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Marcus Pestana: Pátria minha
Neste 7 de setembro estaremos sitiados pelo radicalismo político, de intolerância ideológica e esgarçamento do tecido social e institucional
Marcus Pestana / O Tempo
O grande poeta Vinicius de Moraes, no exílio, durante os obscuros anos de ditadura, rascunhou carinhosa homenagem em forma de poema ao seu país. “A minha pátria é como se não fosse, é intima. Doçura e vontade de chorar, uma criança dormindo. É minha pátria. Por isso, no exilio, assistindo dormir meu filho, choro de saudades da minha pátria”. “Não te direi o nome, pátria minha. Teu nome é pátria amada, é patriazinha, não rima com mãe gentil. Vives em mim como filha, que és. Uma ilha de ternura, A ilha Brasil, talvez”.
Aproxima-se o 7 de setembro. No próximo ano, completaremos 200 anos de Independência. Infelizmente, em 2021, estamos envoltos numa névoa de temores, rancores e ameaças. O 4 de julho, nos Estados Unidos, é estuário do sentimento de patriotismo do povo americano, independente de convicções políticas ou ideológicas. Assim também é a comemoração da Queda da Bastilha, no 14 de julho. Esse feriado de 2021 seria um bom momento de pausa para reflexão sobre nossa trajetória como povo e Nação, nossas virtudes e mazelas, nossos avanços e desafios. Mas o país estará dividido.
O Brasil era uma país colonial, exportador de produtos primários como pau-brasil, cana de açúcar, ouro e diamantes com base em relações de trabalho escravistas. Por um acidente, acossada por Napoleão, em 1808, a Corte portuguesa aportou no Rio de Janeiro. Avanços foram introduzidos até o retorno de D. João VI a Lisboa. Assumiu Dom Pedro I. Houve a tentativa de recolonização. O Dia do Fico representou a opção de Pedro I por governar o país. Mudanças ministeriais sinalizaram a ruptura. Pedro I vai a Minas e de lá’ para São Paulo, angariando a simpatia da população. Na volta de Santos, diante do ultimato português que retornasse à Corte, na beira do Córrego do Ipiranga, no topo de uma colina verde, de espada em punho, bradou “É tempo! Laço fora! Independência ou Morte!”, para a emoção das tropas e o espanto do camponês que aparece solitário no canto da famosa tela de Pedro Américo, “O GRITO DO PRÍNCIPE”, que se encontra exposta no Museu do Ipiranga. As convicções nacionalistas de Pedro I, após longo processo de consolidação do Primeiro Reinado, não foram bastantes para evitar que, em 1931, abdicasse o trono e retornasse à Portugal, na esperança de se tornar o Rei Dom Pedro IV.
Cento e noventa e nove anos se passaram. O Brasil se industrializou, o agronegócio se modernizou, a população se urbanizou, a integridade territorial foi mantida, assim como a língua e a unidade política.
Neste 7 de setembro, estaremos marcados pelas centenas de milhares de mortes na pandemia, pelo desemprego alarmante, pelo retorno da inflação, pelo aprofundamento da pobreza, pela armadilha do baixo crescimento. Mas estaremos principalmente sitiados por um ambiente inédito de radicalismo político, de intolerância ideológica e esgarçamento do tecido social e institucional.
Os desafios colocados no caminho de uma Nação justa, soberana, democrática e fraterna exigem capacidade de negociação e diálogo, serenidade e prudência, equilíbrio e sabedoria, firmeza, mas capacidade de ouvir os diferentes.
Podemos nos xingar de fascistas e comunistas, de genocidas e ladrões a esmo sem acrescentar uma linha positiva na história brasileira. Que no 7 de setembro prevaleça a união dos brasileiros em torno de nossos valores mais profundos.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2536893
Pablo Ortellado: O que temer no 7 de Setembro?
Há muita expectativa quanto à dimensão e às consequências da manifestação em apoio a Bolsonaro no 7 de Setembro
Pablo Ortellado / O Globo
O principal temor é que o 7 de Setembro possa ser uma espécie de 6 de janeiro brasileiro — manifestantes pró-Trump invadiram o prédio do Congresso nos Estados Unidos naquele dia para tumultuar a sessão que confirmaria a vitória eleitoral de Joe Biden. Cinco pessoas morreram, e 138 policiais ficaram feridos.
Mas há diferenças importantes entre o 6 de janeiro americano e o 7 de Setembro brasileiro. A principal delas é que a invasão do Capitólio foi um movimento ousado, que tomou as autoridades de surpresa.
Aqui, todos os piores cenários foram antecipados pelas autoridades: a participação na manifestação de policiais militares armados, o bloqueio de estradas por caminhoneiros e uma invasão ao prédio do Supremo Tribunal Federal ou do Congresso. Pode ser que as precauções tomadas não sejam suficientes, mas a Justiça e os governadores tomaram medidas para monitorar e impedir essas ações.
Outra diferença importante é que o 6 de janeiro americano foi um gesto desesperado do trumpismo, que havia sido derrotado eleitoralmente. Aqui, embora as pesquisas indiquem que o apoio a Bolsonaro está caindo, ainda falta mais de um ano para as eleições.
Os bolsonaristas têm feito um grande esforço de mobilização — provavelmente o maior desde que o presidente tomou posse. Esse esforço se justifica. Bolsonaro tem perdido apoio mês a mês, e as perspectivas da economia e o avanço da variante Delta não sugerem uma inversão de rumo.
As aspirações golpistas de Bolsonaro precisam de respaldo popular ou pelo menos de uma imagem de respaldo popular. Seu discurso é que ele, na condição de chefe supremo das Forças Armadas, vai fazer “o que o povo pedir”.
No entanto, até agora, o saldo da mobilização de rua tem sido amplamente favorável à esquerda. As manifestações contra Bolsonaro em maio, junho e julho foram muito grandes, e a maior manifestação bolsonarista até agora, no 1º de Maio, deve ter sido pelo menos três vezes menor.
Talvez a opção pelas motociatas tenha sido uma maneira de mascarar essa diferença, seja porque motociata é um gênero de mobilização não diretamente comparável com uma passeata ou comício, seja porque a reunião de motos amplifica a sensação de multidão. A concentração das manifestações do 7 de Setembro em apenas duas cidades, São Paulo e Brasília, compõe essa estratégia de aumentar artificialmente a sensação de apoio.
Além disso, Bolsonaro recebeu um presente da esquerda. A tradicional manifestação do Grito dos Excluídos, que acontece todo 7 de Setembro, neste ano foi convocada sem muito empenho e organização, e a expectativa é que seja pequena.
É absolutamente certo que o bolsonarismo vai comparar registros fotográficos das duas manifestações para desmentir os institutos de pesquisa, “provar” a popularidade do presidente e dizer que “o povo” o está autorizando a agir.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-7-de-setembro-pode-ser-nossa-invasao-do-capitolio.html
El País: Câmara empurra mais mudanças para as eleições de 2022
Proposta também traz mudanças que limitam a Justiça Eleitoral e põem obstáculos à renovação política
A boiada segue passando na Câmara dos Deputados. Os parlamentares começaram a debater no plenário nesta quinta-feira, 2 de setembro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/21, que institui um novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos e quase 400 páginas, e que pretende impor diversas mudanças já a partir das eleições de 2022. O plano é de que o texto seja votado e aprovado na próxima semana. A maior parte desses artigos consolida em leis resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de forma a garantir mais segurança jurídica ao processo eleitoral. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O texto carrega mudanças controversas, como uma quarentena de cinco anos após deixarem os cargos para policiais, militares, membros do Ministério Público e juízes se candidatarem, ou a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia da eleição. Mas a principal crítica entre analistas e parlamentares é a pressa do Parlamento para aprovar mudanças tão importantes.
Nenhuma eleição no Brasil é igual a outra desde 1988. A cada quatro anos o Congresso Nacional aprova alterações para os pleitos seguintes. A última ocorreu em 2017, quando os parlamentares acabaram com as coligações proporcionais e instituíram uma cláusula de barreira com o objetivo de enxugar o quadro partidário. Fruto de longos debates na sociedade civil, na imprensa e no próprio Congresso, essas mudanças constantes não são necessariamente ruins, porque podem significar evoluções e um amadurecimento do sistema eleitoral.
O problema é que, agora, num contexto de pandemia de coronavírus e com sessões sendo realizadas por videoconferência, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vem imprimindo um ritmo de urgência a pautas delicadas, sem passar muitas vezes por comissões ou debates mais amplos. No início de agosto, um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) voltou a implementar as coligações proporcionais para as eleições de 2022 quatro anos depois da mesma Câmara derrubá-las —como o fim delas só começaria a valer a partir do ano que vem, não deu tempo de o país sequer avaliar os resultados da mudança. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já disse que não pretende pautar a alteração.
Nesta semana, a Câmara votou a toque de caixa uma reforma tributária que, segundo analistas, geram problemas graves de arrecadação. Agora, a Casa dá mais um passo apressado para impor novas mudanças para as eleições. “Vejo com muita preocupação o fato de a Câmara estar aprovando com muita pressa. Tanto a PEC [da reforma política] como o Código Eleitoral são pontos sensíveis. Precisam de um debate mais demorado e envolvendo mais atores”, explica Leonardo Martins Barbosa, cientista político do IESP/UERJ e pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).
Freio na reforma
As criticas ao projeto geraram a campanha “Freio na Reforma”, que conta com mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas o Movimentos Transparência Partidária, ITS Rio, o Pacto Pela Democracia e o Movimento Livres. Em conjunto com cinco deputados federais e dois senadores, entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira, 31 de setembro, pedindo que fosse formada uma comissão especial para analisar o projeto.
“O regimento interno é muito expresso ao determinar que, para fazer qualquer tipo de mudança no código, é preciso constituir uma comissão especial”, explica o advogado Irapuã Santana, que assinou a petição ao Supremo. “Foi feito apenas um grupo de trabalho que o próprio Lira escolheu os membros, sem nenhuma representatividade, sendo que uma comissão especial deve guardar uma proporcionalidade, deve ser por votação... Uma série de regras do legislativo não foram cumpridas”, acrescenta. Os próprios deputados chamavam atenção nesta quinta para as surpresas que tinham a cada nova leitura do relatório.
O relator desse mandado de segurança, o ministro Antonio Dias Toffoli, deu 48 horas para que Lira desse explicações sobre o andamento do novo Código Eleitoral —algo que não ocorreu. Com receio de interferir em questões internas do legislativo, Toffoli indicou que enviará o caso para o plenário do Supremo. “O tribunal tem uma jurisprudência muito forte no sentido de que o devido processo legislativo precisa ser cumprido, senão ele precisa voltar. Portanto, já estamos estamos invocando um precedente”, explica Santana. Ele afirma que é preciso fazer audiências públicas e buscar estudos que demonstrem que determinadas mudanças ou manutenções de regras serão favoráveis à população. “Quando vemos que isso está sendo feito de uma maneira apressada, parece que esses objetivos não são tão republicanos”, argumenta o advogado, que acredita que o novo Código Eleitoral vai na “contramão do que a sociedade vem querendo”, ao colocar um empecilho no fluxo de renovação política no país.
Entre os pontos considerados mais problemáticos, ele afirma que foram deixados de lado regras que garantam recursos para negros e mulheres e uma representação proporcional no Congresso. Um dos pontos que está em discussão no projeto é que, ao distribuir os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, sejam contados em dobro os votos dados a esses dois grupos para a Câmara. Na sessão desta quinta, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) enumerou outras críticas, como o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa (pela nova norma, um político condenado começaria a cumprir seu período de oito anos de inelegibilidade a partir da condenação, e não ao fim do cumprimento da pena, como ocorre hoje) e uma autoridade que renunciasse antes do fim de seu processo de cassação poderia manter seus direitos políticos.
O projeto também determina que os candidatos apresentem seus documentos por meio do sistema da Receita Federal, que é menos detalhado, e não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral —o que, segundo críticos, atrapalha as tabulações e cruzamentos. Outro tema considerado problemático é que os gastos de campanhas eleitorais poderão ser divulgados apenas depois de encerradas as votações —atualmente, os candidatos devem publicar seu patrimônio ao registrarem suas candidaturas, assim como fazer prestações parciais das despesas de seus comitês de campanha. O projeto também prevê a possibilidade de empresas privadas serem contratadas pelas siglas para auditarem a contabilidade partidária. Defensores afirmam que isso pode agilizar a apreciação do uso de dinheiro público pelos partidos, diminuindo o volume de trabalho da Justiça Eleitoral, mas os críticos temem que isso também diminua a fiscalização sobre os partidos.
A autora do projeto, a deputada Soraya Santos (PL-RJ), defende que ele une em um só texto todas as regras —partidos, eleições, inelegibilidades, propaganda eleitoral, financiamento de partidos e de eleições, crimes eleitorais, entre outros— e busca superar divergências em decisões tomadas pela Justiça Eleitoral. O texto, argumenta ela, “encampa a crescente demanda dos especialistas da área por um corpo coerente e fechado de normas processuais”.
Ao contrário de outros temas, o novo Código Eleitoral não parece dividir Governo e oposição. Deputados bolsonaristas, por exemplo, são contrário à quarentena de cinco anos para policiais, militares, promotores e juízes. “Acaba por cercear ainda mais a ascensão política dessa categoria”, argumentou nesta quinta-feira o parlamentar Coronel Tadeu (PSL-SP). Inicialmente, a quarentena já valeria para 2022 —o que foi interpretado como uma tentativa de evitar a participação do ex-juiz Sergio Moro no próximo pleito—, mas a relatora, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), alterou a vigência para 2026. “É preciso debater a exclusão dessa quarentena e trazer o princípio da isonomia a todos os cidadãos que pleiteiam o espaço político”, argumentou a deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Outro tema considerado importante por siglas pequenas ameaçadas pela cláusula de barreira, como o PCdoB, é a aprovação das federações partidárias e o uso das “sobras” em eleições proporcionais —isto é, votos remanescentes— por partidos menores.
Manutenção do status quo
De acordo com Barbosa, do Observatório do Legislativo Brasileiro, projetos que atendam aos interesses da classe política “não necessariamente são ruins”. Por exemplo, ele acha importante debater a diminuição do prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. O projeto diminui esse prazo de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Porém, o cientista político acredita que o Congresso tem se valido da pandemia para modificar regras eleitorais em um tempo curto. “O que está por trás é a intenção de manter o status quo e dificultar a renovação”, explica. “É importante construir um Código Eleitoral para dar mais transparência a essas leis. Isso é um movimento importante. O que não pode é ser unicamente motivado pelo interesse de manutenção do status quo”, completa.
O problema da pressa e da falta de debate, continua Barbosa, é que “matérias importantes acabam tendo um projeto de lei ruim”. Ele diz que a estratégia de Lira não é formar maiorias a partir de pontos de consenso, mas sim inserir vários pontos que atendam interesses miúdos —como a proibição de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das eleições, uma demanda da extrema direita bolsonarista.
Além disso, Barbosa não vê o Senado com a mesma disposição de aprovar a toque de caixa mudanças importantes. Uma demonstração disso ocorreu nesta quarta-feira, quando os senadores rejeitaram por ampla maioria um projeto que flexibilizava e precarizava ainda mais as relações de trabalho. Além disso, senadores vêm dedicando mais tempo para outros temas delicados aprovados pela Câmara, como as mudanças no licenciamento ambiental. Sobre o Código Eleitoral, ainda restam dúvidas de como se posicionará. “Quando o Senado discorda, a tendência é que esses temas sequer sejam pautados para votação. Ele já deu amostras de que não aceitará qualquer coisa que venha da Câmara”, explica Barbosa. É de se questionar, portanto, as prioridades estabelecidas pelos deputados, que têm gastado um bom tempo da legislatura dando atenção a projetos que não parecem ter futuro.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-03/camara-empurra-mais-mudancas-para-as-eleicoes-de-2022-escondidas-em-um-projeto-de-400-paginas.html
O que está em jogo no Brasil é ruptura do pacto civilizatório de 1988
Constante deslegitimação das instituições democráticas colocam em xeque a possibilidade de um país menos desigual
Ricardo Machado / IHU Online
O clima de sucessão presidencial no Brasil está posto. Mas a tensão comum desses períodos, apesar de o debate estar bastante adiantado, com mais de um ano de antecedência em relação ao pleito, mostra que a escalada da violência política subiu mais alguns degraus. “Não há dúvida nenhuma de que temos uma combinação bastante perigosa, com uma militância extremista radicalizada e uma liderança disposta a tumultuar e melar o processo. Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política, pior ainda do que aquela ocorrida durante a campanha das eleições de 2018”, pontua o professor e pesquisador Luis Felipe Miguel, em entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Embora em várias pesquisas Lula apareça como líder das intenções de voto, as condições de um possível retorno e de governo do ex-presidente são bastante diferentes de 20 anos atrás. “Lula chegou à presidência nas eleições de 2002 com o compromisso de se manter em um programa de extrema moderação para não assustar a burguesia e a promessa de pacificar o país, por meio da inclusão social, sem afetar os privilégios dos grupos minoritários”, explica.
No entanto, explica o professor, a margem de manobra para que um hipotético governo Lula promova políticas compensatórias de combate à pobreza é bastante adversa. “O estado brasileiro foi severamente atingido pelas medidas de redução da sua capacidade de ação tomadas a partir do governo Michel Temer e porque existiu nesse período um processo de retirada brutal de direitos”. A instabilidade democrática não somente coloca em risco o futuro do Brasil, como compromete o pacto firmado com a Constituição de 1988, que, segundo o entrevistado, “apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil”.
Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília - UnB e graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Leciona no Instituto de Ciência Política da UnB, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). Publicou, entre outros, os livros Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Consenso e conflito na democracia contemporânea (Editora Unesp, 2017) e Dominação e resistência (Boitempo, 2018).
Confira a entrevista.
IHU – Como o senhor avalia o atual cenário político brasileiro, com ameaças de golpe, tentativas de deslegitimação das urnas eletrônicas e um processo constante de questionamento e tensionamento entre as instituições?
Luis Felipe Miguel – Bolsonaro é um político de baixa competência, que não sabe negociar, que não tem capacidade de agregar e não sabe trabalhar coletivamente, como prova, aliás, sua incapacidade de formar um partido. Toda sua estratégia consiste em manter elevado o nível da tensão política. Graças a isso sua base fica mobilizada agressivamente e mantém os adversários na defensiva. No momento em que as chances eleitorais dele estão claramente se reduzindo para 2022, ele está optando por aumentar ainda mais o nível desta tensão que já foi mantida alta durante todo o mandato. Claramente está apostando em uma virada de mesa, ou seja, um novo golpe, a contestação do resultado das eleições de 2022 ou mesmo a tentativa de impedir a realização das próximas eleições. Ou está apostando em garantir que após a sua provável derrota nas urnas ele terá uma base militante minoritária, mas muito aguerrida, capaz de garantir que ele e seus familiares não sejam atingidos pelas medidas punitivas às quais certamente fazem jus, dadas todas as evidências recolhidas até aqui.
Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política – Luis Felipe Miguel Tweet
IHU – Estando a mais de um ano das eleições, o que é possível projetar sobre o próximo pleito, senão do resultado, ao menos de suas condições de realização?
Luis Felipe Miguel – Sobre as eleições do próximo ano, creio que a única coisa que se pode dizer com algum grau de certeza é que, infelizmente, serão realizadas em um contexto de muita tensão. O bolsonarismo tem trabalhado para que não tenhamos uma campanha eleitoral com o mínimo de civilidade, de discussão sobre as alternativas para o país, sobre o significado das candidaturas. O que ele está fazendo é, deliberadamente, produzir suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral, ao mesmo tempo que insufla sua base – composta por uma parte importante de homens armados – contra as candidaturas alternativas à dele, em particular aquela que é favorita neste momento, a do ex-presidente Lula.
Não há dúvida nenhuma de que temos uma combinação bastante perigosa, com uma militância extremista radicalizada e uma liderança disposta a tumultuar e melar o processo. Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política, pior ainda do que aquela ocorrida durante a campanha das eleições de 2018.
Sobre as eleições do próximo ano, creio que a única coisa que se pode dizer com algum grau de certeza é que, infelizmente, serão realizadas em um contexto de muita tensão – Luis Felipe Miguel. Tweet
IHU – A pesquisa da XP/Ipespe divulgada no dia 17/8 indica que, no primeiro turno, Lula tem vantagem sobre todos candidatos e que, no segundo turno, tanto Lula quanto Ciro são capazes de vencer Bolsonaro. O que essa pesquisa sugere sobre o atual contexto político?
Luis Felipe Miguel – Este cenário tem reaparecido em todas as pesquisas mais recentes. Não há dúvidas de que há hoje um claro favoritismo do ex-presidente Lula, não apenas pontuando com larga vantagem sobre os adversários, particularmente sobre Bolsonaro no primeiro turno, ganhando com larga vantagem no segundo turno, como também existe uma tendência de queda da rejeição ao nome do ex-presidente Lula. Parece que o fantasma do antipetismo, que foi muito importante para garantir a vitória da extrema direita em 2018, e que ainda é apresentado por alguns candidatos que tentam se viabilizar como sendo um fator determinante na eleição, começa a ser superado.
Creio que vários fatores contribuíram para isso e gostaria de citar três em particular.
1) O primeiro, claro, é o desastre absoluto do governo resultante da campanha antipetista, que é o governo Bolsonaro. Um governo que trouxe ao país um rastro de destruição e demolição do Estado brasileiro, das instituições democráticas, além, é claro, da nossa contagem de centenas de milhares de mortos, em grande medida resultado da condução absolutamente irresponsável da pandemia.
2) O outro fator é a desmoralização da Operação Lava Jato. Desde sempre pesavam suspeitas mais do que sérias sobre a condução da Lava Jato por Sergio Moro e Deltan Dallagnol, além de outros participantes da força-tarefa. A partir sobretudo das revelações feitas pelo The Intercept Brasil, ficou mais do que evidente que a operação foi uma conspiração contra a democracia brasileira, e o ex-presidente Lula foi o principal alvo desta conspiração. Isso claramente pode reverter uma parte da antipatia construída contra ele.
3) O terceiro motivo se liga a quando Lula é finalmente solto de sua prisão política e arbitrária e, depois de recuperar os seus direitos políticos, consegue, rapidamente, se colocar diante do país como sendo a grande esperança de superação da situação em que nos encontramos. Naquele momento o Brasil testemunhava o pior momento da pandemia, e isso em uma situação em que as outras lideranças da oposição, particularmente as de direita, que o governador (João) Doria buscou encarnar em primeiro lugar, mostraram-se pouco capazes de conter o desastre que o bolsonarismo representava. Naquele momento Lula se tornou capaz de ser, tal como havia sido nas eleições de 2002, uma esperança de salvação para o país. Isso está se refletindo nas pesquisas de opinião.
Claramente é impossível fazer previsões faltando mais de um ano para o pleito de 2022, mas Lula entra na campanha eleitoral com essa bagagem de simpatia, novamente portador da esperança popular e isso, sem dúvida nenhuma, faz com que o favoritismo dele tenha um certo grau de solidez.
Acredito ser improvável que um terceiro nome alce voo, exceto na hipótese, infelizmente remota, do impedimento de Bolsonaro
Luis Felipe Miguel
IHU – Aliás, como o senhor avalia a possibilidade de uma terceira via? Quais são as condições hoje e quais as possibilidades de mudança até as eleições?
Luis Felipe Miguel – Acredito ser improvável que um terceiro nome alce voo, exceto na hipótese, infelizmente remota, do impedimento de Bolsonaro. Ou seja, de que ele não possa apresentar sua candidatura, quando, aí sim, há a possibilidade de um outro nome à direita se colocar. Mas, mantida a candidatura de Bolsonaro, parece pouco provável que a direita tradicional consiga colocar outro nome forte na disputa. Existem nomes que têm estrutura, que estão há muito tempo presentes e têm ativos a seu favor, como é o caso do governador Doria, que dirige o estado mais rico do Brasil, se projetou como o pai da vacina brasileira e tem a simpatia da mídia corporativa e de parte do empresariado, mas, apesar disso, continua patinando em torno dos 5% das intenções de voto. É muito improvável que um candidato como Doria aumente sua aceitação, pois mesmo com todos esses recursos não consegue ultrapassar a linha em que está.
Por outro lado, a tentativa de lançar um outsider como foi tentado com Luciano Huck, que acabou retirando sua candidatura da disputa – e, às vezes, aparecem nomes de outros apresentadores de televisão –, é um caminho muito mais difícil quando o país vive a ressaca da antipolítica. Quando os candidatos que procuravam representar um rechaço à classe política foram testados, deu no que deu. Desse ponto de vista, a possibilidade de que surja um nome surpresa me parece bem pouco auspiciosa.
Sobra o caso do candidato Ciro Gomes, que tenta se colocar como o nome da terceira via, inclusive se colocando de uma maneira bastante agressiva e buscando se distanciar da esquerda representada pelo PT e por Lula. A questão é que Ciro, além das dificuldades já conhecidas por quem acompanhou todas suas outras tentativas de chegar à presidência da República, enfrenta hoje o fato de que se descredenciou da esquerda, exatamente por não ter se engajado no segundo turno contra Jair Bolsonaro, como todos nós sabemos, e preferiu ir a Paris. Ao mesmo tempo a direita mantém uma desconfiança de que ele, embora tenha tido sua origem política na Arena, há muito tempo buscou se colocar como um político com perfil à esquerda. As pesquisas não indicam somente um movimento momentâneo, mas algo que está se cristalizando no cenário político eleitoral. Isso tudo nos leva a crer que a tendência é Ciro ficar abaixo do seu teto histórico que é de 12% dos votos, o que é insuficiente, portanto, para ele chegar ao segundo turno.
A questão é que Ciro, além das dificuldades já conhecidas por quem acompanhou todas suas outras tentativas de chegar à presidência da República, enfrenta hoje o fato de que se descredenciou da esquerda
Luis Felipe Miguel
IHU – Quais são as diferenças entre as atuais condições político-eleitorais de Lula para o pleito de 2022 em comparação com 2002? Em suma, qual o clima político que vivemos em relação a Lula?
Luis Felipe Miguel – Lula chegou à presidência nas eleições de 2002 com o compromisso de se manter em um programa de extrema moderação para não assustar a burguesia e a promessa de pacificar o país, por meio da inclusão social, sem afetar os privilégios dos grupos minoritários. Foi o que ele tentou fazer. Foi esse o grande programa do lulismo no poder. No entanto, apesar de toda essa prudência, com reformas tímidas, controladas, autolimitadas, que Lula e depois a Dilma introduziram, acabaram se desencadeando processos na sociedade brasileira que incomodaram os grupos dominantes.
A redução da vulnerabilidade dos mais pobres, dos trabalhadores, necessariamente aumenta a sua capacidade de barganha diante dos grupos sociais dominantes. Foi contra isso que foi desferido o golpe de 2016, que teve o claro sentido de devolver o país às condições ainda mais gritantes de desigualdade social que vigoravam antes dos governos petistas. No momento o presidente Lula recupera a interlocução com vários dos grupos que foram responsáveis pelo golpe que retirou o PT do poder. Ele parece querer reconstruir as condições de governabilidade que lhe permitiram exercer o mandato após a vitória em 2002.
A redução da vulnerabilidade dos mais pobres, dos trabalhadores, necessariamente aumenta a sua capacidade de barganha diante dos grupos sociais dominantes. Foi contra isso que foi desferido o golpe de 2016 – Luis Felipe Miguel Tweet
No entanto, a margem de manobra para que ele promova políticas compensatórias de combate à pobreza extrema está muito diminuída. O estado brasileiro foi severamente atingido pelas medidas de redução da sua capacidade de ação tomadas a partir do governo Michel Temer e também porque existiu nesse período um processo de retirada brutal de direitos. Em suma, o pacto que Lula fez em 2002, caso seja refeito agora, precisará ser feito em condições muito mais precárias. A estratégia de nenhum enfrentamento que o PT adotou nos governos Lula e Dilma parece, neste momento, estar fadada ao fracasso. As classes dominantes brasileiras mostraram que estão dispostas a aproveitar a correlação de forças favorável a elas e romper com os acordos que foram feitos com os representantes das classes dominadas. Tendo a acreditar que se um novo governo de centro-esquerda no Brasil não investir mais na mobilização de suas bases para garantir melhor correlação de forças para o progresso social, nós teremos uma reedição muito aviltada do lulismo que imperou a partir da vitória nas eleições de 2002.
IHU - Em seu texto publicado na FSP – Favorito em 2022, Lula pode normalizar desmonte do país se ceder demais – o senhor afirma que “Lula é a melhor promessa de pacificação do país”. Por quê?
Luis Felipe Miguel – Creio que são dois os motivos. Primeiro, por causa do perfil de Lula, que é um político voltado à negociação, à produção de consensos, um político que faz questão de manter abertas as portas do diálogo com todas as forças. Essa é uma característica que Lula traz desde o sindicalismo e que faz dele a pessoa, certamente, com as maiores condições e com a maior habilidade para conduzir o país a um cenário de disputa política mais civilizado. Mas, também, pelo fato de que Lula, como líder do PT e líder popular, que foi e é, foi o principal alvo dos retrocessos que o Brasil sofreu nos últimos tempos. Quer dizer, se quisermos simbolizar em uma pessoa a destruição da ordem regida pela Constituição de 88, essa pessoa é o Lula: foi ele quem se tornou um preso político por mais de um ano; ele foi o principal alvo da conspiração contra a democracia, representada pela Lava Jato; ele que foi impedido de disputar as eleições de 2018. Então, simbolicamente, Lula representa uma tentativa de retomada do caminho de construção democrática que foi interrompido com o golpe de 2016.
O pacto que permitiu os governos do PT, o pacto que Lula firmou ao longo de 2002, era um pacto de buscar um caminho de enfrentamento das premências dos mais pobres, mas que evitasse tocar nas vantagens dos privilegiados
Luis Felipe Miguel
IHU - Em contrapartida, o senhor adverte sobre os perigos de a esquerda ceder em nome da “governabilidade”. Quais são os riscos principais?
Luis Felipe Miguel – Creio que este é o risco principal embutido num eventual retorno de Lula à presidência. O pacto que permitiu os governos do PT, o pacto que Lula firmou ao longo de 2002, cujo maior emblema, certamente, é a Carta ao Povo Brasileiro, era um pacto de buscar um caminho de enfrentamento das premências dos mais pobres, mas que, ao mesmo tempo, evitasse tocar nas vantagens dos grupos privilegiados na sociedade. Nós vimos que, mesmo com toda essa prudência, esses mesmos grupos privilegiados se viram atingidos por mudanças que a melhoria das condições dos mais pobres gerou na dinâmica social, a tal ponto que optaram por romper com a ordem democrática, que ocorreu com o golpe de 2016, e esse rompimento foi aprofundado com as sucessivas manobras de exceção e apoio ao bolsonarismo.
No entanto, o pacto que foi feito no início do século não tem como ser recuperado agora; as condições mudaram. O espaço de manobra para um governo democrático, com manifestação popular, está muito reduzido porque o Estado brasileiro tem sido demolido. Todos os nossos instrumentos de intervenção no social, a fim de minorar as desigualdades, foram agredidos pelo subfinanciamento e pela campanha agressiva contra essas políticas, porque a Constituição está funcionando de uma maneira muito precária e porque muitos dos direitos conquistados pelo povo brasileiro foram retirados. Então, nessas circunstâncias, a possibilidade de um governo, por mais bem-intencionado que venha a ser, produzir políticas compensatórias se torna muito menor.
Se não for adotado algum tipo de estratégia que permita o enfrentamento das negociações políticas no Brasil, ou seja, que trabalhe para mudar a correlação de forças e permita que o campo popular se robusteça para os enfrentamentos que serão necessários, o caminho da retomada da democracia no Brasil será um caminho de acomodação a situações ainda piores de desigualdade social. A governabilidade pensada na maneira tradicional se limita à aceitação das barganhas impostas seja pela burguesia, seja pela elite política tradicional. É necessário buscar uma nova forma de ação que combine a busca da negociação nos espaços institucionais com a mobilização das forças sociais que estão interessadas na produção de um país menos desigual, menos injusto e menos violento.
O espaço de manobra para um governo democrático, com manifestação popular, está muito reduzido porque o Estado brasileiro tem sido demolido
Luis Felipe Miguel
IHU - Qual tipo de pacto civilizatório é possível fazer com as elites brasileiras que, sem cerimônias, romperam com o horizonte normativo estabelecido pela Constituição de 1988?
Luis Felipe Miguel – Qualquer pacto com as elites brasileiras tem que estar respaldado na capacidade de mobilização do campo popular. Se não houver capacidade de pressão, se não houver forças organizadas em defesa da igualdade, da democracia, qualquer avanço sempre será frágil e revogável a qualquer momento. É bom lembrar que a democracia não é simplesmente um sistema de regras que resume o sistema político a determinados espaços; é próprio da democracia que as diferentes forças sociais se mobilizem em defesa de seus projetos. A classe dominante nunca deixou de se mobilizar e utilizar recursos extrainstitucionais para fazer valer seus interesses. Ela usa o financiamento privado de campanha, a sua capacidade de definir o investimento. Acontece que o tipo de barganha que foi feito para permitir os governos de centro-esquerda a partir de 2003 contava com o silenciamento da pressão do campo popular. Ficou claro que não é possível aceitar esse silenciamento, porque os grupos dominantes no Brasil não têm nenhum tipo de compromisso com a ordem democrática, não têm nenhum tipo de projeto nacional de desenvolvimento, não têm nenhum tipo de solidariedade com as classes populares. Então, é um pacto que tem de ser baseado numa correlação de forças que seja, desta vez, ao menos, um pouco mais favorável ao campo popular.
Qualquer pacto com as elites brasileiras tem que estar respaldado na capacidade de mobilização do campo popular – Luis Felipe Miguel Tweet
IHU - Aliás, uma eventual vitória de Lula poderia levar o país a um estado de convulsão social? O que é possível vislumbrar sobre uma possível reação dos setores armados da sociedade (polícias, forças armadas e sociedade civil)?
Luis Felipe Miguel – Até o momento, creio que os grupos armados operam muito mais no caminho da ameaça do que, de fato, na busca de um enfrentamento. As Forças Armadas, sobretudo, não têm liderança, não têm unidade para desferir o golpe que vem sendo anunciado ou insinuado há tanto tempo. São Forças Armadas que, por erros na condução da questão militar ao longo de todo o processo de democratização, continuam profundamente antidemocráticas e antipovo, mas elas não têm essa capacidade de ação coordenada, inclusive porque estão divididas em muitos grupos internos e também porque hoje são, em grande medida, motivadas pela vontade de ocupar espaços do Estado brasileiro e se apropriar de vantagens e benesses que a presença nesses cargos proporciona.
Não acredito, no momento, que uma eventual vitória eleitoral de Lula vá levar a esse tipo de reação. Isso é muito mais um fantasma que é utilizado com o objetivo de obter concessões, moderação e uma autocensura das forças populares na elaboração de seu programa, do que propriamente um risco efetivo. O que não quer dizer que as condições para essa ação golpista aberta não possam ser construídas. Então, é necessário, neste momento, muita inteligência por parte dos operadores políticos do campo popular, dos partidos políticos da esquerda e da centro-esquerda, porque é necessário não aceitar as chantagens que essas ameaças colocam e, ao mesmo tempo, não dar gás para que elas, de fato, se tornem uma operação golpista efetiva. A resposta está em organizar na sociedade mobilização suficiente e eficiente para que uma intentona golpista tenha custos elevados para aqueles que tentem deflagrá-la.
As Forças Armadas, sobretudo, não têm liderança, não têm unidade para desferir o golpe que vem sendo anunciado ou insinuado há tanto tempo
Luis Felipe Miguel
IHU - Por fim, de que ordem é o desafio de reverter os desmontes social e de políticas públicas – incluindo o teto de gastos – empreendidos nos últimos anos, desde o governo Temer, no Brasil?
Luis Felipe Miguel – Medidas como o teto de gastos foram uma tentativa dos golpistas vitoriosos de inibir qualquer ação de um eventual novo governo democrático no país. É absolutamente impossível que um governo no Brasil cumpra seus compromissos com a população se ele tem sua ação tão severamente contida por medidas arbitrárias como a Emenda Constitucional que liquidou a possibilidade do investimento público e que, na verdade, reduziu a quase zero a margem para a implementação de políticas sociais. Da mesma maneira, a destruição da estrutura do Estado brasileiro e a privatização irresponsável de muitos órgãos absolutamente estratégicos apresentam o mesmo resultado. Quer dizer, se inviabiliza a possibilidade de que um novo governo aja em favor de prioridades diferentes daquelas do golpismo triunfante que foram, como sabemos, a garantia dos ganhos dos especuladores financeiros em primeiro lugar. A chamada autonomia do Banco Central, a autonomia em relação à vontade popular, com uma submissão explícita ao sistema financeiro, é outra medida. E, por fim, a retirada dos direitos trabalhistas, que torna muito mais difícil para o Estado regular as relações capital-trabalho de uma maneira que proteja, minimamente, a classe trabalhadora. Então, é absolutamente imperativo desfazer esse conjunto de medidas a fim de retomar o caminho de construção de um Brasil mais democrático e menos injusto. Quando eu falo em retomada do pacto constitucional de 88, isso tudo está incluído, porque o pacto apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil.
Quando eu falo em retomada do pacto constitucional de 88, isso tudo está incluído, porque o pacto apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil – Luis Felipe Miguel Tweet
Agora, vemos, claramente, uma tentativa de blindar essas políticas, de retirar do debate público a necessidade de desfazê-las; elas são apresentadas sistematicamente como artigos da lei, quer dizer, algo que é um pecado até mesmo questionar. Vemos isso claramente em muitos formadores de opinião, nos editoriais e colunistas da imprensa burguesa: tudo bem ser oposição ao governo Bolsonaro, porque é difícil não ser oposição quando se tem o mínimo de racionalidade, mas essa oposição não pode ir ao ponto de questionar o desmonte do Estado, das políticas sociais, dos direitos. Então, a primeira coisa que tem de ser feita é recolocar no debate público essa questão e mostrar que existe uma relação necessária entre os ataques à democracia e os ataques aos direitos, que existe uma linha de continuidade entre impedir a expressão da vontade popular e impedir que os interesses populares sejam levados em conta no processo de tomada de decisão. É claro que não é uma tarefa fácil, mas um governo que chegue ao poder legitimado pela necessidade de superar o desastre do bolsonarismo, legitimado por uma vitória eleitoral, tem força para colocar isso na pauta, para exigir que esses malfeitos sejam revertidos.
É por isso que eu digo: neste momento, a centro-esquerda e, particularmente, o ex-presidente Lula, têm condições de negociar numa posição que é também uma posição de força, porque eles são necessários a fim de pacificar o país, retomar uma convivência minimamente civilizada no Brasil. No caminho que estamos indo, estamos vendo o colapso do Brasil como nação. É para isso que o projeto de Bolsonaro e Guedes aponta. Então, todos aqueles que não apostam no colapso, incluindo setores das classes dominantes e da elite política tradicional, têm interesse numa recomposição. Essa recomposição passa, necessariamente, pelo PT e por Lula. O que o PT e Lula podem exigir? O compromisso com a revogação da agenda de desmonte do Estado social que foi colocada em prática nos últimos cinco anos.
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Alon Feuerwerker: Equilíbrio instável
Um erro habitual na política é fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade
Alon Feuerwerker / Análise Política
Um exercício preliminar na análise deste momento é procurar quando e por que aconteceu o ponto de inflexão que transformou o equilíbrio estável em instável. Um objeto está em equilíbrio estável quando qualquer pequena perturbação nele tende a fazê-lo retornar para a situação de equilíbrio. E o instável é quando mesmo uma pequena perturbação tem o poder de desorganizar a situação.
Um exemplo clássico é o da bolinha numa bacia. Se a bacia está de boca para cima e a bolinha sofre um pequeno deslocamento, ela tende a retornar para o centro. Mas se a bacia está de boca para baixo e a bolinha é deslocada, ela tende a rolar e ir embora.
O governo Jair Bolsonaro atravessou seu primeiro período em equilíbrio estável por duas razões principais: maioria parlamentar sólida para o essencial de seu programa econômico -e para evitar um impeachment- e manutenção da expectativa de poder, da capacidade de reeleger-se. Quando, devido principalmente à condução na pandemia, em particular na vacinação, o segundo pilar entrou em corrosão, o primeiro também passou a sofrer.
Todos os sinais são de termos ingressado num período de equilíbrio instável. No qual aumenta a possibilidade de os desejos dos personagens serem tragados pelas circunstâncias. Um erro habitual na política é fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade. Quando a situação passa a ser de equilíbrio instável, aumenta bem o poder das circunstâncias. Em vez de os personagens conduzirem, tendem a ser conduzidos.
Na linguagem militar, a situação passa a ser de perda da capacidade de iniciativa.
E são conduzidos, no mais das vezes, pelas personas que criaram para si mesmos. Como é que o presidente da República vai poder, a certa hora, dizer que aceita qualquer resultado na eleição do ano que vem, com a urna eletrônica? Pois é disso que se trata. A única saída pacífica possível para o atual impasse é todos estarem de acordo em que todos disputem a eleição e quem ganhar, pelo atual sistema de coleta de votos, toma posse e governa.
O problema é que quase ninguém está confortável com assumir esse tipo de compromisso. Daí o superaquecimento conjuntural. Para baixar a temperatura, seria necessário um freio de arrumação. Faltam duas coisas para isso. Como dito acima, falta que todos aceitem não apenas o sistema de regras eleitorais, mas também os prováveis desfechos. E talvez falte alguém com liderança para fiar o acordo coletivo.
Entrementes, vamos de soluço em soluço, subindo um degrau de cada vez. 7 de setembro será um dia importante, em que Bolsonaro imagina reunir gente suficiente para dar uma demonstração de força. Mas, mesmo supondo que tudo corra pacificamente no feriado, e isso não é tão provável assim, e depois? Qual é a estratégia de saída de cada ator? Um dado decisivo ainda não suficientemente claro.
Pois nem a oposição tem força para fazer o impeachment, ou mesmo para a Câmara afastar o presidente em caso de denúncia por crime comum, nem Bolsonaro tem força, mantido íntegro o ordenamento jurídico, para impor os desejos dele sobre como vai acontecer a eleição. Um nó górdio à espera de que alguém o corte.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/equilibrio-instavel.html
Armínio Fraga: Golpe pra quê?
Está em risco o sistema de pesos e contrapesos, fundamental para a democracia
O mundo está cada vez mais complicado. A partir da guinada econômica de Deng Xiaoping na China nos anos 1970 e da queda do Muro de Berlim em 1989, parecíamos caminhar para um futuro de paz e prosperidade. E, de fato, houve muito progresso material e social, sem grandes guerras ou acidentes.
Mas não durou muito. Na virada do século veio um primeiro alerta, pelas mãos do terrorismo de origem religiosa, que mostrou sua força derrubando as Torres Gêmeas, episódio que completa 20 anos nos próximos dias.
Em outra frente, a mudança climática aponta para um desastre global de enormes proporções. Em que pese a solidez da base científica do diagnóstico, as respostas até agora parecem modestas.
Li recentemente que o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg considera um absurdo as metas chinesas de emissões de carbono mirarem em 2050. Ele tem toda razão. É muito longe. Ainda no front de nossa relação com a natureza, vivemos hoje uma catastrófica pandemia, que ameaça se transformar em endemia, também a despeito dos esplêndidos avanços da ciência.
Esses e outros desafios, como a estagnação do comércio internacional, as crescentes ameaças cibernéticas e a guerra modelo século 21 entre China e Estados Unidos, sugerem que a governança global do planeta anda mal.
Chama a atenção a guinada interna em andamento na China de Xi Jinping. O que parecia ser uma suave transição a um regime mais aberto passou a ser hoje uma grande reafirmação da ditadura do Partido Comunista, que visa se perpetuar no poder. Destacam-se a perenização de seu líder, a onipresença de seus membros nos conselhos das principais empresas, o amplo acesso a cada passo da vida das pessoas —enfim, um grande e repressivo mecanismo, fonte de incerteza.
Em outras partes, proliferam cada vez mais regimes políticos autoritários e populistas, turbinados pelo uso competente das redes sociais, que favorecem esse tipo de liderança. O custo da transmissão massiva de informações é hoje relativamente baixo e permite a ampla difusão de todo tipo de fake news, que criam uma enganosa “realidade” paralela.
Vivemos hoje no Brasil uma situação com essas características. No início, o atual governo parecia ter adotado “apenas” uma versão da estratégia desenvolvida por Steve Bannon para Trump: atacar as defesas da democracia.
O tema é objeto de Jonathan Rauch em seu brilhante e recém-lançado livro “The Constitution of Knowledge”, ainda não traduzido, que estende artigo de mesmo nome publicado há três anos.
Rauch usa o termo “constituição” no sentido de carta de princípios —no caso, de defesa do conhecimento, motor fundamental do progresso e antídoto contra as fake news. Ele defende ampla liberdade de expressão, acompanhada de um sistema livre, independente e rigoroso de crítica às ideias que são apresentadas, especialmente as que embasam decisões públicas.
O sistema de defesa é composto pela academia, pela imprensa e, cada vez mais, pelo terceiro setor, todos atuando a partir de filtros rigorosos de apuração, de informação e de análise. Inclui também o mundo artístico e cultural, que de forma lúdica representa anseios de liberdade e mais igualdade. Seria como um enorme funil por onde entram livremente muitas ideias, mas relativamente poucas sobrevivem à crítica e aos valores da sociedade.
No Brasil de hoje, o descaso com as consequências da pandemia e do desmatamento da Amazônia vem sendo objeto de resposta vigorosa da sociedade, felizmente. Os efeitos desse esforço ainda não se fizeram sentir, mas boas sementes estão sendo plantadas.
No entanto, e infelizmente, os ataques do governo têm ido além da agenda Bannon. Hoje está em risco o sistema de pesos e contrapesos, que é parte fundamental de nossa democracia.
DESMATAMENTO BRASIL
Acusações ocas e ameaças aos demais Poderes têm sido frequentes, sobretudo ao Judiciário, e em especial à higidez do sistema eleitoral. Não parece ser o caso hoje ainda, mas mais adiante a relação com o Legislativo pode azedar também, como ocorreu recentemente.
Um fator adicional de tensão advém da postura do presidente com relação a armamentos e a quem os porta. A noção de armar o povo para defender a liberdade não faz sentido algum, mas vem sendo repetida. Tampouco faz sentido qualquer tolerância com a existência de grupos informais armados operando à margem da lei.
Desde o início de seu mandato o presidente vem dando especial atenção às Forças Armadas e às polícias militares. Militares (inclusive da ativa) ocupam inúmeros postos-chave na administração pública, o que começa a comprometer a imagem das Forças Armadas.
Esse quadro geral é extremamente prejudicial à economia. Em tese, não faltam oportunidades de investimento ao Brasil, da infraestrutura à educação e à saúde. Mas a incerteza encurta os horizontes e inibe o investimento.
Não seria surpresa se pipocassem mais e mais focos de tensão, como se viu semana passada na Polícia Militar de São Paulo. Não é impossível imaginar cenários de violência à democracia.
Na medida em que as defesas da democracia se mostrem eficazes, aumentará a pressão sobre o governo atual, que vem fazendo água nas pesquisas. O presidente parece disposto a dobrar a aposta, pelo visto contando com o apoio de uma minoria agressiva.
No entanto, tenho convicção de que as lideranças das Forças Armadas e (espero) das polícias, além de defenderem a Constituição, entendem que estariam apoiando um projeto de desconstrução da nação.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/08/intervencao-armada-crime-inafiancavel-e-imprescritivel.shtml
Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível
Preço a pagar por atravessar o Rubicão pode ser alto, avalia o ministro do STF Ricardo Lewandowski
Na Roma antiga existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão, que demarcava ao norte a fronteira com a província da Gália, hoje correspondente aos territórios da França, Bélgica, Suíça e de partes da Alemanha e da Itália.
Em 49 a.C., o general romano Júlio César, após derrotar uma encarniçada rebelião de tribos gaulesas chefiadas pelo lendário guerreiro Vercingetórix, ao término de demorada campanha transpôs o referido curso d’água à frente das legiões que comandava, pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”.
A ousadia do gesto pegou seus concidadãos de surpresa, permitindo que Júlio César empalmasse o poder político, instaurando uma ditadura. Cerca de cinco anos depois, foi assassinado a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo Marco Júnio Bruto, numa cena imortalizada pelo dramaturgo inglês William Shakespeare.
O episódio revela, com exemplar didatismo, que as distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força, apontando para as severas consequências às quais se sujeitam os transgressores.
No Brasil, como reação ao regime autoritário instalado no passado ainda próximo, a Constituição de 1988 estabeleceu, no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
O projeto de lei há pouco aprovado pelo Parlamento brasileiro, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal, com destaque para a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de Estado, caracterizado como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Ambos os ilícitos são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência.
No plano externo, o Tratado de Roma, ao qual o Brasil recentemente aderiu e que criou o Tribunal Penal Internacional, tipificou como crime contra a humanidade, submetido à sua jurisdição, o “ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil”, mediante a prática de homicídio, tortura, prisão, desaparecimento forçado ou “outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”.
E aqui cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da Lei Maior, para a “defesa da lei e da ordem”, quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes.
A propósito, o Código Penal Militar estabelece, no artigo 38, parágrafo 2º, que “se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior”.
Esse mesmo entendimento foi incorporado ao direito internacional, a partir dos julgamentos realizados pelo tribunal de Nuremberg, instituído em 1945, para julgar criminosos de guerra. Como se vê, pode ser alto o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o Rubicão.
*Ricardo Lewandowski é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/08/intervencao-armada-crime-inafiancavel-e-imprescritivel.shtml
Ala do PT fala até em governar com aliados fora da esquerda
Aproximação com ex-opositores vira arma em ambiente de radicalização promovido por Bolsonaro
Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo
A derrota em 2018 e a radicalização de Jair Bolsonaro provocaram um ajuste na filosofia de alianças do PT. Embora o próprio ex-presidente Lula rejeite abrir mão de bandeiras tradicionais, como a regulação da mídia, alguns dirigentes insistem que uma aproximação com grupos fora da esquerda será determinante para vencer a eleição e até para governar.
Parte do movimento ocorre às claras, com divulgação oficial, como nos recentes encontros de Lula com os tucanos FHC e Tasso Jereissati. Para os petistas, esses gestos são um passo para reduzir a rejeição do que chamam de "elites" à candidatura do ex-presidente, abrindo a porta para atrair uma direita não bolsonarista.
A questão é matemática. "Para ganhar uma eleição, precisamos de mais do que os votos da esquerda e da centro-esquerda", disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, há alguns meses. Embora Lula tenha disparado nas pesquisas e não veja um candidato de terceira via no páreo, a reativação de um antipetismo ainda pode dificultar sua vitória em 2022.
Uma aliança com setores da direita no primeiro turno é mais do que improvável, mas integrantes da legenda gostariam de costurar algo parecido com um pacto de não agressão. Os dois lados seriam oposição a Bolsonaro, mas evitariam ataques mútuos para não aumentar a rejeição a seus próprios candidatos.
Uma ala mais pragmática do PT entende que atravessar a fronteira da esquerda é importante até para um eventual novo governo Lula. “Não adianta ganhar a eleição como o Bolsonaro, apostando na polarização, porque ela costuma permanecer no pós-eleição”, disse à coluna o governador da Bahia, Rui Costa. “É difícil governar se você não tiver minimamente uma aproximação.”
O governador fala em buscar lideranças partidárias que já fizeram oposição ao PT, empresários e setores do agronegócio. "É fundamental, não somente como tática eleitoral, mas uma concertação com a sociedade", diz. "Para ter um país viável, precisamos buscar caminhos mais consensuais e menos polêmicos."
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/08/ala-do-pt-fala-ate-em-governar-com-aliados-fora-da-esquerda.shtml
Elio Gaspari: A briga pueril do ministro da Saúde Marcelo Queiroga
Ministro da Saúde condenou o que chama de 'demagogia vacinal' praticando obscurantismo oral em torno da dose de reforço
Elio Gaspari / O Globo
Aos 55 anos, o doutor Marcelo Queiroga meteu-se numa briga pueril com o governador paulista João Doria. Ambos correram para anunciar o início da aplicação da terceira dose das vacinas contra a Covid. É o jogo jogado, caçam-se imunizantes para o bem de todos e felicidade geral da nação. Nada a ver com Bolsonaro dizendo a um repórter para ir buscar vacina “na casa da tua mãe”.
Aborrecido porque Doria anunciou que ofereceria a terceira dose a partir do próximo dia 6, Queiroga deu-se a um lance de terrorismo sanitário: “Se cada um quiser criar um regime próprio, o Ministério da Saúde, lamentavelmente, não terá condição de entregar vacinas. Temos que nos unir aqui para falar a mesma língua. Se for diferente, vai faltar dose mesmo (...) Juiz não vai assegurar dose que não existe”.
A diferença entre a promessa de Doria e a do Ministério da Saúde é de apenas nove dias. O que Queiroga disputa é a primazia. Para isso, não precisava ameaçar. Até porque Doria oferece as vacinas que contratou e Bolsonaro desdenhou. Ademais, no dia seguinte ao destempero do doutor Queiroga, a repórter Patrícia Campos Mello expôs o vexame que a administração do general Eduardo Pazuello produziu em janeiro, correndo contra o relógio para trazer vacinas federais antes que Doria começasse seu programa em São Paulo. Torraram US$ 500 mil com o frete de um avião para ir à Índia buscar uma encomenda que não estava disponível. Querendo atrapalhar a vacinação de Doria com o gogó, Queiroga seguiu o estilo patético de Bolsonaro, quando disse que o imunizante chinês não seria comprado, e do coronel da reserva Elcio Franco, que acusou o governador de sonhar acordado prometendo vacinação para janeiro. (Ele cumpriu.)
Queiroga condenou o que chamou de “demagogia vacinal”, praticando uma forma de obscurantismo oral. O doutor pode não ter percebido, mas entrou para um governo cujo titular já chamou a Covid de “gripezinha“ e a segunda onda de “conversinha”. Isso, fazendo-se de conta de que não aconteceram as traficâncias reveladas pela CPI.
Macumba eleitoral
Quem acha que Jair Bolsonaro não terá fôlego para chegar ao segundo turno da eleição do ano que vem baseia-se numa projeção do que se denomina de “efeito Covid”.
Nessa conta, cada morte irradiou-se, afetando cem adultos entre parentes, vizinhos e colegas de trabalho. Isso resulta no comprometimento de 57 milhões de votos.
Cenas fantásticas
Um ministro de Bolsonaro imaginou uma cena catastrófica, ao estilo dos pelotões palacianos:
“Se um mandado de busca contra o presidente é expedido pelo STF, a Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. O que acontece? A PF vai retirar o solados?”
A construção é improvável, mas, ficando-se no campo da fantasia, pode-se refrasear a questão:
A Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. Ela volta nos dias seguintes. O que acontece? O Exército ficará cercando o palácio para descumprir uma ordem judicial?
Nem Woody Allen no seu filme Bananas imaginou uma cena tão ridícula.
Bolsonaro e André Mendonça
Bolsonaro combinou uma rotina de convivência com André Mendonça, caso ele venha a ser confirmado para ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal: os dois manteriam uma agenda de almoços semanais, para sincronizar suas posições.
Ao lado da cloroquina, do nióbio, do grafeno e da soma de -4 com +5 resultando num +9, essa é uma de suas ideias estapafúrdias.
Primeiro, porque avacalha o ministro do Supremo, seja ele quem for.
Segundo, porque o capitão desconfiará do comensal antes do terceiro almoço.
Má ideia
No escurinho de Brasília, circula a lenda de que Bolsonaro fez chegar ao Supremo Tribunal Federal o desconforto que lhe causa a possibilidade de sair do Judiciário uma notícia desagradável para seu círculo familiar.
Se for verdade, errou três vezes.
Primeiro, porque revela vulnerabilidade. Depois, porque bateu no gabinete errado. Finalmente, porque ele não tem cartas para jogar baralho com o ministro Alexandre de Moraes.
O capitão e Pacheco
Com um pouco de empenho, Jair Bolsonaro poderia ter sabido que o senador Rodrigo Pacheco mandaria ao arquivo seu pedido de impedimento do ministro Alexandre de Moraes.
De duas uma:
A assessoria parlamentar de Bolsonaro não presta.
Ela presta, e ele queria criar um caso com o presidente do Senado.
A sombra atrás de Biden
Joe Biden está mais perdido que americano em Cabul ao lidar com a crise do Afeganistão. Noves fora os fiascos, ele deu entrevistas na Casa Branca tendo às costas um quadro que retrata um cavaleiro fardado.
É Theodore Roosevelt, com o uniforme do regimento de voluntários que formou em 1898 para ir combater em Cuba contra os espanhóis. A roupa foi cortada na loja Brooks Brothers. Ele já havia ido a caçadas com uma faca feita pelos prateiros da Tiffany's. Seu desempenho na guerra de Cuba deu-lhe fama, elegeu-se governador de Nova York e presidiu os Estados Unidos de 1901 a 1909.
Na quinta-feira, Biden teve a boa ideia de não falar com Teddy Roosevelt às costas. Para o bem ou para o mal, resoluto, ele foi tudo o que Biden gostaria de ser.
O quadro, ruinzinho, é de um pintor de dondocas.
Madame Natasha
Madame Natasha não entende nada que o doutor Paulo Guedes diz, mas admite que isso se deve à sabedoria que nele abunda e nela escasseia.
Pela segunda vez em poucas semanas, Guedes reclamou de que “tudo o que eu falo é tirado do contexto”. Assim foi com as empregadas domésticas que iam para a Disney e com o filho do porteiro que entrou para a faculdade. Sua última batatada foi a seguinte: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”
O problema é que a energia, o óleo de soja e o prato feito ficaram mais caros, e o salário (quando existe) continua o mesmo.
Natasha sabe que não se pode impedir Guedes de produzir frases. Mesmo assim, sugere ao doutor que se livre da praga que o persegue valendo-se de um método simples:
Primeiro, ele avisa qual é o contexto. Depois, fala o que bem entender.
Bolsonaro acordou
Bolsonaro acordou para a crise hídrica com pelo menos três meses de atraso.
Em junho, sem se referir a ele, o professor Adilson de Oliveira, da UFRJ, escreveu um artigo com o seguinte título:
“É a água, estúpido.”
Agora o capitão reconheceu:
“Em grande parte dessas represas já estamos na casa de 10%, 15% de armazenamento. Estamos no limite do limite. Algumas vão deixar de funcionar se essa crise hidrológica continuar existindo.”
Para quem assumiu no dia 1º de janeiro de 2019 e duas semanas depois acordou com o desastre de Brumadinho, ele deveria ter procurado uma benzedeira.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-briga-pueril-de-queiroga-25175376
Bernardo Mello Franco: Mais fuzis, menos feijão
Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na PF
Bernardo Mello Franco / O Globo
Jair Bolsonaro tem um dom inegável: produz slogans contra seu próprio governo melhor que qualquer político da oposição. Na sexta-feira, o presidente defendeu que os brasileiros se armem com fuzis.
“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse. “Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, acrescentou.
O capitão estava no curralzinho do Alvorada. Em 25 minutos de monólogo, chamou um adversário de “gordo”, outro de “calcinha apertada”, o terceiro de “canalha” e o quarto de “bandido”. A cada insulto, colheu aplausos e gritos de “Mito”. Sem máscara, ele voltou a desdenhar a pandemia, que já matou 578 mil brasileiros. “Lamento. Acontece. A vida é essa”, comentou.
Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na Polícia Federal. Foram 186 mil, um aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. O governo também facilitou o acesso a armas de alto poder ofensivo. Caso dos fuzis semiautomáticos, cujo uso era restrito às forças de segurança.
Enquanto os bolsonaristas se municiavam, a fome disparou. O número de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões em 2018 para 19,1 milhões em 2020. A alta da inflação ainda tende a agravar esse drama.
Não é preciso ser um idiota, como disse o presidente, para notar que os itens da cesta básica ficaram muito mais caros. Nos últimos 12 meses, o preço do feijão fradinho subiu 42,4%. O do arroz, 39,7%.
Em Cuiabá, capital do agronegócio, a imprensa mostrou famílias em fila para receber ossos com retalhos de carne. No curralzinho, Bolsonaro disse que só venezuelanos se alimentam de “resto de comida”.
Depois de ironizar a dificuldade dos pobres para comprar feijão, o presidente deixou claro que não perde o sono com o assunto. “Político preocupado com a vida do pobre tá de sacanagem. Tá preocupado é com o voto dele”, debochou.
Landim em campanha
O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, segue firme no projeto de transformar o clube num palanque para bolsonaristas. Nos últimos dias, abriu a Gávea para mais dois ministros: Ciro Nogueira (são-paulino) e Flávia Arruda (botafoguense).
Paes não entendeu
Eduardo Paes se disse “muito impressionado” com as críticas à tentativa de vender o Palácio Capanema num “feirão de imóveis”.
É muito impressionante que o prefeito não entenda a reação da cidade ao plano de rifar o edifício na xepa do governo Bolsonaro.
Paes se referiu ao palácio, uma joia da arquitetura moderna, como “um prédio estatal” que “as pessoas defendem sem nunca ter frequentado”.
A arquiteta Maria Elisa Costa, ex-presidente do Iphan, já resumiu esse tipo de manifestação em três palavras: “atestado de ignorância”.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/mais-fuzis-menos-feijao.html
Míriam Leitão: O governo Bolsonaro é incompetente
Presidente briga, ofende, ameaça, exatamente por isso. Tenta esconder o desempenho desastroso do seu governo
Míriam Leitão / O Globo
A inflação beira os dois dígitos, o desemprego e o desalento deixam de fora do mercado de trabalho 20 milhões de brasileiros, a miséria está aumentando, a educação foi entregue a três ministros sem os atributos mínimos para estar no cargo, a Saúde elevou o número de mortes na pandemia pela mistura perigosa de negacionismo e picaretagem, a crise hídrica se agravou por falta de planejamento e o preço da energia está explodindo. O presidente briga, ofende, ameaça, exatamente por isso. Tenta esconder o desempenho desastroso do seu governo.
Se fosse só incompetente, o governo Bolsonaro já seria um enorme problema, mas ele ainda provoca crises e quer tocar o terror, como o estímulo a que pessoas tenham fuzil. É importante entender que há uma conexão entre uma coisa e outra. Seu governo vai mal em inúmeras áreas, o país perdeu prestígio internacional, desperdiçou oportunidades, aumentou o desmatamento, aprofundou o fosso social, deixará um terrível legado. O presidente atormenta o país para que a discussão seja sobre os seus absurdos e não um debate de mérito sobre o seu governo.
Um erro primário do Ministério da Economia tem sido a incapacidade de ver as tendências. O ministro subestima a inflação, e ela está num patamar perigoso. Desde o começo da pandemia, o Ministério errou nas previsões. Guedes achava que o Brasil seria pouco atingido e depois apostou que a pandemia terminaria no fim do ano passado. Com erros grosseiros de avaliação o governo agiu atrasado e elevou o custo da crise. Na economia, é fundamental fazer previsões, do contrário, o gestor sempre achará que está sendo bombardeado por meteoros.
Guedes passou a ser o Bolsonaro da economia. Uma autoridade que faz declarações preconceituosas, polêmicas e falsas. Discute-se a última de Paulo Guedes da mesma forma que se debate a última de Bolsonaro. De substância, o que há é uma sucessão de fracassos. O projeto liberal nunca existiu. O improviso é a marca da sua gestão. Agora, Guedes está comemorando uma suposta melhora fiscal, quando a verdade é que está surfando na inflação, que produziu efeitos estatísticos em indicadores como dívida/PIB.
O Ministério da Economia é péssimo formulador. A proposta da reforma do Imposto de Renda tinha uma quantidade de erros tão chocante que nem ele, Paulo Guedes, foi capaz de defender o projeto que entregou. A solução encontrada para os precatórios foi uma clara tentativa de burlar as regras fiscais do país.
Na pandemia, os problemas da educação ficaram agudos. Os três ministros do governo Bolsonaro foram desastrosos. Eles mataram o Ministério do ponto de vista administrativo e atacaram avanços educacionais com decisões e falas cheias de preconceito.
O tamanho do desastre na energia se vê no risco do apagão. Faltou o mais básico planejamento, a mais elementar capacidade de ação. O ministro Bento Albuquerque subestimou e negou a crise hídrica que está tendo enorme impacto na inflação e coloca o país sob o risco extremo de colapso de abastecimento.
A área ambiental é uma terra arrasada. Literalmente. O desmatamento cresceu. Biomas estão pegando fogo. O governo saiu do debate global. O Brasil é uma potência ambiental, mas, no melhor momento de aproveitar esse patrimônio natural, o país é neutralizado pela incompetência do governo.
O presidente é incompetente para gerir a coalizão política. Preferiu comprar o centrão com cargos e fatias do orçamento distribuídas sem transparência. Projeto do governo que entra no Congresso vira pasto dos lobbies. Um exemplo é o da privatização da Eletrobras. Foi uma falha coletiva. Erraram os ministérios da Economia, da Energia, e os da articulação política.
A CPI tem mostrado as tramoias que ocorreram no Ministério da Saúde. O governo sabotou medidas sanitárias, destratou fornecedores sérios de vacinas, e em negócios obscuros atraiu todo o tipo de estelionatário. Enquanto isso, os brasileiros morreram aos milhares. Ainda morrem. O que se vê na saúde é crime de epidemia com o agravante da corrupção.
O espaço é curto para a lista dos fracassos deste governo. Por ser muito incompetente, o presidente Bolsonaro agride o país, as instituições, os valores da civilização. Com o surreal ele tenta esconder o real de um governo absolutamente incapaz.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-governo-e-incompetente.html
Merval Pereira: As coxas do ex-presidente Lula
Coxas saradas de Lula transformaram-se em objeto de desejo de homens, e principalmente, de mulheres
Merval Pereira / O Globo
Uma foto do ex-presidente Lula com sua noiva Janja, à luz do luar na praia do Pico no Ceará, bombou nas redes sociais. Um procedimento usual dos frequentadores do Instagram - ou Insta, na intimidade -, publicar seus momentos felizes, tornou-se um fenômeno político. As coxas saradas de Lula transformaram-se em objeto de desejo de homens, e principalmente, de mulheres.
Muitos elogios à sua forma física, alguma desconfiança: “Será que é montagem?”. O efeito belíssimo da lua ao fundo do casal não saiu de um iPhone qualquer, como acontece com os comuns dos mortais. Saiu da lente de Ricardo Stuckert, o excelente fotógrafo oficial de Lula, membro de uma dinastia que começou com Roberto Stuckert, o “Stukão”, que morreu dias atrás.
A partir daí começa a história política da foto. Lula estava hospedado na casa da família do governador do Ceará, Camilo Santana. Policiais cercaram o local para garantir a intimidade do casal. Como era uma bela noite na praia cearense, normalmente o casal estaria sozinho, e a selfie seria bonita, mas nem tanto. Ou algum funcionário da casa poderia ter sido convocado para fazer a foto.
Mas Ricardo Stuckert estava lá, como está sempre há anos, acompanhando Lula. Mas o que estaria fazendo naquele momento de intimidade o fotógrafo oficial de Lula ? Política, claro, para divulgar a boa forma física do ex-presidente, que aparecera em fotos anteriores com a fisionomia carregada, a cabeça branca.
Na que viralizou, um Lula sorridente escondia os cabelos cor de prata com um boné esportivo, apesar da noite avançada. E não foi só sua coxa musculosa que chamou a atenção dos fãs. Estava de sunga, e houve até quem comemorasse, sob ela, o pressentido bilau do Lula. Essa demonstração de virilidade senil claramente não foi planejada, mas a certas fãs é um detalhe fundamental do mito.
Mito? Lembro de Putin andando de cavalo com o torso nu, expondo sua virilidade, de Collor fazendo esportes radicais, mostrando sua juventude. A comparação do mito petista com o mito da direita Jair Bolsonaro também ocupou as redes, dando larga desvantagem àquele que disse que, graças ao seu “histórico de atleta”, não pegaria Covid. Aos 66 anos, quase dez anos mais novo do que Lula, o “Mito”, mesmo antes da facada, não teria condições de se comparar ao “Mito” da esquerda.
O vice-presidente Hamilton Mourão certa vez explicou bem a formação de Bolsonaro: disse que ele fez a parte de preparação física dos militares, não chegou à preparação cultural. O próprio Bolsonaro contou certa vez que o agnome tem uma origem vulgar. Como tinha as pernas finas - olha aí a diferença com Lula, mais uma vez-, chamavam-no “Palmito”.
Mas será que não vamos nos livrar desses “mitos” populistas? Quando Lula recomeça a elogiar Cuba sem pejo, quando ameaça de novo regular a mídia, dá uma sensação de desânimo, de “dejá vu”. Quando Bolsonaro faz o mesmo, elogiando Umaro Sissoco Embaló, o presidente autoritário de Guiné Bissau considerado “o Bolsonaro da África”, ou o Putin, ou o Kim Jong-un da África, dá um cansaço ao reverso.
Quando Bolsonaro ataca o Supremo Tribunal Federal (STF), inconformado com que seja ele o dono da última palavra, ou, como disse Rui Barbosa, ter o direito de “errar por último”, vejo José Dirceu, ativo na campanha de Lula para a volta ao governo em 2022, afirmando que o Judiciário nem poder é, é apenas “um órgão” e o STF deveria ser uma Corte Constitucional: “Nossa Constituição estabeleceu três poderes, mas só existem dois, os eleitos, os que têm soberania popular, o Legislativo e o Executivo”. Palavras que soam como música para Bolsonaro, que no tem mesmo as repetiu: “Só existem dois poderes, o Legislativo e o Executivo”.
Cada um deles, Bolsonaro e Lula, retornando ao governo, se sentirá fortalecido pelo voto popular e dobrará sua aposta. Teremos muito mais do mesmo. Pelas pesquisas de opinião atuais, Lula está mais perto de voltar ao Palácio do Planalto do que Bolsonaro, que está mais perto da prisão, possibilidade que ele mesmo aventou ontem, onde já esteve Lula. Enquanto isso, Diogenes, com sua lamparina, continua procurando “um homem honesto”. No Brasil, procura-se uma terceira via.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/coxas-de-lula.html