daniel silvera

Ricardo Noblat: Bolsonaristas, órfãos de pai vivo, choram o abandono

Mas se queixam também de Arthur Lira

Apesar dos rumores de que Bolsonaro em momento algum sairia em defesa de Daniel Silveira deixando-o ao desamparo, os deputados bolsonaristas, os mais radicais, porém sinceros, só acreditaram que seria assim quando viram o líder do governo na Câmara mudar bruscamente de posição como uma biruta.

Na última terça-feira, Ricardo Barros (PP-PR) anunciou: “Como parlamentar, votarei pela soltura do deputado Daniel Silveira; pela liberdade de expressão, de opinião e pela imunidade parlamentar, direitos garantidos na constituição federal. O impasse é entre legislativo e judiciário. O governo não faz parte da questão”.

Ontem, embora tenha repetido que votaria a favor de Silveira, deu o sinal que esfriou de vez o ânimo dos bolsonaristas que ainda alimentavam a esperança de libertar o colega preso: apostou logo cedo que cerca de 350 deputados apoiariam a decisão do Supremo Tribunal Federal (foram 364). E fez questão de destacar:

– O governo não está nisso, não se manifesta nesse assunto, que é entre Legislativo e Judiciário.

Bolsonaro sabe que os deputados que o seguem devem seus mandatos a ele, e não o contrário. E que terão de engolir o que ele quiser. Para completar a desdita dos órfãos, Arthur Lira (PP-AL), recém-eleito presidente da Câmara com os votos deles, também não moveu uma palha para beneficiar Silveira.

Um duplo abandono.

Bolsonaro rasga outra vez a fantasia que Paulo Guedes lhe vestiu

“Boa tarde, Venezuela!” (Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, minutos depois de saber da intervenção de Bolsonaro na Petrobras)

De Jair Bolsonaro, dizem, e com razão, que ele se elegeu presidente e que governa sem dispor de um projeto para o país. Isso não o incomoda por ser a pura verdade. Mas faça-lhe justiça: ele é o único presidente da República desde o fim da ditadura militar de 64 que assumiu o cargo sabendo desde o primeiro dia exatamente o que queria – a reeleição. Nada mais importa.

Fernando Collor tinha um sonho: reeleger-se, trocar o presidencialismo pelo parlamentarismo e governar depois como primeiro-ministro. Mas era apenas um sonho pelo qual ele mal teve tempo de se empenhar, pois caiu rapidamente. Fernando Henrique Cardoso só começou a levar a sério a ideia da reeleição depois que ela cresceu dentro do Congresso.

De início, Lula fingia desdenhar da reeleição. E com o escândalo do mensalão do PT, tomou um porre, ameaçou renunciar e não se julgou capaz de governar por mais quatro anos. Foi quando o PSDB e outros partidos que se lhe opunham adotaram a célebre fórmula de deixá-lo sangrar ao invés de tentar tirá-lo via impeachment. Ao invés de sangrar até o fim, ele recuperou-se.

Dilma? Nem ela contava em se candidatar a presidente. Foi empurrada por Lula rampa acima do Palácio do Planalto. Gostou tanto do poder que contrariou Lula e o PT, bateu o pé e invocou o direito à reeleição. Outra vez, Lula a empurrou rampa acima. Então ela pedalou a Lei de Responsabilidade Fiscal, a exemplo dos seus antecessores, e não completou o mandato.

Bolsonaro não está nem aí para esse negócio de responsabilidade fiscal, pandemia que matou quase 244 mil brasileiros e infectou mais de 10 milhões, e vacina que, mal apareceu, começa a faltar. O ritmo de vacinação aqui é 70% inferior ao dos Estados Unidos. Bolsonaro preocupa-se com os caminhoneiros e lhes ofereceu a cabeça do presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco.

Saiu de cena mais um nome do time do ministro Paulo Guedes, o avalista de Bolsonaro junto ao “mercado”, que lhe meteu pescoço abaixo a fantasia de liberal quando Bolsonaro sempre foi e sempre será um estatizante. Entra o general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa. A Petrobras é ligada à área do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, um almirante.

Bolsonaro militariza cada vez mais o governo não só porque espera contar com a farda se um dia se vir tentado a dar um golpe, o que não sai dos seus planos. Militariza também porque pessoas qualificadas, independentes, que teimam em não renunciar ao que pensam não se dispõem tão facilmente a participar do seu governo. Ele quer ao seu lado quem lhe diga amém, missão cumprida.

O valor das ações da Petrobras caiu depois que Bolsonaro, na live da última quinta-feira no Facebook, anunciou que o governo deixará de arrecadar mais de 3 bilhões de reais em apenas dois meses para poder zerar os tributos federais no diesel. Sim, mas e daí? Isso é mais um golpe na bandeira de ajuste fiscal defendida pelo ministro da Economia junto ao Congresso. Sim, mas e daí?

E justo no momento em que Guedes exige corte de despesas como contrapartida para renovar o auxílio emergencial. Sim, mas e daí? Bolsonaro disse recentemente que o país estava quebrado e que ele não tinha muito o que fazer. De fato, mas e daí? Afinal, reeleição acima de tudo, só abaixo de Deus! E mesmo assim a depender, porque a fé de Bolsonaro é só para enganar evangélicos.

Quanto a Guedes, o estilista frustrado… O que dirá à sua turma? O que dirá aos que acreditaram que o capitão cloroquina, antes de se eleger, era um liberal enrustido? Pedirá as contas? Nunca. Dirá que da Petrobras, cuida o almirante ministro, não ele. Guedes sempre foi um bom ganhador de dinheiro que o mundo acadêmico jamais reconheceu como um bom economista. Vai ficando.


Felipe Betim: Daniel Silveira, o ‘pit bull’ bolsonarista eleito para atacar a democracia

Deputado federal, preso pelo STF na noite de terça-feira, ficou conhecido por quebrar a placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, uma violência simbólica que vem marcando seu mandato

policial militar licenciado Daniel Silveira (Petrópolis, 38 anos) ganhou visibilidade política nacional a poucos dias do primeiro turno das eleições de 2018. Na época candidato a deputado federal do Rio de Janeiro pelo Partido Social Liberal (PSL), quebrou durante ato de campanha a placa de rua que homenageava a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada a tiros em 14 de março daquele ano, junto com os hoje deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) e governador do Rio afastado Wilson Witzel (PSC). A ação foi exitosa. Silveira acabou eleito na esteira do bolsonarismo com 31.789 votos, com o lema “não é uma festa democrática, é uma guerra contra a corrupção”. De certa forma, aquele ato anunciou o que estava por vir.

Até acabar preso na noite desta terça-feira, a atuação parlamentar de Silveira foi marcada pela mesma violência simbólica que representou a quebra da placa de Marielle. Com 1,90 metro de altura e porte atlético, investe no personagem de pit bull bolsonarista sem papas na língua que parece a todo momento pronto a recorrer à violência física se preciso. Fala grosso com a esquerda, enfrenta jornalistas, faz ameaças nas redes sociais contra quem se coloca em seu caminho, defende publicamente a truculência policial. O parlamentar sempre se valeu do argumento de que, como cidadão, possui direito a liberdade de expressão. E, como deputado federal, tem direito a imunidade parlamentar que lhe garante passe-livre para falar o que quiser sem ser incomodado, mesmo passando de todos os limites razoáveis.

Foi fiel a esse estilo mesmo após ter sido preso em flagrante por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Já detido, se recusou a usar máscara de proteção durante sua passagem pelo Instituto Médico Legal (IML) e hostilizou uma policial civil. “A senhora não manda em mim não. Tá achando que sou vagabundo?”, questionou. “E se eu não quiser botar? Eu também sou policial e sou deputado, e aí?”, desafiou.

Em uma ocasião, Silveira já insultou o jornalista Guga Noblat e jogou seu celular no chão. Em outra, tentou entrar sem avisar no colégio federal Pedro II, no Rio de Janeiro, para fazer o que chamou de “vistoria”. A ação foi interpretada como intimidatória e gerou revolta nos estudantes, que enxotaram o parlamentar. Mais grave ainda, Silveira cotidianamente atenta contra a democracia ao defender com intervenção militar, um novo AI-5 ou o linchamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os vídeos que resultaram em sua prisão são o principal exemplo dessa atuação violenta e de seu flerte com o golpismo. Em um deles, se dirigiu ao ministro Edson Fachin: “Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu  fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime”, desafiou. “Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”.

Em outro trecho, faz um ataque generalizado ao STF: “Eu sei que vocês vão querer armar uma pra mim pra poder falar ‘o que é que esse cara falou no vídeo sobre mim, desrespeitou a Supremo Corte’. Suprema Corte é o cacete”, afirmou. “Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de onze novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereceram. Vocês são intragáveis”.

Parte da tropa de choque fiel ao presidente Jair Bolsonaro, o que fala e pensa reflete a essência ideológica da extrema direita bolsonarista. Essa doutrina se reflete nos 47 de projetos de lei que já apresentou. Alguns fazem guinadas a policiais, como o projeto que reconhece que profissionais da segurança fazem trabalhos insalubres e de risco, o que prevê isenção de IPI na compra de arma, munição e blindagem de veículo ou o que garante atendimento médico ao policial ou bombeiro ferido durante o exercício de sua função pública.

Em outros, pretende endurecer a pena de prisão para usuários de drogas, aumentar as condições para que presos possam sair temporariamente da cadeia, permitir que professores usem armas não-letais nas escolas para se defender ou instituir um dia em memória das vítimas contra o comunismo —a data seria 31 de março, a mesma golpe militar no Brasil em 1964. Somente um projeto foi aprovado: a criação do Dia Nacional de Políticas de Prevenção de Desastres Naturais e Calamidades Públicas.

Conduta pouco exemplar

Essa arrogância se expressa em sua recusa em se apresentar ao Ministério Público Federal, que há oito meses tenta escutar Silveira no âmbito de um inquérito que investiga o ex-policial por improbidade administrativa, segundo informou a revista Época. Silveira há meses paga 10.000 reais mensais a um advogado de Petrópolis e tem valor reembolsado pela Câmara, sob o argumento de que recebe consultoria para a produção de projetos de lei. Até o momento, 190.000 reais de dinheiro público foram gastos.

Sua atuação como policial militar durante os mais de cinco anos em que esteve ligado à corporação também está longe de ter sido exemplar. “Em virtude de numerosas transgressões disciplinares cometidas ao longo de 2013 e 2017, por atrasos e faltas aos serviços”, afirma um boletim interno publicado pelo portal The Intercept, “o soldado acumulou em seu histórico 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências”. O então policial chegou a acumular 26 dias de prisão e 54 dias de detenção no quartel, o que deixa “cristalina a sua inadequação ao serviço na Polícia Militar”, diz o documento. “Fui preso por bater de frente com a arbitrariedade, contra ordens absurdas de alguns oficiais. O regulamento da PM, que é militar, é extremamente rígido”, disse em vídeo publicado no Facebook.

Mesmo antes de ingressar na corporação, Silveira já dava amostras de ser incompatível com o serviço público. Durante o processo, foi descoberta uma prisão por suspeita de venda de anabolizantes em academias de Petrópolis. Com essa passagem pela polícia em seu histórico, Silveira teve de recorrer à Justiça para finalmente entrar na corporação. Um processo para impedir sua permanência foi aberto, mas acabou arquivado em 2014 após chegar ao Supremo e sofrer vários vaivéns jurídicos.

Uma vez dentro da corporação, foi transferido para o batalhão de Duque Caxias, na Baixada Fluminense —região dominada por grupos milicianos—, onde costumava filmar com o celular suas ações de patrulhamento. Em perfil publicado pela revista Piauí, afirmou rindo que não dava para contar quantas vezes apertara o gatilho. “Matei o quê? Uns doze, por aí, mas dentro da legalidade, sempre em confronto”, afirmou.