Dilma Rousseff

El País: 'As Forças Armadas funcionam como o substituto de um partido para sustentar Bolsonaro', diz Dilma Rousseff

Ao El País, ex-presidenta afirma que Lula não quer ser candidato em 2022, cita Flávio Dino como do "mesmo campo", mas não Ciro. Ela rejeita integrar uma frente anti-Bolsonaro ao lado de Moro

Dilma Rousseff tem dividido seu tempo durante a pandemia entre participar de debates políticos online, ler sobre o passado e o futuro do mundo e, de vez em quando, ficar com os netos Gabriel, de 9 anos (“um adolescente”), e Guilherme, de 4, isolados como ela no bairro Tristeza, em Porto Alegre. Na escolha das leituras, a ex-presidenta que comandou o Brasil de 2011 a 2016 e conversou com o EL PAÍS em 10 de junho, não deixa dúvidas sobre o que lhe preocupa: está lendo M, o filho do século, uma biografia de Benito Mussolini escrita pelo italiano Antonio Scurati.

Na entrevista de quase uma hora ao jornal, transmitida ao vivo, Dilma não hesitou em classificar o Governo Bolsonaro como de cunho neofascista e em enxergar em sua cúpula o desejo de uma ruptura institucional. “É o sonho de consumo da cúpula deste Governo. A mim causa pânico. Porque seria mais grave do que a ditadura militar, com um quadro marcadamente fascista e miliciano”, afirma ela. Nesse quadro, ela vê na aproximação “notória” do Planalto com as milícias uma contradição para as Forças Armadas, que “ocupam no Executivo um papel estratégico, porque parece que funcionam como substitutos à inexistência de um partido político que dá sustentação ao Bolsonaro”.

Para a ex-presidenta sacada do poder por um impeachment e 2016, os aspectos mais preocupantes da atual conjuntura política são dois. O primeiro é o apoio que o Governo ainda tem em setores da elite financeira, das Forças Armadas e das polícias ( “Até onde vai a flexibilidade daqueles que ainda apoiam Bolsonaro? Até onde eles vão? Até a ruptura?”). O segundo é a natureza da ruptura que ela acredita estar em curso com Bolsonaro, que não se dará como num golpe clássico dos anos 60 e 70. A estratégia, ela analisa, é radicalizar e, a depender da reação, recuar —embora nunca totalmente—, acumulando um saldo corrosivo para a democracia. “Se compararmos a democracia a uma árvore, a ditadura militar vai lá e corta a árvore. Nos novos golpes que começam a ocorrer —sou um deles, com um impeachment sem crime de responsabilidade—, é como se a árvore fosse invadida por fungos e parasitas, que corroem por dentro as instituições”, disse.

Toda sua análise passa por ver seu processo de destituição e a própria Operação Lava Jato como parte de uma engrenagem que levou Bolsonaro ao poder. Daí seu alinhamento com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas críticas a manifestos anti-Planalto como o Juntos, que reuniu apoiadores de seu impeachment, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar de frisar que não integraria, por exemplo, uma frente anti-Bolsonaro com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (”Ele é diretamente responsável, figura central na chegada do Bolsonaro”), a principal crítica da petista ao manifesto é programática: “Juntos para quê?”, provoca. “Historicamente, assinar manifesto não constitui frente. Constitui frente um projeto mínimo. Não posso estar junto para nada. Tem que estar junto para tirar o Bolsonaro e colocar algo no lugar. A frente tem que ter um programinha mínimo. No Brasil, só tem um jeito de salvar a democracia: é tirar o Bolsonaro”, disse ela que, dias após a entrevista, assinou o manifesto “Mulheres derrubam Bolsonaro”.

Seja como for, a petista vê os manifestos como apenas um dos elementos no debate em torno da continuidade ou não do atual Governo. Além do apoio das fatias da elite, a falta de mobilização social contra o Planalto, num contexto dificultado pela pandemia, deixa o cenário da saída do presidente ainda distante, avalia a petista. “Se eu fosse pessimista, eu não levantava da cama. Não sou pessimista. Sou uma pessoa que tem aquilo que o Gramsci dizia: o pessimismo da razão e o otimismo da vontade. A vontade transforma. Mas você tem de olhar a realidade como ela é. O que acho é que temos que construir as condições para tirar Bolsonaro”, reflete.

Enquanto isso não se dá, a ex-presidenta vê com a apreensão o Brasil que navega a crise sanitária e econômica. Ela não descarta “catástrofe” ou “caos social” caso o Governo não estenda por mais tempo o auxílio emergencial aos mais pobres e informais. A petista também vê com desconfiança, e não como uma etapa para uma futura renda mínima, a proposta anunciada por Paulo Guedes para modificar o Bolsa Família e outros programas sociais —reconhece que “teria sido melhor” se o PT tivesse transformado o programa de transferência de renda em lei: “O que o Paulo Guedes quer é fazer economia nas costas dos mais pobres”, critica.PUBLICIDADE

Já, no mundo, Dilma acredita que pode se apresentar uma saída progressista para crise: “Vai haver um aumento da tributação sobre grandes riquezas, sobre patrimônio e sobre ganhos de capital. Por quê? Porque não tem de onde tirar dinheiro”, prevê. “Não só eu falo isso. Fala também Martin Wolf, o maior economista político do Financial Times, uma pessoa que não pode ser acusado de bolivariano...”.

Sobre o cenário eleitoral, a petista vê um ambiente volátil. O que está acontecendo no EUA, que foi detonado pela morte absurda de George Floyd, é essa explosão de raça e contra a desigualdade. Ela pode surgir no Brasil. Nós não sabemos como é que as pessoas vão viver sua situação de violência, de desigualdade e de racismo e de doença. Isso vai influenciar as eleições municipais”, analisa. E sobre 2022? Para ela, ainda é cedo para traçar rumos, embora trace uma linha que pode ser definidora: afirma que seu mentor Lula, que segue inabilitado legalmente de concorrer à presidência por causa da condenação por corrupção, não deseja entrar na disputa. Quem, então? Ela cita outros nomes “do mesmo campo”, como o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), mas não Ciro Gomes (PDT), evidenciando as feridas ainda abertas de 2018.

Leia os principais trechos da entrevista:

Forças armadas no Governo Bolsonaro

As Forças Armadas ocupam no Executivo, através de uma presença maciça, um papel estratégico, porque parece que funcionam como substitutos à inexistência de um partido político que dá sustentação ao Bolsonaro e lhe forneceria os cargos dirigentes. Chegamos ao ponto de na maior pandemia da história recente dos últimos séculos no Brasil e no mundo, o Ministério da Saúde, peça fundamental, ser ocupado por um general interino sem os necessários subsídios técnicos. Há um quadro de intervenção militar dentro do Governo. Não há esse quadro de intervenção na sociedade. Não há. Ou seja, as instituições, Judiciário e Legislativo funcionam.

Risco de ruptura

É o sonho de consumo da cúpula deste Governo. A mim causa pânico. Porque seria mais grave do que a ditadura militar, com um quadro marcadamente fascista e miliciano. Em todos os Estados modernos há um monopólio pelo Estado da força e da Justiça. Privatizar para a milícia a violência é gravíssimo e isso ameaçaria a própria estruturação das Forças Armadas. Esse processo é extremamente contraditório do ponto de vista também das Forças Armadas, porque esse Governo defende uma privatização da violência, o exercício da violência por meio de armar o povo, como nós vimos na reunião de 22 de abril. E tem uma relação pública e notória com as milícias. Mas a pergunta é: até onde vai a flexibilidade daqueles que ainda apoiam Bolsonaro? Porque você tem partes expressivas do mercado apoiando Bolsonaro, uma parte da mídia apoiando Bolsonaro ainda, de forma mais contida, mas apoiando, e setores da sociedade e de certas instâncias das Forças Armadas e da Polícia Militar apoiando Bolsonaro. Até onde eles vão? Até a ruptura? O mundo não está propenso a golpes militares.

O tipo de ruptura

Se hoje não tem a possibilidade de um autoritarismo, a ideia é radicalizar. Aí há uma reação e você recua. Se você radicalizou 100, você recua 50 e acumula 50. Na sequência, faz outra aproximação: avança mais 100, recua 50. De tal forma que você normaliza, por exemplo, a discussão sobre o AI-5 no Brasil. Quando que no Brasil se discutia abertamente a volta do AI-5. Nunca. Quando no Brasil de discutia intervenção militar? Nunca. E hoje isso se tornou pauta da imprensa. Ele faz só aproximações sucessivas, mas em busca de um objetivo ao qual ele quer chegar. Se compararmos a democracia a uma árvore, a ditadura militar vai lá e corta a árvore. O que significa que todos os direitos, de liberdade de expressão, imprensa, organização, Congresso aberto estão inteiramente cortados para toda a população. Nos novos golpes que começam a ocorrer —no meu caso sou um deles com um impeachment sem crime de responsabilidade—, ao invés de um machado cortar a árvore, é como se a árvore fosse invadida por fungos e parasitas, que corroem por dentro as instituições.

Impeachment, Lava Jato e Bolsonaro

[A corrosão da democracia] não ocorreu com Bolsonaro. Ocorreu logo após a minha eleição em 2014 e se prolongou através de várias rupturas sistemáticas dentro da estrutura. Conflitos entre o Judiciário e o Executivo. Entre o Legislativo e o Executivo, cada vez se aprofundando mais. E temos uma expressão maior disso na Lava Jato, porque a base fundamental da democracia, de que todos são iguais perante a Lei. Sem isso não há possibilidade de democracia estável. Sem a Lava jato nós não teríamos o Bolsonaro. Sem o Governo Temer nós não teríamos o Bolsonaro.

Frente? Apenas se for para tirar Bolsonaro

Uma frente que não assumir que é para tirar o Bolsonaro, eu não sei para que ela tem que ser feita. O que sustenta o Governo Bolsonaro? É só seu caráter neofascista? Ou tem uma porção de pessoas da elite que queria o Bolsonaro para aplicar uma agenda neoliberal. Tirar o Governo Bolsonaro sem evidenciar que há uma aliança neoliberal e neofascista no Brasil? O que vai acontecer com a nossa frente? Vai dar em nada. Uma frente democrática tem que ser daqueles que sabem que o Bolsonaro tem que sair. O senhor Sergio Moro jamais pode entrar numa frente. Ele é diretamente responsável, figura central na chegada do Bolsonaro. Como eu posso ser a favor de um movimento que tem uma pessoa como Miguel Reale Jr., que assinou junto coma Janaína Paschoal aquele impeachment fraudulento, que originou esse golpe. Essas pessoas se recusaram a fazer uma frente em 2018, ali tinha uma frente, nós impediríamos que eles surgissem. Não acho que as pessoas do Juntos são mal intencionadas. Acho que o Juntos, primeiro não tem proposta. Juntos para quê? Se não é para tirar o Bolsonaro, é para quê? Historicamente, assinar manifesto não constitui frente. A frente tem que ter um programinha mínimo. No Brasil, só tem um jeito de salvar a democracia: é tirar o Bolsonaro.

Chances de um impeachment do presidente

Acho muito difícil, sem movimentação social, tirar o Bolsonaro. E isso não é viável nesse quadro de pandemia. Então, temos aí já uma fraqueza. E acho que tem de ter clareza. Se eu fosse pessimista, eu não levantava da cama. Não sou pessimista. Sou uma pessoa que tem aquilo que o Gramsci dizia tenho o pessimismo da razão e o otimismo da vontade. A vontade transforma. Mas você tem de olhar a realidade como ela é. O que acho é que temos que construir as condições para tirar Bolsonaro. É certo que os manifestos fazem parte disso, mas não acho que existe o manifesto que é aquele que se eu não assinar nós todos seremos traidores, como quer o Ciro Gomes. Não existe isso. É um instrumento de luta política. Mas os manifestos funcionam como essa quantidade de afluentes que vão convergindo para formar uma base para romper com Bolsonaro. Entre os manifestos, acho o pior o Juntos. Acho interessante o 70%, o Basta, aquele outro antifascista. O que eu considero é que é preciso mais do que isso, para que a gente possa, de fato, fazer uma luta democrática que restaure a democracia e os direitos do povo.

Papel do PT

O PT, junto a outras frentes e vários partidos de oposição e movimentos sociais, entrou com um pedido de impeachment, como sendo um dos instrumentos para o “Fora Bolsonaro”. Dentro da estratégia, cabe tudo: manifestos, movimentos na rua e fundamentalmente um pedido concreto de impeachment que foi assinado por todos os partidos de oposição e movimentos sociais e figuras da sociedade. Outros pedidos de impeachment também entraram. No Congresso tem várias iniciativas. No TSE tem uma discussão sobre a chapa. O que nós consideramos fundamental também é perceber que é preciso não só tirar Bolsonaro, mas ter eleições diretas. Quando a gente diz que tem que tirar a chapa e garantir eleições, é para que esse processo se desenrole democraticamente.Temos uma experiência recente que foi muito usada nas últimas semanas a respeito da questão democrática que é a Diretas Já. Foi um dos mais importantes movimentos que nós tivemos na nossa história política recente. Tínhamos no centro democrático um real centro democrático. Ulisses Guimarães era sem sombra de dúvida uma figura extraordinária que foi estratégica nessa questão da aliança de todos porque estava comprometido com o fim da ditadura. E hoje não tem [um Ulisses Guimarães]! Líder da centro-direita, não tem. E por que não tem? Porque elas foram, simplesmente, engolidas no processo que leva o Bolsonaro ao poder. Assumiram uma tática e estratégia suicidas.

Lula em 2022

Lula disse que não quer ser mais candidato, certo? Então, eu não posso falar outra coisa. Eu acho que Lula continua sendo, mesmo não querendo ser candidato, ele continua sendo a liderança mais expressiva no campo popular. Agora, ele disse que não quer ser. Pode ser uma pessoa do campo. O Lula já falou em [ex-prefeito Fernando] Haddad. O Lula já falou no [governador do Maranhão ] Flávio Dino [PCdoB]... O que não é possível é eu achar que uma pessoa fora de um determinado campo, que tem pelo menos a maioria do campo de oposição vai abrir mão pra quem tem 10% [em referência a Ciro Gomes]. Esse era o problema, a questão [ em 2018]. A troco [de quê ]? A Cristina Kirchner, na Argentina, abriu mão [da cabeça de chapa da eleição presidencial argentina] para o Alberto Fernandez, que foi o principal assessor de Néstor Kichner.

Eleições municipais em São Paulo e Rio

Jilmar Tatto ganhou legitimamente [a vaga de candidato a prefeito do PT em São Paulo], numa eleição clara e aberta, então ele tem todo o direito de se candidatar, apesar de o candidato que foi derrotado por 15 votos ser o de minha preferência, o ex-ministro Alexandre Padilha. Tatto representa aquilo que é o pensamento do PT São Paulo. Já Benedita da Silva [candidata a prefeita do PT no Rio] é um contraexemplo no Brasil. Contra porquê? Ela é uma liderança que teve capacidade enfrentar a mais grave segregação no Brasil, que sempre foi diluída e escondida, a escravidão. Benedita já foi governadora do Rio, tem tido no Congresso uma pauta que eu considero fundamental. Ela, por exemplo, relatou a pauta das domésticas [PEC das domésticas].

Pandemia, racismo e as municipais

As prefeituras são eleitas dependendo da situação, são muito influenciadas pelos problemas locais e menos pelos problemas nacionais. Mas eu acho que, neste ano, elas serão influenciadas pela forma que os Governos em exercício estão enfrentando o coronavírus de um lado e, por outro, pela forma como as pessoas estão sentindo e sentindo de forma clara quais são as consequências de tudo que até agora chegou até elas. O que está acontecendo no EUA, que foi detonado pela morte absurda de George Floyd, é essa explosão de raça e contra a desigualdade. Ela pode surgir no Brasil. Nós não sabemos. Como é que as pessoas vão viver sua situação de violência, de desigualdade e de racismo e de doença. Isso vai influenciar as eleições municipais. Impossível não influenciar.

Auxílio emergencial, “gerir” uma crise na pandemia

No Brasil, sem uma renda mínima, nós vamos ter uma catástrofe social, um caos social, porque se 104 milhões ganham per capita até 413 reais, isso considerando eles empregados, no desemprego eles sempre vão estreitar o que ganham. Você terá milhões de pessoas fora de atendimento. E essa política maluca de flexibilização é um absurdo, porque você começa a abrir sem ter condições. Ao mesmo tempo, as pessoas com maior poder aquisitivo estão mais temerosas e então haverá a redução de consumidores a restaurantes , academias, shoppings. E o Brasil não testa. Por que é campeão na falta de testes, sendo que os testes são cruciais? Para manter o isolamento e flexibilizar, para gerir a crise. Como você gere a crise, se você quer gerir? Só gere com teste. Se você não quer gerir, o negócio é a contaminação do rebanho, pois, afinal de contas, todo mundo vai morrer, como é a tese do Bolsonaro. Não precisa de teste, então. O Brasil não ter testes mostra o colapso da gestão do Brasil, da ingovernabilidade. Porque é crucial pra você saber quando você abre, quando você fecha, como você conduz num país continental a diversidade de respostas. É impossível o Brasil continuar do jeito que tá. Nós teremos a maior crise sanitária do mundo e possivelmente, segundo o Banco Mundial, uma queda de 8% do PIB, e eu acho que pode se tornar maior do que isso.

Mulher no poder

Não acredito que um negro ou uma mulher quando chegam à presidência tenham imediata capacidade de instaurar uma mudança estruturante, que no Brasil leva desde o início da nossa formação. O que nós fizemos no meu Governo foi tentar empoderar as mulheres, com o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, a lei Maria da Penha e a do feminicídio, mas isso não significa que nós alteramos uma coisa gravíssima no Brasil que é o patriarcalismo. Você veja como usam uma linguagem, um léxico misógino contra mim. Eu não vou falar aqui do absurdos com caráter sexual... Eu era uma mulher dura. Um homem não seria duro, seria um homem forte. Você já viu um homem ser chamado de duro? Não. Porque não é qualidade. Como eles não têm nenhum compromisso com a lógica, além de eu ser uma mulher dura eu era uma mulher fraca. Porque o jogo não é lógico, o jogo é emocional.

“Primavera da juventude no Brasil”

A esperança é a juventude. Minha geração dos anos 60 e 70 é vista como uma geração que foi capaz de ir para as ruas etc., mas eu acho que ela tinha suas limitações. E hoje, quando eu vejo quem vai para as ruas, quem falou contra o racismo durante o meu impeachment, quem fez as maiores manifestações, foram os movimentos de mulheres. Acredito que o nível de consciência da juventude que está nos colégios hoje é maior que a média. Isso ficou claro quando começa aquela reação nos colégios contra todas as atitudes fechamento no Governo Temer. Eu acredito que vai haver uma grande primavera de juventude no Brasil. Vamos ver a juventude assumindo as principais bandeiras, e não só aquelas associadas a questões sociais, mas também as identitárias.


Folha de S. Paulo: Obra analisa política brasileira do impeachment a Bolsonaro

Para o analista político Alon Feuerwerker, o imprevisível nunca pode ser esquecido

Por Joelmir Tavares, da Folha de S. Paulo

"O adjetivo "histórico" anda banalizado, como afirma o jornalista e analista político Alon Feuerwerker, 63, em um texto do livro "Brasil em Capítulos - Um Olhar sobre a Política, do Impeachment às Eleições de 2018".

Mas não seria exagero aplicar a expressão ao período esquadrinhado por ele na obra. A epopeia começa com a queda de Dilma Rousseff (PT) em meio ao arrastão da Lava Jato, passa pela ascensão de Michel Temer (MDB) e sua luta para se manter na Presidência e chega ao fenômeno da vitória de Jair Bolsonaro (PSL).

"É interessante observar como o cenário estava sendo visto no momento em que as coisas aconteciam", diz Alon, que reuniu —sem atualizações— textos produzidos de 2016 a 2018 e enviados a clientes da FSB Comunicação, agência para a qual trabalha. O site Poder 360 e o blog do autor também hospedam seus artigos.

Pode parecer estranho aos olhos de hoje ler, por exemplo, que Dilma tinha 65% de probabilidade de ficar no cargo e 10% de sair por impeachment. Mas era essa a avaliação de Alon em 25 de janeiro de 2016.

"Ali era possível fazer a leitura de que ela poderia virar o jogo. Meu trabalho não é nem opinar nem somente descrever, mas pegar a movimentação dos personagens e os fatos e tentar projetar tendências."

O analista fala com o olhar de quem esteve de dois lados. Como jornalista, cobriu o poder em veículos como Folha e Correio Braziliense; como assessor, trabalhou com políticos e governos de siglas como PT, PSDB, PC do B e PSB.

A experiência de alguém que conhece o sistema por dentro foi uma das razões que o fizeram, por exemplo, "nunca ter menosprezado Bolsonaro", como diz hoje, com certo tom de satisfação por ter acertado em suas previsões.

Textos de 2017 resgatados no livro já apontavam "a aparente resiliência" do então pré-candidato à Presidência, que à época capturava "boa parte do desejo de renovação".

 

Um ano antes do pleito, o autor afirmou em um artigo: "Não é inteligente contar com a desidratação automática de Jair Bolsonaro quando a campanha eleitoral entrar em campo. A intenção de voto espontânea dele já é alta, e ele parece ter adquirido alguma consistência nos apoios".

Em outros casos, a realidade não confirmou a previsão —embora essas situações tenham sido mais raras, como pode concluir o leitor do livro.

Em abril de 2017, por exemplo, Alon supunha: "2018 acena para o confronto entre o candidato de Lula e o candidato de Temer". A teoria se concretizou pela metade, com Fernando Haddad pelo lado do PT.

O analista calcula agora, às vésperas da posse de Bolsonaro, que dificilmente o futuro comandante do Planalto conseguirá executar a contento a anunciada intenção de governar em bases diferentes das que vigoram hoje no presidencialismo de coalizão.

Se o eleito romper com o toma lá, dá cá —como se refere à troca de cargos e verbas por apoio—, "será uma experiência única no mundo", diz Alon.

"Em qualquer país, existe um processo no qual o governante divide poder com quem o apoia. Acredito que ele [Bolsonaro] vai ter alguma dificuldade, porque no dia a dia do Congresso quem coordena são os líderes dos partidos."

Para o comentarista, o presidente, "em algum momento", terá que buscar o meio-termo.

Alon foi subchefe de Assuntos Parlamentares do governo Lula (PT), entre 2004 e 2005. Era responsável pelo acompanhamento da execução de emendas dos congressistas.

Segundo ele, a experiência em governos lhe deu "um grau a mais de objetividade". Fala que a compreensão da política "é diferente se você já presenciou as coisas acontecendo".

Não que isso tenha lhe concedido dons de adivinho. Alon fala que o imprevisível nunca pode ser esquecido. A facada em Bolsonaro no meio da campanha é só o exemplo mais recente de um fator surpresa que mudou o rumo dos acontecimentos, diz ele.

E, afinal, suas matérias-primas são política e Brasil. "Como mostra a experiência", anotou em texto de 2016 presente no livro, "no realismo fantástico da política brasileira nunca é demais respeitar sua excelência, o imponderável".

Brasil em Capítulos - Um Olhar sobre a Política do Impeachment às Eleições de 2018
Autor: Alon Feuerwerker
Ed. Imprimatur; R$ 69 (428 págs.)

 


Foto: Beto Barata\PR

Cristiano Romero: As consequências nefastas do populismo

É populista quem promete o que não pode e estoura orçamento

Quando alguém afirma que o Estado brasileiro quebrou, não se trata de exagero. Desde 2014, o setor público consolidado, isto é, as contas da União e dos Estados e municípios registram déficits pelo conceito primário (receitas menos despesas, excluídos os gastos com os juros da dívida pública). Isso significa que, no Brasil, há cinco anos as despesas do Estado superam o total arrecadado com a cobrança de impostos.

Para honrar os gastos, uma vez que a carga tributária equivalente a 33% do Produto Interno Bruto (PIB) não é suficiente, o governo federal é obrigado a ir ao mercado tomar dinheiro emprestado. Em 2014, após série de 15 anos de geração ininterrupta de superávits primários, o setor público fechou o ano com déficit primário de 0,35% do PIB.

Nos anos seguintes, o buraco aumentou para um déficit primário de 1,95% do PIB em 2015, 2,55% em 2016 e 1,81% do PIB em 2017. Neste ano, o rombo volta a crescer - para 2,17% do PIB (cerca de R$ 155,5 bilhões), segundo estimativa do Ministério do Planejamento. A previsão oficial é que, apenas no início da próxima década, o setor público volte a gerar saldo primário positivo em suas contas.

Se não consegue arrecadar o necessário para bancar as despesas previstas nos orçamentos públicos e, por isso, é obrigado a pegar dinheiro no mercado via emissão de títulos públicos, o Estado se endivida. O resultado de cinco anos consecutivos de irresponsabilidade fiscal - produzida pela gestão Dilma Rousseff (de 2011 a maio de 2016) - foi o brutal crescimento da dívida bruta, que saltou de 51,5% para 76,5% do PIB entre dezembro de 2013 e outubro de 2018.

A chamada dívida bruta do governo geral abrange o total dos débitos de responsabilidade do governo federal, dos governos estaduais e dos governos municipais, com o setor privado, o setor público financeiro e o restante do mundo. Como se sabe, a elevação crescente da dívida, além de encarecer o custo da própria dívida, uma vez que os investidores exigem ao longo do tempo prêmios (juros) mais altos para continuar financiando o governo, tem o efeito perverso de reduzir e encarecer o crédito disponível a quem precisa dele - empresas e consumidores.

Quanto maior é a fatia da poupança privada destinada ao financiamento da dívida pública, menor é a poupança que sobra para financiar investimento e, portanto, geração de renda e emprego. Está nessa equação parte da explicação dos juros escorchantes a que são submetidos cidadãos comuns, que necessitam de crédito para comprar imóvel e outros bens, e pequenas e médias empresas, que precisam de dinheiro para financiar o capital de giro e tocar seus negócios - no país das desigualdades, funciona assim: quem menos precisa de dinheiro a custo favorecido, notadamente as grandes empresas e as multinacionais, ambas com acesso a crédito barato no mercado de capitais, é quem mais tem acesso a recursos oficiais subsidiados (do BNDES e outras fontes).

O forte crescimento da dívida pública foi, sem dúvida, o maior retrocesso provocado pelo governo Dilma à política econômica que prevalecia no país desde o primeiro ano do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. O Brasil levou, grosso modo, 26 anos - de 1982 a 2008 - para superar a chamada "crise da dívida". Foram três décadas com baixíssimo investimento público, falta de recursos para combater a pobreza e outras mazelas sociais, inflação crônica e hiperinflação em boa parte do período, aumento das desigualdades sociais, moratória da dívida externa, calote na dívida interna etc.

Em 2008, depois de dez anos de razoável disciplina fiscal, o país foi sagrado com o selo de bom pagador de dívida (grau de investimento, na linguagem das agências de classificação de risco). Apenas sete anos depois, perdeu o selo, em meio à escalada de gastos que não couberam mais no orçamento - esta é, aliás, a melhor definição de populismo: um governante é populista quando promete à população algo que não possa cumprir ou quando realiza despesas que não cabem dentro do orçamento, para aumentar a popularidade e, assim, fazer prevalecer um projeto de poder.

O custo visível (porque a deterioração fiscal é teimosamente vista por alguns como uma abstração acadêmica) do populismo abraçado por Dilma Rousseff está aí: nos últimos cinco anos, a economia brasileira perdeu mais de 7% do PIB na recessão mais longa de sua história (2014-2016) e nos dois anos seguintes (2017 e 2018) cresce a passos de cágado. Com crise fiscal, não há dinheiro para melhorar a educação e a saúde públicas, enfrentar o grave problema da segurança pública, investir onde o setor privado não tem interesse em investir.

O próximo governo enfrentará o desafio de melhorar esse quadro. Em pouco mais de dois anos, a gestão Michel Temer trabalhou com uma das melhores equipes econômicas de que o país já dispôs, o que permitiu fazer as coisas andarem um bocado em Brasília. Não fosse a perda de força política do presidente em maio do ano passado, o PIB estaria crescendo neste momento a um ritmo mais acelerado.

Os desafios são imensos. Como descreve o documento "Reformas Microfiscais e Rigidez Orçamentária", elaborado pelo Ministério do Planejamento, além da crise fiscal, a explosão do gasto agravou outro problema - o grau de rigidez orçamentária (ver gráfico), que compromete a execução de políticas públicas discricionárias, especialmente, os investimentos e gastos sociais.


O Globo: Em novo documento, PT desiste de autocrítica e enaltece Haddad

Dirigentes da legenda decidiram retirar trechos que falavam em autocrítica do partido e críticas aos governos da ex-presidente Dilma Rousseff

BRASÍLIA — Após dois dias de reuniões em Brasília, dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) decidiram retirar do documento que norteará a atuação da legenda trechos que falavam em autocrítica do partido e críticas aos governos da ex-presidente Dilma Rousseff , que sofreu impeachment e foi afastada do cargo em definitivo em 31 de agosto de 2016.

A inclusão de críticas no documento proposto na sexta-feira incomodou correntes internas, o que fez a direção da legenda recuar. Presidente do PT, Gleisi Hoffmann disse neste sábado que não haverá autocrítica no documento porque isso já é feito "na prática":

— Não tem autocrítica no texto, o PT faz autocrítica na prática. O PT fez financiamento público de campanha, o PT está reorganizando as bases, o PT está com movimento social. Nós não faremos autocrítica para a mídia e não faremos autocrítica para a direita do país — disse a senadora.

Em vez de apontar "equívocos" ocorridos nas gestões petistas, o que constava inicialmente no texto, o novo documento enaltece a participação de Fernando Haddad nas eleições deste ano, na qual foi derrotado por Jair Bolsonaro no segundo turno, e retrata o ex-prefeito de São Paulo como uma liderança em ascensão no partido.

"É imprescindível ressaltar nesse balanço que o companheiro Fernando Haddad se projeta como uma nova liderança nacional do Partido. Defendeu o legado do PT, ao mesmo tempo em que simbolizou aspectos de renovação política e social de que o PT é capaz, logrando conjuntamente com a militância democrática, da esquerda e do partido chegar ao final do segundo turno com 47 milhões de votos. É com este saldo político que Fernando Haddad poderá cumprir destacado papel frente aos novos e complexos desafios da conjuntura", diz um trecho do texto.


Geraldo Brindeiro: Impeachment e inelegibilidade

A condenação é causa de inelegibilidade e veda, também, além do exercício de cargo público eletivo, o exercício de qualquer função pública.

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que, se o presidente da República for condenado por crimes de responsabilidade em processo de impeachment, deverá perder o cargo e ficar inabilitado por oito anos para o exercício de função pública (artigo 52, parágrafo único). A condenação, portanto, é causa de inelegibilidade e veda, também, além do exercício de cargo público eletivo, o exercício de qualquer função pública.

Como assevera a eminente ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), “(...) a Constituição cuidou de não apenas afastar o agente do cargo (o que não teria exequibilidade com sua anterior renúncia), mas, ainda, preocupou-se em não permitir que o poder público, por qualquer de suas funções, pudesse vir a ser, pelo período de oito anos subsequentes à condenação, tangível à mão daquele que destratou a República, lesou a ordem jurídica e afrontou o povo do Estado brasileiro”.

É que, se o presidente da República renunciar ao cargo antes de concluído o julgamento do impeachment pelo Senado Federal, o processo continua e, em caso de condenação, evidentemente, aplica-se apenas a inabilitação; não por existirem sanções autônomas, mas, sim, por impossibilidade material de decretação da perda do cargo em face da renúncia.

Nesse sentido foi o acórdão do Supremo Tribunal Federal que, por unanimidade, indeferiu o mandado de segurança impetrado pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo contra resolução do Senado que o havia declarado inabilitado por oito anos para o exercício de função pública (Mandado de Segurança n.º 21.689-DF, cujo relator foi o ministro Carlos Velloso).

O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, também afirmou então no seu voto que “(...) há uma única sanção constitucionalmente estabelecida, que compreende, na abrangência do seu conteúdo, a destituição do cargo com inabilitação temporária. A unidade constitucional da sanção prevista torna-a indecomponível, incindível, impedindo, dessa forma, que se dispense tratamento jurídico autônomo às projeções punitivas que emanam da condenação senatorial”.

Por outro lado, naquele mesmo mandado de segurança ficou claro – como em recentes precedentes do Supremo Tribunal Federal – que o mérito do impeachment é, obviamente, a condenação ou absolvição pela prática de crimes de responsabilidade. O saudoso ministro do Supremo Tribunal Teori Zavascki observou, com clareza e precisão, não ser cabível juízo de mérito “sobre a ocorrência ou não dos fatos ou sobre a procedência ou não da acusação (...)” (vide Mandado de Segurança n.º 34.193-DF). E em relação a isso o Supremo não se pode pronunciar, por se tratar de julgamento político realizado pelo Senado Federal.

Deve o Supremo, contudo, exercer o controle de constitucionalidade quanto à aplicação da sanção do impeachment na sua inteireza, conforme dispõe o artigo 52, parágrafo único, da Constituição federal. Como acentuou, mais uma vez, o eminente decano do Supremo, ministro Celso de Mello, em trecho do seu voto: “(...) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação do caráter político das resoluções tomadas pelas Casas Legislativa pudesse configurar (...) manto protetor de comportamentos abusivos ou arbitrários, praticados à margem da Constituição”.

Portanto, se o Senado Federal condena o presidente da República por crimes de responsabilidade em processo de impeachment, a consequência óbvia e inevitável disso deve ser, segundo a Constituição da República e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a perda do cargo com inabilitação por oito anos para o exercício de qualquer função pública, tornando-se o ex-presidente inelegível no mesmo período.

Após a condenação pelo Senado, pelo voto de dois terços dos seus membros, eventual nova votação para “excluir” a inabilitação é evidentemente inconstitucional e contrária à jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal.

Finalmente, as inelegibilidades de natureza constitucional, isto é, previstas no próprio texto da Constituição federal – e não em lei complementar –, são, segundo a lei (Código Eleitoral, artigo 259), insuscetíveis de preclusão, podendo ser arguidas a qualquer tempo, durante e após o processo eleitoral, perante o Tribunal Superior Eleitoral e o próprio Supremo Tribunal Federal.

Observe-se, ainda, que – por razões análogas às do impeachment do presidente da República – o impeachment de governadores de Estados e de prefeitos municipais, bem como a decretação de perda de mandato de senadores e de deputados federais, são também causas de inelegibilidade (Lei Complementar n.º 64/90 – Lei das Inelegibilidades –, artigo 1.º, inciso I, alíneas b e c).

O ex-presidente da República destituído do cargo por ter cometido crimes de responsabilidade não pode simplesmente pretender retornar em seguida ao cargo no qual praticou as graves violações da Constituição e da lei – deletérias da democracia, da probidade na administração e da dignidade da função presidencial. Torna-se inelegível pelo período de oito anos, inabilitado para o exercício de qualquer função pública.

Seria, igualmente, inominável desrespeito à Constituição e às instituições democráticas a eventual pretensão do ex-presidente da República destituído do cargo de concorrer, nas eleições seguintes à condenação, a cargo eletivo na Casa Legislativa que o condenou. A Constituição deve ser cumprida.

*Geraldo Brindeiro é doutor em Direito por Yale, professor da Universidade de Brasília (Unb), foi Procurador-Geral da República (1995-2003)


Eliane Cantanhêde: O diabo está solto!

O PT rifa seus nomes por hegemonia e alianças, mas nem todos vão engolir calados

Em 2004, com Lula a todo vapor na Presidência da República, a cúpula nacional do PT ignorou, desprezou e, de certa forma, humilhou a jovem petista Luizianne Lins para favorecer Inácio Arruda, do PCdoB, na eleição para a prefeitura de Fortaleza. Galega arretada e atrevida, ela empinou o nariz, enfrentou tudo e todos e venceu a eleição. No segundo turno, até ganhou uns adesivos do PT – mas teve de pagar o frete.

Quatorze anos depois, com Lula imobilizado numa cela em Curitiba, a cúpula do PT repete a primeira parte da história, atingindo em cheio Marília Arraes, neta do mito Miguel Arraes e candidata favorita ao governo de Pernambuco contra a reeleição do governador Paulo Câmara, do PSB.

Não por uma causa, mas por um projeto de poder, Lula e o PT decidiram rifar Marília em troca da neutralidade do PSB na disputa presidencial. Em outras palavras, cortaram a cabeça da petista para matar a candidatura de Ciro Gomes, do PDT. Sem PT, sem DEM, sem PSB e muito provavelmente sem a Rede, Ciro perde fôlego, míngua.

A tal Marília, porém, não parece muito diferente daquela Luizianne atrevida. Primeiro, ela desmentiu tudo num vídeo, atribuindo a versão a um “ataque especulativo”. Confirmado que tal ataque era real e partira da própria Comissão Executiva do PT, também empinou o nariz e avisou que não vai engolir em seco, nem chorar num canto. Como Luizianne, vai à luta, vai bater chapa na convenção do PT.

Bem longe dali, o ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda, do PSB, era também vítima do acordão entre o seu partido e o PT para desidratar Ciro Gomes, que se lança como opção das esquerdas após a crise do PT e a prisão de Lula – a quem sempre defendeu e agora acusa. Mas, se não é nordestino, nem mulher, nem valente e atrevido como Luizianne Lins e Marília Arraes, Lacerda igualmente não vai baixar a cabeça e morrer calado. Até porque, como ele alegou ontem para o partido, quem bancou todas as despesas da pré-campanha foi ele, do próprio bolso. Quem vai ressarci-lo?

Assim como tenta fazer com Marília Arraes, o PT também rifa candidatos próprios no Amazonas, no Amapá, no Piauí, no mesmo Ceará de Luizianne e no Maranhão, onde os petistas tentam resistir bravamente à hegemonia de décadas dos Sarney e há 12 anos são incapazes de disputar eleições. Viraram saco de pancada do próprio partido. Tudo pelo pragmatismo, pela neutralidade do PSB, do apoio do PCdoB e até do PP e do MDB de Eunício Oliveira (CE) e de Renan Calheiros (AL).

A ex-vereadora, ex-deputada federal e atual deputada estadual Manuela d’Ávila (RS), outra jovem política com garra, vontade própria e princípios, que se cuide. Ela foi lançada para a Presidência na convenção do PCdoB na quarta-feira. Mas, pelo andar da carruagem, parece só estar esquentando a cadeira enquanto vai se fechando o cerco da Justiça a Lula.

A procuradora-geral, Raquel Dodge, deu parecer a favor de mantê-lo preso e ainda acusou o ex-presidente de frustrar milhões de eleitores. O ministro Luiz Fux (STF e TSE) foi taxativo ao falar na “inelegibilidade chapada” dele. O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, já se manifestou a favor de decidir esse solta-não-solta Lula ainda em agosto. E tem razão. Enquanto Lula insistir em ser uma (falsa) peça para outubro, o tabuleiro não se mexe.

Aliás, por que o PT rifa todo mundo e atira em Ciro? Por ordem direta de Lula. Sua distração na cadeia é traçar a estratégia, manter o controle total sobre o PT e esticar e relaxar a corda de Fernando Haddad.

Dilma Rousseff é uma fábrica de produzir declarações hilárias, mas estava coberta de razão ao dizer que, “em eleições, faz-se o diabo”. Em todos os partidos, inclusive no PT. E o diabo está solto!


Ricardo Noblat: Dilma deve sobrar em Minas

Pimentel aumenta sua oferta para ter o apoio do PMDB à reeleição

A interrupção do processo de impeachment contra o governador Fernando Pimentel (PT) tem a ver com a renovação de uma oferta feita por ele ao deputado Adalclever Lopes, presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e maior cacique do MDB.

Por meio de um advogado amigo dos dois, Pimentel prometeu a Lopes que a vaga de vice-governador em sua chapa e as duas de senador serão do MDB se o partido apoiar sua reeleição. E acrescentou mais um mimo: uma vaga para o MDB de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Quanto a Dilma Rousseff, que transferiu para Minas seu título de eleitora e quer ser candidata ao Senado, Pimentel mandou dizer a Lopes que dará um jeito de convencê-la a desistir da ideia. Dilma poderá, se muito, ser candidata a deputada federal, mas isso ela não quer.

Se candidata a deputada, ela ajudaria a eleger deputados do MDB. E Dilma não perdoa o partido por tê-la despejado da presidência da República. É pegar ou largar para Dilma. A não ser que o MDB prefira se aliar ao PSDB e apoiar a candidatura ao governo de Antônio Anastasia.

Nesse caso, a candidatura de Dilma ao Senado seria mantida. Ela até poderia virar candidata ao governo se o impeachment de Pimentel fosse aprovado, o que parece improvável. Lopes tem o controle da convenção do MDB, mas não dos votos dos 13 deputados estaduais e dos 5 federais.

A maioria dos deputados é a favor da aliança com Pimentel.


Ruy Fabiano: O declínio da esquerda

PT e PSDB, que por décadas simularam um antagonismo de fachada, chegam juntos ao ocaso político. Enquanto o PT padece as consequências do desastre que impôs ao país, o PSDB, que lhe oferecia falso contraponto, perde suas referências existenciais.

Sua identidade vincula-se à do PT, que protagoniza a esquerda carnívora, enquanto os tucanos posam de socialistas vegetarianos, no melhor estilo da estratégia das tesouras, concebida por Lênin.

Ambos, porém, são faces da mesma moeda, que ora sai de circulação, sob o desgaste da Lava Jato e da debacle institucional do país. Se o povo ainda não sabe o que quer, já sabe, no entanto, o que não quer. E o projeto esquerdista, lastreado no politicamente correto, que busca minimizar ou ultrajar os que se lhe opõem, se empenha em refundar-se sem dispor de lideranças que o renovem.

FHC chegou a dizer que Luciano Huck, o animador de auditório de TV, representa o novo na política brasileira. É um diagnóstico de desespero, que expõe o estado de indigência política do partido.

O nome que despontava entre os tucanos, João Doria, prefeito de São Paulo, é alvo do fogo amigo, que cresce na razão direta de sua compulsão marqueteira. Seus maiores detratores estão dentro de casa – e seu maior concorrente é quem o apadrinhou: o governador Geraldo Alckmin. Parecem destinados ao abraço dos afogados, já que imersos num ambiente sem sinais de consenso.

Lula continua sendo o único nome no horizonte do PT, mas sua popularidade perde cada vez mais para os crescentes índices de rejeição. Seu projeto político hoje é escapar da cadeia. Não é pouco.

Dificilmente conseguirá registrar sua candidatura, como, aliás, já sinalizou o futuro presidente do TSE, ministro Luís Fux. Os petistas, por isso mesmo, passaram a conspirar contra as próprias eleições, como se depreende de reiteradas declarações da presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann. Sem Lula, disse ela, as eleições não terão legitimidade. Órfão de candidato, o partido joga no caos.

Daí o retorno de ações predatórias, de teor criminoso, cada vez mais violentas, sob o patrocínio do MST e do MTST, os “exércitos” de Stédile e Boulos, braços armados do partido, a invadir propriedades e detonar redes elétricas e patrimônio público.

Ambos parecem desejar uma intervenção militar, dada a estratégia de desafio à lei e à ordem que protagonizam.

Lula, como se sabe, prometeu “tocar fogo no país”, sob os auspícios daquelas milícias, caso não possa se candidatar. Ao que parece, é a única promessa que está disposto a cumprir.

Os tucanos, antevendo o drama que ora vivem, tudo fizeram para evitar o impeachment de Dilma Rousseff. Aderiram aos 44 minutos do segundo tempo, e embarcaram no governo Temer na expectativa de dominá-lo. Perderam para as raposas do PMDB.

Coadjuvantes de um governo que já nasceu fadado à impopularidade, discutem agora se dele devem desembarcar. Aécio Neves, presidente afastado, às voltas com a Justiça, quer ficar.

Precisa do guarda-chuva do Planalto. Tasso Jereissati, que o substituía interinamente, quer sair. E tem FHC a seu lado - o que, até há pouco, era um trunfo; hoje talvez já não seja. Aécio, ainda com os poderes formais do cargo, o afastou, abrindo nova crise, que não tem prazo para acabar – e talvez não acabe nunca.

Alberto Goldmann, ex-governador paulista e crítico feroz de João Doria, substitui provisoriamente Tasso e fala em união, vocábulo que, no PSDB, tornou-se uma abstração metafísica. Marcone Perillo, governador de Goiás, disputará com Tasso a presidência efetiva, convicto de que nenhum dos dois dará jeito na encrenca.

As eleições do ano que vem (se o ano realmente vier) já não serão bipolares, como as anteriores. Prometem um vasto elenco de candidatos, o que está longe de significar grandes alternativas ao eleitor. Quantidade, desta vez, será antônimo de qualidade.

O descrédito – que vai dos partidos às urnas eletrônicas – permeia todo o processo, que se antevia precedido de profunda reforma eleitoral. A reforma não veio - e a esperança de renovação do país muito menos. O candidato que mais cresce nas pesquisas, Jair Bolsonaro, evoca no imaginário popular uma ruptura com a conjuntura presente, seja lá em nome do que for.

O eleitor, desencantado, parece dizer que aceita qualquer coisa, desde que não seja o que aí está. O cenário não é dos mais promissores, para dizer o mínimo.

* Ruy Fabiano é jornalista

 

 


Míriam Leitão: Mentiras convenientes na era da pós-verdade

Na era da pós-verdade, é bom o retorno a algumas realidades: a ex-presidente Dilma provocou surto inflacionário, recessão e desrespeitou as leis fiscais. Mereceu o impeachment que sofreu. Seu vice foi escolhido por quem formou a chapa e votou nela. Dilma e Temer são frutos da mesma escolha partidária e eleitoral. Criticar um não é apoiar o outro, e vice-versa.

O ex-presidente Lula, que escolheu Dilma sem ouvir o partido, usando seu poder majestático, diz agora que o povo se sentiu traído quando ela fez o ajuste fiscal e quando aprovou as desonerações para as empresas. Está querendo se descolar da ex-presidente, que deixou o governo com baixo nível de popularidade. Como a aprovação do presidente Temer é ainda mais baixa, muita gente esqueceu que ela chegou a ter apenas 10% de ótimo e bom.

Lula conhece esses números e estava esperando um bom momento e lugar para fazer essa separação de corpos entre ele e a sua sucessora. Escolheu um jornal estrangeiro, para ter menos contestações às suas invenções. Escolheu criticar dois pontos que acha que são antipáticos: o ajuste fiscal e a transferência de dinheiro para empresários. Ajuste, como as dietas, ninguém gosta de fazer. É apenas necessário quando há um descontrole como o criado pela Dilma. Ela recebeu o país com 3,5% do PIB de superávit primário, entregou com 2,4% de déficit e colocou a dívida pública numa rampa na qual ela continua subindo.

Parte desse desarranjo foi consequência das desonerações e subsídios para os empresários. Lula agora diz que foi um erro. Mas foi ele que começou a política junto com o seu ministro Guido Mantega. Dilma manteve o ministro e aprofundou as medidas. Foi no governo Lula que começaram as transferências para o BNDES, a ideia de recriar os campeões nacionais, os subsídios, o uso dos bancos públicos e tudo aquilo que favoreceu empresários em geral, e alguns em particular, como Joesley Batista, Eike Batista e Marcelo Odebrecht.

Temer conspirou abertamente contra Dilma, mas foi ela que criou o ambiente que desestabilizou seu governo, quando provocou um choque inflacionário e uma queda livre do PIB. É difícil um governo sobreviver a essa dupla. Foi eleita mentindo sobre a situação da economia, com a ajuda dos magos em efeitos especiais João Santana e Monica Moura, que montaram um país cenográfico. Quando a verdade apareceu, sua aprovação despencou e sua base se esfarinhou. Foi nesse ambiente que a conspiração de Temer teve espaço. E ocorreu dentro do grupo que estava no poder. A ex-presidente detestava o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, mas deu a ele acesso direto ao dinheiro do trabalhador, no FI-FGTS.

Geddel Vieira Lima e seus 51 milhões de “dinheiros” não traiu ninguém. Serviu a vários senhores. Esteve sempre perto dos governos, é íntimo do presidente Temer, mas teve cargos poderosos nos governos Dilma e Lula. Foi ministro de Lula e teve uma vice-presidência da Caixa no governo Dilma. As malas e caixas de Geddel apareceram mais de três anos depois de iniciada a mais ampla operação de combate à corrupção. É por isso que o juiz Sérgio Moro diz que não está julgando o problema da altura da saia, mas sim a corrupção. É com criminosos seriais que o país está lidando.

Vários deputados petistas votaram contra Temer afirmando estar fazendo isso porque são contra a reforma da Previdência. O ex-presidente Lula também fez uma reforma da Previdência, que levou inclusive um grupo a sair do partido e formar o PSOL. A ex-presidente Dilma prometeu fazer uma reforma e aprovou mudanças no pagamento das pensões das viúvas jovens. Qualquer um que governar o Brasil terá que enfrentar esse desequilíbrio. O relatório da CPI da Previdência dizendo que o déficit não existe é tão verdadeiro quanto uma nota de três reais.

Muitos dos deputados que foram ao microfone gritar contra a corrupção de Temer sustentam que as acusações feitas ao ex-presidente Lula e outros petistas são falsas e fruto da perseguição que eles sofrem do juiz Sérgio Moro e dos procuradores. A mentira e a manipulação passaram a ser a ordem do dia. São a pós-verdade dos tempos atuais ou a velha mentira conveniente.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 


Alon Feuerwerker: A dança do empresariado local, do neotenentismo e do establishment político para 2018. O PT calcula e age

O governo Dilma Rousseff foi removido quando viu convergir contra ele uma ampla coalizão das principais forças e blocos da economia e da política brasileiras. E o afastamento do PT, como era previsível, fez aguçarem as contradições no interior desse leque, o que está na base da perda de substância conjuntural do governo Michel Temer.

Mas Temer caminha para o apagar das luzes, e os interesses começam a buscar 2018. Para monitorar a eleição que vem, será útil acompanhar a dança dessas mesmas forças. Seu alinhamento ou desalinhamento influirá decisivamente na escolha dos personagens que estarão traduzindo eleitoralmente (“vote em fulano”) as opções de coalizão.

Dilma foi digerida por uma aliança entre 1) o capitalismo local, que ela tentou enquadrar 2) o neotenentismo togado, que ela tentou surfar e 3) o establishment político, que ela acreditou poder degolar. No fim, juntaram-se todos contra ela, já fragilizada pela recessão inevitável após as escolhas econômicas do início de seu segundo governo. E ela caiu.

O petismo é forte, mas não resistiu à poderosa aliança contra. Removido o PT, o neotenentismo foi para cima do establishment político, que vem sobrevivendo graças a uma liga fortíssima com o capitalismo local, na lógica do “agora ou nunca” para as reformas liberais. E o que faz o PT? Procura reorganizar-se aproveitando as rachaduras na coalizão que o derrubou.

O PT não é um partido de estratégias, mas de táticas. Principalmente eleitorais. Isso explica a só aparente esquizofrenia petista quando 1) ataca a Lava-Jato por supostamente perseguir Lula e 2) surfa na Lava-Jato quando o alvo desta são os adversários do PT. Política não é jogo de argumentos, mas de forças. Se a Lava-Jato está contra os inimigos, viva a Lava-Jato.

Se o PT mantiver os oponentes constrangidos pela Lava-Jato, acredita que tem mais chance de ganhar a eleição, com ou sem Lula. Já a lógica do outro lado é a inversa. Buscam um candidato que reúna, sem grandes perdas, as forças anti-Dilma. Alguém simpático aos capitalistas, fora do alcance dos neotenentes e aceitável pelo establishment político.

O ótimo é inimigo do bom. João Doria um dia pareceu ser ótimo, mas o establishment político só aceitará o #novo se não tiver opção. Por enquanto, o lugar de #bom está sendo conquistado por Geraldo Alckmin, cujas pendências com a Lava-Jato não parecem, até agora, suficientemente complicadas para fazê-lo perder momentum na corrida.

Há dois outros vetores, hoje enfraquecidos. 1) Os nacionalistas, aliados potenciais do PT, ressentidos da ainda viva e desagradável memória de um governo dito nacionalista e do progressivo desaparecimento da categoria de empresário nacionalista; e 2) a imprensa, cuja coesão quebrou na recente guerra dos neotenentes contra o establishment político no #ForaTemer.

Observemos.

*

Já se sabe que o establishment político prepara petardos legislativos para o caso de precisar abrir fogo contra o neotenentismo daqui até a eleição. Os alvos mais maduros são o abuso de autoridade e os supersalários no Judiciário e no Ministério Público. Os episódios de Temer e Aécio Neves convenceram o establishment político de que pode haver vida sem o alinhamento absoluto à opinião pública. A revigorada popularidade de Lula também ajuda.

*

O caso da portaria do trabalho escravo mostrou a hegemonia exuberante do “jornalismo de causas”. Não há qualquer possibilidade de debater racionalmente assuntos em que o jornalismo definiu, por antecipação, qual é o “lado do bem”. Principalmente quando há uma tentadora “oportunidade de progressismo” para quem se cansou de ser catalogado na coluna da direita.

Título original: A dança do empresariado local, do neotenentismo e do establishment político para 2018. O PT calcula e age

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Rogério Furquim Werneck: Lula e Dilma, indissociáveis

Há esforço de nova interpretação da história recente que vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente

Ainda às voltas com a saída do pavoroso atoleiro em que foi metido, o país se vê, agora, a menos de 12 meses de uma eleição presidencial que terá importância crucial na configuração do seu futuro.

Com base em disputas presidenciais anteriores, não se pode descartar a possibilidade de que, mais uma vez, tenhamos uma campanha eleitoral escapista, em que os candidatos se permitam passar solenemente ao largo das questões que de fato importam. Resta, contudo, a esperança de que, desta vez, a gravidade da crise não deixe espaço para tanto escapismo.

Idealmente, deveriam ser contrapostas, na disputa eleitoral do ano que vem, não só visões alternativas sobre a melhor forma de superar a crise, mas também diferentes narrativas sobre como o Brasil se meteu em tamanha enrascada. Sem um mínimo de clareza sobre as verdadeiras razões do desastre econômico e social que se abateu sobre o país, seria difícil para os eleitores avaliar diferentes propostas de superação da crise.

É natural que a perspectiva de ter de lidar com esse confronto de narrativas venha assustando o PT. Já há meses, têm aflorado na mídia evidências de um movimento revisionista, empenhado em recontar a deprimente história recente do país, para tentar aliviar, em alguma medida, o ônus político da responsabilização dos governos petistas pelo descalabro econômico e social que hoje se vive.

No exíguo espaço deste artigo, não seria possível explorar todas as nuances desse movimento revisionista mais amplo. A atenção ficará aqui restrita à parte desse esforço de reinterpretação da história recente que, para conter danos, vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente Dilma Rousseff, para que o ex-presidente Lula possa ser eximido de qualquer responsabilidade pelo ocorrido.

De forma simplificada, o que vem sendo defendido é que a política econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmente desvirtuada por sua sucessora. Na verdade, não houve descontinuidade alguma. O descarrilamento da política econômica petista foi um longo processo, cujo início remonta a março de 2006, com a substituição do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por uma figura inexpressiva que, confirmada no cargo no segundo mandato de Lula, abriria espaço para inédita preponderância da Casa Civil na condução da política econômica.

A política econômica do segundo governo Lula foi, em boa medida, a política de Dilma Rousseff. O que se presenciou, especialmente a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da “nova matriz econômica” pôde ser ostensivamente desfraldada, foi o inexorável desenrolar do desastre, como num grande acidente ferroviário filmado em câmara lenta.

Como bem esclareceu a própria ex-presidente Dilma, em entrevista à “Folha de S. Paulo” de 28 de julho de 2013, ela e Lula eram “indissociáveis”. “Eu estou misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do governo.”

Mesmo que as políticas econômicas de Dilma e de seu antecessor tivessem sido completamente diferentes e “dissociáveis”, Lula ainda teria de ser politicamente responsabilizado por ter patrocinado, contra tudo e contra todos, a ascensão à Presidência de pessoa tão flagrantemente despreparada para o exercício do cargo.

Em longa entrevista publicada em livro de 2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistências que teve de enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: ‘Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus’.” (ver em encurtador.com.br/CER49)

De qualquer ângulo que se olhe, não há como deixar de responsabilizar Lula pela longa e colossal crise por que vem passando o país. E é isso que atormenta o PT.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

 


Luiz Carlos Azedo: O pacto da transição

Há uma espécie de pacto tácito entre governistas e oposicionistas para continuar se beneficiando da máquina federal e capitalizar o desgaste do governo, respectivamente

A rejeição da denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara era pedra cantada. O Palácio do Planalto sempre teve maioria para isso, tanto que indicou o relator da matéria, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), à revelia de sua própria bancada, com o apoio velado do presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Em nenhum momento a decisão esteve ameaçada.

Isso significa que a situação de Temer no plenário da Câmara será mais confortável do que na primeira denúncia? Não, por três razões que precisam ser levadas em conta. Primeira: o realinhamento de forças no interior da base do governo, que começou na primeira denúncia e deve se consolidar agora. Segunda: a maior proximidade das eleições dificulta a mobilização dos aliados da antiga oposição para o voto aberto contra a investigação. Terceira: até a tropa de choque de Temer tem interesse em que o Palácio do Planalto saia do processo mais enfraquecido e dependente do seu apoio.

Os atritos do grupo palaciano com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no decorrer da semana passada, foram um sinal claro de que há um estranhamento entre o presidente da República e seu principal aliado, apesar das juras de amor de ambas as partes nos últimos dias. Maia já deixou mais do que claro que não cobiça o lugar de Temer na Presidência, embora seja o seu sucessor natural em caso de aceitação da denúncia, que implicaria no afastamento imediato de Temer do cargo.

Houve uma espécie de demarcação de posições. Maia sinalizou para Temer que pretende ser tratado como um aliado com autonomia e dono da pauta da Câmara. Já havia mandado recado nesse sentido, ao avisar que não devolveria uma medida provisória que implicasse em elevação de impostos. Nos bastidores, há inquietação no partido de Maia em relação às eleições de 2018, principalmente em alguns estados importantes, nos quais a legenda pode apresentar candidatos competitivos, como ocorre na Bahia, com o prefeito de Salvador, ACM Neto; em Goiás, com o senador Ronaldo Caiado; e no Rio de Janeiro, com Cesar Maia, pai do presidente da Câmara.

Alternativa de poder

Ao contrário do que muitos imaginam, o enfraquecimento de Temer na própria base parlamentar não é resultado da escassez de cargos no governo, nem de recursos do orçamento para liberação de verbas. É a progressiva redução de seu mandato, o recurso mais escasso de que dispõe, pois estamos a um ano das eleições. A “sombra do futuro” de Temer encolhe a cada dia que a eleição se aproxima. E o governo ainda não tem uma alternativa de poder a oferecer, ou seja, um candidato competitivo que possa chamar de seu. No fundo, o grupo palaciano gostaria mesmo era que Temer enchesse as velas da sua própria reeleição com o vento pela popa da queda da inflação e da taxa de juros. O que mais atrapalha isso é o desemprego.

Apesar da retórica, a oposição também não deseja a saída de Temer. Prefere vê-lo sangrando no cargo. Os duros ataques de seus representantes da Comissão de Constituição e Justiça, ontem, em nenhum momento foram acompanhados da tentativa de mobilização popular para pressionar os integrantes dela. É certo que existe um ambiente de melhoria na economia que ajuda a dissipar os protestos de massa, como as mobilizações “espontâneas” do impeachment de Dilma Rousseff. Mas as velhas bandeiras vermelhas e cartazes das centrais sindicais eram para tremular na Praça dos Três Poderes, porém, não é o que se vê.

Há uma espécie de pacto tácito entre governistas e oposicionistas para continuar se beneficiando da máquina federal e capitalizar o desgaste do governo, respectivamente. Essa já era uma tendência por ocasião da votação da primeira denúncia, mas se acentuou ainda mais agora, porque o debate das reformas perdeu completamente o protagonismo. O Palácio do Planalto ainda acena essa bandeira para os agentes econômicos, mas seus avanços são na direção do atendimento de interesses dos grupos de pressão com forte atuação fisiológica, corporativa e patrimonialista. O exemplo mais recente foi a mudança em relação à legislação sobre trabalho escravo, para beneficiar a bancada ruralista.