Curitiba

O Globo: Lula e o dilema do PT na eleição

Encarcerado há mais de 100 dias em Curitiba, petista continua sendo o único a dar as cartas no partido

Por Catarina Alencastro, de O Globo

BRASÍLIA - Que Luiz Inácio Lula da Silva dificilmente terá sua candidatura confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), isso o PT já sabe. A questão agora é a hora de parar. O partido vai registrar o nome do ex-presidente na disputa ao Palácio do Planalto no dia 15 de agosto, e se prepara para dois cenários: acatar a provável rejeição da candidatura do petista pelo tribunal e desencadear imediatamente o plano B (Jaques Wagner ou Fernando Haddad) ou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e judicializar até o fim a questão.

Como sempre, o partido está dividido. Há quem defenda o lançamento do sucessor de Lula tão logo a derrota na esfera eleitoral aconteça, evitando maiores traumas institucionais para o país. Isso pode acontecer em qualquer momento entre meados de agosto e meados de setembro. Lula é o líder das pesquisas com 30% das intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha do mês passado. Sem ele na disputa, 30% dizem que votam em alguém indicado por ele. Outros 17% cogitam fazê-lo. Se isso se confirmar, o candidato do PT está virtualmente no segundo turno, seja ele quem for.

Mas os que advogam por levar a candidatura de Lula até a última instância argumentam que foi o Judiciário que “cavou” essa situação, ao prender “injustamente” o pré-candidato mais bem quisto dos eleitores. Caso vença essa tese, Lula tentaria obter liminar na Justiça para figurar nas urnas. O risco seria ver todos os milhões de votos conquistados serem anulados por uma decisão judicial derrubando a liminar que o garantiu nas urnas.

- O PT vai agir com um olho na eleição e outro na história - prega um grão petista.

Nessa conta, os petistas terão que considerar o fator tempo de TV. Dono de pelo menos um minuto e meio por bloco, o PT terá o direito de apresentar Lula como candidato aos ouvintes e telespectadores até a decisão final sobre sua candidatura pelo TSE. Depois disso, ainda tem um prazo de dez dias para substituí-lo enquanto mantém seus programas no ar. Esgotado esse prazo, se não apontar um outro nome, perderá o valioso ativo, que seria então distribuído entre seus concorrentes.

Encarcerado há mais de 100 dias em Curitiba, Lula continua sendo o único a dar as cartas no PT. É quem vai bater o martelo de quem assumirá a candidatura presidencial no seu lugar - e quando isso ocorrerá. Até lá, o PT vai tocando a campanha. Com programa, mas sem candidato. O partido prevê gastar R$ 50 milhões - R$ 20 milhões a menos do que o teto definido em lei - para levar a cabo a campanha que mescla o grito de "Lula Livre" com propostas que conversam com os menos favorecidos, como, nas palavras de um dos coordenadores da campanha, "a necessidade de baixar o preço do gás, o alerta de que voltou o pesadelo da fome e que o SUS e as universidades públicas estão em situação de penúria".

 


El País: A caótica prisão de Lula hipnotiza o Brasil

Após 50hs de expectativa, ex-presidente começa a cumprir pena em meio a tensão entre manifestantes

Por Regiane Oliveira, Gil Alessi e Marina Rossi, do El País

Um dia dramático, caótico e histórico. Todos os adjetivos cabem para falar da saga do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste sábado, 7, que começou logo cedo com uma ato religioso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, e terminou numa cela de 15 metros quadrados na superintendência da Polícia Federal em Curitiba. O Brasil assistiu ao longo do sábado, em tempo real, ao ex-presidente mais popular da democracia recente chegar à prisão. Popular, claramente, para o bem e para o mal. Lula saiu literalmente carregado nos braços do povo em São Bernardo, e amargou uma recepção hostil com incontáveis fogos de artifício quando o bimotor que o levou de São Paulo à capital paranaense pousou no aeroporto Afonso Pena. Para finalizar, na chegada à sede da PF o petista pôde ver, da janela do helicóptero que o conduzia a seu destino final, sua militância ser massacrada por bombas de gás disparadas pela polícia. Um capítulo melancólico de um personagem que ganhou projeção mundial.

Foi uma jornada de sobressaltos, com uma militância arisca e indignada, que chegou a cercar o portão do sindicato para evitar a saída do ex-presidente e derrubar as grades num movimento furioso impedindo a saída de Lula. As lideranças petistas precisaram intervir avisando que o tempo acordado com a PF estava se esgotando. "A PF deu meia hora para nós resolvermos. Ou Lula será responsabilizado", alertou a senadora Gleisi Hoffmann de cima do caminhão de som. Chegou-se a cogitar que a parede humana que impedia a saída de Lula fazia parte da estratégia do ex-presidente para evitar ser preso. Hoffmann explicava à militância que se Lula não saísse ele poderia receber uma ordem de prisão preventiva e ser prejudicado em sua batalha jurídica para tentar reverter a prisão.

Diante de uma multidão enfurecida, e correndo contra o relógio para se entregar, Lula protagonizou uma cena antológica: deixou o prédio emblemático para sua carreira política a pé por volta das 18h40, para chegar a um carro da Polícia Federal. Abriu caminho entre a militância que, momentos antes, tinha impedido seu carro de deixar o local. Em meio ao tumulto, o petista se entregou para cumprir, embora com atraso de 26 horas, a ordem de prisão decretada pelo juiz federal Sérgio Moro, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.

O ex-presidente seguiu assim, sob custódia policial, em um carro que o levaria à sede da PF para fazer exames de praxe, antes que ele fosse encaminhado a Curitiba. As TVs cobriam o trajeto com imagens aéreas, numa transmissão ao vivo, vista por milhões de brasileiros. Metade deles celebrava, a outra, se entristecia. Ninguém indiferente. A saga que durou quase 50 horas — Lula chegou ao sindicato na quinta-feira por volta das 20h após a inesperadamente rápida determinação de Moro — teve espaço ainda para um discurso derradeiro, no qual Lula admitia sua ‘morte política’, ao menos por enquanto.

Após uma longa expectativa desde que chegara ao sindicato na noite de quinta-feira, ele falou ao público presente, depois da missa celebrada no próprio sindicato em homenagem a sua mulher, Marisa Letícia, que completaria 68 anos neste sábado. Com o mesmo estilo que marcou sua trajetória de mais de 40 anos de vida pública, Lula permitiu-se um último ato catártico, em que desafiou os que ele considera seus algozes: o Judiciário, a mídia e aqueles que não queriam que ele fosse candidato a presidente.

Inflamado e com a voz rouca, fez do procurador Deltan Dallagnol um de seus principais alvos. “Eu não posso admitir um procurador que fez um powerpoint e foi pra televisão dizer que o PT é uma organização criminosa que nasceu para roubar o Brasil e que o Lula, por ser a figura mais importante desse partido, o Lula é o chefe, e portanto, se o Lula é o chefe, diz o procurador, ‘eu não preciso de provas, eu tenho convicção”, disse ele, ironizando uma frase que na verdade Dallagnol nunca verbalizou. “Eu quero que ele guarde a convicção deles para os comparsas deles, para os asseclas deles e não para mim”, discursou ele.

Em outro momento, criticou a imprensa pelo excesso de ataques que recebe. “Tenho mais de 70 horas de Jornal Nacional me triturando. Eu tenho mais de 70 capas de revista me atacando. Eu tenho mais de milhares de páginas de jornais e matérias me atacando. Eu tenho mais a Record me atacando. Eu tenho mais a Bandeirantes me atacando, eu tenho a rádio do interior me atacando. E o que eles não se dão conta é que quanto mais eles me atacam mais cresce a minha relação com o povo brasileiro”, ironizou.

Foram 55 minutos de discurso para o público presente, que ouvia entusiasmado e gritou em coro “Lula, guerreiro do povo brasileiro”. A descarga de adrenalina, no entanto, acabou contagiando militantes que protagonizaram cenas de hostilização de jornalistas que faziam a cobertura do último dia de liberdade de Lula, tanto no sindicato de São Bernardo, como no aeroporto de Congonhas e em frente à sede da Polícia Federal de Curitiba. Entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se manifestaram sobre os relatos de agressão aos profissionais de comunicação. “Conclamamos políticos e líderes de movimentos a colaborar para garantir a integridade física de quem participa da cobertura dos atos de hoje”, divulgou a Abraji.

“Não quero ser foragido”
Até o discurso de Lula, havia dúvidas se ele de fato se entregaria à Polícia ou se estenderia a corda, inclusive sob o risco de receber a ordem de prisão preventiva, o que lhe tiraria o direito de pedir um novo habeas corpus para sair da prisão. A dúvida foi dissipada durante seu discurso, quando ele admitiu que atenderia o mandado de prisão. “Se dependesse da minha vontade eu não ia, mas eu vou porque eles vão dizer a partir de amanhã que o Lula está foragido, que o Lula tá escondido, e não! Eu não estou escondido, eu vou lá na barba deles pra eles saberem que eu não tenho medo, que eu não vou correr, e para eles saberem que eu vou provar minha inocência”, disse ele para alívio do Brasil.

O tom de desafio do ato em São Bernardo, porém, viria a se dissipar assim que ele entrou no carro da Polícia Federal que o esperava perto do sindicato. De lá, ele se viu perseguido pelas mesma imprensa que atacara quando passou no prédio da PF em São Paulo para exame de corpo delito, até chegar ao aeroporto de Congonhas. Lula saiu de bimotor para Curitiba, onde chegou por volta das 22h20. O ex-presidente foi transportado de helicóptero para a superintendência da PF, onde vai cumprir a pena de 12 anos e um mês por ter recebido um apartamento triplex no valor de 2,4 milhões de reais da empreiteira OAS por favorecê-la em contratos da Petrobras, segundo a Justiça. Lula sempre rebateu que o apartamento não era dele, uma vez que não estava em seu nome. Mas ele nunca convenceu o Judiciário.

Chuva de bombas
A chegada à República de Curitiba, apelido ironicamente dado por Lula, foi como ele deveria esperar: hostil. Nos arredores do aeroporto Afonso Pena, e em vários bairros da cidade, fogos de artifício comemoravam a chegada do maior troféu de Sérgio Moro, ou, nas palavras de Lula “o sonho de consumo” do juiz. De lá ele embarcou em um helicóptero rumo à sede da PF onde iria começar a cumprir pena. As imagens de TV mostravam Curitiba com um caos no trânsito devido a protestos na chegada da persona non grata para a capital que se orgulha de liderar a Lava Jato.

Ainda assim, uma manifestação de apoiadores do ex-presidente aguardava, desde as 14h, sua chegada em volta do prédio da PF. Os vermelhos estavam separados por dois cordões policiais e cerca de 100 metros dos verde-amarelos, estes em número bem reduzido. Apesar do momento dramático para a maior liderança do PT, a militância tentava se manter animada ao longo do dia, cantando músicas de Geraldo Vandré e velhos sambas de Clara Nunes. Dezenas de estudantes secundaristas participaram do ato - muitos deles veteranos da onda de ocupações escolares que varreu o Estado em 2016.

Assim que o helicóptero do ex-presidente tocou o heliponto do prédio da PF, vieram as bombas: ao menos 10, disparadas do estacionamento do edifício em direção ao ato de apoio a Lula. Segundo os bombeiros, oito pessoas ficaram feridas sem gravidade por estilhaços. A reportagem não presenciou nenhum ato dos manifestantes que justificasse a medida repressiva, e a Polícia Federal não se manifestou até o momento sobre o episódio. Depois do tumulto, os senadores petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, que seguiram do ato de São Bernardo para Curitiba, se uniram ao que restou do protesto para anunciar que a cidade da Lava Jato vai ser também “a capital da resistência".

Colaborou Afonso Benites


Ricardo Noblat: Meu personagem inesquecível

Que magnífica biografia, a de Lula. De preso político a político preso

Lula virou, mexeu, mas não saiu do lugar. Sérgio Moro, o mais exímio enxadrista da sua geração de juízes, aplicou-lhe um xeque e 40 horas depois, Lula continua em xeque. Ganhou tempo para pensar se o xeque o deixou sem saída ou se há alguma. Não parece haver.

Na prática, Lula está preso desde que se refugiou na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo na noite da última quinta-feira. Com a diferença de que ali sua cela é mais ampla do que será a de Curitiba. E visitas são permitidas a qualquer hora.

Ter que dormir numa cama improvisada, sem frigobar por perto, sem a tv de 50 polegadas e de alta definição a qual estava acostumado, sem poder levantar de madrugada e desfilar nu pela casa, enfim sem o conforto de estar em um lugar que é seu, é um tremendo incômodo.

E ter que ouvir o ex-senador Eduardo Suplicy a dissertar sobre as vantagens do programa de renda mínima? E a ter que ouvir amiúde a vozinha irritante da senadora Gleisy Hoffman, presidente do PT? E à algaravia infernal de conselheiros, admiradores e até desconhecidos?

Em uma de suas primeiras reuniões com ministros no Palácio do Planalto, em 2003, Lula comentou irritado depois de ouvir uma sugestão estúpida: “Toda vez que segui os conselhos da esquerda, me dei mal”. Não disse que se dera mal. Usou um dos seus palavrões preferidos. Mas deixemos assim.

Nas primícias do PT, a esquerda imaginou cavalgar Lula para com ele arrombar as portas do poder. Arrombou de fato na quarta tentativa. Mas como Lula nunca foi de esquerda e nem quis ser, foi ele que a cavalgou. Cavalga até hoje. Faz o que quer com ela. Continuará a fazer, por ora.

Lula sempre foi primeiro ele, segundo ele, terceiro, quarto, e suas circunstâncias. Uma vez, deram-lhe uma apostilha com uma espécie de Raio-X da esquerda. Para que ele a entendesse melhor. Páginas da apostilha que Lula jamais leu forraram o chão da casa do cachorro dele.

O líder das gigantescas greves do ABC paulista no início dos anos 80 foi também, e na mesma época, o analista informal da Odebrecht para assuntos sindicais. Está no depoimento a Moro do ex-presidente da construtora, Emílio Odebrecht. Já gostava de viver de obséquios.

O retirante da seca nordestina, que diz ter passado fome em São Paulo, transformou-se em sócio da Odebrecht ao se eleger presidente da República. Enriqueceu-a ainda mais, e enriqueceu, porque afinal ninguém é de ferro, nem mesmo ele, o filho de dona Lindu, nascida analfabeta.

De Garanhuns para o mundo, de acanhado língua presa para “este é o cara” como o saudou certa vez o presidente Barack Obama, Lula está a caminho de Curitiba. Questão de horas. Ou de um dia a mais, quem sabe mais um. E somente os fados impedirão que isso aconteça.

Enfim, de preso político nos idos de 80 do século passado, que driblava greve de fome chupando balinhas, a político preso, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, à espera do julgamento de mais oito processos. É o epílogo notável de uma biografia igualmente notável.


Merval Pereira: Reação ao indulto

A revolta dos procuradores de Curitiba com a ampliação do indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer mostra bem o que entendem estar por trás dela: a tentativa de influir no andamento das investigações da Lava- Jato e de outras operações que desvendam atos de corrupção. A medida é vista como um compromisso governamental de livrar da cadeia os condenados, neutralizando uma das mais importantes armas da investigação, a delação premiada. Além da reação retórica, que tem atingido tons muito acima do normal, especialmente por parte dos procuradores de Curitiba, caberia ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), ou pode acontecer de juízes de execução penal, caso a caso, deixar de aplicá-la se entenderem que é inconstitucional.

Alguns advogados consideram que é uma argumentação provável. A maioria consultada considera possível, porém difícil. Existem casos de juízes negarem indulto por falta de reparação do dano decorrente de corrupção. Como a lei para progressão da pena exige a reparação, a mesma lógica poderia ser aplicada ao indulto. Não é argumento incontroverso.

Com a perspectiva de receber o indulto depois de cumprir apenas 1/5 da pena, quem vai fazer delação, pergunta o procurador-chefe da Lava-Jato, Deltan Dallagnol. Ele ressalta que, na “colaboração premiada”, o réu entrega informações e provas sobre crimes e criminosos, assim como devolve o dinheiro desviado, em troca de uma diminuição da pena. Essas informações e provas são usadas para expandir as apurações e maximizar a responsabilização de criminosos e o ressarcimento aos cofres públicos. O réu só faz um acordo quando corre o risco de ser condenado a penas sérias, ressalta Dallagnol, sem se incomodar com a acusação de que a Lava-Jato se utiliza das prisões prolongadas para conseguir delações.

No ano passado, o indulto previa que só poderiam ser beneficiados os sentenciados a no máximo 12 anos, que tivessem cumprido um quarto da pena, se não reincidentes. Agora, o tempo de cumprimento cai para um quinto, independentemente do total da punição estabelecida na condenação.

A ampliação do indulto seria uma medida entre tantas que tentam aprovar, em diversas esferas de poder, para esvaziar a Lava-Jato. Antevendo essa possibilidade, a força-tarefa de Curitiba havia solicitado ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal que fossem feitas mudanças no indulto de Natal, para que os condenados por crime de corrupção não fossem beneficiados.

O presidente não aceitou as ponderações de órgãos consultores e, segundo o ministro Torquato Jardim (Justiça), tomou uma “decisão política” de ampliar os efeitos do indulto. O presidente, disse o ministro, “(…), entendeu que era o momento político adequado para se mudar a visão, ter uma visão mais liberal da questão do indulto no direito penal”.

O juiz Sergio Moro está também em campanha para que outra medida não venha a ser tomada, desta vez pelo STF: a interdição da prisão depois de uma condenação em segunda instância. Seria outro golpe mortal nas investigações, também na linha de reduzir o estímulo às delações premiadas.

Sem a ameaça de prisão em condenação de segunda instância, o réu poderia continuar tentando alargar o tempo dos recursos, como acontecia antes da decisão do Supremo que está prestes a ser revogada. O julgamento que permitiu a antecipação da prisão, antes do trânsito em julgado, terminou com o placar de 6 a 5, mas o ministro Gilmar Mendes já anunciou que reverá a posição quando o assunto voltar a julgamento.

Mesmo que o ministro Alexandre de Moraes confirme o voto a favor dado por seu antecessor, Teori Zavascki, como se comprometeu na sabatina do Senado, o resultado será invertido.

O empresário Marcelo Odebrecht, por exemplo, só se decidiu a fazer a delação premiada depois que o STF tomou tal decisão. Para Dallagnol, “a grande verdade é que grandes líderes partidários estão na mesma berlinda e que as investigações estão em expansão e que o que ele (Temer) está conseguindo é uma saída para todo mundo.” De acordo com a Lava-Jato, 37 corruptos condenados por Sergio Moro poderão ser beneficiados pelo indulto de Temer.

A afirmação do ministro da Justiça de que a ampliação do indulto foi “uma decisão política” de Temer, que considerou esta ser a hora apropriada para uma visão mais “liberal” desse poder concedido ao presidente da República, mostra bem como Temer encara o combate à corrupção no país. O que mais indica que essa decisão é benefício inestimável aos futuros condenados por corrupção é que ela está tendo o apoio de amplos grupos políticos, dentro e fora de sua base aliada, demonstrando que as ações da Lava Jato não têm objetivo partidário específico, como são acusadas.

 


Maria Cristina Fernandes: O pavio de Lula

Mais grave que Lula não ser candidato, é a perda de relevância

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dispensou tanto a gravata verde-amarelo quanto o avião do amigo que usara no primeiro depoimento. Tomou um litro de água na primeira meia hora. Desde o câncer, explicou, passou a secar sua garganta com mais frequência. Desde o primeiro interrogatório do juiz Sergio Moro, em maio, também encurtou seu pavio.

O depoimento do ex-ministro da semana passada e o abrigo já demonstrado pela segunda instância às suas sentenças facilitaram a vida do juiz, que só derrapou ao sugerir que Lula estivesse rancoroso. O ex-presidente perdeu o humor e a fleuma com a qual dera lições de política a Moro em maio. Deixou-se encurralar com mais facilidade e irritação. Revelou conselhos como o recebido de um ex-presidente - "Se quiser fazer as coisas e não ser bisbilhotado, não converse por telefone, nem em restaurante, caminhe com a pessoa e vá falando na estrada". E foi obrigado a engolir a repreensão do juiz para que não voltasse a chamar a procuradora que o inquiriu de 'querida'.

Lula tenta se equilibrar entre a liberdade e o legado político, mas o depoimento mostrou que custa a manter a frieza de estrategista que sempre o caracterizou. O pavio de Lula não se consumiu à toa, mas talvez não seja mais suficiente para fazê-lo candidato ou, ainda, elegê-lo novamente presidente.

Lula encurralado é talvez o dado mais relevante para o modelo de país que está por ser avalizado pelas urnas de 2018. Não apenas pela perda de competitividade do mais importante partido de esquerda do país, mas, principalmente, pela ausência de relevância da legenda nos rumos do país.

Esta é uma das principais teses de artigo, ainda inédito, da professora (USP/Cebrap) Marta Arretche, "Democracia e redução da desigualdade econômica no Brasil: a inclusão dos outsiders". Ainda não há dado empírico ou discurso político capaz de contestar o fato de que os anos petistas foram o de maior queda na desigualdade do país da redemocratização. Os novos estudos feitos a partir do Imposto de Renda, pago não mais que por 17% da população, mostram que o topo dos contribuintes e sua base avançaram igualmente na apropriação da renda enquanto a classe média refluiu.

A constatação ajuda a entender os movimentos iniciados em 2013, mas é insuficiente para explicar o que aconteceu com os demais 83% da população, beneficiada por políticas públicas, e não apenas dos governos do PT. A métrica que ignora o impacto de educação, saúde e saneamento parece inapropriada para países que ainda custam a universalizar essas políticas, como o Brasil.

Os governos do PT contribuíram mais com a redução da desigualdade porque promoveram uma maior valorização do salário mínimo e expandiram, sob o chapéu do Bolsa Família, programas sociais criados no governo anterior. Mas não foi o partido que inaugurou esse processo de inclusão. O artigo relembra que o período entre o pós-guerra e o golpe de 1964 ainda é o de maior avanço na queda de desigualdade. A ditadura não o estancou. A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho nos anos 1970 fincou estacas adiante.

O passo mais largo, porém, só viria com a Constituição de 1988, pela vinculação de todos os benefícios ao salário mínimo e pela fixação de patamares obrigatórios de gastos com educação e saúde. Avançou ainda com a expansão do voto para os analfabetos, que aumentou a pressão, sobre a arena eleitoral, de contingentes em busca de um ingresso para o longo e arrastado espetáculo da inclusão.

Quando esses avanços foram registrados, a esquerda somava menos de 10% das cadeiras na Constituinte. Perdida ante a possibilidade de Lula ser excluído da cédula eleitoral, a esquerda não vai encontrar rumo sem se curvar à tese arredondada no artigo de que setores conservadores da política brasileira tinham a percepção de que a democracia não seria sustentável se não comportasse políticas de combate à pobreza.

O PT surgiu na política em contraposição a um sindicalismo tradicional que resistiu a políticas universalizantes como a extensão da Previdência Social para os excluídos do mercado formal de trabalho. Sobreviverá com menos dificuldade a um ciclo eleitoral que tende a privilegiar um discurso de derrubada de barreiras ao investimento se conseguir identificar aliados no mercado partidário à tese de que a retomada do crescimento não pode se dar pela exclusão.

A busca desta convergência está longe de ser fácil. Primeiro porque o foco exclusivo na renda apropriada pelo 1% mais rico descuida das contradições inerentes às disputas do resto do bolo. Um exemplo disso é a apoplexia com a falta de reação da sociedade à reforma trabalhista. A esquerda, como lembra Marta Arretche, finge desconhecer o contingente de pessoas ocupadas que já não têm os benefícios da CLT, que dirá as prerrogativas dos estatutários.

A maioria dos eleitores continuará a votar por políticas redistributivas enquanto sua fatia no bolo for desigual. Suas preferências, no entanto, estão longe de ser homogêneas. Apenas deixarão de ser relevantes se houver mudanças no sistema que transforma voto em mandato. Daí a centralidade das regras para 2018 em tramitação no Congresso. Mais importante que o fundão público que tende a perpetuar a atual representação no Congresso são as regras que preservem a vontade da maioria eleitoral e os estímulos à convergência na política.

Dessa convergência depende a sobrevivência da esquerda como força política relevante. É inegável que sua presença na competição eleitoral pressionou partidos de centro e de direita a atender a demandas da maioria, como se viu em muitas das políticas de um Fernando Henrique Cardoso sempre acossado pelos petistas.

A velocidade com a qual a esquerda promoveu inclusão não lhe conferiu passaporte para reproduzir vícios históricos na ocupação do Estado. Seu enfraquecimento na arena eleitoral, porém, não contribui para a preservação dos interesses da maioria. O pós-Lula depende, em grande parte, da habilidade da esquerda em identificar os novos interesses e convergências de uma sociedade em que um terço dos brasileiros ingressou no mercado eleitoral depois de sua maior liderança ter chegado ao poder.

O ex-presidente teve o melhor momento do depoimento quando disse que Palocci deixou o governo porque não era possível um ministro da Fazenda brigar com um caseiro. Foi a primeira vez que falou isso publicamente. O político que até hoje melhor conheceu o povo brasileiro custou a se dar conta de que #somostodoscaseiros.


Raymundo Costa: Depoimento é decisivo para candidatura Lula  

Ex-presidente chega acuado e abatido a Curitiba. A quarta-feira 13 pode ser o Dia D da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva às eleições de 2018.

Lula presta depoimento amanhã ao juiz Sergio Moro, em Curitiba, acuado pelas revelações feitas há uma semana por Antonio Palocci, ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos do PT, segundo as quais Lula estava no centro do esquema de corrupção da Petrobras e autorizou a cobrança de propina para financiar a campanha à reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff.

Se o ex-presidente se enrolar na presença de Sergio Moro, não deve ser candidato em 2018 por mais que esteja legalmente habilitado. Se for bem, pode começar por Curitiba mesmo a caravana programada para a região Sul do país, a exemplo da que liderou no Nordeste, encerrada no dia 5 em São Luís do Maranhão.

Mas Lula chega a Curitiba abatido com o depoimento de Palocci, segundo fontes que com ele convivem. Não esperava. Dizia para os mais chegados que não havia nenhuma chance de ser implicado por seu ex-ministro da Fazenda. Por dois motivos. Primeiro, o discurso de sempre: não tem ninguém que possa dizer que o viu pegar um tostão ou que tenha condição moral de dizer que colocou um centavo em sua mão. O segundo, a proximidade.

Argumentava que Palocci era do PT. Lula imaginava que seu ex-ministro da Fazenda teria, portanto, o mesmo comportamento de José Dirceu, com o qual integrou o núcleo duro do primeiro governo petista, e do ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, que permanece preso em Curitiba, pois embora absolvido de uma primeira acusação, responde por outras acusações.

Não foi por falta de aviso que Lula se surpreendeu com a confissão de Palocci. Em seu primeiro depoimento o ex-ministro disse a Moro que poderia contribuir com as investigações e que estava disposto a dar as explicações necessárias no dia que o juiz quisesse, ao próprio Moro ou a pessoa que o representasse. Foi um sinal de que estava encaminhando uma delação premiada.

Outro sinal captado por amigos de Lula: Palocci não foi para o presídio de Curitiba, continua na Polícia Federal. Lá está na galeria do lado onde estão os presos que fizeram delação. Há um corredor na PF que separa as celas dos presos que firmaram um acordo de delação premiada daqueles que não o fizeram.

Pelo menos aos olhos do PT, o fato de a Justiça Federal antecipar o depoimento de Palocci para a semana passada e postergar o de Lula para esta semana foi outro indício claro de que Palocci estava pronto para entregar Lula. A agenda teria sido manipulada justamente para que Lula falasse depois que Palocci o apontasse como o chefe.

Até agora, pelo que se sabe no PT, o ex-ministro Palocci ainda não assinou um termo de delação premiada. Palocci pode ter falado para incentivar a força tarefa da Lava-Jato em Curitiba, dizendo que tem muita coisa para contar, e aliviar um pouco o próprio fardo entregando Lula.

O fato é que Lula ficou abatido e "ofendidíssimo" por tudo o que Antonio Palocci falou sobre ele. É assim que chega a Curitiba. No primeiro depoimento que prestou a Moro, o ex-presidente começou hesitante, mas reagiu e no final já desempenhava o papel de vítima, no qual sente-se bem mais confortável. A situação hoje é bem diferente.

O primeiro encontro de Moro com Lula foi em maio. O ex-presidente foi recebido em Curitiba por alguns milhares de militantes arrebanhados por todo o país, mas para amanhã apenas são esperados os militantes do Paraná. Entre outras coisas, Lula terá que responder sobre o terreno que teria recebido da Odebrecht, no valor de R$ 12 milhões, para a construção da sede do Instituto Lula. Tudo verdade, segundo Palocci.

O PT nunca admitiu ter um Plano B para candidato a presidente nas eleições de 2018. Depois do estrago provocado pelo depoimento de Palocci, o assunto entrou na ordem do dia do partido. A avaliação jurídica feita era que Lula poderia disputar em 2018 mesmo sendo condenado em segunda instância, o que o enquadraria na Lei da Ficha Limpa. Mas como a decisão do tribunal de recursos é esperada somente para junho ou julho, o partido teria tempo para arrastar uma decisão definitiva até outubro.

É possível. Mas talvez não seja o embaraço jurídico que impedirá Lula de subir nos palanques como candidato, no próximo ano. Se for mal amanhã em Curitiba, sua candidatura pode ficar ferida politica e eleitoralmente de morte. Só Lula pode desatar o nó dado por Palocci.

Previdência
O Palácio do Planalto botou na agenda a votação da reforma da Previdência em outubro. Na prática, trata-se de um balão de ensaio para testar o humor do Congresso e mostrar que o governo não está paralisado com a perspectiva de o procurador-geral, Rodrigo Janot, apresentar uma segunda denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente da República. Hoje o governo não tem os 308 votos necessários para aprovar a reforma na Câmara dos Deputados.

Troféu
De um figurão da República: a Polícia Federal fazia uma campana para pegar Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo do presidente Michel Temer, e seus R$ 51 milhões em flagrante, mas teve de precipitar a operação para apresentar os resultados ao Ministério Público Federal antes da saída do procurador-geral, Rodrigo Janot.

Apostas
A prisão de Joesley Batista vence na sexta-feira. A bolsa de apostas está aberta: o procurador Rodrigo Janot vai ou não pedir a prisão preventiva do empresário? A decisão de Janot pode elucidar o que para boa parte do mundo jurídico de Brasília foi um pacto - sobre o que conversaram Janot e Pierpaolo Bottini, o advogado de Joesley, num botequim de Brasília, no sábado?


Procuradoria pede arquivamento de investigação contra Lula por obstrução à Justiça

O pedido deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo suposto crime de 'embaraço à investigação' pela compra do silêncio de Nestor Cerveró

Luiz Vassallo, Julia Affonso e Fausto Macedo, do Estado de São Paulo

O Ministério Público Federal no Distrito Federal envia nesta terça-feira, 11, à Justiça Federal em Brasília, pedido de arquivamento de Procedimento Investigatório Criminal (PIC), que apurava se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria agido irregularmente para, a partir de articulação com o Senado Federal, atrapalhar as investigações da operação Lava-Jato.

As informações são do site da Procuradoria da República no Distrito Federal.

A suposta tentativa de Lula de embaraçar o trabalho dos investigadores foi informada pelo ex-senador Delcídio do Amaral em acordo de colaboração premiada.

O ex-congressista afirmou, em delação, que Lula o convidou, juntamente com os senadores Edison Lobão e Renan Calheiros, este então presidente do Senado Federal, para uma reunião no Instituto Lula, em São Paulo, no ano de 2015 e que, o objetivo do encontro era impedir o andamento da Lava Jato.

Após ouvir o Delcídio e os outros senadores apontados, o procurador da República Ivan Cláudio Marx concluiu não “se vislumbrar no discurso de Delcídio a existência de real tentativa de embaraço às investigações da Operação Lava-Jato”.

O senador Renan Calheiros negou, em depoimento ao Ministério Público Federal, ter discutido na reunião a criação de um grupo de administração de crise para acompanhar a Operação Lava Jato.

Já o senador Edison Lobão negou que o tema ‘obstrução do andamento da Operação Lava Jato’ tenha sido levantado em qualquer reunião com o ex-presidente Lula.

Ainda no documento encaminhado à Justiça, o Ministério Público Federal cita um dos trechos da oitiva de Delcídio, em que ele próprio afirma que ” era menos incisivo que embaraçar, mas o objetivo era organizar os discursos e oferecer um contraponto”.

A Procuradoria da República no Distrito Federal ainda destaca que, apesar de Delcídio referir que ‘na prática o efeito pretendido era o de embaraçar as investigações da Lava Jato, que essa mensagem não foi passada diretamente, mas todos a entenderam perfeitamente”, essa afirmação demonstra uma interpretação unilateral do delator, que não foi confirmada pelos demais participantes da reunião.

Ainda no pedido de arquivamento, o procurador da República Ivan Cláudio Marx ressalta que o principal objetivo de Delcídio ao citar Lula na delação pode ter sido interesse próprio, com o objetivo principal de aumentar seu poder de barganha perante a Procuradoria-Geral da República no seu acordo de delação, ampliando assim os benefícios recebidos. Para o MPF, nesse caso, não há que se falar na prática de crime ou de ato de improbidade por parte do ex-presidente.

O pedido de arquivamento criminal deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo possível crime de ’embaraço à investigação’ pela compra do silêncio de Nestor Cerveró.

Ao mesmo tempo, cópia dos autos será encaminhada à 5ª Câmara de coordenação e revisão do MPF para análise de arquivamento no que se refere aos aspectos cíveis.

 


Ricardo Noblat: Para estancar a sangria

À luz dos fatos recentes, combinemos assim: senador pedir R$ 2 milhões a empresário para pagar despesas com advogados não é nada demais. Só interessa a eles.

Não importa que o dinheiro tenha sido entregue dentro de uma mala, sem registro da transação. E que a irmã do senador tenha tentado, mais tarde, vender ao empresário um imóvel da família a preço exorbitante. Assunto particular, ora essa...

Combinemos também que deputado filmado pela Polícia Federal correndo com R$ 500 mil dentro de uma mala só revela o quanto é inseguro circular livremente em locais públicos de qualquer grande cidade.

É verdade que o dinheiro lhe fora dado como pagamento de propina. Mas acabou devolvido. Em troca, o agora ex-deputado está proibido de sair de casa à noite e nos fins de semana. Não está de bom tamanho?

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu o mandato ao senador escreveu que a trajetória política dele é elogiável, que ele tem fortes ligações com o Brasil e que só ao Senado cabe punir os seus, preservando-se o equilíbrio entre os poderes da República.

É irrelevante, de certo, que o mesmo ministro, há alguns meses, tenha afastado do cargo o presidente do Senado. Acabou desautorizado por seus pares.

Não é vedado a um juiz pensar, hoje, de uma forma e amanhã de outra. O ministro que mandou prender o ex-deputado da mala, por exemplo, disse que o fez porque ele “prosseguiria aprofundando métodos nefastos de autofinanciamento em troca de algo que não lhe pertence”.

Certamente a prisão foi relaxada porque o ex-deputado desistiu de aprofundar seus “métodos nefastos de autofinanciamento”. Passou o perigo, pois.

O senador agora reconciliado com o mandato funcionou como âncora para impedir que seu partido abandonasse o governo. Se tal ocorresse, o governo retaliaria liberando votos para cassar seu mandato.

De volta às funções, e por coerência, o senador atuará com mais desenvoltura ainda para que o presidente da República denunciado por corrupção passiva continue firme e forte como deve ser.

Infelizmente para o governo, o ex-deputado da mala não poderá ajudá-lo a sobreviver mesmo que débil. Pegaria mal vê-lo arrastar-se por aí com uma incômoda tornozeleira eletrônica.

Sua maior contribuição à estabilidade das instituições será manter-se calado. Por coincidência, nada mais do que coincidência, foi libertado poucos dias depois de avisar que estava disposto a delatar. Era o que faltava...

Celebremos o que há de mais positivo. Por folgada maioria de votos, o STF validou a delação dos executivos do Grupo JBS que ameaça a sorte do atual e dos ex-presidentes Dilma e Lula. Quer dizer: segue valendo a lei das delações assinada por Dilma e depois amaldiçoada por ela.

A decisão do tribunal deixou entreaberta a porta para revisão de delações contaminadas por ilegalidades. Quais? Qualquer uma. Não lhe parece justo?

O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro, já teve seu substituto escolhido – a procuradora Raquel Dodge, de notável biografia e desafeta dele.

Foi o segundo nome mais votado por seus colegas. O primeiro, irmão do governador do Maranhão, adversário de José Sarney, era a favor da cassação de Temer. Foi o ministro Gilmar Mendes que sabiamente aconselhou Temer a escolher Raquel.

Espera-se que o juiz Sérgio Moro condene Lula, esta semana. Então o país poderá respirar aliviado. Não é?

* Ricardo Noblat é jornalista

Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/para-estancar-sangria-03-07-2017.html

 


Marco Aurélio Nogueira: Os podres da República e a sorte de Moro

*Marco Aurélio Nogueira
Bastou a prisão de Eduardo Cunha para que as nuvens ficassem mais carregadas e os dilemas da República se agigantassem.

Já se sabia de tudo, mas a prisão trouxe à tona uma trajetória que chama atenção pela longevidade, pela desfaçatez e pelo tamanho das ilicitudes. Cunha tem peso próprio, não é um qualquer quando se trata de exploração das brechas existentes na legalidade e na cultura político-administrativa do Estado brasileiro. É um profissional. As acusações contra ele abrangem um leque impressionante de fraudes, negócios escusos, abusos e irregularidades. Vêm lá de trás, mais ou menos do final dos anos 1980. Como foi possível sobreviver durante tanto tempo e seguir uma carreira ascendente que poderia tê-lo levado à Presidência da República? O sistema assistiu impassível à performance, que teria continuado se não houvesse a Lava Jato.

No mínimo por isso, o juiz Sergio Moro merece aplausos. Ele está a desnudar os podres de nossa vida estatal, valendo-se de uma obstinação que o tem ajudado a resistir a intempéries mil, ainda que o levando em certos momentos ao limite da temperança e da moderação.

As vozes mais sensatas e certeiras da República afirmam que a pressão sobre Moro aumentará terrivelmente. A prisão de Cunha fará um tsunami desabar sobre o juiz, impulsionado tanto pelos ventos que sopram do lado dos que não desejam o prosseguimento da Lava Jato, quanto pelos vagalhões produzidos por aqueles que não gostam do estilo de Moro e o veem como autoritário. No governo Temer, no Congresso e na oposição, quem tem o rabo preso está suando frio. A lógica das coisas aponta na direção deles. Decaído o chefe, é de esperar que o restante dos dominós caia também, ou seja ao menos ameaçado. Sobretudo se Cunha der com a língua nos dentes, contar o que sabe, com quem tramou, por que o fez, quanto ganhou e quanto distribuiu. Nitroglicerina pura, que será por ele usada com inteligência estratégica e instinto de sobrevivência, atributos que não lhe faltam.

No day after da prisão, não faltou quem fizesse a ilação apressada: Cunha derrubará Temer ou lhe roubará as bases de apoio a ponto de levar seu governo à asfixia. Setores da direita e sebastianistas de esquerda deram-se as mãos, desavergonhadamente, para atacar as detenções preventivas decretadas por Moro. Alegaram que elas ferem o Estado de Direito, que a prisão de Cunha não passaria de pretexto para prender Lula, que a Lava Jato teria criado a imagem da “corrupção sistêmica” só para justificar o arbítrio da república de Curitiba e “criminalizar o PT”. Cunha seria mais uma vítima desse procedimento judicial que fere a justiça, abusa da autoridade e desrespeita direitos.

Moro respondeu quase de imediato. Em palestra feita em Curitiba para desembargadores e juízes do Paraná, reiterou que a “aplicação vigorosa da lei” é o único meio de conter casos de “corrupção sistêmica”. As detenções cautelares seriam indispensáveis, até para deixar estabelecido que “processos não podem ser um faz de conta”. E explicou: “Jamais e em qualquer momento se defendeu qualquer solução extravagante da lei na decretação das prisões preventivas”. Seria preciso manter viva a “fé das pessoas para que a democracia funcione”, ou seja, impedir que se perca a “fé maior, de que a lei vale para todos”.

Evidenciou-se assim que o juiz sabe que a pressão sobre ele continuará a crescer. A coisa toda, no fundo, pode ser vista de forma mais simples.

Quando gente de direita e de esquerda se une para atacar um juiz, é porque há algo de muito errado no xadrez político. A causa, no mínimo, torna-se suspeita de antemão, especialmente quando estruturada para proteger pessoas que estão a ser investigadas há tempo, com provas que se superpõem e se acumulam.

Um juiz tende a ter atrás de si todo o sistema da Justiça: outros juízes, promotores, procuradores, tribunais, leis, jurisprudências, ritos consagrados, policiais federais. Moro não é, evidentemente, uma unanimidade entre seus pares e há muito conflito entre os órgãos e os aparatos de investigação e penalização. Mas, de algum modo, atacar hoje um juiz como ele pode significar um ataque ao conjunto do sistema.

Afinal, tudo parece indicar que a “corrupção sistêmica” está aí e atingiu níveis graves, que precisam ser contidos não só por uma questão de justiça, mas também por uma questão operacional: o sistema enfartará se não for “purificado” e esvaziado de trambiques e sujeira. Se é assim, em maior ou menor grau, Moro tem razão quando fala que “a condição necessária para superar a corrupção sistêmica é o funcionamento da Justiça”. Não haveria por que propor alguma espécie de “solução autoritária”, mas é preciso que se tenha vontade para que os processos cheguem a bom termo.

Ações judiciais na esfera política são acompanhadas com interesse pela sociedade, especialmente numa época de informações intensivas e protagonismo das opiniões. O cidadão assiste àquilo como parte de uma “limpeza” que ele gostaria de ver realizada. Muitas vezes joga o bebê fora junto com a água do banho: condena todos os políticos sem se esforçar para perceber que há diferenças entre eles, raciocina com o fígado e bate em todos como se fossem farinha do mesmo saco.

Se uma sociedade rejeita a corrupção sistêmica, o enriquecimento ilícito e os políticos “sujos”, com seus empresários a tiracolo, então não será o ataque a um juiz que vai convencê-la do contrário. Tal ataque, porém, se bem-sucedido, poderá fazer com que ela não se mobilize.

Até prova em contrário, se a sociedade assim quiser e souber se manifestar, Moro seguirá em frente, contra o sistema político que deseja seu silêncio, contra o governo e a oposição, contra o histrionismo da direita e as lágrimas de crocodilo da esquerda.

*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp


Fonte: opiniao.estadao.com.br