diretas já

Ruy Castro: O Brasil nas ruas

Não fosse pela pandemia, já haveria comícios gigantes contra a putrefação de Bolsonaro

No fundo de uma gaveta surge de repente um objeto cheio de história: um button verde-amarelo de um comício da campanha pelas Diretas Já, em 1984. Era o comício da Candelária, aqui no Rio, no dia 10 de abril. Não me lembrava desse button e vejo agora que ele viajou comigo por apartamentos, casas e cidades nesses inacreditáveis 36 anos —em breve, 37.

Pouco antes, em janeiro daquele ano, acontecera o primeiro comício pelas Diretas, o da praça da Sé, em São Paulo, que reunira 300 mil pessoas. Mas o do Rio teria 1 milhão, com a multidão entupindo a avenida Presidente Vargas, do palanque na Candelária à praça da República, e atapetando a Rio Branco, da praça Mauá à Cinelândia —uma massa humana em forma de cruz, mostrando de vez que o país estava farto dos militares.

No palanque, os artistas, os famosos e os líderes Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Fernando Henrique, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Lula. Nem todos ali se davam: Montoro não gostava de Brizola, Brizola não gostava de Lula e Lula não gostava de ninguém. Mas todos tinham um inimigo comum: o regime, que já caia de podre e respirava por aparelhos, que eram as eleições indiretas para presidente votadas por um Congresso viciado. Daí os comícios, para pressionar os políticos a aprovar uma emenda que propunha restabelecer as diretas. Duas semanas depois, em 25 de abril, o Congresso traiu como sempre a nação, derrotando a emenda.

As diretas viriam, mas só dali a cinco anos, e Deus sabe quantos erros, desde então, cometeram-se em seu nome. As jornadas de 1984, no entanto, eram a prova de que existíamos ---e, não fosse pela pandemia, que nos obriga a lutar pela vida dentro de casa, o país estaria hoje de novo nas ruas, para exigir o despejo de Jair Bolsonaro.

Em 1984, a ditadura tinha 20 anos. Com dois anos de Bolsonaro, o Brasil já chegou a nível equivalente de putrefação.


Folha de S. Paulo: Manifestos pró-democracia buscam recriar clima de Diretas Já após ataques de Bolsonaro

Textos defendendo Constituição e separação de Poderes unem adversários ideológicos

Fábio Zanini, do UOL

Uma profusão de manifestos em favor da democracia após ataques do presidente Jair Bolsonaro a instituições tomou as redes sociais e as páginas de jornal nos últimos dias, buscando recriar um certo clima de Diretas Já.

Se a comparação com o movimento de 1984 ainda pode soar um tanto exagerada, há um paralelo evidente entre os dois momentos.

O principal, a união de adversários ideológicos contra um inimigo comum, associado ao autoritarismo. Em geral, contudo, não há defesa explícita do afastamento do presidente.

A maior iniciativa é o Movimento Estamos Juntos, lançado no sábado (30) e que resgata a cor amarela —símbolo do Diretas Já. No fim de semana, arrebanhou assinaturas online ao ritmo de 8.000 por hora e reunia mais de 150 mil até a noite deste domingo (31).

“Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum”, afirma o texto.

A lista de signatários vai de apoiadores do socialismo a defensores do Estado mínimo. Os manifestantes afirmam representar mais de dois terços da população, referindo-se ao apoio de cerca de 30% a Bolsonaro registrados em pesquisas do Datafolha e outros. Há até mesmo um movimento chamado “Somos 70 porcento”, que ganhou as redes sociais.

No entanto, entre os nomes mais reconhecíveis, parecem raros os conservadores e dissidentes do bolsonarismo —o músico Lobão é um deles.

O texto não cita o presidente, mas manda recado claro a ele ao cobrar respeito à Constituição e à separação dos Poderes.

Uma das apoiadoras, a socióloga Maria Victoria Benevides, tem larga experiência em outras mobilizações. Em abril de 1984, participou de uma foto histórica no topo do prédio da Folha, no centro de São Paulo, em que 61 personalidades pediam eleições diretas.

“Estávamos numa situação de quem está saindo de uma ditadura e agora nosso medo é estarmos entrando numa. Por isso que é mais fácil essa união de tucanos com petistas e o PDT, ou economista ortodoxos que se aliam a outros de esquerda”, diz.

Benevides, que é membro da Comissão Arns de Direitos Humanos, diz ter assinado incontáveis manifestos no passado e nota uma diferença para os dias atuais. “Antigamente eu conhecia todo mundo. Hoje participo com gente que nem conheço, ou gente que eu vejo e digo: ‘Puxa, nunca pensei que essa pessoa poderia estar assinando um manifesto junto comigo’.”

Outro que figura na histórica foto de 1984, o economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira também assinou o novo manifesto. “O Brasil tem uma democracia consolidada, mas um presidente psicopata que a está ameaçando diariamente com palavras e atos”, diz ele.

Defensor do impeachment, Bresser afirma que a importância de manifestos e abaixo-assinados é mostrar a deputados que o afastamento do presidente é possível.

“Hoje há dúvidas sobre a viabilidade do impeachment, mas ela vai se dar à medida em que um número cada vez maior de pessoas se manifestarem. No mínimo, isso mostra aos deputados que Bolsonaro não tem condição de se reeleger.”

Neste domingo (31), outro manifesto surgiu, voltado ao meio jurídico. Com o título de Basta!, reúne cerca de 720 profissionais do direito.

“O Brasil não pode continuar a ser agredido por alguém que, ungido democraticamente ao cargo de presidente da República, exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático”, afirma.

Uma das apoiadoras, a advogada e professora Flávia Rahal, da Fundação Getulio Vargas, diz que o manifesto reúne “vozes em defesa da democracia”.

“Esse e os outros manifestos são a união de pessoas que podem ter posturas ideológicas diferentes, mas veem na manutenção da democracia a peça principal para o respeito à Constituição e às instituições”, afirma.

Chama a atenção, segundo ela, a velocidade com que esses documentos têm obtido apoio. “Em pouco tempo reuniram muita gente. Isso mostra um desejo das pessoas de saírem da inércia e agirem pelo respeito à democracia.”

O fato de a crise ocorrer em meio a uma pandemia torna mais fácil reunir apoios online, já que manifestações de rua ou em ambientes universitários não são uma opção. Isso pode ajudar a explicar a multiplicação de iniciativas.

No sábado (30), outro documento com expoentes do direito foi lançado, reunindo 170 assinaturas em defesa de que as Forças Armadas respeitem a Constituição.

Houve ainda posicionamentos mais específicos, como o do Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça, que se manifestou em defesa do STF (Supremo Tribunal Federal) na última sexta (29).

Na quinta (28), um manifesto assinado por 535 integrantes do Ministério Público Federal defendeu emenda obrigando o presidente a escolher para a Procuradoria-Geral da República nome a partir de lista tríplice. O atual PGR, Augusto Aras, não fez parte da lista e é visto por parte dos procuradores como pró-Bolsonaro.

No mesmo dia, um documento com 650 assinaturas, encabeçado pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares e contendo apoios como os dos músicos Chico Buarque e Caetano Veloso, pediu a formação de uma "unidade antifascista".

"É imperioso que cada um de nós adie seus legítimos projetos próprios e se abra, desarmado, para uma grande concertação de todas as forças antifascistas, as quais, vale enfatizar, não se esgotam nas esquerdas", diz o documento, que menciona uma "dupla catástrofe, a pandemia e Bolsonaro".

Também houve manifestos recentes de caráter setorial, em áreas como meio ambiente e relações exteriores.

Para José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça no governo FHC e presidente da Comissão Arns, é preciso consolidar uma maioria de democratas no país, mesmo levando em conta que um terço da população segue apoiando o presidente.

A última pesquisa Datafolha mostrou que 43% dos brasileiros consideram o governo ruim ou péssimo, recorde na gestão, mas a aprovação a Bolsonaro seguia estável em 33% —e 22% o consideravam regular.

“Temos que ter união. As forças democráticas de várias tendências políticas devem estar presentes neste momento, como nas Diretas, em que subiram no mesmo palanque Tancredo, Ulysses, Fernando Henrique e Lula”, diz.

Em 17 de maio, a Comissão Arns defendeu em texto na Folha a saída de Bolsonaro. “Ao semear a intranquilidade, a insegurança, a desinformação e, sobretudo, ao colocar em risco a vida dos brasileiros, o seu afastamento do cargo se impõe”, disse. Não há menção de como isso ocorreria, no entanto, se por impeachment ou outra via legal.

Segundo Dias, o novo vale do Anhangabaú, ao menos enquanto durar a pandemia, são as redes sociais. “Temos que atuar em defesa da imprensa livre, das instituições e da liberdade. Somos muitos”, afirma.

A razão para a ojeriza a Bolsonaro, dizem os apoiadores dos manifestos, vem do que se poderia caracterizar como “conjunto da obra”, que reúne ataque a instituições e menosprezo ao coronavírus.

“A gente concorda em poucas coisas, mas nesse momento estamos unidos no fundamental. Não é possível a continuidade de um governo que promove a morte”, diz Douglas Belchior, membro da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos.

Segundo ele, que também assinou o manifesto do Estamos Juntos, a situação dos negros piorou na atual crise. “Estamos defendendo ideias iluministas, olha o absurdo. Não acho que a condição anterior a Bolsonaro estava boa. Mas a de agora é muito pior”, diz.

Estamos Juntos 
Reúne artistas e intelectuais de campos ideológicos diversos, como Lobão e Caetano Veloso. Até a noite deste domingo tinha mais de 150 mil assinaturas.

Basta! 
Organizado por juristas e advogados e lançado neste domingo (31), o movimento tem aproximadamente 700 assinaturas, que incluem nomes como Antonio Claudio Mariz de Oliveira e Claudio Lembo.

As Forças Armadas e a Democracia 
Manifesto assinado por 170 profissionais ligados ao direito, entre eles três ex-ministros da Justiça, pede que as Forças Armadas respeitem a democracia.

Presidentes dos TJs 
Presidentes dos 27 Tribunais de Justiça do país manifestaram “integral apoio” ao STF (Supremo Tribunal Federal), alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro

Procuradores
Manifesto assinado por 535 integrantes do Ministério Público Federal, na quinta-feira (28), pediu a aprovação pelo Congresso de uma proposta que obrigue o presidente da República a escolher a chefia da PGR por meio de uma lista tríplice votada pela categoria.

Comissão Arns de Direitos Humanos 
Entidade divulgou manifestação na qual afirma se preocupar com “manifestações desestabilizadoras feitas por agentes públicos” e que atingem o STF e seus ministros.​

Somos 70 por cento 
Campanha contra o presidente com apoio de celebridades como a apresentadora Xuxa


Relembre no #ProgramaDiferente a campanha das #DiretasJá da década de 80 e compare com o movimento atual contra o impeachment

Neste momento em que o governo de transição do presidente Michel Temer vem sendo tachado de "golpista" e estamos assistindo protestos diários convocados por uma parcela minoritária (mas crescente) de políticos, de cidadãos engajados partidariamente e de movimentos sociais que buscam construir a "narrativa" mais conveniente para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, inclusive resgatando a nostálgica campanha das "Diretas Já"para tentar legitimar os interesses inconfessáveis de alguns, vale a pena resgatar a memória daquela época.

Não há comparação honesta possível entre o que foi o povo brasileiro nas ruas pedindo "Diretas Já" após 20 anos de ditadura militar e o movimento que se vê hoje, insuflado sobretudo pelas redes sociais e orquestrado por grupos de apaniguados petistas que viveram às custas de privilégios e de benefícios estatais patrocinados nos últimos 14 anos pelos governos de Lula e Dilma, grande parte contrária inclusive às investigações e condenações do Mensalão e da Operação Lava Jato.

Ou seja, que se posicionem contra as ilegalidades cometidas nos últimos anos e defendam #DiretasJá por enxergarem uma cumplicidade entre Dilma e Temer ou a parceria indissociável entre o PT e o PMDB na corrupção institucionalizada no país, é até justificável. Que se oponham veementemente às anunciadas reformas trabalhistas e previdenciárias, com o aumento da idade mínima da aposentadoria para 65 anos ou da jornada de trabalho para 12 horas diárias, entre outras "temeridades" (perdoe o trocadilho involuntário, presidente Temer), é sinceramente compreensível.

Mas querer misturar as coisas para livrar a cara de seus corruptos de estimação, tentar desqualificar o trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e do juiz Sergio Moro, para ficar apenas no exemplo mais emblemático, e achar que vão confundir a população misturando a história de políticos presos com a de presos políticos, nessa estúpida "narrativa do golpe", é de uma canalhice e de uma desonestidade intelectual sem tamanho.

Relembre com o #ProgramaDiferente a campanha das Diretas da década de 80, que reunia políticos, artistas e intelectuais verdadeiramente ao lado do povo e da democracia, e compare com o movimento atual, marcado pela ação violenta de black blocs, de lideranças partidárias envolvidas com a corrupção do governo e de outros grupos cooptados que apostam no ódio e na polarização. Assista.