debate

O presidente Jair Bolsonaro em Copacabana, no Rio de Janeiro, no dia do bicentenário da Independência Vinicius Lima/Futura Press/Estadão Conteúdo

Ministro dá nova decisão contra uso de imagens do 7 de Setembro por Bolsonaro

Gabriel Hirabahasi e Gabriela Coelho*, CNN

O ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), deu uma nova decisão, neste domingo (11), pela retirada do ar de propagandas do presidente Jair Bolsonaro (PL) que usem imagens gravadas durante os atos de 7 de Setembro.

Esta é a segunda decisão de Gonçalves nesse sentido. Desta vez, o ministro atendeu a um pedido feito pela candidata do União Brasil à Presidência, a senadora Soraya Thronicke.

No sábado (10), Gonçalves já havia suspendido a divulgação de vídeos que contivessem imagens da participação de Bolsonaro nos atos do bicentenário da Independência do Brasil.

Na decisão deste domingo (11), o ministro disse que “o que está demonstrado, até o momento, é que estruturas públicas custeadas pelo erário foram aquelas relativas à parte oficial do evento”.

Segundo o ministro, é possível “concluir que a associação entre a campanha dos réus e o evento cívico-militar foi incentivada pelo próprio presidente candidato à reeleição, o que pode ter desdobramentos na percepção do eleitorado quanto aos limites dos atos oficiais e dos atos de campanha”.

“Assim, no que diz respeito, especificamente, à proibição de uso de imagens na propaganda eleitoral, devem ser adotados os mesmos fundamentos da decisão proferida na AIJE 0601002-78 [apresentada pela coligação de Lula e analisada no sábado]”, disse o ministro.

Assim como na decisão de sábado (10), Gonçalves deu 24h para Bolsonaro e seu candidato a vice, Braga Netto, cessarem a veiculação de propagandas que contenham esses vídeos. Além disso, o ministro também deu cinco dias para a chapa de Bolsonaro apresentar defesa junto ao colegiado e determinou que sua decisão seja submetida à análise dos demais ministros na próxima sessão do TSE.

Debate

As emissoras CNN e SBT, o jornal O Estado de S. Paulo, a revista Veja, o portal Terra e a rádio NovaBrasilFM formaram um pool para realizar o debate entre os candidatos à Presidência da República, que acontecerá no dia 24 de setembro.

O debate será transmitido ao vivo pela CNN na TV e por nossas plataformas digitais.

*Texto publicado originalmente nCNN Brasil.


Dia da Amazônia: floresta foi tema ausente em debate presidencial

Maria Eduarda Portela*, Metrópoles

O Dia da Amazônia é comemorado nesta segunda-feira (5/9) e tem como finalidade conscientizar a população sobre a importância desse bioma, que é um dos principais patrimônios naturais da humanidade. Embora existam diversas campanhas de preservação da floresta, a Amazônia continua sob risco de desmatamento e queimadas.

A conservação e o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica, no entanto, são temas que foram praticamente ignorados durante o debate entre presidenciáveis em 28 de agosto.

O Metrópoles conversou com especialistas sobre a importância de discutir a preservação da Amazônia e a economia verde desenvolvida na região.

Para o doutor em Ecologia e cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, os candidatos só citaram a Amazônia no contexto do desmatamento na região, que é um grande problema, mas deixaram de lado as soluções para outros problemas enfrentados pela floresta.

“Eu espero que, no Dia da Amazônia, a gente tenha muito o que comemorar, mas também muito com o que se preocupar, e que isso reflita nos discursos e nos debates que os candidatos farão, especialmente no tocante ao clima”, declara Moutinho.

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, lembra que a proteção da Amazônia atualmente é muito mais discutida, em comparação a eleições anteriores, mas ainda não é o suficiente.

“Ainda é muito pouco, precisamos de muito mais. Mesmo porque, quando falamos sobre clima, a Amazônia é o principal componente de clima no Brasil”, afirma Astrini.

“É uma floresta importantíssima nesse debate e, quando falamos sobre clima, não estamos falando apenas sobre dados científicos, negociações diplomáticas, acordos feitos em Paris. Nós estamos falando sobre a vida das pessoas”, reforça o secretário-executivo do Observatório do Clima.

Desmatamento na Amazônia

Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontam que o desmatamento na Amazônia atingiu o maior nível para o mês de agosto nos últimos dez anos. O levantamento mostra que a área desmatada aumentou 7% em relação ao mesmo período do ano passado.

Informações do Imazon apontam que, de agosto de 2021 a julho de 2022, foram derrubadas 10.781 km² de floresta, número equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo.

Para Moutinho, a falta de comprometimento dos governos estaduais, municipais e federal é um dos principais fatores para a alta do desmatamento.

“É um desleixo geral dos estados e dos municípios, que ainda acham que a Floresta Amazônica impede um tal progresso, já instalado em uma grande porção da Amazônia, e não traz duas coisas fundamentais: distribuição de renda e distribuição de terra para as pessoas trabalharem”, declara o cientista sênior do Ipam.

Futuro da Amazônia

Para Moutinho, políticos e candidatos atuais não demonstram muita disposição para discutir uma solução de preservação da Amazônia e o desenvolvimento sustentável de uma maneira mais profunda e de longo prazo.

“Isso é extremamente grave, porque a conservação da Amazônia, o uso sustentável dos seus recursos e a necessidade do fim do desmatamento são questões de segurança nacional”, reforça.

O secretário-executivo do Observatório do Clima declara que é possível reverter a situação atual da Amazônia. Segundo o especialista, nesse intuito, é necessário dar autonomia, novamente, para os órgãos ambientais do governo e resolver o problema de caixa das pastas.

“Portanto, é possível reverter o lastimável quadro atual da agenda ambiental no Brasil, mas é preciso tomar algumas atitudes, revogar muitas normas, implementar outras medidas no lugar do que foi revogado, criar novos atos legais e administrativos”, afirma Astrini.

O Metrópoles procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar as ações do governo federal contra o desmatamento da Amazônia; contudo, não obteve respostas até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.

*Texto publicado originalmente em Metrópoles.


Obra de Oswald de Andrade foi 'sopro de inovação', diz Margarida Patriota

Escritora participa de evento on-line nesta quinta em pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

A escritora Margarida Patriota diz que a obra Memórias Sentimentais de João Miramar, romance escrito por Oswald de Andrade e publicado em 1924, representou “um sopro de inovação” para a criação literária à época. Ela discute o assunto nesta quinta-feira (29/7) em mais um webinar da Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em pré-celebração do centenário da Semana de Arte Moderna.

Margarida, que lecionou por 28 anos Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura Francesa no Departamento de Letras da Universidade de Brasília (UnB), afirma, porém, que o romance não emplacou por ser muito fragmentado e de difícil compreensão. “Pelo fato de ser tão radical, é uma obra pouco lida, mas vale como tentativa de renovação das bases da criação literária”, analisa.


Confira o vídeo!




O livro, que relata a infância, a adolescência, a vida adulta e a velhice de João Miramar, é composto por 163 fragmentos, os quais são escritos em diversos estilos: missivas, poemas, citações, diálogos, fórmulas-padrão, impressões, relatos de viagem, cartões-postais, entre outros.



A sequência dos fatos não é direta, como na prosa tradicional à qual se contrapõe o livro, mas subliminar, que trespassa os diversos fragmentos, mesmo os que não se referem diretamente à história pessoal do protagonista.

“O romance colocou em prática a criação literária. Ela representa uma narrativa de vanguarda, toda fragmentada, ilustra o que seria na época a ambição de compor uma narrativa livre de fórmulas e de tradição literária discursiva que existia no Brasil até então. Uma tentativa realmente de mostrar a prática do que seria a nova proposta de criação literária”, analisa Margarida.

A escritora observa que poucas pessoas conseguem ler a obra. “O caráter muito fragmentário é difícil, é composta de pequenos fragmentos. Os capítulos tem extensão de um parágrafo. Usa versos e palavreados incomuns na língua até hoje”, acentua ela, que também é tradutora.

Margarida Patriota
Margarida tem a expressiva marca de 28 livros publicados, entre eles o juvenil Uma voz do outro mundo, agraciado com o Prêmio João de Barro em 2006, e o romance Enquanto aurora, que levou o Prêmio Ganymedes José de Literatura Juvenil da União Brasileira dos Escritores (UBE) em 2011.

Em 2003, recebeu também o prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) por sua tradução, para a FTD, de O Fantasma da Ópera. Sua vasta obra reúne ficção, ensaios, romances, contos e narrativas para o público juvenil com expressivas vendas para o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
Evento online da série | Modernismocinemaliteratura e arquitetura.
Data: 29/7/2021
Transmissão: a partir das 17 horas
Onde: Portal e redes sociais (Youtube e Facebook) da Fundação Astrojildo Pereira e página da Biblioteca Salomão Malina no Facebook.
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira

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TV FAP | Política & Democracia: Poder total ao Centrão

Política & Democracia / Coletivo Jornalistas Online

Incapaz de montar articulação política própria, Bolsonaro entrega ao Centrão a condução dos projetos do governo no Congresso Nacional. Na prática, o Planalto está agora totalmente nas mãos da velha política que Bolsonaro atacou para se eleger em 2018.

Mais informações em https://jornalistasonline.org/

Confira o vídeo




Filme Ganga Bruta teve pioneirismo, mas foi alvo de críticas

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

Marcado pela desenvoltura e autenticidade na predileção de seu diretor Humberto Mauro por temas brasileiros, o filme Ganga Bruta permanece como o primeiro longa nacional a usar conscientemente proposições da psicanálise, como símbolos fálicos. À época, o cineasta fez chacotas da crítica e foi chamado de Freud de Cascadura, em alusão ao bairro suburbano carioca.


Assista!

https://youtu.be/00g8zTHxt4g

Na quinta-feira (8/6), o filme será analisado no oitavo evento online do ciclo de debates em pré-celebração à Semana de Arte Moderna, que ocorreu de 13 a 17 de fevereiro de 1922 e segue como marco artístico-cultural brasileiro. O webinário será realizado pela Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ambas em Brasília, a partir das 17 horas.

Considerado um dos cem melhores filmes brasileiros de todos os tempos em votação da Abraccine em 2016, Ganga Bruta é a história de um jovem que, na noite do casamento, ao saber que foi enganado pela noiva, mata-a, alucinado. Absolvido, vai a uma pequena cidade, para serviços de construção. Lá encontra outra linda mulher, mas Sônia é noiva de Décio.

O jovem apaixona-se por ela, bebe para esquecer e a bebida lhe dá uma covarde força. Agora, o desespero é de Décio, ao saber que perdeu Sônia. E ele procura o outro, para um desforço a fim de que reste apenas um para o amor de Sônia, como observa texto da especialista Alice Gonzaga.

A palavra ganga significa rotineiramente impureza, mas, no jargão dos garimpeiros das Minas Gerais, é a cobertura áspera, bruta e feia que envolve a pepita de ouro ou diamante. A ganga enganaria o observador desatento.

O filme utiliza, entre outras locações, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e a Fábrica de Cimentos Portland, então em construção, e atualmente localizada no município de São Gonçalo-RJ. Na época, a atriz Dea Selva tinha 14 anos quando foi selecionada para viver a protagonista feminina, e os vestidos usados por ela exploram motivos modernistas e art-déco.

Ator protagonista, Durval Bellini era remador do Flamengo e participou das Olimpíadas de Los Angeles em 1932, interrompendo as filmagens. Na condição de Polícia Especial, conforme observa a especialista, foi o carcereiro de Luis Carlos Prestes, após sua prisão em 1935.

Confira os eventos já realizados – Pré-celebração Semana de Arte Moderna

https://youtu.be/zBO3ux0daws

“O afamado diretor de fotografia Edgar Brasil faz uma ponta na cena do bar, e o produtor Adhemar Gonzaga faz uma participação na cena do açude. Em algumas cenas, o ator Durval Bellini, de tão forte que era, carrega o câmera nos ombros”, afirma Alice.

Inicialmente, Humberto Mauro comandou um dos mais importantes ciclos regionais cinematográficos do país, o de Cataguases, assinando cinco filmes: “Valadião, o Cratera”; “Na Primavera da Vida”; “Thesouro Perdido”; “Brasa Dormida” e “Sangue Mineiro”.

Logo depois, iniciou o ciclo carioca, com inúmeras produções, entre elas, as aqui analisadas, “Lábios sem Beijo” e “Ganga Bruta” e, por fim, seguimos com o estudo do último longa-metragem produzido por Humberto Mauro no retorno para casa, em Volta Grande.SERVIÇO

Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
8º evento online da série | Modernismocinemaliteratura e arquitetura.
Webinar| O modernismo no cinema brasileiro: Ganga Bruta, de Humberto Mauro
Dia: 8/7/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira

Observação: Para solicitar participação diretamente do debate online, envie solicitação para o WhatsApp oficial da Biblioteca Salomão Malina – (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).Leia também:

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Beatriz Della Costa: A sociedade civil tem que pautar a política

Umas semanas atrás fui entrevistada por uma jornalista que me perguntou assim: “Como mudar a situação do Brasil?”. Minha primeira reação foi partir para o óbvio: lockdown, vacina e auxílio emergencial. “Mas o que podemos fazer hoje para transformar esse cenário amanhã?”, ela insistiu. Fiquei aflita, pois não tenho a resposta. O que pude dizer foi que não há solução imediata, que a ideia do impeachment se esvai a cada dia e que já está bem claro que somos triplamente reféns: do vírus, do Governo negacionista e de políticos fisiologistas.

A conversa me deixou reflexiva. Primeiro pela essência da pergunta em si, que enfatiza o quanto estamos todos ansiosos para sair do buraco. Depois, pela constatação da inexistência de uma saída rápida. O bolsonarismo está por aí desde antes de 2018 e, de uma forma ou de outra, vai persistir para além de 2022 ou 2026. Ele representa um pensamento com o qual 30% da população de certa maneira se identifica. Então, querer mudar o futuro é, primeiro, ser capaz de olhar para este presente e entendê-lo a partir das heranças do passado, boas ou ruins. Precisamos lembrar que o bolsonarismo apenas vocaliza o comportamento de um país que se desenvolveu a partir do autoritarismo, da escravidão, da violência, do extrativismo.

E o que a gente sente é que ninguém, seja no governo ou na oposição, está preocupado em fazer isso, em delinear um projeto de país. Os partidos e os políticos, os tais fisiologistas de que falei, estão ali travando uma disputa de cabo de guerra que nada tem a ver com você ou comigo. De onde, então, pode vir a esperança? A que podemos nos apegar?

Sou cética no que diz respeito a uma oposição que, sem propostas, busca a união pela via do “anti”, mas confesso que aquele primeiro discurso de Lula depois de seu retorno ao jogo político, em março, me fisgou. Vi ali uma chance de enfim fugirmos destes tempos com sabor de 1964. A questão que fica é: para que futuro Luiz Inácio nos levaria? Chegaríamos finalmente à terceira década do século XXI? Ou iríamos para o futuro de 2010, numa continuidade direta de seu segundo mandato? Seja como for, a escolha entre 1964 e 2010 não é nada difícil.

Não tenho dúvidas, entretanto, de que a única maneira de entrarmos de vez no século XXI é nos livrando por completo da ideia de salvadores da pátria. Não existe mágica, não existem personificações puras do bem e da mudança. Qualquer pessoa que se proponha a botar o país nos eixos, a nos reinserir numa linha do tempo próxima à realidade, deve governar pelo diálogo com os mais diferentes grupos da população. Lula talvez esteja dando umas dicas de que está disposto a fazer isso (anda falando de imprensa livre, segurança, relações internacionais, pandemia e de vez em quando até de meio ambiente), mas já conhecemos suas limitações: além de representar um grupo político com visões enraizadas no fim do século XX, também é, de certa forma, parte do problema que vivemos.

No meio disso tudo, a sociedade civil tem a grande missão de começar a pautar a política de maneira menos centralizada e dependente. Precisamos disseminar o diálogo construtivo entre o poder público e, também, entre a população. Desde já, as organizações precisam ouvir brasileiros de todos os tipos, brasileiros que pensam de muitas maneiras, brasileiros que votam em pessoas diferentes. Isso vai decifrar insatisfações e, o mais importante, desvendar os pontos de convergência que podem fomentar um projeto de país e repavimentar a estrada para um Brasil justo e humano. Poucos países têm uma sociedade civil tão sólida, é hora de usarmos isso a nosso favor.

Sei que estamos resolvendo emergência atrás de emergência. Quando o encanamento se rompe e tudo fica debaixo d’água, vamos pensar em chamar um bombeiro hidráulico ou na reforma da casa? É possível lidar com a urgência e ao mesmo tempo se dedicar à construção de um futuro? Só há uma resposta: tem que ser. Estamos diante do grande desafio desta geração, a reconstrução do nosso tecido social. E chegou o momento de enfrentarmos nossos medos e as sombras do nosso passado, estabelecermos conversas, praticarmos a tolerância e sairmos Brasil adentro para construir nossos sonhos para o século XXI.

Beatriz Della Costa é cientista social, cofundadora e diretora do Instituto Update, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que lançou em 2020 o projeto Eleitas: Mulheres na Política (www.eleitas.org.br), que mapeou mais de 600 mulheres e entrevistou mais de 100 para mostrar como elas vêm transformando a política, a sociedade e a democracia na América Latina.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-05/a-sociedade-civil-tem-que-pautar-a-politica.html


Fabio Graner: Reforma tributária exige debate, não tumulto

Ofuscado pelo tumulto gerado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sobre a reforma tributária merece ser amplamente discutido pelo Congresso e pela sociedade. O texto mostra uma evolução importante em relação às PECs originais (45 e 110), porém, nasce com algumas lacunas que também precisam ser debatidas, entre elas não atacar a questão da baixa tributação sobre renda e patrimônio.

O substitutivo apenas tangencia o assunto ao reforçar na Constituição o princípio da progressividade fiscal, garantindo sua aplicação no imposto sobre heranças e doações (ITCMD) e no IPVA.

Ao Valor Ribeiro diz que não se trata de omissão. Como as duas PECs originais são centradas na tributação de consumo, seu relatório teve foco nisso, justifica. “Até porque muita coisa de renda pode ser por lei, infraconstitucional. Eu me referi à renda e patrimônio, reforcei o caráter de progressividade. Nós registramos isso e deixamos aberto para os parlamentares fazerem essa contribuição e, se todos entenderem que é devido, não serei eu que vou dizer que não é. Pelo contrário.”

O relator vai receber nos próximos dias sugestões para seu texto, que, pelo calendário da comissão, pode ter uma nova versão contemplando as contribuições no próximo dia 11.

A despeito de Lira ter anunciado a extinção das comissões, o relator mantém o tom diplomático e diz acreditar que seu texto conseguirá ser bem-sucedido no Congresso. “Eu vejo possibilidade de avançar. Os presidentes das duas casas, Rodrigo Pacheco [Senado] e Arthur Lira, disseram que a reforma tributária era prioridade. Reforma tributária é o que eu defendo. Ajustes tributários são outra coisa, não se tem impacto na economia como na reforma”, disse, em crítica indireta à tese de fatiamento do governo. “Eu defendo reforma ampla e confio na liderança dos presidentes para que esse tema possa avançar.”

Ribeiro destaca no relatório a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em duas fases, iniciando-se com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) do governo federal por dois anos e no terceiro ano incorporando o ICMS e o ISS. Esse desenho, admite, foi feito para atender a equipe econômica.

Ele disse ter recebido muitos retornos positivos. “Acho que é importante a mudança estrutural na tributação do consumo. Isso vai de fato transformar o país. Hoje acho que temos um texto para ser debatido. Temos uma legislação única que tributa o consumo e não mais bens e serviços de forma diferenciada”, afirmou.

Ex-secretário da Receita Federal, o professor da FGV Marcos Cintra elogiou o relatório, mesmo não sendo simpático à tese de um IVA nacional. Para ele, o texto corrigiu problemas de “falta de realismo” na PEC 45. “Ele manteve o que tinha de bom na PEC 45, crédito financeiro, tributação no destino, unificação administrativa, e tirou o que era irrealista, como a universalidade, ao abrir exceções para o Simples, Zona Franca de Manaus, autorizar regimes especiais e permitir alíquotas menores para setores como saúde e educação.”

Cintra, porém, elogia a decisão de Lira e avalia que, com extinção das comissões, a PEC 45 está morta e abriu-se espaço para a CBS e o Imposto de Renda avançarem na Câmara, pois não há necessidade de quórum constitucional. Além disso, avalia, o relatório de Ribeiro pode tramitar sem problemas no Senado e avançar no Congresso, se conseguir apoio.

Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório do mesmo nome, o substitutivo, “embora bem feito, parece ter acolhido pouquíssimas manifestações dos setores empresariais”. Ele cita que não foram acatadas algumas sugestões relativas à compensação de créditos tributários acumulados no passado e critica regra de que os novos créditos do IBS só existirão após a comprovação do pagamento do tributo na etapa anterior (fornecedor). “Eu diria que aqueles que pagam a conta não foram muito ouvidos. E isso é particularmente grave num momento em que a recuperação econômica nem começou ainda.”

Há muitos aspectos de mérito ainda a se analisar do texto. Porém, não podemos escapar da tentativa de entender o embate político que Lira trouxe para a luz do dia. O chefe da Câmara anunciou que a comissão mista estava extinta ainda durante a leitura do texto. Para além da descortesia política, o mais grave foi que ele adicionou incerteza sobre o destino de uma reforma absolutamente necessária e sobre a qual já repousa justificado ceticismo, diante de décadas de fracassos.

Seus aliados apontam que a intenção de Lira seria acelerar o processo reformista. Isso porque o tema agora foi para o plenário, o que daria a ele maior controle sobre seus próximos passos. Se isso for verdade, ganha força a tese de reforma fatiada sem mudanças imediatas na Constituição e que priorize a CBS e as mudanças no Imposto de Renda, como ainda defendem o governo e o próprio Lira.

Uma das questões importantes é saber se as ações mais recentes do parlamentar não deixam rastro de mágoa e contrariedade que inviabilizaria essa alternativa. Na terça mesmo ficou claro que sua decisão não foi bem recebida por boa parte dos seus pares.

O presidente do Senado se posicionou pela continuidade da comissão e parlamentares dela também reagiram, lembrando que a discussão no colegiado era parte de um acordo. Ontem, os secretários estaduais de Fazenda emitiram nota contra a extinção da comissão mista e defenderam a continuidade dos trabalhos. A decisão de Lira, segundo a nota, foi desrespeitosa.

Cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André Cesar avalia que o presidente da Câmara agiu movido por interesse em retomar o protagonismo perdido com a CPI da Pandemia, por rivalidade política com o grupo do seu antecessor, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo sonho de aparecer para o mercado financeiro como grande artífice da reforma. Para ele, a atitude deixa sequelas que dificultam o avanço dessa reforma. “Ele não combinou com os russos e a coisa ficou mal construída”, disse, apontando risco de o Senado engavetar a reforma fatiada.

A dúvida que persiste é se a série histórica de fracassos da reforma tributária prevalecerá ou se, como na Previdência, a inércia será quebrada. Nessa disputa, construir pontes ajuda muito mais do que movimentos bruscos e imprevisíveis.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/brasil/coluna/reforma-tributaria-exige-debate-nao-tumulto.ghtml


Fernando Luiz Abrucio: Para o País sair do pesadelo, é preciso oposição mais forte

É preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, como o da Brazil Conference neste sábado, mas também pela imprensa escrita e televisiva

Quem assistiu ao debate organizado pela Brazil Conference com cinco potenciais candidatos à Presidência da República –  Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Luciano Huck e Eduardo Leite – teve contato com diagnósticos precisos e bem elaborados sobre a realidade brasileira. A despeito das diferenças políticas, e numa discussão que evitou a polarização tóxica, prioridades comuns foram destacadas: melhorar a educação, combater a desigualdade, criar um modelo de desenvolvimento sustentável, modernizar a gestão pública, fortalecer a saúde pública, em suma, sintonizar o País com os desafios do século 21.

O problema é que o Brasil está sendo governado por uma postura oposta. Vigora o negacionismo científico frente à pandemia, o descaso educacional, o desastre ambiental, a postura presidencial autoritária e a incompetência governamental. As luzes do debate de ontem se contrapõem ao pesadelo vivido pelo País hoje.

Mas 2022 pode repetir 2018, não se pode esquecer disso. Duas coisas podem evitar isso. Primeiro, todos devem estar contra Bolsonaro e aumentar sua pressão contra o presidente. O sofrimento diário dos brasileiros na pandemia precisa de uma oposição mais forte do que a atual. E a grande lição deste sábado: é preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, mas também pela imprensa escrita e televisiva. Isso não pode ocorrer somente no período eleitoral de dois meses. Em boa medida, a falta de discussão política da última eleição favoreceu a escolha que gerou o pesadelo. Melhores ideias precisam vencer o populismo autoritário. 

*Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Gestão Pública da FGB-EAESP


Ricardo Noblat: Todos juntos contra Bolsonaro

 O primeiro debate entre aspirantes a candidato a presidente

O painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o jornal O Estado de São Paulo, reuniu ontem, pela primeira vez, cinco aspirantes à candidato a presidente do Brasil na eleição de 2022.

O que mais uniu Ciro Gomes (PDT, os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o apresentador de televisão Luciano Huck: duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, embora todas elas feitas sem que perdessem o prumo.

Ninguém desafinou quanto a isso. O clima foi cordial entre eles, que defendem que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política” e construir “um projeto de país” para barrar a eventual reeleição de Bolsonaro. As críticas mais ácidas ao presidente partiram de Doria, Ciro e Haddad.

Os três chegaram a taxar de “genocida” a atuação do governo no combate à pandemia do coronavírus. E apontaram como traços do comportamento antidemocrático do presidente sua revolta com decisões do poder Judiciário e as tentativas de interferir na Polícia Federal bem como nas polícias militares estaduais.

Doria: “Lembro que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia. É preciso pressionar o governo para que acelere o ritmo da vacinação”.

Haddad: “Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando”. E acrescentou “que a palavra genocida” não é modo de falar, mas “uma descrição” da conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.

Ciro não seria Ciro se não usasse palavras mais fortes para distinguir-se dos demais debatedores. Chamou o governo de “fascista”, e Bolsonaro de “genocida boçal”. E vaticinou que “o delírio do presidente é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima”.

Leite e Huck preferiram se ater mais à questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou os sucessivos recordes nos índices de desmatamento na Amazônia em outras regiões, dados que a seu ver têm sido motivo de desprestígio para o Brasil aos olhos de outros países do mundo.

Houve um momento do debate em que Huck censurou os seus colegas. Foi quando disse: “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”. Para quê falou isso…

Ouviu de Haddad em troca: “Olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente o que fazer no presente. Ciro declarou “que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos”.

Huck recuperou-se ao voltar ao tema do meio ambiente: “A Amazônia tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global. Tem muito dinheiro na mesa. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos que iam para petroquímica, óleo e gás”.

O debate terminou com um afago de Haddad em Doria e Leite: “Quero me solidarizar com os dois governadores que são do PSDB, mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo. Todo mundo aqui merece ser respeitado”.


Bruno Boghossian: Medo da violência aumenta poder sedutor do debate sobre armas

É melhor remover um lunático da arena política ou derrotá-lo nas urnas?

Donald Trump fez tantos estragos na política americana que foi preciso aprovar dois pedidos de impeachment contra ele na Câmara. O primeiro foi barrado no Senado, em 2020, e o segundo não deve ser votado antes do fim de seu mandato, mas o processo em curso pode abrir caminho para que ele seja proibido de disputar eleições.

Alguns congressistas republicanos apoiam a condenação de Trump. Além de gravar essa decisão na história, eles dizem que é preciso despoluir o partido e impedir que o atual presidente cause mais danos ao país no futuro. Outros parlamentares, porém, argumentam que expulsá-lo da vida pública vai alimentar animosidades e fortalecer seus devotos mais radicais.

É melhor remover um lunático da arena política à força ou é melhor derrotá-lo nas urnas? A resposta depende do apego a princípios democráticos, da força das instituições, do grau de ameaça do sujeito e, principalmente, da chance de sucesso de cada uma das alternativas.

Quem defende o acionamento do segundo botão sustenta que o confronto dentro das regras eleitorais reveste esse movimento com o condão da vontade popular e ajuda a reduzir os traumas da transição, mesmo após campanhas duras.

O problema é que essa solução tende a ser pouco eficaz contra populistas autoritários, que exploram teorias extremistas, posam como líderes perseguidos pelo sistema e se beneficiam do ressentimento de seus admiradores. Se os americanos escolherem esperar até 2024 para dizer um novo “não” a Trump, ele pode voltar à Casa Branca.

A exclusão pelos canais institucionais é um tiro mais certeiro, ainda que os efeitos colaterais sejam consideráveis. A ação depende de políticos que tenham coragem de tomar essa decisão e que abandonem a ilusão de que poderiam controlar o líder desvairado caso ele continuasse no jogo. Depois disso, é preciso ter instituições potentes para debelar focos secundários de extremismo e barrar a ascensão de seus filhotes.


Dom Odilo P. Scherer: Caminho para a paz - A cultura do cuidado

A prática das obras de misericórdia espiritual e corporal passou ao núcleo da vida cristã

Em sua mensagem para a festa do ano-novo, comemorado pela Igreja Católica como Dia Mundial da Paz, o papa Francisco refletiu sobre um tema recorrente em seus pronunciamentos: a cultura do cuidado das pessoas, do ambiente e da vida. A reflexão foi motivada pelas dificuldades vividas ao longo do ano que passou, com a pandemia de covid-19. E persistem conflitos armados e tensões em várias partes do mundo por causa das desigualdades sociais e econômicas, da crise migratória e climática.

A crise sanitária vivida em 2020 revelou grandes e comoventes movimentos de solidariedade e dedicação ao próximo de muitos profissionais e voluntários. Mas preocupam as formas de insensibilidade, discriminação e fechamento diante da dor alheia e das ações que, em vez de construir pontes, levantam muros de ódio, xenofobia e morte. O papa fala da importância da edificação de uma sociedade “alicerçada em relações de fraternidade”.

A fraternidade, como base das relações humanas, foi tema da recente encíclica de Francisco, Fratelli tutti (Todos sois irmãos). A cultura do cuidado é decorrência e manifestação da fraternidade, levando a construir relações de interesse efetivo pelo bem do próximo e a superar a cultura da indiferença e do descarte, conceitos esses também frequentes nos pronunciamentos do pontífice.

Na sua mensagem sobre a cultura do cuidado como caminho para a paz, Francisco parte de conceitos teológicos e chega a conclusões para a vida cultural, social e econômica. Deus Criador revela-se ao homem como sábio cuidador do universo e de todos os seres, convidando também o ser humano a participar do zelo e cuidado que tem pela obra criada. Em vez de “lobo devorador do próximo” (“homo hominis lupo”, J. Locke), o homem é chamado a ser cuidador do seu semelhante. Por isso, toda forma de injustiça, desprezo e violência contra o próximo é desaprovada pelo Criador. Jesus Cristo deu o exemplo de atenção misericordiosa pelo próximo, colocando-se junto de quem é vítima de qualquer forma de violência, doando sua vida inteiramente pela humanidade.

Dos seus ensinamentos aprendemos que o amor a Deus nunca pode ser separado do amor ao próximo. A prática das obras de misericórdia espiritual e corporal passou ao núcleo central da vida cristã, traduzindo-se em inúmeras iniciativas de atenção às pessoas e socorro em suas mais diversas necessidades e em seus sofrimentos. O crer corretamente em Deus está vinculado estreitamente ao viver ativamente o amor ao próximo, fazendo próprios as suas carências e seus sofrimentos. A figura do bom samaritano, do Evangelho (cf Lc 10,25-37) é paradigmática para a cultura do cuidado, inerente à própria essência do cristianismo.

Desse núcleo central decorrem também os princípios do ensino social da Igreja, voltados para orientar a práxis humana coerente com a fé em Deus e a cultura do cuidado. Primeiros dentre eles são os da dignidade da pessoa e dos direitos próprios de cada ser humano. A realidade da pessoa “exige sempre a relação, e não o individualismo, afirma a inclusão, e não a exclusão, a dignidade singular inviolável, e não a exploração”, afirma o papa (n.º 6). Francisco recorda um princípio ético do filósofo alemão Emanuel Kant para destacar a dignidade humana: “Toda pessoa humana é sempre um fim em si mesma e jamais um mero instrumento utilitário para alcançar outros fins”. Da dignidade de cada pessoa também decorrem os direitos inalienáveis de cada ser humano e os deveres recíprocos do respeito e cuidado de uns pelos outros, especialmente pelos membros mais fracos e vulneráveis da comunidade humana. A pessoa nunca há de ser um mero dado estatístico, ou um meio a usar enquanto há ganho para em seguida descartar.

Da dignidade humana decorre também a noção de bem comum, segundo a qual nossas ações devem sempre levar em conta suas consequências para o próximo e para toda a família humana. Nosso agir deve ser solidário, jamais individualista, fechado e insensível. Por consequência, negócios lucrativos feitos à custa do sofrimento e exploração do próximo, ou que tenham como consequência a doença ou a morte das pessoas, são absolutamente injustos e desumanos.

A cultura do cuidado também inclui o cuidado da natureza e do conjunto do ambiente, como Francisco expôs na sua encíclica Laudato Sì (2015). O mau uso e o descaso em relação à “casa comum” levam a consequências que vão muito além da mera deterioração ou destruição do ambiente: são também fonte de sofrimentos e conflitos, cujo preço maior é pago pelos membros mais vulneráveis da comunidade humana. “Paz, justiça e salvaguarda da criação são três questões completamente ligadas”, recorda o papa (n.º 6).

A mensagem para o Dia Mundial da Paz termina com um apelo para que a cultura do cuidado sirva de bússola no caminho da edificação da paz. Esta é uma construção comum de muitos artesãos da paz, membros de comunidades onde se cuida uns dos outros. Não haverá verdadeira paz sem a cultura do cuidado.

CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO


Vera Magalhães: Hora de segurar a bola

No comando da campanha de Jair Bolsonaro prevalece a avaliação de que ele não deveria ir a nenhum debate no segundo turno, nem mesmo o da TV Globo. A principal alegação é clínica, e foi manifestada em termos um tanto escatológicos pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Nesse campo, a palavra final deverá vir de nova avaliação da equipe médica que cuida do candidato.

Mas a razão primordial pela qual aliados defendem que ele não vá aos programas televisivos é mesmo de natureza estratégica, como o próprio Bolsonaro admitiu em uma fala recente. Como um time que vai vencendo a partida decisiva por boa margem de gols, esses apoiadores acham que a campanha deve ser de manutenção nesses 11 dias que restam até o segundo turno.

Aparições nas redes sociais, eventuais entrevistas, tuítes e um programa eleitoral simples e direto seriam a receita para confirmar a vitória apontada pelas pesquisas.

Para se contrapor às acusações de que estaria fugindo da discussão de ideias, a campanha deve intensificar um recurso que começou a ser usado no horário eleitoral: a comparação entre propostas de Bolsonaro e de Haddad (obviamente, a partir do crivo da própria campanha).

No mais, serão explorados ao máximo os reveses da campanha petista, como a canelada que foi dada no PT pelo senador eleito Cid Gomes. A avaliação é de que isso mantém os apoiadores mobilizados nas redes sociais e no WhatsApp, as duas principais arenas em que o bolsonarismo “debateu” nesta campanha peculiar.

IMAGEM É TUDO
Bolsonaro vai investir em aparições rápidas para a TV

O entorno de Jair Bolsonaro afasta o argumento de que visitas como a feita pelo candidato à sede do Bope, no Rio de Janeiro, contradizem a alegação de que ele não poderia debater por razões médicas. Afirmam que as agendas são programadas para que ele não se desgaste e são rápidas, diferentemente da longa exposição exigida nos debates. E adiantam: haverá outras aparições do gênero, cujo objetivo principal é produzir imagens para alimentar as redes e a propaganda de TV.

TRANSIÇÃO
Governo Temer compila dados para municiar eleito

Além do canal aberto pela equipe econômica com os assessores dos candidatos, a Casa Civil conclui um levantamento de dados de todas as áreas da administração para entregar ao presidente eleito imediatamente depois do dia 28. Cada ministério foi instado a listar gastos, pendências, projetos em tramitação e decisões que tenham de ser tomadas no início da próxima gestão. Por ora, empenhados na campanha, os candidatos evitam designar quem deve comandar a equipe de transição, mas seu desenho já deverá indicar os núcleos de poder do próximo governo.

Por lei, o eleito pode nomear 50 integrantes para os dois meses que separam o pleito da posse. A expectativa no comitê de Jair Bolsonaro é que, caso ele vença, a coordenação da transição seja dividida, e Paulo Guedes pilote a área econômica e Onyx Lorenzoni as negociações com os partidos para a composição do ministério e a definição da agenda legislativa, além de fazer a ponte com a gestão Temer.