado dos erros de condução da política econômica no governo Dilma. Mas uma parte do problema é estrutural. A economia, em qualquer país do mundo, não está conseguindo criar emprego de qualidade. O desafio é global e até em países onde a taxa está baixa, como os Estados Unidos, o assunto é uma agenda permanente da sociedade. Um dos paradoxos do momento atual é o presidente Donald Trump que, num país com índice de apenas 4,7% de desemprego, se elegeu com a promessa de trazer de volta as vagas supostamente roubadas por outros países através do comércio.
A economia hoje cresce, em qualquer setor, criando menos emprego do que no passado, pelo avanço da tecnologia e pela mudança nos processos de produção.
Os governos petistas apostaram que se dessem forte volume de subsídio estatal para as empresas elas criariam emprego. O resultado durou pouco e os efeitos colaterais ficaram. O governo Temer precisa ter uma agenda de políticas de apoio à criação de vagas que não repitam os erros do passado recente.
Uma parte dessa agenda é sem dúvida a reforma trabalhista. Mercados mais flexíveis criam emprego em maior volume e saem mais rapidamente das crises. E a regulação excessiva do mercado brasileiro encolhe a oferta das vagas formais e expõe mais trabalhadores à total falta de proteção do mercado informal. A reforma trabalhista é uma parte da política pró-emprego, mas não pode ser a única. A esta altura o governo Temer precisa dar uma resposta, independentemente de quem tenha criado o problema.
* Miriam Azevedo de Almeida Leitão é uma jornalista e apresentadora de televisão brasileira.
Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/02/resposta-ao-desemprego-miriam-leitao.html
Fernando Rezende: A reconstrução do Estado. Qual é o caminho a seguir?
A primeira etapa de um percurso que visa à reconstrução do Estado é a que trata da reforma do processo orçamentário. Ao longo das ultimas décadas, a importância do orçamento público para o fortalecimento do Estado e a vitalidade da democracia foi solenemente ignorada. O orçamento deixou de ser o principal instrumento para garantir o equilíbrio dos Poderes para se transformar numa das próprias causas para a multiplicação dos conflitos.
A destruição do processo orçamentário acarretou a irrelevância do orçamento enquanto instrumento fundamental para organizar as ações do Estado e criar as condições necessárias para a eficiência e a eficácia das políticas públicas, com a consequente ineficiência da gestão e o desinteresse dos profissionais mais qualificados em exercer as funções burocráticas. Na ausência de estratégias assentadas num planejamento competente, o horizonte do orçamento foi ofuscado e o Estado abandonou uma ação proativa para se acomodar numa atitude reativa.
Na primeira etapa desse percurso, o passo inicial consiste na restauração da credibilidade do orçamento mediante a recuperação do espírito que guiou a instituição da Lei de Diretrizes Orçamentárias (a LDO) pela Constituinte de 1988. Conforme estipula o texto da Constituição, cabe à LDO estabelecer as metas fiscais, definir as diretrizes orçamentárias, o programa de investimentos e a política de financiamento das agências financeiras oficiais, o que nunca chegou a ser feito como deveria. Desde o primeiro momento esse espírito foi desvirtuado, transformando a LDO numa lei que trata de inúmeros detalhes sem tratar de fato do essencial.
Não é preciso dispor de poderes sobrenaturais para evocar o espírito que presidiu à instituição dessa lei. Basta seguir à risca o que diz a Constituição. E isso começa com o rigor na previsão das receitas orçamentárias, abandonando a prática antiga de superestimar recursos para abrigar maiores demandas de gasto e o vício adquirido há algum tempo de contar com receitas extraordinárias para cumprir as metas fiscais. Um passo nessa direção foi dado pelo atual governo com a disposição de exibir números mais realistas para o déficit primário, mas o resultado anunciado ainda depende de receitas extraordinárias e não explicita um grave problema, que é a insuficiência das receitas correntes para cobrir despesas obrigatórias.
A credibilidade do orçamento não depende apenas de previsões confiáveis para as receitas. É preciso deixar claro o crescente avanço das despesas obrigatórias sobre as receitas correntes e a impossibilidade de sustentar o equilíbrio fiscal no médio prazo sem pôr em discussão o desequilíbrio nas prioridades orçamentárias, que cresceram à sombra do foco na meta anual para o resultado primário. Isso é essencial para restaurar a credibilidade das projeções inseridas no anexo de riscos fiscais da LDO, de modo a dar início a um processo de planejamento orçamentário de médio prazo que não focalize apenas o equilíbrio macroeconômico, mas também as diretrizes a serem seguidas com vista à redução dos desequilíbrios nas prioridades orçamentárias.
Um planejamento orçamentário de médio prazo também é essencial para articular as medidas necessárias para sustentar a estabilidade macroeconômica com aquelas que devem cuidar da promoção do desenvolvimento. Daí o mandato constitucional que determina destacar na LDO as iniciativas voltadas para alavancar o crescimento mediante a formulação de um programa de investimentos e a concomitante definição da política de financiamento das agências financeiras oficiais. As regras da LDO são claras. Ao Estado cabe cuidar da ordem, para manter a estabilidade, e do progresso, para garantir a felicidade da Nação. Está na hora de seguir à risca o preceito constitucional.
Para dar conta dessa dupla responsabilidade é necessário tratar da recuperação do investimento público e do saneamento financeiro das agências de financiamento. Daí a importância de as diretrizes orçamentárias definirem metas para a redução dos desequilíbrios nas prioridades, de modo a abrir espaço fiscal para ampliar os investimentos governamentais e restaurar a capacidade das agências de fomento de apoiarem os investimentos privados, buscando atacar o principal motivo da perda de confiança da sociedade no Estado, que viceja na falta de perspectiva para uma queda rápida e significativa dos índices de desemprego.
Não convém insistir apenas na renovada aposta de que a falência do investimento público poderá ser substituída por privatizações e concessões. Isso é importante, mas não é uma panaceia. Uma política de investimentos orientada por uma visão estratégica de futuro precisa sair do trivial e fazer escolhas capazes de alavancar uma nova rodada de desenvolvimento industrial, que combine medidas relevantes para fortalecer o Estado com a incorporação de avanços tecnológicos para criar empregos de maior qualidade e gerar efeitos multiplicadores em toda a economia.
Também importante para a retomada da confiança da população no Estado é a recuperação da sua capacidade de executar o que foi prometido. O povo está cansado de promessas nunca cumpridas e para mudar isso é preciso que o tema esteja presente nos primeiros esforços de retomada do planejamento. Para evitar que isso se repita é essencial que o compromisso com o realismo das propostas seja complementado por medidas que visem a reforçar a capacidade de operação da máquina pública em áreas estratégicas para o País, de modo a instilar confiança na população com respeito a capacidade do Estado de liderar uma saída mais rápida da crise e dar início a uma nova etapa de desenvolvimento.
* FERNANDO REZENDE É ECONOMISTA, PROFESSOR DA ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS DA FGV, FOI PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA
Almir Pazzianotto Pinto: Robotização e desemprego
Com a informatização, a globalização e o novelo trabalhista descobrimos a fórmula do fracasso
A recessão em que mergulhou a economia parece haver despertado a atenção para o problema do emprego. Emprego, aliás, não é problema, mas desemprego o é, e de gravíssima gravidade, como diria Ruy Barbosa.
Exceção feita a um ou outro momento de crise, durante décadas o Brasil conheceu a euforia do crescimento, com elevada capacidade de geração de vagas de trabalho. Nesse sentido, observou Mário Henrique Simonsen: “A feição mais surpreendente da inflação brasileira, no período pós-guerra, consiste na sua capacidade de ter coexistido, pelo menos até 1961, com uma elevada taxa de crescimento econômico. Com efeito, entre 1947 e 1961, não obstante a alta crônica dos preços, o produto real do País cresceu a uma taxa média de 5,8% ao ano – taxa das mais elevadas no cenário mundial do após-guerra. O produto real per capita expandiu-se, em média, de 3,0% ao ano – o que indiscutivelmente representa um ritmo de desenvolvimento econômico bastante satisfatório” (A Experiência Inflacionária no Brasil, Ed. Iepes).
Durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), a implantação da indústria automotiva, a construção de Brasília, a expansão dos sistemas de comunicação, a geração e distribuição de energia elétrica dinamizaram o incipiente parque industrial, proporcionaram a criação de milhões de empregos diretos e indiretos e fortaleceram o mercado consumidor.
Apesar da inflação, que foi de 12% em 1956, alcançou 40% em 1959 e retrocedeu a 30% em 1961, o Brasil permaneceu firme na rota do crescimento, que passou a ter na indústria automotiva o melhor dos instrumentos de aferição. Quem pesquisar os anuários editados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) constatará o rápido aumento do volume de veículos fabricados e do número de empregados a partir de 1957, quando 9.773 trabalhadores produziram o total de 30.542 automóveis, caminhonetes, caminhões e ônibus. Em 2007, passados 50 anos, a produção alcançou o número de 2.980.163 unidades e a quantidade de empregos diretos atingiu 104.274.
A Revolução Industrial do século 18 teve na expansão do proletariado uma das condições essenciais de sucesso. A constante evolução dos equipamentos mecânicos, para atender ao rápido crescimento da demanda, exigia, em quantidade sempre maior, a energia do trabalho humano.
Ao longo de décadas avaliava-se o sucesso do empreendimento pelo número de contratações. O setor têxtil, o primeiro a ser beneficiado com a invenção de máquinas revolucionárias, requeria elevado contingente de operários, operárias e aprendizes, submetidos a condições degradantes.
Decorrido pouco mais de um século, Valéry Giscard d’Estaing, presidente da França, percebeu que algo de inusitado ocorria no mundo industrial. Em dezembro de 1976, interessado em conhecer a nova realidade, ordenou ao inspetor-geral das Finanças, Simon Nora, a apresentação de relatório sobre o que denominou informatização da sociedade. No ofício que lhe endereçou, escreveu: “O desenvolvimento das aplicações da informática é um fator de transformação econômica e social e do modo de vida; convém que a nossa sociedade esteja em condições, ao mesmo tempo, de o promover e de o controlar para colocá-lo a serviço da democracia e do desenvolvimento humano”.
O desemprego é fruto perverso de vários fatores. Não se trata, como poderia parecer, de filho exclusivo da recessão. Para ele contribuem, além da engenharia da informática, também conhecida como robotização, a globalização, o descalabro administrativo causado pela incompetência lulopetista e a arcaica, emaranhada e questionada legislação trabalhista, na qual incluo as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego.
A rápida automação responde por parte considerável do problema, pois o desemprego que causa é irreversível. Volto a me referir à indústria automotiva, que em 2016, com o mercado em queda livre, fabricou 2.157.379 veículos com 104.414 empregados, produzindo 20,67 veículos por empregado (em 2013 conseguiu 27,6). Dito de outra forma, com a robotização a indústria reduz trabalhadores para fabricar maior número de produtos.
Em entrevista ao Estadão (1.º/1/2017) o presidente da Volkswagen, David Powels, relatou que a empresa, “após ver sua participação no mercado despencar nos últimos anos”, passou por “reestruturação dura, mas necessária”. Em seguida, afirmou: “Hoje temos 18 mil trabalhadores (nas quatro fábricas). Há dois anos eram 22 mil. São 4 mil a menos, mas todos saíram por meio de programas de demissão incentivada”. Para ser competitiva a Volks não admitiu, como faria no passado, simplesmente dispensou. É o que hoje todos fazem: as empresas reduzem o número de assalariados para eliminar despesas obrigatórias como horas extras, INSS, FGTS e adicionais diversos, evitar ações trabalhistas, afastar greves, melhorar resultados de produtividade.
O desemprego tecnológico está em toda a economia: construção civil, sistema financeiro, indústrias de transformação. Adicionando-se à informatização a globalização e o indecifrável novelo trabalhista, descobrimos a fórmula infalível do fracasso.
Quem padeceu sob a inflação galopante não deseja revivê-la. Não é disso que falo, mas da necessidade de maior liberdade para que o mercado volte a funcionar. O intervencionismo excessivo é prejudicial para as relações de trabalho. Como está não podemos permanecer. O desempregado não dispõe de recursos para esperar. O caminho para o revigoramento do mercado de trabalho passa pela reforma trabalhista. Não qualquer reforma, mas aquela que garanta segurança ao investidor.
* Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Monica De Bolle: Assim começa
“Desse momento em diante, será América primeiro. Todas as decisões sobre o comércio, a tributação, a imigração, assuntos externos, serão tomadas para beneficiar os trabalhadores americanos e as famílias americanas. Temos de proteger nossas fronteiras da devastação que outros países causaram ao produzir nossos produtos, roubar nossas empresas, destruir nossos empregos. Proteção trará maior prosperidade e força (…). América começará a vencer novamente, a vencer como nunca antes (…) E, sim, juntos faremos América great again.”
“Primeiramente, vocês querem empregos, certo? Esse é o único e principal objetivo (…) – trazer empregos para todos. Esse país pertence a nós e temos de lutar para mantê-lo assim. Para que a América seja great again, precisamos que a classe média revolucionária triunfe (…) Temos de purgar o país de todos os elementos e ideias que hoje infestam nosso país. América para os americanos!”
Proponho um desafio aos leitores. Como muitos devem ter acompanhado, a primeira citação é do discurso de posse de Donald Trump. Mas, e a segunda? Seria de algum de seus inúmeros rallies de campanha? Ou talvez do tour da vitória depois das eleições de novembro?
Como era de se esperar, Trump iniciou seu mandato com um discurso populista, nacionalista, protecionista. Quem imaginava que a retórica de campanha era apenas um punhado de palavras vazias enganou-se tanto quanto os que previram derrota Trumpista. Nos últimos dias, muitos comentários vi no Brasil de gente questionando qual o problema de Trump falar, e repetir, que será a América em primeiro lugar – não seria isso, afinal, o que todo líder quer para sua nação, seus interesses primeiro? Sim. E não. Não porque os EUA não são nação qualquer, mas a maior economia do planeta, o país cujo posicionamento geopolítico tem a maior influência sobre a ordem mundial.
Não à toa, todos os presidentes americanos do pós-guerra – todos – salientaram em seus discursos de posse o compromisso com seus aliados mundo afora, com a manutenção da ordem global, com a sustentação da economia mundial como algo que a todos interessa. Trump nada disse sobre a prosperidade global como algo que interessa aos EUA. Trump repudiou o mundo ao acusar a devastação causada por países que destroem empregos e roubam indústrias. Trump disse que proteção trará prosperidade.
Há muito o que dissecar sobre a integração global e seus efeitos nas economias maduras. Há tanto quanto o que dissecar sobre o advento de novas tecnologias e seus efeitos sobre a indústria tradicional, o encolhimento da economia do rust belt americano, o achatamento da classe média nos EUA. Algo, entretanto, está comprovado há tempos: o protecionismo não é o caminho nem para o resgate desses empregos, nem para a prosperidade. Os resultados do isolacionismo brasileiro estão aí para mostrar a falácia desse pensamento simplório. O protecionismo é reducionista, não expansivo. O protecionismo americano propalado por Donald Trump na melhor das hipóteses haverá de piorar as condições de vida dos “homens e mulheres esquecidos”. Na pior das hipóteses – porque o Brasil apequenado não é a América – levará à percepção de que a maior potência do planeta já era. Os vácuos serão preenchidos, aumentando as incertezas sobre os rumos da economia mundial diante da ausência de líderes com visão clara.
Os mercados, até recentemente, acreditavam, não sem alguma ingenuidade, que Trump faria bem para a economia americana, promoveria o crescimento por meio de cortes de impostos e mirabolantes planos de infraestrutura. Ignoraram o protecionismo e o nacionalismo, relegando-os à categoria de meros instrumentos retóricos de campanha. Pois foi sobre o protecionismo e o nacionalismo que Trump discursou em seu primeiro pronunciamento. Nada disse sobre o resto.
Líderes como Trump são velhos conhecidos na América Latina e na literatura. A segunda citação é de Nathanael West, em A Cool Million, romance publicado em 1934. Quem discursa é o líder populista Shagpoke Whipple em um rally de campanha. Whipple, Trump. A vida de fato imita a ficção.
Felipe Salto: Brasil economiza R$ 28 bilhões por ano para cada ponto cortado na Selic
Felipe Salto aponta a volta dos “juros civilizados” no país. Ainda assim, a taxa real continua sendo a mais alta do planeta. Diretor da Instituição Fiscal Independente analisa curva da Selic. Recessão atual é pior que a pós-1929 e facilita queda da taxa
A hora dos juros civilizados
O recente artigo de André Lara Resende para o jornal Valor Econômico (para assinantes) despertou um bom debate sobre as estratégias de política monetária e suas relações com o lado fiscal da economia. A última decisão do Copom, explicada na ata divulgada na 3ª feira (17.jan.2017) pelo Banco Central, desenha uma oportunidade única para realinhamento dos juros reais no Brasil.
A redução da Selic, no último dia 11 de fevereiro, foi positiva para a economia. A intensificação do ciclo de afrouxamento monetário, com queda de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros, deve antecipar a retomada do crescimento do PIB. As contas do governo, das famílias e das empresas também ganham um alívio.
Desde o final do ano passado, a Selic foi reduzida em 1,25 ponto percentual. A cada ponto de percentagem de redução, a economia para o Erário é de cerca de R$ 28 bilhões, próximo a um orçamento anual do Bolsa Família.
Apenas com a decisão desta semana, o Banco Central aliviou as contas públicas em algo como R$ 21 bilhões, em valores anualizados. Esse é um efeito colateral importante e que deve ser considerado nas análises sobre o rumo da política fiscal.
O ciclo de queda da Selic iniciou-se com duas reduções de 0,25 ponto percentual. Agora, avança para um ritmo mais intenso. Os dados de atividade econômica e inflação dão respaldo à continuidade do processo de queda da Selic.
O comunicado, bastante claro e embasado, mostra que “no cenário de mercado, [as projeções para o IPCA] situam-se em torno de 4,4% e 4,5% para 2017 e 2018, respectivamente”. Não é pouca coisa. Em 2015, o IPCA encerrou em 10,7%. O Banco Central conseguiu realinhar as expectativas, isto é, os agentes econômicos já projetam a inflação no centro da meta. Marcou 1 tento.
A retomada da confiança e da credibilidade contribuíram para esse feito, mas o quadro econômico de recessão profunda –situação pior do que a projetada há 1 ano– deu sua pesada cota de contribuição. Afinal, o país vive o pior biênio da história em termos de variação do PIB.
De acordo com os dados calculados pelo IBGE, o desempenho da economia em 2015 e 2016 é pior até mesmo do que o observado no imediato pós crise de 1929. Nos 2 últimos anos, a queda acumulada do PIB deve ter totalizado 7,2%. No biênio 1930-1931, a queda somada na atividade econômica foi de 5,3%. A partir deste ano de 2017 inicia-se a recuperação, mas ainda de maneira gradual.
Os demais indicadores de atividade continuam negativos: emprego, comércio e indústria ainda respiram por aparelhos.
Para ter claro: os riscos inflacionários estão controlados e a atividade econômica precisa de estímulos, que não podem vir do campo fiscal, onde um importante programa de ajuste está sendo executado. Nesse contexto, o processo de afrouxamento monetário é central.
Juros menores implicam menor custo de oportunidade para o investimento produtivo. As empresas e as famílias têm o serviço de suas dívidas reduzido. Como decorrência, podem voltar a consumir e a investir em menor tempo.
O processo de ajuste da taxa de juros deve continuar, sobretudo na presença de condições macroeconômicas favoráveis a esse realinhamento: melhores perspectivas para o quadro fiscal e retomada da confiança dos agentes econômicos.
Hoje, a taxa real de juros do Brasil ainda figura entre as maiores do mundo. Descontando-se da taxa nominal de juros (13%) a inflação esperada para os próximos doze meses (4,7%), tem-se um juro real de 7,9%. A redução acumulada de 1,25% na Selic ajudou a conter a alta do juro real e a iniciar um processo de queda desta variável.
Ocorre que as comparações internacionais mostram que nossa situação ainda não é adequada, como demonstra a tabela a seguir. Quando tomamos os dados para um grupo de países selecionados (membros da OCDE e G-20), o Brasil ocupa a primeira colocação no ranking dos juros reais.
A regra da paridade dos juros mostra que há um descompasso relevante dos juros internos e externos. Com a queda do risco-país ocorrida nos últimos 12 meses, de algo como 570 pontos para 320 pontos, a soma da taxa livre de risco internacional (-1,8%, nos EUA) ao atual nível de risco resulta em 1,4%. Isto é, o juro necessário para cobrir o risco país é 6,5 pontos percentuais inferiores à nossa atual taxa real de juros: 7,9%.
As expectativas para a inflação vêm caindo sistematicamente desde o final de 2015. Todas as condições para uma redução segura dos juros estão dadas, principalmente na presença de uma política fiscal mais coesa.
Assim, o Banco Central poderá seguir conduzindo o processo de redução da Selic ao longo deste ano, de modo a levá-la ao patamar de 1 dígito. Como consequência, os juros reais poderão convergir a níveis mais razoáveis até o final de 2017. Os efeitos fiscais serão intensos.
O desalinhamento dos juros tem causas diversas:
i) o “efeito contágio” entre a política fiscal e a política monetária causado pelo excesso de dívida pública atrelada à Selic –incluindo as operações compromissadas;
ii) a resistência da inflação em reagir ao manejo dos juros de curto prazo, o que está associado ao grau elevado de indexação da economia brasileira;
iii) a presença de finanças públicas desajustadas por longo período, o que já começa a ser corrigido.
Há momentos oportunos, como o atual, que reúnem condições favoráveis à correção desse problema. É preciso aproveitá-los. A redução consistente dos juros contribui para o processo de ajuste fiscal e reanima o investimento. Só assim o Brasil retomará o crescimento em benefício de toda a sociedade.
Felipe Salto, 29 anos, é economista formado pela FGV/EESP. Tem mestrado em administração pública e governo também pela FGV-SP, onde ministrou aulas de macroeconomia e economia brasileira nos cursos de pós-graduação executiva (2012-2014). Atuou como consultor na Tendências (2008-2014). Foi assessor econômico dos senadores José Serra (PSDB-SP) e José Aníbal (PSDB-SP) nos anos de 2015 e 2016. Em 29 de novembro de 2016, foi aprovado pelo Senado Federal para ser o 1º diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente. Publicou em 2016, pela Editora Record, o livro "Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade".
Paulo Alcantara Gomes: Sem pesquisa, não há futuro...
Há pouco tempo, num artigo publicado nesta coluna (Blog do Noblat, O Globo), mencionei que um dos maiores problemas que temos é a profunda dificuldade em compreender o valor da ciência e da tecnologia para a construção do desenvolvimento.
Na última semana, o Globo mostrou as dificuldades atualmente encontradas por cientistas em dar continuidade aos seus projetos de investigação, muitos deles com expressiva relevância para o nosso crescimento, pois da ciência e da tecnologia surgem as novas oportunidades de geração de emprego e renda, o aumento da competitividade das empresas, a formação de novos quadros de pesquisadores e, consequentemente, um comportamento melhor da nossa economia.
A dimensão da economia brasileira, mesmo vivendo a crise atual, exige que se dê mais atenção ao financiamento às atividades de desenvolvimento científico. Estima-se que hoje estamos investindo pouco mais de 1% (1,28%) do Produto Interno Bruto em Ciência e Tecnologia. A Coreia do Sul, por outro lado, aplica 4,5% do PIB em C&T. Resultado: no início dos anos 70 a renda per capita da Coreia do Sul não chegava a US$ 250, cerca de metade da brasileira na época, e o nosso PIB era quatro vezes maior que o da Coreia. Hoje o PIB per capita deles (US$ 36 mil) é mais do que o dobro do nosso (US$ 15 mil).
Como isto foi conseguido?
Priorizando a educação, promovendo a articulação universidade-empresa, apoiando a iniciativa privada, subsidiando áreas estratégicas para o seu desenvolvimento, facilitando o crédito, criando novos postos de trabalho e, evidentemente, estimulando a tecnologia e a inovação. A Coreia do Sul transformou-se numa das líderes na tecnologia da informação e na indústria eletrônica.
A atividade científica depende de dois parâmetros: a garantia de continuidade e o aporte financeiro necessário para a sua manutenção. Quando tais parâmetros não são seguidos adequadamente, alguns cientistas com reconhecimento internacional são obrigados a tomar a difícil decisão de deixar o país, na medida em que desaparecem os insumos para os seus laboratórios, os equipamentos se tornam obsoletos e, consequentemente, muitos resultados são perdidos. Outros tentam dar andamento aos seus projetos e esbarram em dificuldades para aceitação de seus trabalhos em revistas científicas com credibilidade internacional.
A longo prazo, os danos à ciência serão incalculáveis, pois os reflexos sobre os cursos de doutorado, que dependem da qualidade das teses produzidas e dos trabalhos publicados, serão imensos.
Sofrem as universidades e os institutos de pesquisa e também sofrem as empresas que, cada vez mais, utilizam em seus quadros mestres e doutores em áreas estratégicas.
É fácil e é triste imaginar o que vai ocorrer, pois, além da falta de recursos no que sobrou do Ministério da Ciência e Tecnologia, muitas Fundações de Amparo à Pesquisa, como a do Rio de Janeiro, já anunciaram que não vão sequer honrar compromissos anteriormente assumidos.
A diminuição dos recursos também é responsável pela perda da mobilidade internacional, traduzida por pesquisadores visitantes nos laboratórios universitários ou pela participação de pesquisadores nacionais em laboratórios estrangeiros.
No que concerne ao apoio às empresas torna-se imperioso revitalizar as agências de fomento, assegurar o financiamento na modalidade “subvenção econômica”, estimular, utilizando a capacidade instalada nas universidades, a geração de redes laboratoriais que deem apoio aos projetos das empresas (as centrais analíticas) e de centrais de insumos, facilitadoras da importação de materiais de consumo e de componentes.
Na prática, tudo isto significa dar a verdadeira e merecida dimensão ao trabalho dos cientistas e empreendedores que inovam, de forma a garantir o nosso crescimento.
Em caso contrário, o ajuste fiscal, determinante para a recuperação econômica, estará comprometido.
* Paulo Alcantara Gomes é ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do SEBRAE/RJ
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/01/sem-pesquisa-nao-ha-futuro.html
Luiz Carlos Azedo: Os limites da União
O poder centralizador da União se manteve como herança do regime militar. Vem daí o desequilíbrio na relação entre os entes federados
O pacto federativo é assim chamado porque pressupõe, digamos, uma grande aliança nacional e acordos entre os estados e a União. Não é uma coisa simples. Muito sangue já correu no Brasil por causa disso. A Revolução Pernambucana, por exemplo, que completará 200 anos no próximo dia 6 de março, foi provocada pela insatisfação popular causada pela Corte de D. João VI, desde sua chegada ao Brasil, em 1808. A ocupação dos cargos públicos pelos apaniguados portugueses e os impostos e tributos criados por D. João VI causaram a revolução, que fechou o ciclo das revoltas do período colonial e, de certa forma, precipitou a Independência, pois seu caráter era emancipacionista.
Os pernambucanos sofreram grande influência das ideias iluministas, que se opunham à monarquias absolutas, a partir da Revolução Francesa. Liberdade, igualdade e fraternidade eram as bandeiras dos revoltosos. A crise econômica provocada pela queda das exportações de açúcar, consequência da guerra na Europa, foi agravada pela seca de 1816, que aumentou a fome e a miséria no sertão pernambucano. Seus revolucionários, liderados por Domingos José Martins, com apoio de Frei Caneca e Antônio Carlos de Andrada e Silva, queriam a independência, a República e uma Constituição. Mas foram duramente reprimidos e a revolta acabou esmagada.
A centralização política sempre foi submetida à prova. No Império, na Confederação do Equador (1824), uma espécie de repeteco da Revolução Pernambucana; na Cabanagem (1835 a 1840), no Pará; na Balaiada (1838 a 1841), no Maranhão; na Sabinada (1837 a 1838), na Bahia; na Guerra dos Farrapos (1835 a 1845), no Rio Grande do Sul e Santa Catarina; e na Revolta dos Malês (1835), uma rebelião de escravos muçulmanos em Salvador. Durante a República, pela revolta de Canudos, pelo movimento tenentista e, principalmente pela Revolução de 1930. O golpe militar de 1964 também teve elementos de esgarçamento das relações entre os estados e União, mas a influência da Guerra Fria e da radicalização política dela decorrente fizeram toda diferença.
Talvez a grande singularidade de hoje, em relação às situações anteriores, seja o fato de que o atual pacto federativo não se baseia apenas na relação entre a União e as oligarquias regionais, embora essa característica também dela faça parte. Na Constituinte de 1987, houve um pacto do Estado com sociedade em bases democráticas. O poder dos governadores acabou mitigado pela emancipação dos municípios, que passaram a ser considerados entes federados. Em contrapartida, o poder centralizador da União se manteve como herança do regime militar. Vem daí um desequilíbrio na relação entre os entes federados que foi exacerbado durante os governos Lula e Dilma. Como? Via desonerações fiscais (principalmente dos tributos compartilhados) e transferência seletiva de recursos para estados e municípios controlados pelos petistas e seus aliados.
Descompressão
O impeachment da presidente Dilma Rousseff funcionou como uma espécie de válvula de descompressão nessa relação com os governadores, que agora buscam jogar nas costas da União toda a responsabilidade pela crise fiscal. Tentam se aproveitar da fraqueza do governo Temer, numa hora em que o equilíbrio das contas públicas é o único caminho viável para o controle da inflação e a retomada do crescimento. Dos nove estados com folha salarial acima do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, apenas três realmente estão em situação de calamidade: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Estão sem condições de pagar servidores e aposentados. Mato Grosso do Sul, Paraíba, Goiás, Paraná, Roraima e o Distrito Federal ainda podem segurar a onda se voltarem atrás na farra dos aumentos salariais.
Os demais estados apresentam situação fiscal sob controle, mas também tentam tirar vantagem da negociação do governo federal com os estados quebrados, principalmente a negociação com o Rio de Janeiro.Vários estados ingressaram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF), que deu um prazo de 60 dias para que o governo federal chegasse a um acordo com os governadores que mitigasse os efeitos da crise sobre as finanças estaduais. O acordo foi feito e o Congresso aprovou uma lei dando um prazo de mais 20 anos para que os Estados quitassem a dívida que já tinha sido renegociada pela União, suspendendo o pagamento das parcelas mensais até o fim de 2016. O pagamento das prestações será retomado neste mês, com elevação gradual de 5,26 pontos percentuais até 2018. Foram ampliados também os prazos de créditos dos estados com o BNDES. O acordo vale R$ 26 bilhões (R$ 20 bilhões com o Tesouro e R$ 6 bilhões com o BNDES). Quem pagará essa conta? Todos nós!
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: A “convulsão social”
O sujeito atende o celular: “Fora, Temer!” A mulher pergunta: “Vamos à praia?” Ele responde: “Só se for de manhã; à tarde, vou trabalhar!” Ela se despede: “Ok, Diretas já!”.
Virou mantra nos artigos e entrevistas dos viúvos do impeachment da presidente Dilma Rousseff a tese de que o país caminha para uma “convulsão social”, por culpa do governo de Michel Temer, que estaria destruindo todos os avanços econômicos e direitos sociais do país, como se a atual gestão fosse de fato responsável pela recessão e o desemprego em massa e não os desatinos petistas. A tese surgiu nas análises catastrofistas dos intelectuais, mas virou mais uma narrativa política a partir do momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa mensagem de ano-novo gravada em vídeo, oficializou esse discurso do quanto pior, melhor.
A crise dos estados e, agora, dos municípios — em muitos deles, os cofres foram esvaziados de vez na campanha eleitoral —, supostamente corroboraria a tese. Foi alimentada ao longo de anos de afrouxamento da responsabilidade fiscal, mas agora virou um dos fatores da tal “convulsão social”. Nos estados e municípios, mesmo com toda a roubalheira e a queda de arrecadação, a principal causa da crise fiscal são dois fatores que se retroalimentam: o aumento da folha salarial e o deficit previdenciário. Poderosas corporações, com seu poder de pressão focado nos próprios privilégios e não nas políticas públicas, agora se mobilizam contra os ajustes e pressionam prefeitos e governadores a apresentarem a conta para a União. É uma maneira de socializar o prejuízo, à custa dos contribuintes. Como a União não tem obrigação nem recursos suficientes para resolver o problema, o governo Temer é responsabilizado pela situação e chantageado pelo risco de “convulsão social”.
Sindicatos e organizações populares, como a CUT e a União Nacional dos Estudantes (UNE), controlados pelo PT e pelo PCdoB, respectivamente, e outros partidos contrários aos ajustes, financiam e organizam manifestações que quase sempre resultam em confrontos com a polícia e muitas depredações. As regras do jogo democrático não são respeitadas nos protestos. Pichações, destruição de patrimônio público e privado, invasões de repartições públicas e de casas legislativas são frequentes; a polícia acaba reagindo de forma indiscriminada, com bombas de efeito moral, lacrimogêneas, gás de pimenta e cassetetes. São situações que se repetem, nas quais as lideranças parecem querer que algo mais grave aconteça, como a morte de um manifestante nos confrontos. Assim, a tese da “convulsão social” ganharia uma bandeira nacional ensanguentada.
A recessão e o desemprego, obviamente, ampliam as tensões sociais. O crescimento da população de rua, do número de “noiados” e dos crimes contra o patrimônio e contra a vida, também. A crise fiscal agrava os problemas sociais, é verdade, por falta de recursos para as políticas compensatórias. Tudo isso entra no balaio da tese de que o Brasil caminha inexoravelmente para a ingovernabilidade. Seu ingrediente mais novo é a superlotação dos presídios, nos quais explodiu a violência. O presidente Michel Temer, fleumático como sempre, foi infeliz na primeira declaração sobre os massacres de Manaus (AM) e Rio Branco (RR). Seu ministro da Justiça, Alexandre Moraes, não ficou atrás. Há, porém, um evidente exagero ao atribuir ao atual governo a responsabilidade pela superlotação dos presídios.
A guerra nas prisões decorre da luta travada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), dos traficantes paulistas, pelo controle das rotas de transporte de cocaína na fronteira do Paraguai, tomadas do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e no Rio Solimões, controladas pela Família do Norte, do Amazonas. Talvez o acordo de paz entre o governo da Colômbia e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) tenha mais a ver com o confronto do que a superlotação dos presídios, que cria um ambiente favorável ao ajuste de contas, mas não é sua causa. Os presídios brasileiros sempre foram uma vergonha nacional.
Virou piada
A tese de que o governo Temer é a causa de iminente “convulsão social” é falsa. Decorre, na melhor das hipóteses, de uma visão voluntarista, que aposta numa mudança brusca da correlação de forças a favor das forças afastadas do poder pelo impeachment da ex-presidente Dilma, embora as eleições municipais tenham apontado exatamente o contrário. Na pior, é apenas um discurso oportunista de quem foge da autocrítica em relação aos próprios erros. Na verdade, uma narrativa que mira a sobrevivência nas eleições de 2018.
A tese da “convulsão social” é complementada pela palavra de ordem “Diretas já!”, que qualquer político com mandato sabe que é inconstitucional, porque implicaria na cassação de mandatos de senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais. Seria como convidar o peru para uma ceia depois do Natal. A eleição direta para presidente da República é prevista apenas em caso de cassação da chapa eleita, antes de completados dois anos da eleição. Depois disso, a eleição é indireta, pelo Congresso. A palavra de ordem, porém, virou uma espécie de saudação carioca. O sujeito atende o celular: “Fora, Temer!” A mulher pergunta: “Vamos à praia?” Ele responde: “Só se for de manhã; à tarde, vou trabalhar!” Ela se despede: “Ok, Diretas já!”. Com o calor da lascar, ninguém quer saber de passeata.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br
Luiz Carlos Azedo: A doença de Baumol
Aqui mesmo no Brasil, nos melhores hospitais e nas melhores escolas privadas, há inúmeros exemplos que poderiam ser adotados na rede pública
A doença de Baumol é o nome dado pelos economistas ao aumento das despesas com saúde e educação num mundo em que os custos de produção caem vertiginosamente graças ao aumento da produtividade. Essa “doença de custos” foi diagnosticada pela primeira vez em 1966, pelos economistas William J. Baumol e William Bowen, e até hoje não se encontrou uma cura efetiva para elas, seja no setor público, seja no privado. No Brasil, porém, os resultados são o colapso do sistema de saúde e a péssima qualidade de ensino.
Na discussão sobre a nova Lei do Teto dos Gastos Públicos, a maior reação contrária partiu das corporações ligadas aos dois setores, principalmente sanitaristas e professores. Como a discussão acaba sempre instrumentalizada pelos partidos, o viés do debate foi pautado pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Ou seja, o assunto virou trincheira da turma que acha que a antecipação das eleições vai resolver todos os problemas do país, sem considerar os riscos que isso teria, uma vez que viola o calendário estabelecido pela Constituição.
Apesar de ter mais de 50 anos, a hipótese de Baumol e Bowen está mais do que comprovada: as despesas com saúde e educação aumentaram de forma consistente em todo o mundo, enquanto os custos da produção desabaram com a revolução tecnológica. Honorários médicos, planos de saúde e despesas com o Sistema Único de Saúde, por exemplo, sobem mais do que a inflação. As despesas com educação também. Como são serviços que exigem trabalho humano personalizado, não podem ser automatizados na atividade-fim.
O crescimento da produtividade geralmente está associado ao resultado obtido pela hora trabalhada. Na indústria, de um modo geral, isso se traduz na automação da produção de bens, como os carros, por exemplo. Ninguém pode automatizar o atendimento aos pacientes ou aos alunos em sala de aula. Mesmo que se reduza a duração das consultas ou se aumente o número de alunos por sala de aula, há um limite rígido para a produtividade. O pensamento e a atenção não podem ser automatizados, mesmo à distância.
Também aqui no Brasil, esse fenômeno está por trás do crescimento das despesas com Saúde e Educação. O problema é a qualidade dos serviços, que deixa muito mais a desejar. Essa é a grande questão a ser discutida. É preciso melhorar a qualidade do atendimento à saúde e do ensino, já que não é possível impedir que os custos continuem aumentando. Mas, para isso, é preciso enfrentar uma outra questão: o corporativismo.
Orçamento
Vejamos o Orçamento da União de 2017. Saúde e Educação, ao contrário do que se dizia nas manifestações contra a nova Lei do Teto dos Gastos Públicos, terão valores maiores que os registrados neste ano. O Projeto de Lei Orçamentária Anual 2017 (PLOA) entregue ao Congresso Nacional prevê despesas de R$ 110,2 bilhões, um valor 7,20% maior que o de 2016 e 6,06% acima do mínimo que o governo é obrigado por lei a desembolsar.
Para a Educação, a proposta é um orçamento de R$ 62,5 bilhões. Essa cifra é 2% maior que a de 2016 e 21,36% superior ao mínimo que o governo é obrigado pela Constituição a investir na área. Com os demais gastos em Educação, classificados como transferências de salário-educação e outras despesas, o orçamento total da área sobe para R$ 111,3 bilhões. Comparado ao ano passado, é 10,42% maior.
Com esses recursos, é possível melhorar. Em vários países, muitas alternativas de gestão adotadas no setor privado estão sendo utilizadas com sucesso no setor público. Aqui mesmo no Brasil, nos melhores hospitais e nas melhores escolas privadas, há inúmeros exemplos que poderiam ser adotados na rede pública, mas aparentemente não há um grande interesse nisso, porque as políticas públicas foram capturadas por grandes interesses privados.
Reduzir custos onde isso significa diminuir os lucros de fornecedores e prestadores de serviços não é uma tarefa fácil, ainda mais se isso tem a ver com financiamento de campanha ou apoio eleitoral propriamente dito. Além disso, professores e médicos reagem imediatamente quando as inovações e mudanças atingem seus interesses corporativos. Como? Cruzando os braços.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br
Luiz Carlos Azedo: A herança maldita
Um dos fatores de instabilidade do processo político, muito maior do que a impopularidade do presidente Temer, é a morosidade da Justiça
O governo Temer herdou de Dilma Rousseff uma herança pesada, a começar pelo desgaste político dele próprio, que não goza de popularidade e enfrenta uma oposição encarniçada, que não prima pela honestidade no discurso e, em alguns casos, pela propriamente dita. É uma herança maldita, para usar uma expressão cunhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para maldizer seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Primeiramente, como diria o Odorico Paraguaçu — o impagável personagem criado por Dias Gomes e personificado por Paulo Gracindo —, Temer herdou a Operação Lava-Jato, que pode levar o ex-presidente Lula para a cadeia, como outros petistas e seus aliados, mas agora ronda o miolo do atual governo e ameaça boa parte da elite política do país. Essa é a variável mais imponderável.
Segundo (vamos deixar o Odorico de lado), enfrenta a maior recessão da história do país, resultado, de um lado, da roubalheira na Petrobras e seu “capitalismo de laços”; de outro, do experimentalismo irresponsável da “nova matriz econômica” (eufemismo de um projeto de capitalismo de estado nacional-desenvolvimentista) da ex-presidente Dilma Rousseff. Estamos com uma brutal taxa de desemprego e somente agora a inflação cedeu. A curto prazo não teremos reversão desse quadro.
Terceiro, uma base política muito heterogênea, da qual fazem parte as forças de centro-direita que apoiavam o governo anterior, a começar pelo PMDB, e as de centro-esquerda que protagonizaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Essa base é ampla para garantir a estabilidade do governo, mas rasa demais para aprovar reformas profundas. Além disso, em parte, padece dos velhos males do fisiologismo e do patrimonialismo que caracterizam a política tradicional brasileira, o que dificulta o ajuste fiscal.
Resumidamente, essa é a herança maldita com a qual teremos que conviver até 2018, quando haverá eleições gerais, conforme o calendário estabelecido pela Constituição brasileira. O tempo é curto para enfrentar os desafios do presente, e o futuro, incerto, principalmente por causa do julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer.
A tutela
Um dos fatores de instabilidade do processo político, muito maior do que a impopularidade do presidente Temer, é a morosidade da Justiça. Tudo bem que decorre do acúmulo de processos, mas é um problema político grave. O devagar-quase-parando do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga parlamentares e ministros; do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os governadores; e do TSE, que aprecia as contas de campanha, na medida em que aumenta o estoque de políticos enrolados na Justiça, tutela os demais Poderes e desequilibra as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Essa questão tende a agravar a instabilidade política no decorrer do ano, no qual os desdobramentos das delações premiadas de Emílio e Marcelo Odebrecht prometem fortes emoções políticas. Os tribunais não julgam, não separam o joio do trigo, não põem na cadeia quem merece, não livram a cara de quem não tem culpa no cartório. Com isso, o bloco dos que querem mudar as regras do jogo para garantir a impunidade no Congresso só aumenta. É inevitável, a não ser que os julgamentos ocorram.
Deixemos de lado a Lava-Jato. Vejamos o caso das contas de campanha de Dilma Rousseff. Até o flanelinha do estacionamento que separa a Câmara do STF sabe que já estão comprovados o uso de caixa dois da Odebrecht e a lavagem de dinheiro na campanha da petista. O que não sabe é se Michel Temer será condenado também ou se suas contas serão apartadas e aprovadas.
Caso o julgamento tivesse ocorrido, Temer estaria menos vulnerável ou já estaríamos com um novo presidente eleito pelo voto direto. Como não ocorreu (é a tal história, se vovó tivesse barba, era vovô), caso seja condenado como Dilma, teremos uma inédita eleição indireta no Congresso e muita “balbúrdia”, como diria o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Quem tira partido dessa situação? O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já é réu em cinco processos, a maioria em Curitiba. Jararaca criada, o petista agora prega abertamente a antecipação das eleições gerais, com o argumento de que Temer não tem legitimidade para governar nem o Congresso para fazer reformas. Lula finge que a herança maldita não é sua também, só de Dilma. Quer ser absolvido da Lava-Jato pelas urnas.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/
Alberto Aggio: Não haverá saída fácil
Quem argumenta que a crise que assola o País tem no governo Temer sua principal causa parece ter vivido fora do Brasil por, pelo menos, uns dez anos
Quem argumenta que a crise que assola o País tem no governo Temer sua principal causa parece ter vivido fora do Brasil por, pelo menos, uns dez anos. Por alguma razão, ideológica ou incógnita, desconhece o que se passou aqui. A profundidade da crise econômica – com o desemprego beirando a casa de duas dezenas de milhões, as finanças dos Estados em calamidade pública e a insegurança generalizada – tem nos levado, perigosamente, muito próximos à situação de insolvência vivida pela Grécia em passado recente. Este desastre, considerado o maior da nossa História, não foi obra de um governo que, fora a interinidade, alcança pouco mais de quatro meses.
A crise deriva diretamente das medidas adotadas pelos governos do PT, especialmente o de Dilma Rousseff. Quando o mundo já prognosticava que o modelo nacional-desenvolvimentista, com o Estado centralizando o investimento e promovendo os “campeões nacionais”, era um projeto ultrapassado ante os ditames da globalização e nefasto a um desenvolvimento mais equilibrado e competitivo, a então presidente Dilma adotou precisamente essa opção, provocando desequilíbrio financeiro, recessão e desemprego, com toda a sua carga de desorganização da economia.
Os efeitos da crise econômica e as revelações de um sistema mafioso de poder que promoveu no Estado e nas empresas públicas um nível de corrupção inaudito encheram de indignação uma sociedade cada vez mais informada. E ela desceu às ruas. O projeto de Dilma e do PT tornou-se, então, insustentável e seu principal aliado, o PMDB de Michel Temer – que havia ajudado (e muito) a reeleger Dilma –, foi se distanciando do núcleo de poder (que, na verdade, pouco frequentou) e resolveu abandonar o governo. Não é verdade que Temer não tenha a legitimidade do voto. Ele foi eleito com Dilma e com o voto dos petistas. Talvez se possa dizer, ao contrário, que foi o PMDB que reelegeu Dilma.
Após o impeachment e a assunção definitiva de Michel Temer, o País pôde começar a se reorganizar. Mas os déficits e as disfunções acumuladas revelaram-se de tal monta que se tornou evidente que a travessia até bom porto, com a recuperação do crescimento e o estabelecimento de um clima de diálogo entre as forças políticas, seria cheia de obstáculos e necessitaria de paciência e sobriedade.
Declaradamente, o de Temer é um governo de transição cujo objetivo central é rearranjar o País para chegar de maneira mais equilibrada a 2018. É a tal travessia, pinguela, corda bamba, seja lá o nome que se queira dar. Para isso o apoio de uma base parlamentar é essencial e configura seu principal ativo político.
Mas a dimensão política não gira em torno de si, sem substância e projetos para superar a crise. É imperativo realizar reformas e algumas delas estão sendo aprovadas pelo Congresso, com mudanças maiores ou menores. Contudo esse andamento não é pacífico nem portador de estabilidade absoluta. Os mais afoitos diagnosticarão crises terminais a cada turbulência e não faltará quem faça uma exumação da “Nova República” com o intuito de defender o que não defendeu na ultrapassagem do regime civil-militar para uma nova ordem política democrática, lá pelos idos de 1986/88.
É notório, todavia, que o governo Temer não conseguiu extirpar a crise ética. A composição do pessoal governante do Executivo vem apresentando diversos problemas em razão da trajetória anterior do seu “núcleo duro”, quase todo ele comprometido com problemas de corrupção herdados do período petista. Ministros foram substituídos, evidenciando, em alguns casos, que o problema é mais grave e profundo: trata-se da resiliência do velho patrimonialismo, que teima em solapar a res publica, razão pela qual multidões saíram às ruas desde 2013.
Não à toa, em 2016 as manifestações massivas de rua elegeram esse como seu alvo preferencial. As que visaram a atacar aspectos das reformas que o governo está pondo em marcha foram pouco massivas e, regra geral, descambaram para a violência. O que é negativo para o debate político em torno das reformas, que não têm consenso assegurado nem dentro da base governista.
Mas há uma mudança que merece atenção. Embora a Lava Jato permaneça como fator ineliminável da conjuntura política e ação exemplar de intransigência republicana que deve ser saudada, a imperiosidade das reformas tornou mais evidente para a opinião pública a necessidade de se repensar um projeto para o País. Em suma, que o País se encontra numa encruzilhada histórica e há necessidade de um aggiornamento democrático do capitalismo brasileiro, alterando os fundamentos da relação entre Estado e sociedade. Nesse cenário desafiador, só a política poderá ajudar-nos a suplantar dificuldades, preconceitos e vazios diante de um País em ruínas e que vive sob ameaça de crispação, com uma esquerda “desarmada” e perdida entre a inércia do corporativismo e um maximalismo retórico e anacrônico.
As saídas não serão fáceis e não estarão exclusivamente nas ações da Lava Jato. O imperativo das reformas atualizou a conjuntura e não se poderá fugir dele, sob pena de adiarmos a resolução dos problemas do País e reproduzirmos um sistema político sabidamente em colapso. Pode ser que as reformas não sigam nem a velocidade nem a organicidade desejada, mas parece não haver outro caminho.
2017 não se anuncia como um ano com turbulências mais débeis do que foi 2016. Por ora não se divisa nem sarneyzação nem dilmização de Temer. A consigna “diretas já” não é mais que uma retórica preguiçosa e inútil, que não enfrenta os desafios que o País tem diante de si. A partir de uma posição de intransigência democrática e republicana, a Nação precisa se unir e realizar essa travessia, procurando construir, ao mesmo tempo, novos horizontes para os brasileiros.
Alberto Aggio é historiador e professor titular da UNESP
fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,nao-havera-saida-facil,10000097018
BC prevê inflação dentro da meta neste ano e alta menor do PIB em 2017
O Banco Central estimou um comportamento melhor da inflação em 2016 e 2017, retornando para o limite do sistema de metas, e também que a economia brasileira terá um “encolhimento” maior neste ano e uma recuperação mais contida no próximo. As informações constam no relatório de inflação do quarto trimestre, divulgado nesta quinta-feira (22).
Para o PIB (Produto Interno Bruto), o BC estimou um “tombo” de 3,4% neste ano, com piora em relação à previsão anterior, feita em setembro, que era de um recuo de 3,3%.
Se confirmado esse cenário, será a segunda retração seguida da economia brasileira, que já despencou 3,8% no ano passado – a maior queda em 25 anos. Dois anos seguidos de recuo do PIB não acontecem desde o início da série histórica do IBGE, em 1948.
Para 2017, também houve uma revisão da estimativa. Em setembro, a autoridade monetária esperava que o PIB crescesse 1,3% no próximo ano. Agora, prevê um crescimento mais moderado, de 0,8%, ainda acima da estimativa de alta de 0,58% do mercado financeiro.
De acordo com o BC, essa redução, na projeção de crescimento para o próximo ano, é consistente com a “probabilidade maior de que a retomada da atividade econômica seja mais demorada e gradual que a antecipada previamente”. (Com informações do G1)
Fonte: www.pps.org.br