desemprego

Luiz Carlos Azedo: Cenário ruim para 2022

Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, como o desemprego

Com a leitura do requerimento da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), consolidou-se uma das principais linhas de força da disputa eleitoral de 2022, a crise sanitária. Mesmo que a pandemia venha a ser controlada, suas consequências políticas se farão sentir durante a campanha eleitoral, devido ao agravamento do desemprego, que não se resolverá facilmente, e o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado pela oposição, não somente pelo número muito alto de mortes. Os dois problemas ainda se somarão à disputa em torno da Operação Lava-Jato, mesmo que seus processos sejam concluídos ou arquivados, e à defesa da democracia, uma pauta que Bolsonaro reiteradamente põe na ordem do dia ao atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), além de os partidos de oposição e a imprensa.

Não foi à toa que Bolsonaro tentou melar a CPI e orientou seus aliados a ampliarem o escopo das investigações, para chegar a governadores e prefeitos, o que somente é possível, constitucionalmente, seguindo o dinheiro destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo governo federal. Pacheco, cumprindo determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, apensou o requerimento da CPI apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para investigar a responsabilidade de estados e municípios em más condutas no enfrentamento da pandemia, ao pedido original do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), unificando as duas CPIs requeridas.

Segundo Pacheco, “estão excluídos do âmbito de investigação das comissões parlamentares de inquérito do Poder Legislativo federal as competências legislativas e administrativas asseguradas aos demais entes federados”. A guerra de narrativas entre Bolsonaro e a oposição marcará o funcionamento da comissão, mas são os fatos que determinarão o rumo das investigações.

No dia em que CPI passou a existir de fato, o Brasil registrou 3.808 óbitos por covid em 24 horas e mais 82.186 novos casos, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 358.425, e o total de casos aumentou para 13.599.994. Na segunda-feira, foram registrados 1.480 óbitos e 35.785 novos casos. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu, ontem, que o Brasil tem 1,5 milhão da segunda dose de vacina em atraso. Ou seja, o cobertor está curto: muitas pessoas não estão recebendo o reforço adequado porque o fluxo de produção de vacinas, principalmente na Fiocruz, não acompanhou a escala da imunização pela primeira dose e houve uma opção de reduzir os estoques de segunda dose para aumentar o número de vacinados parcialmente.

Inflação

Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, que registra uma de suas maiores taxas de desemprego da história, em torno de 14,5% neste ano, ultrapassando a de países como Colômbia, Peru e Sérvia, e caminha na contramão da taxa média global, cuja estimativa é de recuo para 8,7% este ano, ante 9,3% em 2020. Uma das consequências do desemprego é a fome, que atinge seis de cada 10 domicílios brasileiros; no Nordeste, são sete em cada 10 domicílios, segundo pesquisa das universidades federais de Brasília e Minas Gerais, e a Universidade de Berlim.

Ciente do problema, Bolsonaro tenta culpar governadores e prefeitos. A falta de comida na mesa é leve em 32% das casas, moderada em 13% e grave em 15% (nada pra comer). Além disso, a qualidade da alimentação piorou: queda superior a 40% no consumo de carnes e frutas e de 37% no consumo de verduras e legumes. A pesquisa mostra, ainda, que, em 63% dos domicílios, o auxílio emergencial ser- viu para comprar cesta básica. É um cenário perigoso, porque o auxílio emergencial e o Bolsa Família estão sendo insuficientes para resolver o problema alimentar das famílias de baixa renda por causa da inflação dos alimentos. Nos dois primeiros anos do atual governo, o custo da cesta básica subiu 32%.

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Rolf Kuntz: Fome no celeiro do mundo

Governo inepto e irresponsável faz o País reviver o pesadelo de 1983

A fome assola o Brasil, grande produtor de comida, um dos países com maior potencial para dar segurança alimentar a um mundo cada vez mais povoado. Com milhões de famílias sem renda para comer o mínimo necessário, a sociedade brasileira revive o pesadelo de 1983, o ano da grande crise da dívida externa. Naquele momento, como agora, campanhas de solidariedade, conduzidas por igrejas, sindicatos, grupos civis e também por famílias com pelo menos uma pessoa empregada, garantiram a sobrevivência de muita gente. Supermercados passaram a vender asas de frango, facilitando algum consumo de carne aos mais necessitados. Mas nem todos aguentaram a pressão, e os suicídios aumentaram.

Passados quase 40 anos, o jornalista econômico é de novo forçado a descrever quadros tétricos. Há, naturalmente, diferenças importantes – com alguns detalhes muito piores. A fome, hoje, é muito mais chocante, muito mais escandalosa, porque a oferta de alimentos é muito maior. Com ou sem crise, com maior ou menor inflação, a comida era mais cara no começo dos anos 1980. Os frutos da revolução agrícola, iniciada na década anterior com a Embrapa e com políticas de modernização, só se tornariam visíveis mais tarde.

Com enormes ganhos de produção e de produtividade, a alimentação consumiria, nas décadas seguintes, uma parcela menor dos orçamentos familiares, deixando mais espaço para outros gastos. No início dos anos 1990 alguns índices de inflação foram reformulados para refletir a nova ponderação das despesas.

A melhora dos padrões de vida foi uma das consequências, mesmo com a persistência de amplas desigualdades. Graças aos ganhos de eficiência, a produção agropecuária tem crescido, nas últimas quatro décadas, muito mais que as áreas ocupadas.

Entre as safras 1979-1980 e 2019-2020, a colheita de grãos passou de 50,87 milhões de toneladas para 257,02 milhões, enquanto a área cultivada cresceu de 40,16 milhões para 65,92 milhões de hectares. O rendimento mais que triplicou, passando de 1.267 quilos por hectare para 3.899. Em outras culturas, assim como na produção dos vários tipos de carnes, a eficiência também cresceu.

Com os ganhos de produtividade, o Brasil tornou-se um dos maiores exportadores de alimentos e de matérias-primas de origem agropecuária. Ao mesmo tempo, a oferta de alimentos ao mercado nacional cresceu. Os preços, apesar das oscilações, tenderam a diminuir em termos reais. Isso foi fundamental, é preciso insistir, para a demanda crescente de outros bens de consumo, como roupas, equipamentos domésticos, produtos eletrônicos e veículos. O mercado de usados, no qual o primeiro carro foi comprado por milhões de brasileiros, foi por muito tempo essencial para a expansão dos negócios no setor automobilístico.

Avanços continuaram, nestes quase 40 anos, apesar das muitas crises desse período, algumas de origem externa, outras geradas no País. O Plano Real, iniciado em 1994, criou condições para contas públicas mais arrumadas, inflação mais contida e políticas mais amplas de inclusão social. Apesar de tropeços importantes, em nenhuma dessas crises, nem mesmo na recessão de 2015-2016, houve episódios de fome parecidos com o de 1983. O grande retrocesso é agora indisfarçável.

Pelos dados oficiais, havia 14,3 milhões de desempregados, 14,2% da força de trabalho, no trimestre móvel encerrado em janeiro. Uma contagem mais ampla indicou 32,4 milhões de trabalhadores subutilizados, 29% da população economicamente ativa. A economia brasileira estava em queda antes da pandemia e sua recuperação, neste ano, será insuficiente para o retorno ao patamar, já muito baixo, de 2019. Não há surpresa, mas o governo agiu como se a crise devesse terminar em 31 de dezembro de 2020.

O País entrou mal em 2021, com o consumo em queda, a indústria emperrada e uma das maiores taxas de desemprego do mundo capitalista. O auxílio emergencial, já reduzido a partir de setembro, foi zerado em 1.º de janeiro, deixando dezenas de milhões de pessoas sem renda e sem perspectiva de melhora.

Os preços de alimentos haviam aumentado nos meses anteriores. Embora tenham subido menos neste início do ano, continuaram elevados. Ficou difícil abastecer as panelas e a fome chegou. Sem dinheiro para o gás, famílias passaram a cozinhar seu pouco alimento em fogões a lenha improvisados, em condições assustadoras, mostradas pela televisão.

Campanhas de socorro têm distribuído alguma comida, mas sem eliminar o problema e sem evitar, no primeiro trimestre, o retorno à fome de 1983. Atolado na incompetência, o governo central só retomou o auxílio emergencial há poucos dias. Favorecida pela inépcia e pelo negacionismo, a pandemia continua solta, a mortandade cresce e a economia se arrasta, enquanto o presidente se concentra em seus interesses eleitorais e familiares. Em 1983 havia pelo menos a esperança de retomada econômica e de continuidade da abertura política, enfim concluída no meio da década. Hoje o discurso mais ouvido no centro do poder, em Brasília, extravasa ambições autoritárias.

*Jornalista


Cristovam Buarque: Olhe a responsabilidade, gente

Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo

Nesta semana, a reforma ministerial mostrou que Bolsonaro já está trabalhando para o pós-segundo turno, enquanto os líderes e partidos de oposição continuam no pré-primeiro. Com o novo Ministro da Defesa, ele deseja controlar as Forças Armadas; com o novo Ministro da Justiça busca o controle sobre as polícias estaduais; com a liberação da compra e porte de armas, equipa sua milícia paralela. Com Forças Armadas, polícias e milícias, Bolsonaro passa a ter forças armadas nas ruas, para contestar derrota por pequena margem de eleitores, caso não consiga argumento para contestar o resultado na Justiça Eleitoral.

Enquanto isto, as oposições continuam divididas entre os possíveis candidatos que depois disputarão entre eles qual vai ao segundo turno. Estes embates deixam marcas que poderão levar outra vez a abstenções e votos nulos no segundo turno, como aconteceu em 2018. Difícil imaginar os eleitores do PT votando em Ciro ou outro candidato, e eleitores do Ciro e de outros candidatos votando no Lula ou outro do PT, salvo se fosse construída uma aliança ampla de todos desde o primeiro turno.

Felizmente, tudo indica que o exército não está aceitando o papel de milícia do Bolsonaro, e alguns dos candidatos pela oposição assinaram um manifesto conjunto em defesa da democracia. Mas todos que percebem as consequências da reeleição do atual governo sobre o futuro do Brasil, deveriam se encontrar em um debate franco sobre qual deles tem mais chance de vencer a eleição; também quais as qualidades, erros e méritos que se reconhecem; em que princípios estariam unidos no governo seguinte. Esta reunião poderia ter a participação de entidades da sociedade civil, como ocorreu em momentos decisivos da história. Poderia inclusive ser presidida por uma ou mais destas entidades.

Pena que a política é mais dominada pela arrogância do otimismo do que pela consciência dos riscos. Cada candidato já se considera com um pé no segundo turno, e tem confiança que unirá os eleitores dos que ficaram para trás. Imaginaram isto em 2018, mas nem a boa qualidade do candidato do PT foi suficiente para evitar a rejeição que o partido tinha. Pode ser diferente agora, se o candidato for Lula e o PT tiver rejeição menor, sobretudo depois da anulação Lava Jato de Curitiba; ainda mais com o reconhecimento oficial de que houve parcialidade do juiz contra Lula. Mesmo assim, não é claro se ele e o PT teriam menos rejeição. É possível que mesmo sabendo o que Bolsonaro representa, muitos eleitores ficarão em casa, ou viajarão para não votar, ou votarão nulo, induzidos pela ideia divulgada pela própria oposição, de “nem Bolsonaro, nem PT”. Possível também que eleitores do PT façam agora o que foi feito com Haddad em 2018, anulando o voto e se abstendo.

Estes líderes precisam entender que, divididos, dificilmente qualquer deles tomará o lugar do candidato do PT, mas o PT deve entender que, solitário, dificilmente ganhará no segundo turno se não tiver o apoio dos outros candidatos e partidos. Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo.

Os candidatos e líderes de partidos que se opõem à estratégia da reeleição de Bolsonaro têm diante deles a imensa responsabilidade de não falharem por arrogância, por vaidade, preconceito. Não podem neste momento colocar seus partidos e suas propostas na frente do interesse maior da democracia e do futuro do país. É preciso unidade com um candidato de baixa rejeição que leve a uma vitória expressiva, cale os fanáticos e desarme as milícias, oficiais ou não.

*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro


Luiz Carlos Azedo: A Páscoa na pandemia

O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos

Antes de mais nada, feliz Páscoa para todos. É uma data ecumênica por sua própria origem, pois foi ressignificada pelos cristãos como um momento de renovação das esperanças. A origem da Páscoa é o Pesach, a comemoração judaica da libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Narrada nos Pentateucos, os primeiros cinco livros da Bíblia, em hebraico, a palavra significa “passagem” e faz menção ao anjo da morte no Egito — a décima praga, conforme a narrativa bíblica. A festa foi reinventada pelos cristãos, passando a se remeter à crucificação e à ressurreição de Cristo.

“E, se Cristo não ressuscitou, logo logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”, diz o apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14. Na fé católica, foi por meio da ressurreição que a humanidade teve a redenção de seus pecados. Jesus Cristo sacrificou-se para redimir o povo e dar-lhe uma nova chance de salvação. No seu sacrifício, o poder de Deus teria se manifestado.

Estamos encerrando a Semana Santa sem procissões nem missas campais, porém, plena de simbolismo. O Brasil vive uma das maiores tragédias de sua história, com uma média de mais de 3 mil mortos por dia nas últimas semanas, em razão do descontrole da pandemia da covid-19. Existe uma energia humana nos subterrâneos dessa tragédia social que, em algum momento, transbordará para as ruas. Essa resiliência, que seria traduzida nas cerimônias religiosas tradicionais, de alguma forma, acabará se transformando em manifestação política.

Além do agravamento da crise sanitária, também há desorganização da economia. Não estamos falando da redução das atividades econômicas em razão do distanciamento social, mas da desestruturação das contas públicas e da falta de um projeto de retomada do crescimento econômico. É um problema anterior à pandemia, mas que se agravou com ela, principalmente agora, com a aprovação de um Orçamento da União completamente fora da realidade, que agrava as dificuldades já existentes e cria novos problemas, contratados para o pós-pandemia.

Perda de tempo
Há um estresse político criado por arroubos autoritários e tentativas de ruptura do pacto federativo da Constituição de 1988. À época da Constituinte, como tudo estava em discussão, havia moedas de troca suficientes para construção dos acordos entre União, estados e municípios. Agora, uma das dificuldades para aprovação da reforma tributária, por exemplo, é a escassez dessas moedas. O xis da questão acaba sendo sempre a polêmica sobre a arrecadação do ICMS na origem ou no destino das mercadorias, além dos termos da partilha das receitas dos impostos entre os entes federados.

O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante como a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos políticos — na política externa e na Defesa, no meio ambiente e na segurança pública, no respeito aos direitos humanos e às minorias —, desloca a ação do governo dos verdadeiros problemas do nosso desenvolvimento. A janela de oportunidade das reformas, o primeiro ano de mandato, foi desperdiçada. Agora, em plena pandemia, antecipou-se a disputa eleitoral, porque Bolsonaro conseguiu fazer com que sua reeleição subisse no telhado.

A expectativa de poder está se deslocando de Bolsonaro para a oposição. Mesmo com os desgastes causados pela Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se coloca na arena em vantagem, ao comparar suas realizações de governo com as de Bolsonaro. A última proeza do presidente da República foi unir os demais pré-candidatos, no episódio de demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O governador paulista João Doria (PSDB), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM), o empresário João Amoedo (Novo) e o comunicador Luciano Huck (sem partido) mandaram o recado: Bolsonaro, não! Podem não se unir no primeiro turno, mas estão contra a reeleição.

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Luiz Carlos Azedo: Pior momento de Bolsonaro

A estratégia de responsabilizar governadores e prefeitos pela crise sanitária, adotada por Bolsonaro, fracassou: 56% dos entrevistados o consideram incapaz de liderar

A pesquisa DataFolha de ontem confirmou o que mundo político já estava esperando: o governo Bolsonaro vive o seu pior momento, acumulando desgastes, principalmente em razão das suas atitudes negacionistas em relação à pandemia da covid-19, cujo descontrole assombra o mundo. Segundo o instituto, cresceu para 56% o número de brasileiros que consideram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) incapaz de liderar o país. Em janeiro, eram 50%. A pesquisa caiu como uma bomba no Palácio do Planalto, a jaula de cristal na qual a bolha dos partidários do presidente da República nas redes sociais tem mais influência nas decisões do que todos os demais interlocutores do governo juntos.

Segundo o levantamento, o percentual de brasileiros que consideravam Bolsonaro capaz de liderar caiu de 46% para 42% de janeiro para março, com oscilação negativa no limite da margem de erro. Em abril de 2020, ele era considerado capaz de liderar o país por 52% dos brasileiros, em detrimento de 42% que o julgavam incapaz. Entre os que hoje julgam o presidente mais incapaz estão os mais ricos, que ganham acima de 10 salários mínimos (62%), os que têm curso superior (também com 62%) e moradores da região Nordeste, dos quais 63% julgam o presidente incapaz de liderar o Brasil. A base de apoio de Bolsonaro mais resiliente é formada por moradores das regiões Sul (51%) e Norte/Centro-Oeste (49%) e evangélicos 52%.

O desempenho de Bolsonaro na pandemia é que puxa sua avaliação para baixo: 54% dos entrevistados avaliam como ruim ou péssimo. Na pesquisa anterior, realizada em janeiro, esse índice era de 48%. Segundo o levantamento, 22% consideram ótima ou boa a performance do presidente da República na condução do enfrentamento à pandemia. O índice anterior era de 26%. Esse desempenho fortalece os aliados do governo no Congresso, que pediram a cabeça do general Eduardo Pazuello, defenestrado do Ministério da Saúde, mas não conseguiram emplacar no cargo o deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), presidente da Comissão de Seguridade Social da Câmara. Bolsonaro nomeou o médico paraibano Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

A estratégia de responsabilizar governadores e prefeitos pela crise sanitária, adotada por Bolsonaro duramente a crise sanitária, fracassou completamente: para 42% dos entrevistados, a responsabilidade é do presidente da República. Os demais responsáveis se- riam: governadores, 20%; e prefeitos: 17%. As atitudes de Bolsonaro contra o isolamento social e o uso de máscaras, e a falta de uma campanha publicitária nacional de mobilização contra a pandemia, fruto também do negacionismo, se refletem no grau de responsabilidade atribuída à própria população: 1%. No ranking dos mais empenhados na luta contra a covid-19, governadores (38%) e prefeitos (28%) deixam Bolsonaro (16%) na rabeira.

Resiliência
Mas que ninguém se iluda, mesmo assim, Bolsonaro tem uma base de apoio muito resiliente, o que ainda lhe assegura um piso confortável de aprovação para quem pretende disputar a reeleição. Por exemplo, em relação ao impeachment, o índice oscilou dentro da margem de erro: 53% eram contrários à abertura de impeachment em janeiro, ante 50% agora; 42% eram favoráveis àquela ocasião; agora, são 46%. A mesma coisa em relação à renúncia de Bolsonaro: 51% avaliam que não deveria renunciar, contra 45% favoráveis. São números desagradáveis, mas não são irreversíveis se o governo se reposicionar em relação à pandemia.

A aposta de Bolsonaro é de que a situação pode ser revertida com a vacinação em massa da população, que está muito atrasada, porém, o governo iniciou uma corrida para comprar imunizantes, todos os que forem possíveis. O atraso nas vacinas existe porque a prioridade era outra, o tratamento precoce com cloroquina. Em outra frente, o Ministério da Cidadania prepara a medida provisória do auxílio emergencial, que Bolsonaro pretendia levar pes- soalmente ao Congresso ainda ontem, mas não ficou pronta. Sua aposta é de que o auxílio mitigará os desgastes com a pandemia, ao possibilitar um alívio à chamada população de “invisíveis”, que perdeu as fontes de renda com a pandemia.

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Benito Salomão: Desafio brasileiro

Dados recentes da PNAD-IBGE mostram que o país iniciou a década de 2021 – 30 com uma dura realidade, em 2020 cerca de 13,5 milhões de pessoas foram vítimas do desemprego, outras 5,5 milhões de desalento, os dados mostram ainda um total de 31,2 milhões de trabalhadores estão subocupados e 33,5 milhões seguem na informalidade. Estes números dão pistas acerca da quantidade de pessoas que no curtíssimo prazo demandam algum tipo de socorro do Tesouro Nacional, que por sua vez viu sua Dívida Pública Bruta crescer em janeiro para 89,7% do PIB.

Conciliar uma situação de legítima pressão por mais gastos públicos na forma de políticas sociais e transferências diretas de renda, com um alto endividamento público é o maior desafio brasileiro de curto prazo. O país, que segue sem Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021, têm um déficit primário previsto na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de R$247 bilhões, estimado omitindo novas parcelas do auxílio emergencial. É evidente que novas parcelas do socorro vão dilatar em muito o déficit previsto para 2021 e a dívida pública no curto prazo. O governo promete atenuar esta expansão fiscal com privatizações como Eletrobrás e Correios. Este é um outro problema, considerar a agenda de privatizações com um olhar puramente fiscal, não garantindo que, por exemplo, as condições de investimento no setor de energia elétrica possam resolver um gargalo histórico da economia brasileira com diversificação da matriz e ampliação da oferta.

Mas, privatizações à parte, voltemos aos vulneráveis, o Brasil está planejando uma nova rodada do auxílio emergencial. Na minha opinião, atrasado! Pois já se sabia em novembro de 2020 que uma segunda onda do Coronavírus seria inevitável e que as condições de recuperação da economia brasileira seriam, novamente, postergadas. O governo mais uma vez cruzou os braços e apostou em uma solução via mercado. Como de praxe, alimentou o incêndio para em seguida tentar apaga-lo quando parte do estrago já está em curso, o auxílio é prometido para março, mas nada impede que seja disponibilizado apenas em abril. Até lá centenas de pessoas já terão morrido de fome, de COVID-19, ou de qualquer outro efeito colateral típica deste contexto.

O governo se perde buscando vincular o auxílio a medidas que ainda não estão prontas para serem votadas como as PEC emergencial e reforma administrativa. Flerta com imposto novo, ao invés de fazer o óbvio, pagar o auxílio de forma célere, vinculando a medidas profiláticas contra a doença como uso de máscaras, distanciamento social e acomodar o choque fiscal no curto prazo na elevação da dívida pública. Embora alta, três características suportam um aumento do endividamento no curto prazo: 1° as dívidas públicas de todos os países importantes estão crescendo, portanto, a posição relativa do Brasil no mundo, não tende a se alterar tanto. 2° um crescimento da dívida de curto prazo não tende a ser um problema muito grave se houver coordenação e liderança no processo, capaz de sinalizar que no longo prazo, ela será estabilizada. Para isto, normas como o Teto de Gastos devem ser preservadas e novas medidas de fortalecimento da austeridade devem ser prensadas. 3° No momento de proposição do auxílio, por 4 ou 6 meses, o governo deve apresentar um plano para o day after.

Tudo indica que no curto prazo o comportamento de agregados como desemprego, desalento e subemprego devem continuar elevados e, talvez, em trajetória crescente. Neste sentido, o governo deve ter um plano de recuperação do investimento e do emprego para o pós auxílio. Se o governo se compromete, por vias de reformas em várias frentes, com uma agenda de sustentação do investimento e do emprego, isto será entendido pelos financiadores da dívida pública que o auxílio emergencial será substituído no longo prazo no orçamento destas famílias por salários advindos de trabalho com carteira assinada.

Diante disso, o impacto fiscal seria limitado ao curto prazo e, no longo prazo, a solvência do Estado brasileiro estaria garantida, seja porque as regras fiscais que hoje garantem uma trajetória sustentável do país seriam mantidas, ou ainda, seja porque com estímulos ao investimento e ao emprego, a retomada do crescimento pode estabilizar a relação dívida/PIB. Mas para tanto, será necessário coordenação, planejamento, liderança e credibilidade, tudo que não se viu até agora.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Vencedor do Prêmio Brasil de Economia 2020.


Bernardo Mello Franco: A conversa do general

Um dia depois da posse, Jair Bolsonaro virou-se para o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, e fez um agradecimento público. “O que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, disse. Em entrevista ao professor Celso Castro, o general se negou a revelar o teor do diálogo com o capitão. Apesar da recusa, seu depoimento ajuda a entender a gratidão presidencial.

Dizendo-se contrário à participação dos militares na política, Villas Bôas usou a farda para impulsionar o candidato dos quartéis. Às vésperas da eleição de 2018, ele pressionou o Supremo a negar um habeas corpus a Lula. O ex-presidente foi preso, e Bolsonaro passou a liderar a corrida ao Planalto.

No livro da FGV, o general conta que seus tuítes foram “discutidos minuciosamente” com o Alto Comando. O relato envolve toda a cúpula do Exército no que o ministro Celso de Mello definiu como uma intervenção “pretoriana”, “inaceitável” e “infringente do princípio da separação de Poderes”.

Villas Bôas admite que agiu “no limite da responsabilidade”, mas indica que não se considera um golpista. “Tratava-se de um alerta, muito antes que uma ameaça”, informa. Em outra passagem, ele define o marechal Castello Branco, pivô do golpe militar de 1964, como um “legalista”.

A defesa da ditadura está na origem do ressentimento do general com o PT. Ele reconhece que Lula reaparelhou as Forças Armadas, mas afirma que os militares se sentiram traídos pela instalação da Comissão Nacional da Verdade.

Nomeado comandante por Dilma Rousseff, Villas Bôas revela que jantou com Michel Temer quando o então vice articulava o impeachment da então presidente. Depois do repasto, ele indicou um amigo de infância, o general Sérgio Etchegoyen, para chefiar o Gabinete de Segurança Institucional.

Em sintonia com Bolsonaro, o oficial esbraveja contra o “politicamente correto”, critica a luta antirracista e acusa o PT de promover a “destruição moral do país”. Mas é só elogios a Temer, que foi alvo de três denúncias de corrupção no exercício do cargo.

Sem corar, Villas Bôas descreve a conversa gravada por Joesley Batista como um mero episódio de “ingenuidade do presidente”. Em tantas décadas de estrada, Temer já foi chamado de muitas coisas. De ingênuo, deve ter sido a primeira vez.


Eliane Cantanhêde: Militares podem até lucrar com Bolsonaro, mas o ônus para as Forças Armadas é imenso

Militares podem até lucrar com Bolsonaro, mas o ônus para as Forças Armadas é imenso

A conta do mergulho na política e da adesão ao candidato e agora presidente Jair Bolsonaro começa a chegar para as Forças Armadas, obrigadas a explicar milhões de reais em chiclete e leite condensado e agora a defender seus churrascos em 2020, com 700 mil quilos de picanha e, como ninguém é de ferro, 80 mil cervejas puro malte. O preço foi bem salgado, R$84,14 o quilo da carne, R$ 9,80 cada cervejinha.

Também é desanimador os hospitais do Exército e da Aeronáutica bloquearem só para militares e deixarem vazios 72% (84 de 116) dos seus leitos, segundo o UOL, enquanto 276 pacientes de Covid aguardavam vagas ontem e 529 tiveram de ser “exportados” para outros Estados e o DF desde 15 de janeiro. Leito vazio? Pago com dinheiro público, mas só para militares? Coisa feia!

O vice Hamilton Mourão anunciou que a Operação Verde Brasil 2, prevista para até 2022, vai acabar em 30 de abril, com a retirada de militares das ações contra queimadas e desmatamentos na Amazônia. Com a volta desses contingentes às suas bases, serão mantidas as montanhas de chiclete e leite condensado? E as carnes nobres e o puro malte são para quem?

A sensação é de que a retirada foi uma puxada de tapete em Mourão. Indagado se foi um pedido (ou retaliação?) de Bolsonaro, Defesa e ou Comando do Exército, ele respondeu à coluna: “Fim da missão, apenas isso”. E, assim, após pisoteados pela “boiada” do ministro Ricardo Salles, o Ibama e o ICMBio, atualmente cheios de militares, vão retomar a dianteira na proteção da Amazônia, com Inpe, Polícia Federal e Polícia Rodoviária.

Não é exclusivo do Meio Ambiente, porque o capitão Bolsonaro levou generais para a Vice e todos os cargos relevantes do Planalto, expôs um general da ativa a vexame público na Saúde numa pandemia e encheu diferentes pastas – até a pobre Secretaria de Cultura – com militares. Toma lá, dá cá de cargos com político não podia, mas com militar e agora com Centrão é uma festa.

O resultado nem sempre é engrandecedor para as FA, particularmente para o Exército, como no caso do ministro Eduardo Pazuello, todo atrapalhado e respondendo à PF, ao MP e ao Congresso por falta de oxigênio e vacinas, excesso de cloroquina inútil, descaso com seringas, agulhas e testes de Covid. O risco é um general da ativa no foco de uma CPI da Pandemia (que pode chegar até aos 73 mil militares que receberam ilegalmente o auxílio emergencial).

Pazuello gosta de cantar de galo e o secretário-geral da Saúde, coronel Elcio Franco, entrou de mau jeito na guerra política de Bolsonaro com João Doria. Quando o governador anunciou a vacinação em janeiro, o militar chamou de “devaneio” e o acusou de “estar sonhando acordado”. E ainda ensinou: “Não será com discursos de ódio ou tendenciosos que serão encontradas soluções”. Pois é...

Em meio à confusão, vem aí um livro-entrevista em que o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Boas confirma que o Alto Comando participou diretamente da advertência (ou ameaça) que ele fez ao Supremo, em 2018, na véspera do julgamento de um habeas corpus contra a prisão do ex-presidente Lula.

Por essas e outras, as Forças Armadas são suspeitas de atuar politicamente para tirar Lula do páreo e dar a vitória a um capitão que dá poder a generais e empregos e reformas (previdenciária e administrativa) diferenciadas para militares, enquanto discursa num ato golpista com o QG do Exército ao fundo e sobrevoa outro em helicóptero militar e com o ministro da Defesa, general de quatro estrelas.

Bolsonaro lucra muito com essa parceria, mas o ônus de médio e longo prazos para as Forças Armadas, inclusive para sua imagem, tende a ser muito maior do que o bônus fugaz para dez, cem ou milhares de seus integrantes. A História dirá.


Reinaldo Azevedo: Versão de Villas Bôas é lixo golpista

Justificativa para tuítes que ameaçaram o Supremo está assentada numa mentira factual

O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, militar mais poderoso da Terra, enfrentou as delinquências de Donald Trump recorrendo à Constituição americana. Por aqui, um general da reserva resolve narrar, em tom que aspira ao pudoroso, a ameaça golpista que fez para intimidar o Supremo.

No dia 3 de abril de 2018, véspera do julgamento de um habeas corpus impetrado pela defesa de Lula, o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, escreveu no Twitter: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem d e repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais".Os que dele discordavam não eram "homens de bem". Comandar tanques corresponderia a ter razão. O general ainda distinguiu os que pensavam "no bem do País" dos que estariam preocupados "com interesses pessoais". Adivinhem em que lado ele se via. A propósito: quantas divisões tinha o adversário?Lembro: cinco dos seis ministros que votaram contra a concessão do habeas corpus foram indicados por Lula ou por Dilma. Três dos cinco favoráveis, por outros presidentes.

Villas Bôas concedeu um depoimento a Celso Castro, diretor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da FGV. A fala está condensada no livro "General Villas Bôas: Conversa com o Comandante".

Não é exatamente novidade. O próprio militar já havia tratado do assunto em entrevista, mas fica ainda mais claro desta feita que seus tuítes ameaçadores reproduziam o pensamento do Alto Comando do Exército —ao menos é isso o que diz. Não havendo contestação, assim é. Querem passar um paninho na biografia do general e nas tentações golpistas?

Então fiquem com a versão de que, ao mandar um ultimato ao Supremo, Villas Bôas evitou coisa pior —quem sabe uma tentativa de quartelada, à revelia do Alto Comando, estimulada por pijamas inflamados. Conhecemos, desde Castello Branco, a cascata do militar honrado, que resiste à quebra da hierarquia, mas acaba cedendo a contragosto... A versão vale uma dose de cloroquina contra o coronavírus, ministrada por Eduardo Pazuello, general da ativa.

Uma mentira essencial constitui o pano de fundo do relato de Villas Bôas: a de que Lula poderia concorrer à Presidência se deixasse, então, a cadeia. Falso. Tivesse acontecido, tratar-se-ia apenas de cumprir o que dispõe o inciso LVII do artigo 5º da Constituição.

O petista continuaria inelegível segundo a Lei da Ficha Limpa. Ainda que elegível fosse, a suposta legitimidade da intervenção, à qual o militar pretende emprestar dimensão constitucional, emana de que título legal?

Estou enganado, ou ele pretende legitimar com as baionetas a leitura do artigo 142 da Constituição no esforço de impedir o cumprimento de disposição do artigo 5º, que é cláusula pétrea?

Os militares teriam seus motivos para tanto rancor: estavam revoltados com as conclusões da Comissão da Verdade —jamais um golpista sofreu qualquer prejuízo pessoal--; viam a Amazônia submetida à cobiça de organizações estrangeiras, consideravam a demarcação de terras indígenas um risco à soberania...Pouco me importam os fantasmas que povoam a imaginação criativa do golpismo. Fato: Lula foi o presidente que mais investiu no reaparelhamento das Forças Armadas desde a redemocratização. E desafio que se evidencie o contrário. A ideia de que se forjou um espírito antipetista num ambiente de penúria e de política entreguista (ao onguismo internacional) vale uma dose do vermífugo do astronauta.Não tenho apreço por quem me ameaça. Os tuítes de Villas Bôas marcaram o engajamento explícito das Forças Armadas na candidatura de Bolsonaro. Um dos generais do poder organizou uma lista de compra de votos para eleger o presidente da Câmara. Outro, da ativa, poderá, no fim de fevereiro, discursar sobre 250 mil cadáveres.

Seriam esses os "anseios dos cidadãos de bem?" O depoimento de Villas Bôas tem óbvio interesse histórico. Merece um lugar na prateleira do lixo golpista.


Ruy Castro: Receita de golpe

Edson Fachin analisou com preocupação a cena nacional

Na Folha de quarta última (10), o ministro do STF Edson Fachin analisou com preocupação a cena nacional e listou fatos cuja soma me faz farejar uma receita de golpe de Estado, em preparo por um já declarado candidato em 2022 caso as eleições não o favoreçam. Os ingredientes dessa receita, com meus comentários, são:

1. Remilitarização do goveno civil. Milhares de militares de patentes inferiores, da ativa e da reserva, foram infiltrados na administração. Ensaio de compra das Forças Armadas.

2. Instigação ao fechamento dos demais Poderes. O Executivo tenta intimidar o Judiciário e o Legislativo com mobilizações populares e ameaça de tropa na rua.

3. Declarações acintosas de depreciação do valor do voto. Permanente pregação com fundo antidemocrático, sedimentando o terreno para uma possível alternativa totalitária.

4. Palavras e ações que atentam contra a liberdade de imprensa. Campanha incessante de desmoralização da imprensa livre, aliada à compra descarada do apoio de certos canais de TV —a velha e boa "mamata".

5. Incentivo às armas e à violência. A ideia é armar seus seguidores no caso de as forças da legalidade resolverem intervir no sentido de um impeachment ou interdição.

6. Recusa antecipada de resultado eleitoral adverso. Insinuações de fraude eleitoral, ao estilo Donald Trump, e tentativa de impor o voto por escrito, fácil de viciar, para levar o eleitorado a insurgir-se contra o resultado.

7. Corrupção de agentes administrativos. Inúmeros funcionários e aliados do governo, sem falar nos filhos, são investigados, denunciados ou réus por corrupção. O empenho em corromper atinge também juízes, procuradores, promotores, a Abin, o Coaf, a Polícia Federal, a Receita Federal etc., para controlá-los.

Os golpes desprendem seu mau cheiro muito antes de serem postos em marcha. Não é sensato tapar o nariz. Ainda mais quando já há um em marcha.


Hélio Schwartsman: O sarrafo e a Justiça

Faz sentido anular certos atos de Moro no processo que conduziu contra Lula

Qual a diferença entre um "julgamento" do PCC e um julgamento da Justiça? É a altura do sarrafo. Na tentativa de emular as instituições, gângsters até permitem que os "réus" em seus "tribunais" se manifestem e tentem explicar-se, mas não dá para confundir isso com o direito à ampla defesa e outras garantias fundamentais que estão no DNA das sociedades que se organizam como Estados de Direito.

E é porque o sarrafo é alto que faz sentido anular certos atos de Sergio Moro no processo que conduziu contra Lula. As mensagens trocadas entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato deixam claro que o ex-presidente não teve direito a um julgador minimamente imparcial.

Daí não decorre, é óbvio, que devamos passar um atestado de inocência a Lula. Não é porque Moro e alguns procuradores da Lava Jato não tiveram um comportamento à altura de seus cargos que não havia um bom caso contra Lula.

E nem precisamos nos enfronhar em intermináveis polêmicas jurídicas sobre a culpabilidade do ex-presidente. Mesmo que não existissem provas suficientes para condenar Lula nos termos da lei, não vejo como absolvê-lo no plano da ética. Ele, afinal, estabeleceu uma relação promíscua com empreiteiros que comandaram esquemas de corrupção que atravessaram vários governos e deles recebeu vários mimos.

Pela régua ética que o próprio PT utilizava nos anos 80 e início dos 90 (e que me parece essencialmente correta), isso teria bastado para expulsá-lo do partido.

Outro ponto que merece atenção é a extensão das nulidades que a Justiça deverá decretar. Não dá para fingir que o julgamento de Lula por Moro foi conforme o figurino, mas é preciso cuidado para não pôr a perder anos e anos de investigações da Lava Jato que afetaram centenas de réus e resultaram na recuperação de bilhões de reais desviados dos cofres públicos.

O sarrafo precisa ser alto, mas não infinito.


Bruno Boghossian: Lava-jatismo deve ser página virada na arena eleitoral de 2022

Operação entra em declínio depois de influenciar corridas presidenciais e impeachment

Uma semana após deixar o Ministério da Justiça, Sergio Moro disparou nas pesquisas para 2022. O rompimento com Jair Bolsonaro rachou o eleitorado governista e impulsionou o ex-juiz. Numa simulação de segundo turno feita no levantamento XP/Ipespe do fim de abril, ele aparecia com 58% das intenções de voto, contra 24% do antigo chefe.

O ex-ministro já perdeu o bônus daquele divórcio. Fora dos holofotes de um cargo público, desprovido de habilidade política, moído pelas tropas bolsonaristas e desgastado pela corrosão da Lava Jato, Moro murchou. A última sondagem do mesmo instituto mostra o ex-juiz numericamente à frente, mas em empate técnico com Bolsonaro: 36% a 32%.

O lava-jatismo perdeu fôlego na arena política. Em 2014, os primeiros escândalos desvendados pela operação balançaram a corrida presidencial. Depois, a ação de seus integrantes deu combustível ao impeachment e moldou o tabuleiro eleitoral de 2018. No ano que vem, essa influência tende a ser limitada.

Na pesquisa de abril do ano passado, três personagens estavam empatados na simulação de primeiro turno: Bolsonaro aparecia com 20%, Lula tinha 19% e Moro contava 18%. A trajetória recente do trio teve a marca da Lava Jato, mas a história deve ser diferente na próxima disputa.

Depois de se eleger sob o disfarce da luta contra a corrupção, Bolsonaro rasgou o figurino da campanha. Ancorado na máquina do governo e numa base radical desvinculada do lava-jatismo, ele aparece agora com 28% das intenções de voto.

Já Sergio Moro foi abandonado por uma fatia da direita e continua bloqueado na esquerda. Hoje, ele tem 12% no primeiro turno. Se quiser voltar a campo pela centro-direita, o ex-juiz encontrará um espaço congestionado, à espera de figuras como Luciano Huck e João Doria.

Do outro lado, Lula depende de seu antagonismo com a Lava Jato. A principal jogada do petista é explorar o declínio da operação para reduzir seu desgaste político –como candidato ou como cabo eleitoral.