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RPD || José Luis Oreiro: O Brasil pode quebrar?

José Luis Oreiro analisa, em seu artigo, a tese de que o Brasil caminha em direção a um “abismo fiscal” se não evitar, de forma urgente, o aumento da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)

Ao longo do ano de 2020, em função da recessão e dos gastos com o Auxílio Emergencial, a dívida bruta do governo geral[1] passou de 74,64% do PIB em janeiro de 2020 para 89,28% do PIB em dezembro do ano passado; ou seja, aumento de 14,64 % do PIB em 12 meses. Muitos economistas e analistas do mercado financeiro tem insistido na tese de que a situação fiscal do Brasil é insustentável e que, portanto, o país precisa, não só voltar a obedecer a EC 95, que estabeleceu o congelamento dos gastos da União por um prazo de 20 anos, mas também avançar em (sic) “reformas estruturais”, entendidas apenas como um conjunto de novas alterações no texto constitucional com o objetivo de desindexar, desobrigar e desvincular o orçamento público. Segundo essa visão, as “reformas” devolveriam o controle do orçamento para os políticos e dariam maior liberdade para a execução orçamentária, reduzindo a participação das assim chamadas despesas obrigatórias e, com isso, permitindo ajuste fiscal pelo lado da despesa pública.  

Não irei tratar no presente artigo sobre a conveniência da adoção dos três D´s da agenda Bolsonaro/Guedes. Minha posição é que tais medidas, se adotadas, representarão enorme retrocesso, do ponto de vista do escopo e da eficácia das políticas públicas nas áreas de saúde, educação e assistência social; bem como redução do grau de profissionalização do Estado Brasileiro, tornando-o presa fácil tanto dos interesses patrimonialistas de boa parte do “baixo clero” da classe política brasileira; como também incapaz de regular o comportamento do grande capital - nacional e estrangeiro. Será o retorno à República Velha.

Meu interesse neste artigo é outro. Quero analisar a tese de que se o Brasil não voltar, de forma urgente, à “disciplina fiscal”, irá caminhar para uma espécie de abismo fiscal no qual o mercado irá exigir taxas de juros cada vez mais altas para a rolagem da dívida pública, e a taxa de câmbio continuará sua trajetória de desvalorização, aumentando assim a pressão inflacionária, levando, no limite, a um processo hiperinflacionário.  

Não existem dúvidas entre os economistas de que não é possível que a dívida pública como proporção do PIB aumente indefinidamente, mas a questão é saber qual seria o limite da relação dívida pública/PIB, a partir do qual o país cairia no abismo fiscal.  

Alguns economistas afirmam que o “número mágico” seria 100% do PIB. Se assim fosse, a dívida pública brasileira estaria apenas 10 % abaixo do horizonte de eventos do abismo fiscal. Nesse caso, seria de se esperar que o custo médio de carregamento da dívida pública já estivesse apresentando sinais nítidos de elevação. Mas isso não está acontecendo. Conforme comunicado oficial do Tesouro Nacional, de 24/02/2021, embora as emissões de títulos públicos tenham somado R$ 155,35 Bilhões em janeiro de 2021 – o maior da série histórica, para meses de janeiro –, o custo médio do estoque da dívida caiu para 8,29% a.a, o menor da série histórica. Sendo assim, a correlação entre a dívida pública/PIB e a taxa implícita de juros da dívida pública parece ser negativa; contrariando frontalmente os profetas do apocalipse fiscal.

Além disso, vários países, muitos dos quais sem moeda própria, como, por exemplo, a Itália e a Espanha, já ultrapassaram o patamar de 100% de relação dívida pública/PIB e continuam se financiando normalmente com taxas de juros reais muito baixas, quando não negativas. Por fim, num contexto de forte recessão e juros baixos, é possível até mesmo que uma expansão fiscal focada em investimentos em infraestrutura com alta produtividade seja autofinanciável[2]; ou seja, pode ser compatível com uma redução da relação dívida bruta/PIB no médio e longo-prazo.  

Isso posto, a dinâmica de curto e médio-prazo da dívida pública/PIB não deve ser objeto de maiores preocupações. No presente momento, os problemas realmente urgentes no Brasil são dois: (i) controlar a pandemia de covid-19 por intermédio de um grande programa de vacinação e (ii) proporcionar uma renda emergencial para quase 10 milhões de brasileiros que perderam seus empregos e/ou saíram da força de trabalho por conta da pandemia. Uma vez contornados esses problemas, será necessário construir um verdadeiro programa de reformas estruturais para retomar o crescimento econômico, condição absolutamente necessária para reduzir o peso do endividamento público no longo-prazo.  

*José Luis da Costa Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq e Lider do Grupo de Pesquisa "Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento", cadastrado no CNPq. É autor do livro "Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana", LTC: Rio de Janeiro (2016). 


[1] Ver SGS - Sistema Gerenciador de Séries Temporais (bcb.gov.br).  

[2] A esse respeito ver Zero_Lower_Bound_2_c664278d0f.pdf (amazonaws.com).  


Felipe Salto: Dívida pública a 100% do PIB. E agora?

É hora de ter um plano para depois da tempestade e desenhar um novo futuro

A dívida pública deve atingir 96,1% do produto interno bruto (PIB) em 2020, crescendo a 100%, até 2022, de acordo com o cenário atual da Instituição Fiscal Independente (IFI). A capacidade do País de contrair déficits públicos (gastos não cobertos por receitas tributárias) e de financiá-los não é ilimitada. É hora de ter um plano para depois da tempestade.

Quando o assunto é dívida, não existe um número mágico a partir do qual se deva acender o sinal vermelho. O essencial, nessa matéria, é garantir a chamada sustentabilidade da dívida/PIB. A ideia é que a dívida pública caminhe pari passu ao avanço da capacidade de geração de renda e riqueza do País. No cenário da IFI, a ausência de ações estruturais que amainem o gasto público e/ou turbinem as receitas tributárias leva a uma trajetória de alta da dívida/PIB até 2030.

A dívida existe para cobrir necessidades de financiamento de políticas públicas que não sejam pagas por tributos. O governo toma emprestado do mercado, por determinado prazo, entregando títulos que pagam juros. Se há confiança de que os títulos serão honrados, o mercado aceita o negócio a juros módicos. Assim se forma uma dívida sustentável.

Em momentos de maior apreensão e risco, os compradores de títulos acabam preferindo papéis do governo que tenham prazos menores e retorno “garantido”, a exemplo dos títulos do Tesouro atrelados à Selic (juro básico da economia). Por isso, em crises como a atual, há certa tendência de encurtamento dos prazos da dívida. Vale dizer: prazos mais curtos embutem menor incerteza.

A equação que modela matematicamente a sustentabilidade fiscal relaciona a variação da dívida ao déficit público e a duas taxas fundamentais: os juros e o crescimento do PIB. Quanto maior o juro, maior o crescimento da dívida/PIB. Quanto maior o crescimento do PIB, menor o avanço da dívida/PIB. Ainda, eventuais déficits alimentam a dívida, ao passo que superávits a abatem.

Atualmente, os juros estão em níveis historicamente baixos. Esse custo médio da dívida é obtido pela razão entre o pagamento de juros e o estoque da dívida. Chama-se taxa implícita. No caso da dívida bruta, a taxa implícita de juros estava em 4,3% ao ano, em maio, em termos anualizados, ante 12,3% ao término de 2016. A queda dos juros é um dado que diferencia a crise atual das anteriores. Contudo não é uma condição imutável. Na expressão da moda, não é o “novo normal”.

Nessa avaliação, é crucial sopesar o risco externo. O professor Affonso Celso Pastore fez o alerta em artigo recente no Estado. Uma situação de fragilidade no balanço de pagamentos, isto é, nos saldos das transações entre residentes e não residentes, incluindo entradas e saídas de capitais financeiros, poderia implicar pressões excessivas sobre a taxa de câmbio – e sobre a inflação. Nessa hipótese, o Banco Central teria de subir os juros para atrair capitais e conter a inflação. O presságio não é bom, sobretudo se imaginarmos esse quadro temperado com uma dívida pública agigantada.

Se, de um lado, os juros baixos não são para sempre, o crescimento do PIB, de outro, não será extraordinário a partir de 2021. A IFI projeta tombo de 6,5% no PIB em 2020. A recuperação para 2021 é calculada em 2,5%. Isso significa que, após uma queda profunda, a economia não retornará, de imediato, ao nível projetado no pré-crise. Haverá, provavelmente, uma perda permanente de PIB, com reflexo sobre as receitas públicas e a dinâmica da dívida.

O aumento do déficit, em meio à crise, era esperado e está ocorrendo no mundo todo. O desafio é ter um programa de contenção de gastos e/ou aumento de receitas que permita reduzir os déficits públicos e conter o avanço da dívida/PIB nos próximos anos. Atingir 100% não é o que mais preocupa, mas, sim, a tendência de alta contínua.

A literatura especializada de orçamento público tem indicado a adoção de mecanismos como o medium-term expenditure framework ou plano fiscal de médio prazo para a realização de uma consolidação fiscal mais robusta. Não se trata de cortar despesas, apenas, mas de fazê-lo com base em avaliações técnicas periódicas do gasto público.

Por exemplo, por que carregar desonerações tributárias, anos a fio, sem saber se estão surtindo o efeito preconizado sobre a renda e o emprego? Será que permitir abatimentos de gastos com saúde, no Imposto de Renda, é uma boa política? Por que manter a chamada progressão automática nas carreiras do serviço público? Se os subsídios creditícios fossem avaliados, encontraríamos programas ineficientes, isto é, identificaríamos desperdício?

É fundamental responder a essas questões. E dar consequência prática às respostas, formulando um plano fiscal de médio prazo e uma estratégia para a dívida. Cortes em programas ineficientes renderiam pelo menos R$ 30 bilhões ao ano ao erário.

É hora de acender o farol alto no planejamento das contas do governo e de desenhar um novo futuro para o País, que contemple o uso responsável do dinheiro público e a solvência do Estado brasileiro. Dívida em 100% preocupa, mas a falta de rumo é o mal maior.

DIRETOR EXECUTIVO DA IFI


Persio Arida: Estabilizar dívida a longo prazo importa mais que conter seu aumento na pandemia

Uma vez que a dívida pública pode chegar a 100% do PIB neste ano, economista diz que o drama não é o patamar alto, mas a percepção de que ela poderia estar em rumo explosivo, sendo fundamental estabilizar tal relação.

Espero que o país saia desta crise o mais brevemente possível, com um senso maior de justiça e solidariedade e evitando a tragédia humana que decorreria da inação e da indiferença em relação à Covid-19. Espero que o custo social da crise seja relativamente pequeno. Espero que sejamos capazes de diferenciar os governantes responsáveis dos incapazes e malandros.

Esperanças à parte, o fato é que não sabemos como e quando a epidemia vai passar. A menos que haja um surpreendente avanço da ciência no curto prazo, teremos provavelmente repiques da infecção e quarentenas intermitentes. E passada a epidemia, além de todos os desafios econômicos e sociais que já existiam, um novo surgirá: a dívida pública será muito maior do que era.

Com exceção dos libertários adeptos do darwinismo social, ninguém discorda da necessidade de o governo sustentar a economia diante do extraordinário desafio que enfrentamos. Por razões humanitárias, devemos gastar o que for necessário na saúde e na rede de sustentação dos mais necessitados. Temos que evitar o desemprego em massa que decorreria de recuperações judiciais e falências, apoiando pequenas e médias empresas e setores específicos.

Há o apoio na forma de empréstimos com garantia do Tesouro, como o Brasil tem feito, e o apoio direto através de pagamentos a fundo perdido de parte substantiva da folha salarial, como em alguns outros países. A proporção entre pagamentos a fundo perdido e empréstimos com garantias do Tesouro varia de país para país, assim como o total da ajuda. Alguns países fazem mais e melhor que outros, mas no mundo todo os governos estão tendo que se endividar para sustentar suas economias.

No Brasil, a dívida pública deve aumentar de 75% do PIB em 2019 para cerca de 90% ao final deste ano. É um patamar inédito na nossa história. O salto decorre do aumento dos gastos públicos (mais dívida), mas também da recessão (menor PIB).

E a dívida pode facilmente chegar a 100% do PIB se pressões políticas tornarem os gastos emergenciais permanentes ou o governo cair na tentação de turbinar a economia para ganhar a eleição em 2022. A pergunta se impõe: qual nosso futuro com um grau de endividamento tão elevado?

Há quem argumente que o governo pode facilmente pagar essa dívida vendendo ativos. Simples de falar, simples de contar —R$ 1 trilhão viria da venda de ativos imobiliários, outro trilhão da venda de estatais e mais R$ 1,5 trilhão da venda de reservas internacionais—, mas pura fantasia na prática. E se o déficit público for muito grande, o efeito da venda de ativos será apenas temporário, porque a dívida vai voltar a crescer mais cedo ou mais tarde.

Há quem argumente, de forma mais sofisticada, que o problema não existe porque a dívida é interna. Uma espécie de Zé com Zé, nós devendo a nós mesmos. No outro extremo, há quem entenda que exista uma conta salgada a ser paga. Teríamos que implementar um regime de austeridade fiscal que gerasse 25% do PIB para fazer uma dívida de 100% do PIB, digamos, retroceder ao nível anterior.

Entender o problema corretamente é meio caminho andado. Em princípio, uma economia pode funcionar bem com uma dívida muito alta desde que os agentes econômicos acreditem que a dívida ficará estável como proporção do PIB.

O drama não é o patamar da dívida, mas sim a percepção de que possa estar numa trajetória explosiva. É a perspectiva de um crescimento descontrolado da dívida/PIB que erode a confiança no nosso futuro, afugenta o investimento privado, aumenta a percepção de risco do país e leva à depreciação exagerada da moeda nacional.

A dívida/PIB é estável se a dívida e o PIB crescerem na mesma velocidade. O valor da razão não se altera quando o numerador e o denominador crescem na mesma proporção. Essa condição de estabilidade está expressa na equação abaixo.

D*(r - g) = z

O significado dos símbolos é o seguinte: g é a taxa de crescimento do PIB, r é a taxa real de juros que incide sobre o estoque de dívida D e z é o superávit primário. Se a taxa de juros for igual à taxa de crescimento (r = g), basta equilibrar o orçamento (z = 0) para manter a dívida constante em relação ao PIB. Se a taxa de juros for maior do que a taxa de crescimento, como tem sido nosso caso, precisaremos de um superávit orçamentário (z > 0) para manter a dívida estável em relação ao PIB.

A equação serve para analisar o efeito de um aumento na dívida pública. Com uma taxa de juros de 4% e uma taxa de crescimento de 2%, a dívida/PIB permanecerá inalterada em 75% se o superávit orçamentário for 1,5% do PIB. Porém, se a dívida subir para 100% do PIB, o superávit necessário para estabilizá-la passa a ser 2%. Em outras palavras, o salto da dívida de 75% para 100% do PIB requer um esforço fiscal adicional e permanente de 0,5% ao ano. Essa é a conta que terá que ser paga pelo meu, o seu e o nosso.

O papel aceita tudo: é sempre possível calcular o superávit primário que torna qualquer dívida sustentável, mesmo que absurdamente alta. Na realidade política, no entanto, há limites para o montante da renda que os segmentos ativos da sociedade (trabalhadores e empresários) estão dispostos a transferir para os rentistas, os detentores da dívida pública. Um estoque de dívida muito elevado pode levar o país a entrar na zona de instabilidade se a sociedade se recusar a gerar o superávit necessário.

O que deve ser feito para tornar uma dívida de, digamos, 90% ou 100% do PIB sustentável?

O primeiro cuidado é com as contas públicas (o z da equação). Quando a crise passar, temos que voltar ao teto de gastos aprovado no governo Temer e reforçar a Lei de Responsabilidade Fiscal aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso.

A longo prazo, devemos reduzir a parcela do orçamento público absorvida por salários e Previdência de 80% para 50% ou 60%, como na maioria dos países, para abrir espaço no Orçamento para gastos nas funções precípuas do Estado: prover saúde e educação de qualidade, zelar pela segurança pública e pela defesa nacional, apoiar a ciência, a inovação tecnológica e as artes. Será um processo longo e difícil.

O segundo cuidado é assegurar que o custo da dívida seja o menor possível (o r da equação). A má notícia aqui é que, tudo o mais constante, quanto maior o estoque de dívida pública, maior a taxa de juros necessária para induzir os agentes econômicos a mantê-la em seus portfólios.

Isso é verdade tudo o mais constante, mas a realidade está em perpétua mudança. O mundo terá taxas de juros mais baixas por um período longo de tempo e talvez juros nominais negativos venham a ser o novo normal pós-epidemia. Um arcabouço mais moderno das relações entre Tesouro e Banco Central, instituindo reservas bancárias remuneradas e facultando ao BC comprar títulos do Tesouro no mercado secundário de forma permanente, pode contribuir para baixar o custo da dívida.

No entanto, mesmo com medidas modernizantes e contando com o vento a favor dos juros mais baixos no mundo todo, talvez não consigamos administrar um estoque tão maior de dívida com um custo menor que o atual.

O que podemos dizer sobre g, a taxa de crescimento da economia? No final deste ano, ainda estaremos com uma renda per capita inferior à que tínhamos em 2014. Sabemos o que não fazer: dar subsídios à margem do Orçamento, alimentar os campeões nacionais, reeditar o PAC da dupla Lula-Dilma ou lançar o plano Pró-Brasil, a caricatura do Plano Marshall aventada pelo governo Bolsonaro. O caminho para crescer mais é tornar a economia mais produtiva.

A agenda da produtividade é tão (ou mais) importante que as reformas no campo fiscal. Para aumentar nossa taxa de crescimento de longo prazo, precisamos de avanços no mercado de capitais, de uma lei geral de garantias, de um bom marco regulatório, inclusive para o saneamento básico, de mais certeza jurídica na execução de contratos. É preciso ir além do marco regulatório e jurídico avançando em cinco vertentes:

(a) Abertura comercial e de serviços a sério de forma prenunciada e, se necessário for, unilateral; (b) reforma administrativa radical para aumentar a produtividade do setor público; (c) um programa de privatizações de envergadura, atingindo as grandes estatais para evitar que parte substantiva do aparato produtivo seja regido por regras outras que não a busca da eficiência econômica; (d) uma reforma tributária que, além do IVA, elimine regimes de tributação favorecida; (e) uma educação pública de qualidade.

Estamos mal parados na agenda da produtividade. Apesar do prometido na campanha presidencial de 2018 e tantas vezes alardeado ao longo do ano passado, quase nada aconteceu. A reforma da Previdência foi aprovada em julho do ano passado graças ao empenho do presidente da Câmara, e o governo Bolsonaro entrou em estado de letargia desde então.

Seus projetos de reforma administrativa e de reforma tributária, se é que existem, nunca foram enviados ao Congresso. A última reforma administrativa de envergadura que fizemos foi em 1998, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso; a reforma tributária que avança no Congresso foi iniciativa do próprio Congresso.

A abertura se limitou a completar o acordo do Mercosul com a União Europeia, um acordo que já nasceu velho e que dificilmente será ratificado pela Comunidade Europeia por causa da nossa horrenda postura face ao meio ambiente. A privatização foi um fiasco: o efeito disfuncional da presença das grandes estatais continua firme e forte. A educação pública, o segredo do nosso futuro, está sendo gerida pelo pior ministro da nossa história.

Pouco surpreende que o crescimento de 2019 tenha sido anêmico. Sem a Covid-19, talvez tivéssemos tido uma recuperação cíclica que nos levasse a 2% de crescimento neste ano, mas para aumentar nosso crescimento de longo prazo precisamos tornar a economia mais produtiva. É só assim que os pobres e desesperançados terão uma vida material melhor, e de quebra resolveremos o problema de tornar uma dívida pública de 100% sustentável.
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*Persio Arida, economista, foi presidente do BNDES e do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso

Agradeço os comentários de Affonso Celso Pastore e Armínio Fraga