CUT

Hélio Schwartsman: As voltas que o mundo dá

Com reforma sindical, Bolsonaro defende posição libertária, e CUT quer algum tipo de tutela estatal

Pareceu-me correta a medida provisória baixada pelo governo Bolsonaro que exige autorização expressa do trabalhador para que ele tenha descontada de seu contracheque a contribuição sindical ou negocial, como vem agora sendo chamada.

Tanto o espírito como a letra da lei da reforma trabalhista (lei nº 13.467/17) dão ao trabalhador a liberdade de decidir individualmente se vai ou não financiar o órgão de classe. Se sindicatos, com a conivência do viés conservador da Justiça, estavam encontrando meios de contornar esse princípio, é razoável que o legislador (MPs precisam ser referendadas pelo Congresso) tome medidas para restaurá-lo.

Isso dito, é importante lembrar que a reforma sindical, iniciada com a lei nº 13.467, ficou pela metade. Acabar com as contribuições compulsórias às entidades de classe foi um passo importante, mas é preciso avançar mais. O mais urgente é pôr um fim ao princípio da unicidade sindical.

Mais do que impedir a saudável competição entre entidades de classe para ver quem faz mais pelo trabalhador, a unicidade acaba favorecendo o surgimento de uma casta de dirigentes sindicais cujo principal objetivo é perpetuar-se em seus cargos. O resultado são sindicatos de fachada, que só sobreviviam por causa das contribuições obrigatórias.

O mundo não vive um bom momento para sindicatos, mas, se temos esperança de que eles voltem a desempenhar o papel de equilibrar um pouco mais o conflito distributivo entre capital e trabalho, é fundamental que haja plena liberdade de organização e filiação.

O engraçado aqui é ver a troca de posições. O corporativista autoritário Bolsonaro, com quem a estrutura sindical brasileira copiada da cartilha de Mussolini combina tão bem, defendendo a posição libertária, enquanto a CUT, depois de passar décadas advogando pela plena liberdade de associação, agora quer manter algum tipo de tutela estatal.


Maria Cristina Fernandes: Planalto dá o tom da reação à era Bolsonaro

No dia 14 de novembro de 2018 o presidente da CUT, Vagner Freitas, participou de ato de apoio a Luiz Inácio Lula da Silva, em Curitiba, em frente à carceragem da Polícia Federal onde o ex-presidente está preso há dez meses. De camisa de manga comprida rosa claro com um jacaré bordado no bolso, o dirigente sindical iniciou um jogral, recurso comum em manifestações de improviso, em que as frases são amplificadas ao serem repetidas pelo grupo mais próximo de pessoas.

No jogral, com a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffman, ao seu lado, Freitas declarou: "O Brasil inteiro sabe que houve uma fraude eleitoral. Bolsonaro foi eleito com 30% do povo brasileiro. Mancomunado com Moro e com a mídia, mudaram o resultado da eleição. Todo mundo sabe que Lula seria eleito no primeiro turno. Por isso está preso. Logo, fique claro que não reconhecemos Bolsonaro como presidente da República". Funcionário do Bradesco, Vagner foi, aos 46 anos, o primeiro bancário a ser escolhido para comandar, em 2012, a central que nasceu metalúrgica junto com o PT e hoje depende cada vez mais de suas bases no funcionalismo público.

No dia da posse do novo governo, o nome do presidente da CUT encabeçaria a lista de signatários da carta dirigida pelas seis centrais sindicais ao presidente Jair Bolsonaro. Na carta, os dirigentes apresentavam suas credenciais: "Faz parte do jogo democrático investir num amplo processo de negociação política, que envolva o governo federal, o parlamento, a sociedade civil e os segmentos organizados, como a via civilizada para construção de consensos políticos, econômicos e sociais fundamentais ao êxito de qualquer administração e do desenvolvimento do Brasil". O texto dirigia-se, ao final, com um protocolo cortês ao presidente empossado: "Receba nossas saudações classistas e sindicais".

Um mês depois, o presidente da CUT, o secretário-geral da entidade, Sérgio Nobre, e o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Wagner Santana, seriam recebidos por Hamilton Mourão. A audiência estava marcada para 11h40 e, no horário rigorosamente marcado, o presidente em exercício abriu as portas do seu gabinete, no anexo do Palácio do Planalto, para receber a comitiva.

Os demais signatários da carta foram surpreendidos, especialmente porque a CUT havia participado, três dias antes, de reunião com todas as centrais para o lançamento de iniciativa conjunta de seus sindicatos de metalúrgicos para enfrentar a pauta das empresas do setor de adesão às novas regras trabalhistas. "Fomos tratados de maneira agressiva na campanha e declarei, sim, que não o reconhecia, mas não é mais o que penso. Cinquenta e sete milhões decidiram que Bolsonaro é o presidente e temos que buscar interlocução. Até com a ditadura a CUT conversava".

A aproximação entre os dirigentes da CUT e o vice-presidente da República foi feita por assessores parlamentares das Forças Armadas no Congresso antes mesmo da interinidade de Mourão. O presidente da CUT diz ter encontrado um "chefe de Estado" no exercício da Presidência. A pauta dos sindicalistas foi da ameaça de Ford e General Motors deixarem o país à reforma da Previdência. Mourão reconheceu o imbróglio das montadoras, mas aconselhou os sindicalistas a se aclimatarem aos rumos da capitalização na Previdência. Não manifestou concordância com nenhum ponto da pauta, mas valeu-se do encontro para exibir sua diferença com o titular do cargo no respeito à interlocução com os sindicatos. Na semana seguinte, ao reconhecer a memória do seringalista Chico Mendes, ignorado pelo ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, o vice-presidente prosseguiria na toada.

O encontro com os sindicalistas da CUT havia sido marcado para o segundo dia da interinidade de Mourão como presidente em exercício, mas a morte de Genival Inácio da Silva, o irmão do ex-presidente, conhecido por Vavá, adiou em uma semana a agenda. Representantes da central não eram vistos no Palácio do Planalto desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

A exemplo do que viria a fazer com Bolsonaro, a CUT tampouco reconhecera o ex-presidente Michel Temer, o que não evitou que seu governo aprovasse a reforma trabalhista, que estraçalhou o financiamento sindical e gerou 15% (298 mil) dos empregos formais prometidos. A presença da entidade no gabinete de Mourão tampouco evitou que a GM fosse bem-sucedida no intuito de reduzir benefícios trabalhistas em troca da promessa de voltar a investir na fábrica.

Os cutistas não foram os primeiros entabular negociação com o Planalto. No dia anterior, dirigentes do Sindicato de Metalúrgicos de São José dos Campos foram recebidos pela Secretaria de Governo. A audiência, pedida ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Heleno Ribeiro, foi repassada ao ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, que designou o secretário de relações com organizações não governamentais da pasta, Miguel Franco, para a missão. O encontro se deu na sede do Banco do Brasil.

A primeira delegação sindical a negociar com o Palácio do Planalto na gestão mais à direita desde a redemocratização integra a Conlutas, braço do PSTU, o mais radical partido de esquerda do país, que disputa a Presidência da República há mais de uma década com o slogan "contra burguês, vote 16". O advogado Aristeu Neto, que acompanhou o presidente do sindicato e dois outros dirigentes ao encontro, entregou ao assessor o processo da Comissão de Valores Mobiliários contra o diretor de relações institucionais da Embraer.

A ação foi motivada pelo comunicado oficial da transação com a Boeing em que a Embraer omitiu sua participação limitada na direção da futura empresa. Tratada como resultado de uma "joint venture", a transação que resultará na NewCo, segundo a CVM, excluirá a Embraer, detentora de 20% do capital, de sua administração. A notícia de que um general brasileiro integrará, pela primeira vez, a estrutura do Comando-Sul do exército americano revelou, no entanto, que a soberania é uma bandeira desbotada entre os militares brasileiros e não impedirá a venda da joia da coroa da indústria de ponta do país à Boeing.

A extinção do Ministério do Trabalho e de pastas que lidavam diretamente com movimentos sociais concentrou a tarefa no Palácio do Planalto e, mais especificamente, em pastas comandadas por militares da reserva. A medida provisória que reformulou o governo é permeada pela percepção de que uma gestão com projetos que antagonizam com interesses de setores organizados da base da sociedade exige um monitoramento mais minucioso de sua reação.

A audiência dos sindicalistas, portanto, veio ao encontro das diretrizes do novo governo. Arrisca, no entanto, não apenas a aumentar a cizânia entre as centrais, como a aumentar o isolamento político dos partidos de esquerda ao dispensá-los na intermediação de seus interesses.

Se a primeira medida do governo acabou com o Ministério do Trabalho, a segunda (MP 871) transferiu de sindicatos rurais para prefeituras o poder de atestar as condições para a aposentadoria no campo e obrigou idosos a confirmar anualmente a adesão aos seus sindicatos, o que deve afetar ainda mais a taxa de filiação sindical.

Se o pacote de maldades com o qual o governo estreou não impediu as centrais sindicais de buscarem abrir um canal de comunicação é porque reconhecem o enfraquecimento dos partidos de esquerda na intermediação de suas pautas. O maior deles, que se encarcerou em Curitiba com sua maior liderança, ainda não discutiu, por exemplo, a proposta do partido para a lei do salário mínimo, que tem vigência até o fim do ano. O PT jogou todas as suas fichas na libertação de Lula. Vê minguar o número de seus seguidores nas redes sociais sem um plano de voo para a pauta da vida real no dia em que o ex-presidente for solto. Escolheu o PDT de Ciro Gomes, e foi por ele escolhido, como alvo primeiro num duelo fagocitário

No PSol, a crise não se circunscreve ao autoexílio do ex-deputado federal Jean Willys (RJ), que renunciou ao mandato e deixou o país por se sentir ameaçado. O candidato do partido à Presidência, Guilherme Boulos, cuja atuação política se confunde com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, já arregimentou uma rede de advogados em todo o país a ser acionada em caso de vir a ser preso. MTST e MST são os mais suscetíveis ao projeto que avança na Câmara e caracteriza como ato de terrorismo o porte ou armazenamento de explosivos e gases tóxicos ou o bloqueio de rodovias e ferrovias.

Ainda não consta, no registro da Secretaria de Governo, pedido de audiência de quaisquer das entidades. As únicas lideranças a serem recebidas por Santos Cruz desde a posse foram as do Médio Xingu, que se queixaram da invasão de terras indígenas por madeireiros.

A perda de iniciativa dos partidos na mediação da relação entre sociedade e governo não poderia ganhar uma tradução melhor do que no ato marcado para o dia 20 na Praça da Sé, centro de São Paulo. Convocado pelas centrais sindicais em protesto contra a reforma da Previdência, o ato não convidou lideranças partidárias nem tampouco tem confirmada a presença de todas as centrais. No mesmo dia, a menos de um quilômetro dali, um grupo suprapartidário formado por ex-ministros de três diferentes governos (Sarney, FHC e Lula), juristas, intelectuais e ativistas se reunirão para lançar a Comissão Arns, destinada a reforçar a vigilância sobre violação aos direitos humanos. O grupo tem o mérito de unir, sob o mesmo chapéu, nomes como o filósofo Vladimir Safatle, do PSol, e a ex-ministra do governo FHC, Claudia Costin, mas ainda está por se mostrar capaz de esvaziar a tolerância com o arbítrio nascida do cansaço com a corrupção, a violência e o desemprego, fagulha da desmobilização geral da nação.


Ruy Fabiano: As tramas do ano novo

O embate entre justiça e impunidade, que marcou o ano que se encerra, terá continuidade em 2018. A investida contra a Lava Jato, tramada nos bastidores dos três Poderes – e cumprida com esmero pelo STF -, terá sua prova de fogo no próximo dia 24, quando o TRF-4, de Porto Alegre, reverá a sentença que condenou Lula.

A expectativa é de que a confirme, podendo inclusive agravá-la. Ciente disso, o PT oferece antecipadamente sua contrapartida: ocupar Porto Alegre e, nas palavras de Lula e José Dirceu, “tocar fogo no país”. Resta saber se haverá povo, entidade que há algum tempo parece ter migrado do partido.

Mas não há dúvida de que os petistas têm expertise em matéria de bagunça e provocação, além de militância armada para materializá-la: MST, MTST, CUT etc. Vejamos o que acontece.

Confirmada a condenação, Lula pode ser preso. Vai depender de Sérgio Moro, responsável pela sentença inicial. Não se sabe se a decretará. Há aí um peso simbólico, que a recomenda, mesmo sabendo-se com antecedência que o STF o soltará.

A ministra Carmem Lúcia já antecipou que, havendo pedido de habeas corpus - e não há dúvida de que haverá -, irá atendê-lo. Afinal, foi Lula que a nomeou para o STF, tendo sido distinguido com um convite à sua posse na presidência da Corte, há dois anos.

Foi a primeira vez que um réu (na ocasião, já penta réu) foi alvo de tal distinção por parte de um magistrado. Réu, num tribunal, comparece para ouvir sentença, não discurso de posse.

Sendo ou não sendo preso, Lula perderá a condição de “ficha limpa” e estará impossibilitado de concorrer às eleições de outubro.

Ainda que seus advogados se valham do cipoal de recursos que a lei processual oferece – e não há dúvidas quanto a isso -, é improvável que um condenado, com sentença confirmada por um colegiado, e ainda réu em mais seis processos por corrupção, tenha condições de postular o mais alto cargo da República.

O Brasil é criativo, surpreendente, mas jamais elegeu alguém em tais condições. Aliás, ninguém, em tais condições, jamais ousou tal absurdo, embora os tempos sejam de absoluto ineditismo.

Na Presidência, Lula poderia indultar-se a si próprio e, por via indireta, condenar o juiz. Parece disparate – e é -, mas de certa forma, mesmo sem ter chegado lá, é o que já ocorre. Investe-se contra Sérgio Moro e a Lava Jato, odiado por parte do STF e do Congresso, e busca-se uma saída para Lula.

O detalhe é que os que assim agem subestimam a opinião pública, hoje atuante nas redes sociais, onde vídeos de Lula, dizendo os maiores disparates, viralizam. Lula hoje está no mais baixo estágio de sua popularidade. Sabe que as pesquisas que o mostram como favorito não têm qualquer consistência, meras peças de ficção.

A pesquisa concreta é a que o impede de circular nas ruas, restaurantes e aeroportos, onde é hostilizado e carece de segurança.

O único fenômeno de popularidade política, neste momento, goste-se ou não, é o que cerca o pré-candidato Jair Bolsonaro, sem partido, sindicato, prefeitura ou governo, aclamado onde chega.

Sua plataforma resume-se a dois itens principais: segurança e moralidade. Também aí a campanha eleitoral mostrará o que nela há de consistente. Bolsonaro favorece-se do fato de que, até aqui, todos os seus oponentes já estão na terceira idade da política. Ele é o outsider, embora esteja no ramo há seis mandatos.

Em 2018, o ano começa antes do carnaval, com Lula mais uma vez no banco dos réus. O Congresso reabre em fevereiro e retoma sua pauta defensiva, que busca melar a Lava Jato.

A ausência de manifestações de rua encoraja os infratores a ousar as mais descaradas propostas, no sentido de manter a impunidade. Sabem que contam com a leniência do Executivo, cujo chefe, o presidente Temer, padece dos mesmos males de seus colegas parlamentares, e a colaboração ostensiva do STF. A Procuradoria Geral da República é ainda uma incógnita.

Sem povo, tudo é possível.

* Ruy Fabiano é jornalista