Crivella

Bernardo Mello Franco: O bispo, o tribunal e a urna

Marcelo Crivella se candidatou a prefeito, mas governa o Rio como bispo. Desde que tomou posse, ele serve aos interesses da Igreja Universal, fundada por seu tio. A cidade que se julgava cosmopolita virou laboratório de um projeto que mistura política e religião.

Neste modelo de governo, as crenças do pastor falam mais alto que as obrigações do gestor. Crivella boicota o carnaval, festa mais importante da cidade, porque sua igreja associa a folia ao pecado. A atitude prejudica o turismo e a indústria do samba, que gera milhares de empregos durante todo o ano.

Em 2019, o prefeito mandou apreender um gibi por causa de um beijo entre dois homens. A censura foi derrubada pela Justiça, mas tumultuou a Bienal do Livro. Há quatro meses, ele mandou instalar um tomógrafo no estacionamento do templo da Universal na Rocinha. O aparelho deveria ter sido montado na UPA, onde os moradores são atendidos sem discriminação religiosa.

A confusão entre fé e política não é o único pecado do bispo. Sua gestão é manchada por escândalos em série, que já geraram cinco pedidos de impeachment. As acusações vão de favorecimento a pastores nos hospitais a negócios suspeitos em área de milícia.

Na semana passada, a Câmara livrou Crivella do quinto processo de cassação. A denúncia foi apresentada depois que a polícia fez buscas na casa dele. A investigação apura a existência de um “QG da Propina” na administração municipal.

Os desmandos levaram o prefeito a bater recordes de impopularidade. Em dezembro passado, 72% dos cariocas consideravam sua gestão ruim ou péssima. Mesmo assim, ele sonha com a reeleição. Seu trunfo é o apoio do clã Bolsonaro, aliado da Universal no plano nacional.

Ontem o TRE condenou Crivella por abuso de poder político para beneficiar o filho, que se candidatou a deputado em 2018. Os dois foram declarados inelegíveis por oito anos. As provas são fortes, mas o julgamento às vésperas da eleição oferece ao prefeito o papel de vítima. Sem realizações a mostrar, ele retomará o discurso de que é perseguido pelos poderosos. Seria melhor deixar os cariocas usarem a urna para despejá-lo.


Ascânio Seleme: Nosso Rio

Em menos de uma semana, nossos governantes abusados protagonizaram dois escândalos

Marcos Paulo Oliveira Luciano, o ML, chegou para depor carregando uma Bíblia. Queria passar uma imagem de homem bom, religioso, temente a Deus, um fiel discípulo do bispo Marcelo Crivella. Para a polícia, contudo, ML é o chefe da gangue que foi denunciada pelo Ministério Público e pode levar o prefeito do Rio a enfrentar um processo de impeachment ou uma CPI.

Além de ML e seus bárbaros, o carioca conheceu esta semana uma nova modalidade de crime que o prefeito do Rio acrescentou no seu rol de atentados contra a administração pública. Perdulário, Crivella contratou assessores pés de chinelo com dinheiro do contribuinte para abordar e impedir que repórteres fizessem matérias denunciando o caos dos hospitais municipais nas portas das unidades.

O bispo vai precisar explicar ao Ministério Público o evidente mau uso do dinheiro do erário. Foi ele quem inventou a barbaridade e é o mentor do grupo que cometeu crimes de peculato, constrangimento ilegal, associação e condescendência criminosa. Além disso, deve ter cometido crime eleitoral, uma vez que usou recursos do contribuinte para contratar gente cuja única função era mentir para proteger sua imagem de prefeito candidato à reeleição, sem qualquer atribuição efetivamente pública.

Nos grupos de WhatsApp dos milicianos de porta de hospital, como a vereadora Teresa Bergher chamou a turba, constava o telefone celular de Crivella. O prefeito acompanhava a ação dos agressores em tempo real. Além do bispo, alguns secretários e assessores do prefeito participavam desses chats. Uma vergonha privada tornada pública.

A ação da gangue nos hospitais tinha o mesmo formato. Todos foram treinados para dizer as mesmas coisas, atacar e agredir jornalistas, defender o prefeito e desrespeitar os entrevistados. Diante desse ultraje, a nota da Prefeitura é de morrer de rir. Ela afirma que aqueles energúmenos estavam nas portas dos hospitais para “esclarecer a população”. Fala sério.

A quem Crivella quer enganar? Se você responder que ele queria atrapalhar a imprensa, errou. O que o prefeito queria era mal informar ou desinformar a população, o contribuinte que paga o seu salário e os salários dos seus “milicianos”. Diante do que se viu e do que já se sabe até aqui, Crivella criou o grupo para calar a boca do cidadão que vai ao hospital e bate com a cara na porta. Queria ludibriar o eleitor, com quem vai ter que lidar em novembro.

Estamos falando de criminosos. E é evidente que nem no escuro do seu quarto o chefe da gangue, o fiel ML, pediu perdão a Deus. Deve ter rezado para não perder o emprego com salário de R$ 10 mil. Aliás, R$ 18 mil, porque o prefeito amigo lhe deu um aumento de 80% em agosto. Por que mesmo, Crivella?

E assim caminha o Rio. Em menos de uma semana, nossos governantes abusados protagonizaram dois escândalos. Um deles resultou no afastamento do governador Wilson Witzel. O outro desmoralizou ainda mais o já enlameado prefeito. Em ambos, os cidadãos do Rio entraram pelo cano.

Desnecessário acrescentar qualquer coisa ao caso de WW. Mas não dá para passar sem observar o modus operandi do governador. Primeiro, como disse o delegado do inquérito, foi uma volta ao passado. Nada criativo, o afastado imitou Sérgio Cabral, usando o escritório de advocacia da mulher para desviar dinheiro público. E, como revelou o colunista José Casado, copiou também a dupla Lula e Dirceu, instituindo através de seus operadores um mensalão carioca.

WW pode acabar preso. A situação política do governador é gravíssima. Mesmo que não tivesse sido afastado pelo Superior Tribunal de Justiça, ele acabaria sendo impichado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a fabulosa Alerj. Crivella corre riscos semelhantes. Os pedidos de CPI e impeachment já foram protocolados, e hoje a Câmara Municipal decide se abre o processo de afastamento do pior prefeito da história do Rio.


Ascânio Seleme: E o Rio, como fica?

Se dependesse do prefeito, melhor seria deixar o debate para a última hora

Em três meses os cariocas vão eleger o sucessor do bispo Marcelo Crivella ou reconduzir o atual prefeito para um novo mandato de quatro anos. Embora a questão política nacional seja enorme, e quase sempre prioritária, não dá para ignorar a urgência da eleição municipal. Mesmo tendo população e orçamento maiores do que de alguns estados brasileiros, o Rio não deixa de ser uma cidade onde pessoas moram, estudam e trabalham. É no Rio, e não em Brasília, que os cariocas andam de ônibus. É nos hospitais da cidade que tratam da saúde e nas escolas municipais que seus filhos estudam. Chegou a hora de prestar atenção ao Rio.

Se dependesse do prefeito, melhor seria deixar o debate para a última hora mesmo. Enquanto isso, ele iria consolidando suas posições entre os evangélicos e fortalecendo seus laços com Bolsonaro e família. Crivella é o pior prefeito do Rio dos últimos anos, mas não é bobo. Ele já mapeou muito bem o caminho que pode levá-lo à reeleição. Em primeiro lugar, grudou no presidente como uma ostra na pedra. Mesmo nos momentos ruins, sempre esteve ao lado de Bolsonaro, não porque antecipava a sua recuperação, mas por falta de opção mesmo. Hoje, com a melhora dos índices de aprovação de Bolsonaro, Crivella cresce.

Seu primeiro movimento em favor da confirmação desse apoio já foi dado. O bispo quer a deputada Major Fabiana como sua candidata a vice. Ela é do PSL, partido do qual Bolsonaro está se reaproximando. Se o entendimento entre o partido e o presidente desandar, Fabiana será ejetada. Crivella sabe fazer o jogo político, o que ajuda a fortalecer sua posição eleitoral. Uma candidatura que até outro dia parecia fadada ao fracasso hoje pode muito bem constar da cédula do segundo turno. Seu sucesso ou fracasso vai depender de como reagirão seus adversários.

O principal concorrente de Crivella é o ex-prefeito Eduardo Paes, cujo maior problema é ser sempre associado ao grupo do ex-governador Sérgio Cabral, responsável pela sua indicação na primeira eleição a prefeito e de quem foi secretário. Este fantasma com certeza será lembrado na campanha. As delações premiadas da Lava-Jato não o alcançaram e ganhou todas as ações movidas contra ele; mesmo assim, é por aí que será bombardeado. Hoje, é réu em ação iniciada pelo Ministério Público assim que anunciou sua candidatura.

Paes é de longe o mais forte dos opositores de Crivella. Ele lidera todas as pesquisas e talvez seja o único capaz de ganhar do atual prefeito ainda no primeiro turno. Mas dependerá muito de como vai construir sua campanha. Com certeza, ele será atacado pelo bispo e, se não reagir com a mesma intensidade, pode ficar pelo caminho. Flancos frágeis Crivella tem aos montes, difícil é saber por onde começar.

Como o crescimento da aprovação de Bolsonaro alavancará Crivella, Paes terá de brigar pelos eleitores que lhes deram a vitória nas duas eleições que ganhou no Rio. Os votos de opinião não serão suficientes para elegê-lo, como não bastaram para seu adversário Fernando Gabeira na eleição de 2008. Será nas periferias das grandes cidades que os candidatos a prefeito apoiados por Bolsonaro testarão a força eleitoral do auxílio emergencial. Crivella vai navegar nesta onda. E é lá que Paes terá de garimpar.

Para derrotar o pior prefeito da história do Rio, Eduardo Paes terá também que ser capaz de se articular com os partidos de esquerda. Se souber dividir, poderá somar e ganhar.

Ditadura do tráfico
O cenário lembra os piores momentos da ditadura, quando pessoas eram sequestradas, torturadas, assassinadas e enterradas em covas clandestinas por forças policiais ou militares. O cemitério do tráfico do Salgueiro é tão grotesco quanto o de Perus, em São Paulo, por reunir sob o mesmo terreno corpos de dezenas de pessoas. No Salgueiro, os restos são de traficantes de facções concorrentes, de moradores da comunidade desobedientes e de policiais. Em Perus, pelo menos 20 corpos encontrados em valas clandestinas pertenciam a desaparecidos políticos, inimigos do regime militar.


Rio Janeiro vive desmazelo e incúria, diz Ligia Bahia na revista Política Democrática online

Em publicação da FAP, professora da UFRJ diz que desespero prevalece entre paciente e profissionais da saúde

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O desmonte do SUS (Sistema Único de Saúde) no Rio de Janeiro atinge atendimentos de ambulância na atenção primária e hospitais de emergência, que são recursos estratégicos para salvar vidas de doentes graves e acidentados. O alerta é da médica Ligia Bahia, mestre e doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, em artigo que ela produziu para a 15ª edição da revista Política Democrática online. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a revista.

» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online

“Quem for ferido em um acidente de carro e encaminhado para uma emergência municipal estará no mesmo barco do restante da população”, afirma a Ligia Bahia, que também é professora associada da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “A cidade, que, no passado, teve a melhor rede pública do país, tornou-se exemplo de desmazelo e incúria”, lamenta a médica, no artigo produzido exclusivamente para a revista Política Democrática online.

De acordo com Ligia Bahia, profissionais de saúde, contratados por organizações sociais, passaram a não receber salários em dia e a serem demitidos e reconvocados a trabalhar sob novos contratos. “Jovens médicos, expostos diariamente à insatisfação da população com condições de atendimento sempre precárias, estão migrando para cidades nas quais o SUS oferece melhores padrões assistenciais”, alerta a professora da UFRJ.

As reiteradas interpelações do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos de controle, como tribunais de contas são imprescindíveis, mas, conforme escreve a Ligia Bahia, chegam “na ponta”. “O desespero prevalece entre pacientes e profissionais de saúde. Os primeiros não sabem se serão atendidos; os segundos não conseguem aplicar seus conhecimentos porque não dispõem de condições adequadas de trabalho”, conta ela.

Ligia Bahia também tem experiência na área de saúde coletiva, com ênfase em políticas de saúde e planejamento, principalmente nos seguintes temas: sistemas de proteção social e saúde, relações entre público e privado no sistema de saúde brasileiro, mercado de planos e seguros de saúde, financiamento público e privado, regulamentação dos planos de saúde. Entre suas publicações, destaca-se Planos e seguros de saúde: O que todos devem saber sobre a assistência médica suplementar no Brasil (São Paulo: Unesp, 2010) e Saúde, desenvolvimento e inovação (Rio de Janeiro: Cepesc, 2015).

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

 

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Bernardo Mello Franco: Crivella, o impopular

Crivella é o prefeito do Rio mais impopular das últimas décadas. Ele deve apostar na agenda

Marcelo Crivella chegou lá. Depois de três anos no cargo, ele se tornou oficialmente o prefeito do Rio mais impopular das últimas décadas. De acordo com o Datafolha, 72% dos cariocas consideram sua gestão ruim ou péssima. Apenas 8% aprovam o desempenho do bispo como administrador.

A pesquisa traz más notícias para quem sonha com o segundo mandato. Crivella supera os 60% de rejeição em todas as faixas de idade, renda e escolaridade. Entre os eleitores com ensino superior, seu índice negativo alcança os 84%. Neste grupo, apenas três em cada cem cariocas aprovam o prefeito.

O bispo encontra dificuldades até no seu público mais fiel. Entre os evangélicos neopentecostais, que incluem os seguidores da Igreja Universal, ele é aprovado por 26% e reprovado por 49%. O dado mostra que a irritação com o prefeito está falando mais alto que a identificação com o pastor.

Crivella foi eleito depois de quatro campanhas frustradas à prefeitura e ao governo do Estado. Em 2016, aproveitou a onda conservadora pós-impeachment. Apelou a temas como drogas e aborto para derrotar Marcelo Freixo no segundo turno. O então prefeito Eduardo Paes também o ajudou, ao lançar um candidato pouco competitivo que terminou em terceiro lugar.

Agora Paes e Freixo largam na frente para a disputa de 2020. Em desvantagem, Crivella indica que vai recorrer mais uma vez à agenda de costumes. A tentativa de censurar um gibi na Bienal do Livro, a pretexto de proteger as famílias cristãs, foi um ensaio da guerra santa que pode vir por aí.

O prefeito também aposta na ajuda de Jair Bolsonaro. Nesta semana, ele pediu socorro ao presidente para tapar os buracos no caixa. Saiu com a promessa de R$ 150 milhões para quitar atrasados na Saúde. Falta saber se o capitão aceitará pedir votos para um aliado tão impopular.

Na quinta-feira, Crivella disse que a crise na Saúde é “falsa”. De acordo com o Datafolha, o discurso não convence a maioria dos cariocas. Para 68%, a área é o maior problema de sua gestão.

Em três anos, o Rio viu o prefeito comprar brigas com os vereadores, com as escolas de samba, com os meios de comunicação e com a Justiça. A sucessão de crises expôs um político avesso à transparência e hostil às tradições da cidade. Crivella conseguiu se indispor até com o Rei Momo, alvejado na sua cruzada contra a festa pagã.

Na nova ofensiva contra a imprensa, o bispo mostrou que não separa o público do privado. Ele se outorgou o direito de barrar jornalistas no Palácio da Cidade, como se o prédio público fosse uma extensão da sua casa.

A confusão de papéis já havia ficado clara quando o prefeito tentou empregar o próprio filho no secretariado. A nomeação foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal. Tempos depois, Crivella foi flagrado ensinando pastores a furar filas em serviços públicos. Sua frase, “Fala com a Márcia”, virou CPI e marchinha de carnaval.

Apesar do recorde de rejeição, não convém tratar o bispo como carta fora do baralho. Como lembra um futuro adversário, ele ainda conta com a máquina da prefeitura, com a igreja e com a emissora do tio. Numa disputa fragmentada, pode ser o suficiente para levá-lo ao segundo turno. Conservadora e no possível apoio de Bolsonaro para tentar a reeleição.


Ascânio Seleme: O zelador e o pastor

Crivella vem fazendo nos últimos meses uma gestão de formiguinha

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, gosta de se apresentar como zelador, um homem que cuida da cidade e das pessoas. Segundo ele, não dá para o prefeito-zelador estar fora da cidade em momentos como o da segunda-feira, quando um dilúvio se abateu sobre São Paulo. Covas já viveu outros episódios estressantes na sua curta gestão de um ano. Viu um prédio de 20 andares no Centro desabar depois de um incêndio e um viaduto cair no meio de um feriado.

Não tem dia fácil ou tranquilo na administração, diz Covas, que estava em Berlim quando a tempestade inundou São Paulo, tendo de voltar às pressas para a cidade. Apesar de tanto aborrecimento, Bruno Covas deve ser candidato à reeleição. Confia que terá apoio do governador João Doria e de todo o seu partido, mas jura que ainda nem pensou em trabalhar politicamente sua candidatura.

De acordo com ele, o melhor a fazer é exercer bem o mandato. “Trabalho pela reeleição é trabalho de prefeito”, diz. Hoje, a prefeitura tem menos secretários ligados a partidos do que em janeiro de 2017, no início da gestão de João Doria, a quem Covas substituiu. O prefeito acha que lotear o governo atrapalha mais do que ajuda. Tempo de TV, segundo ele, não ganha eleição, como bem demonstrou seu aliado Geraldo Alckmin no ano passado.

Enquanto isso, no Rio, o prefeito Marcelo Crivella inaugurou, 19 meses antes do pleito, a luta por um segundo mandato. Ele restabeleceu as secretarias de Turismo e Meio Ambiente, que disse serem desnecessárias quando tomou posse. O movimento serviu para selar um pacto com o ex-governador Francisco Dornelles. Com a nomeação de dois quadros, o PP apoiaria a reeleição de Crivella. Tudo normal, tudo de acordo com a velha política.

(Aqui um parêntesis. Engraçado o prefeito revalorizar o turismo na semana seguinte ao anúncio de que vai encerrar a subvenção para o carnaval.)

O prefeito, que também está dando cargos ao Solidariedade, pavimenta o caminho para a campanha pela reeleição. Nenhuma dúvida de que ele é um dos favoritos, e não só por estar exercendo o cargo. Crivella vem fazendo nos últimos meses uma gestão de formiguinha, nas palavras de quem conhece a administração pública municipal.

Ele está inaugurando pracinhas, coretos, quadras de esporte, bicas d’água. Com fala mansa, conversa de pastor e amigo, Crivella procura ser íntimo da dona de casa, do dono da venda, do líder comunitário. Este trabalho, associado ao apoio de novos partidos e à bênção da comunidade evangélica, faz de Crivella o candidato a ser batido no ano que vem.

Os adversários mais óbvios são o ex-prefeito Eduardo Paes, os deputados Marcelo Freixo, Alessandro Molon e Martha Rocha, e o secretário Pedro Fernandes. Para Paes, primeiro, é preciso ver se investigações em curso não o inviabilizam. Molon, se não apoiar Freixo, pode ser candidato pela Rede. O PDT pode lançar a deputada Martha Rocha. O secretário Pedro Fernandes pode ser o candidato do governador pelo partido que Witzel escolher. As únicas garantias são que o MDB está fora e Freixo, dentro.

Contra fiscal
O deputado estadual Alexandre Freitas (Novo) protocolou ontem na Assembleia Legislativa do Rio um projeto de emenda constitucional que submete aos deputados a escolha do procurador-geral de Justiça e do defensor público geral. Pelo projeto, essas autoridades, depois de eleitas pelos seus pares e antes de serem nomeadas pelo governador, devem ser aprovadas pela Alerj. A ideia não apenas subverte a autonomia dada pela Constituição a essas instituições. Ela tenta colocar freios no Ministério Público e na Defensoria e, se aprovada, pode provocar retrocesso no processo fiscalizatório.

Dizer que os procuradores e defensores têm muito poder para explicar a emenda não vale. Se este fosse de fato o problema, melhor seria ir ao Congresso Nacional e discutir amplamente essas questões. Tentar “solução” parcial, em âmbito estadual, pode parecer rancor ou vingança. Curiosidade: a proposta foi apresentada no dia seguinte à entrevista coletiva sobre a prisão dos suspeitos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes convocada pelo governador Wilson Witzel; como todos sabem, o MP se recusou a participar da pajelança.


Elio Gaspari: Crivella quer o Porto Jogatina

Cariocas são obrigados a suportar fantasias e empulhações do prefeito do Rio

Num mesmo dia, o prefeito Marcelo Crivella disse que "o Rio de Janeiro é o epicentro da corrupção" e anunciou um futuro radiante para o projeto do Porto Maravilha. Prometeu R$ 10 bilhões em investimentos com a construção de duas torres de hotéis, um centro de convenções e... um cassino.

O prefeito do "epicentro da corrupção" defende a legalização da jogatina para salvar um projeto megalomaníaco atolado na zona portuária da cidade. Isso num estado que tem dois governadores presos, e foram apanhados em roubalheiras dezenas de deputados, secretários do governo e conselheiros do Tribunal de Contas. Dois cardeais da sacrossanta Arquidiocese de d. Eugênio Salles viram suas atividades tisnadas por malfeitos de pessoas que lhes eram próximas. Tudo isso sem que o jogo seja legalizado.

Um policial militar que trabalhou com a família Bolsonaro e orgulhou-se de "fazer dinheiro" ainda não ofereceu uma versão consistente para explicar suas movimentações financeiras. Um capitão da tropa de elite da PM teve a mãe e a mulher empregadas no gabinete do filho do presidente. Alcunhado "Caveira", o oficial foi expulso da corporação e está foragido. Ele era donatário de uma milícia da cidade.

O Rio de Janeiro elegeu um juiz para o governo do estado. Outro policial, que se apresentava como seu consultor para assuntos de segurança, está na cadeia, acusado de extorsão. Na última eleição esse policial foi candidato a deputado federal pelo partido do governador. O filho do presidente homenageou-o numa sessão da Assembleia Legislativa.

Sem cassinos, o Rio já está assim. Nenhuma pessoa de boa-fé pode acreditar que alguma coisa melhorará com estímulos à jogatina e a abertura de lavanderias de dinheiro. Ao crime organizado Crivella que juntar o jogo legalizado.

O prefeito não joga, não fuma, não bebe e sabe que está apenas criando uma nova miragem para uma cidade ludibriada por fantasias como as da Copa do Mundo e da Olimpíada. De miragem em miragem o Rio vive uma eterna Quarta-Feira de Cinzas. Crivella sabe que a reabertura dos cassinos depende da aprovação de uma lei pelo Congresso. Conhecendo a tessitura do crime organizado na cidade, dificilmente Jair Bolsonaro perfilhará a legalização do jogo.

No mundo real, a única pessoa tenuemente interessada nas torres e no cassino prometidos por Crivella é o bilionário americano Sheldon Adelson, que tem complexos de turismo e jogo em Las Vegas, Macau e Singapura. Ele começou a trabalhar aos 12 anos (tem 85) e já juntou US$ 33,3 bilhões (R$ 125,7 bilhões).

É um campeão da causa de Israel e a ele se atribui a abertura dos cofres de muitos republicanos para Donald Trump. É também um protetor do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Dele viriam os R$ 10 bilhões imaginados por Crivella.

O Porto Maravilha de Eduardo Paes atolou porque era um projeto demófobo. O Rio da zona portuária nunca poderia ter sido o que é o Puerto Madero argentino, como a Barra da Tijuca nunca será uma Miami. Aquela área está num bairro popular e centenário. Quem quiser conferir, que ande pelas ruas da Gamboa e de São Cristóvão. A megalomania imobiliária encalhou porque foram poucos os interessados em levar suas empresas para lá. Ali, o povo do Rio sempre viveu em casas modestas. Miami é em outro lugar.

Na região do Porto Maravilha construíram-se dois novos museus. A poucos quilômetros dali, pegou fogo o Museu Nacional. (Quarenta anos antes, incendiou-se o museu de Arte Moderna. Ganha um fim de semana em Caracas quem souber de outra cidade com semelhante desempenho.)

 


Luiz Carlos Azedo: Lula na ponte aérea

Duas eleições municipais estão implodindo a frente de esquerda que o PT articulou para deixar o poder em ordem e tentar sobreviver às eleições municipais, garantindo uma mínima base de apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2018: a de São Paulo e a do Rio de Janeiro. Em ambas, as forças que adotam a narrativa de golpe — PT, PCdoB, PSol e representantes da Rede — se digladiam e correm o risco de ficar fora do segundo turno. Com exceção de Rio Branco, no Acre, o PT enfrenta grandes dificuldades nas capitais, a começar pela reeleição de Fernando Haddad em São Paulo.

Em São Paulo, a possível ausência do prefeito Fernando Haddad (PT) no segundo turno subverte a lei da gravidade, uma vez que administra o terceiro orçamento do país e disputa a eleição com a máquina administrativa da capital sob seu controle, mas não será surpresa. Sua administração é considerada um desastre pelos paulistanos. No Rio, se houver segundo turno, a disputa poderá ser entre Marcelo Crivella (PRB) e o candidato do PMDB, Pedro Paulo, apoiado pelo prefeito Eduardo Paes, que surfa os louros do sucesso das Olimpíadas, apesar do peemedebista ter a pecha de supostamente “bater em mulher”. A candidatura de Jandira Feghali (PCdoB), apoiada pelo PT, pode tirar do segundo turno o candidato do PSol, Marcelo Freixo.

Sampa

O empresário João Doria (PSDB) assumiu a liderança da disputa em São Paulo, em pesquisa Ibope divulgada ontem, com 28%. O deputado federal Celso Russomanno (PRB) continua em queda, com 22%. Em seguida vêm a senadora e ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB), com 16%, mostrando certa capacidade de recuperação; o atual prefeito, Fernando Haddad (PT), com 13%; e a deputada federal e ex-prefeita Luíza Erundina (PSol), com 5%, também em ligeira recuperação. Major Olímpio (Solidariedade) teve 1% das intenções de voto, assim como Ricardo Young (Rede), João Bico (PSDC) e Levy Fidelix (PRTB).

Marta sofre duros ataques dos adversários, principalmente de Russomanno, que vem caindo e teme ser volatilizado, ficando fora da disputa, e do prefeito Haddad, que tenta resgatar os votos tradicionais do PT, nacionalizando a campanha. A forte movimentação organizada pelo partido após o julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, com grandes manifestações na Avenida Paulista, serviu para reforçar o discurso contra a ex-petista, vinculando-a ao presidente Michel Temer.

O fato de ter deixado a legenda e votado a favor do impeachment estimula impiedosos ataques dos petistas contra Marta, que ficou ensanduichada, mas tem muito voto popular na periferia de São Paulo. O voto da classe média é seu maior problema. Além de arcar com o desgaste do apoio a um governo federal de baixa popularidade, Marta não conta com o apoio do presidente Michel Temer, que teme desagradar o governador Geraldo Alckmin (PMDB). O tucano aposta todas as fichas na eleição de Doria, cuja ascensão é impressionante, para se viabilizar como candidato em PSDB à Presidência em 2018. Luíza Erundina (PSol) resiste às pressões para desistir da candidatura e apoiar Haddad, para levá-lo ao segundo turno.

Rio

Marcelo Crivella lidera com folga a disputa no Rio de Janeiro, com 34% dos votos, segundo o Ibope divulgado ontem. Pedro Paulo (PMDB) e Marcelo Freixo (PSol) estão empatados, com 10%. Pedro Paulo conta com 18% das intenções de votos na parcela da população que recebe menos de um salário-mínimo, Marcelo Freixo desponta entre os eleitores com renda acima de cinco salários (16%). Geograficamente, ocupam territórios demarcados: Freixo nas zonas Sul e Norte, Pedro Paulo na Oeste. Quem invadir a praia do outro vai para o segundo turno.

Acontece que os votos da esquerda carioca estão divididos por causa da candidatura da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), apoiada pelo PT, que tem 7% dos votos, empatada com Flávio Bolsonaro, também com 7%. Foi ultrapassada por Índio da Costa (DEM), que está com 8%; Carlos Osório (PSDB) caiu para 4%. Molon, da Rede, está empatado com Carla Migueles, do Partido Novo, com 1%. Como Haddad em São Paulo, Jandira nacionalizou as eleições: na semana passada, atraiu a ex-presidente Dilma para a campanha (o que provocou sua queda nas pesquisas), mas depois levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um comício em Campo Grande, para seduzir eleitores contra o impeachment.

Sua candidatura é acusada de divisionismo pelo PSol, que denuncia um acordo de bastidor do PT com o prefeito Eduardo Paes para viabilizar a ida de Pedro Paulo para o segundo turno. A manobra tem a cara do ex-presidente Lula, que sempre usou a legenda como moeda de troca para suas alianças no Rio de Janeiro com o grupo político do ex-governador Sérgio Cabral. A juventude de esquerda, intelectuais e artistas estão com Freixo. É o caso, por exemplo, de Chico Buarque, que compareceu ao comício do candidato do PSol no mesmo dia em que Lula prestigiava Jandira. (Correio Braziliense – 29/09/2016)


Fonte: pps.org.br