crise mundial

Deives Rezende Filho: Não adianta só chamar para a festa, tem que tirar para dançar

Não haverá mudança real sem perfis diversos ocupando os cargos de liderança

A frase do título deste artigo é inspirada em uma tradução livre de uma fala de Verna Myers, vice-presidente de Inclusão da Netflix. Eu costumo usá-la quando vou falar sobre a diferença entre diversidade e inclusão. Gosto de usar a seguinte metáfora para explicar meu pensamento: não adianta convidar para a festa e não chamar para dançar. E, mais do que isso, como eu e uma amiga, grande consultora e parceira profissional, costumamos dizer: se o outro não souber a dança, deve-se ensinar. Se não for assim, o baile nunca será de todos, sempre alguns vão se divertir enquanto os outros só observam.

A realidade tem mudado aos poucos, é verdade, mas muitas vezes ainda me vejo em uma reunião em que são anunciados dados sobre o aumento da presença de negros, PCDs (pessoas com deficiências), mulheres e LGBTQI+ na empresa, mas ao redor, na sala, só vejo os homens brancos. Por quê?

Quando falo sobre convidar para a dança, é sobre buscar ativamente indivíduos diversos para ocupar diferentes cargos dentro da empresa e promover programas de mentoria que incluam essas pessoas até que se sintam confiantes e confortáveis não só para acompanhar os passos mas também criar coreografias e seus corpos de baile.

Diversidade e inclusão ainda são vistas por boa parte do mercado como uma etapa burocrática a ser seguida e que não influenciam de verdade no negócio. Mas essa realidade vem mudando muito rapidamente nos últimos tempos. Investimentos são ou deixam de ser feitos baseados em como a empresa age socialmente.

Uma pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) aponta que diversidade e inclusão serão dois dos temas mais debatidos entre as lideranças empresariais em 2021. Das 204 empresas respondentes, 58% disseram que já fazem esse tipo de comunicação internamente. Das que ainda não o fazem, 32% afirmaram ser provável ou muito provável que comecem a fazê-lo ainda neste ano.

É inegável que o caminho a ser percorrido ainda é muito longo, mas conquistas consideráveis já foram feitas e elas devem ser celebradas. A rede social profissional LinkedIn identificou que perfis com o cargo de diretor de diversidade e inclusão cresceram 107% nos últimos cinco anos. Por outro lado, uma pesquisa global de Diversidade e Inclusão, feita pela consultoria PwC, aponta que 30% das 3 mil companhias analisadas em 40 países ainda não têm um líder de Diversidade e Inclusão.

A diversidade é o primeiro passo, mas a palavra-chave é, definitivamente, inclusão. As organizações têm que ter uma estrutura para acolher a diversidade ou então estaremos cumprindo metas sem sentido. Sem mentoração e perfis diversos ocupando cargos de liderança não conseguiremos efetivamente gerar e por consequência enxergar uma mudança real nas empresas e na sociedade.

Enquanto isso, a pressão das comunidades que cercam essas organizações cresce, pois há um interesse e uma cobrança sobre a necessidade de posicionamentos acerca de posturas mais contundentes sobre racismo, homofobia, equidade de gênero, um olhar sobre os grupos mais maduros e crescimento sustentável.

Esses parecem, cada vez mais, serem fatores inexoráveis a um futuro pacifico e sustentável dentro e fora do mercado. As organizações que olharem e cuidarem disso agora sairão na frente; as que ainda ignoram, terão que gerir crises inevitáveis e serão forçadas em algum momento a aceitar o fato de que uma sociedade mais diversa exige marcas, empresas e instituições cada vez mais diversas, inclusivas e flexíveis.

*Deives Rezende Filho é fundador da Condurú Consultoria, é especialista em temas de governança ética, ética empresarial, conflitos no ambiente de trabalho, protagonismo do negro e inclusão racial


Michael França: O que a decadência do Brasil tem em comum com a do futebol?

Para um país que sonhava com a série A das economias, a série B já é uma dura realidade

Final da Copa de 2002, 33 minutos do segundo tempo, Ronaldo Nazário, também conhecido como “Fenômeno”, marca o seu segundo gol sobre o badalado goleiro alemão. A vitória está selada. O Brasil consolida seu domínio no esporte mais popular do planeta e se torna pentacampeão mundial.

Ao mesmo tempo, atletas brasileiros como Kaká, Rivaldo, Ronaldinho e Ronaldo figuram regularmente entre os melhores do mundo. Para muitos, a seleção brasileira é considerada um orgulho nacional e o time a ser batido.

O tempo passa, o futebol evolui, e o Brasil fica para trás. Clubes ao redor do mundo passam por um profundo processo de profissionalização da gestão, modernização estrutural e altos investimentos na formação de jogadores.

Enquanto isso, no Brasil, quem dão as cartas são os cartolas. Muitos desses, além da incapacidade de gerar valor para o futebol nacional, se tornam especialistas em aumentar os seus patrimônios.

Regularmente, apostam em jogadores mais velhos em detrimento da juventude. Com a falta de transparência nos gastos, aumentam o endividamento dos seus clubes sem investir na melhoria da infraestrutura. A gestão ineficiente leva grandes clubes ao rebaixamento.

A limitação administrativa não fica somente nos clubes, mas perpassa todas as entidades ligadas ao futebol. Na falta de preparo, sempre vence o discurso barato.

Tudo tem custo, mas também benefício potencial. Essa afirmação, embora aparentemente trivial, parece não ser bem compreendida por muitos brasileiros. A Copa do Mundo de 2014 é simbólica nesse sentido.

Fora de campo, em um país com graves problemas sociais, a escolha é usar dinheiro público para construir estádios superfaturados para sediar o evento.

Dentro das quatros linhas, nas semifinais, a Alemanha dá uma aula de como a boa gestão pode impactar o futebol. Nesse contexto, as péssimas escolhas da sociedade brasileira ficam visíveis também dentro de campo.

Porém, isso não é suficiente para mudar a mentalidade dos brasileiros. Chega o intenso verão carioca de 2019 e, com ele, dez jovens jogadores morrem, queimados, em um incêndio enquanto dormem em contêineres no alojamento do centro de treinamento do Flamengo. Clube que tem obtido no período recente expressivos retornos financeiros com a venda de jovens revelações.

Em muitos aspectos, o futebol é uma caricatura especial da sociedade brasileira. Talvez uma das características mais marcantes seja a falta de apreço pelas futuras gerações.

Assim como no futebol, o desprezo do país com a formação dos seus cidadãos é evidenciado regularmente nas escolhas sociais. A pandemia ajuda a ilustrar isto: bares abertos e escolas fechadas. Com isso, Brasil se tornou um dos países em que as crianças passaram mais tempo sem aulas presenciais.

O descompasso fica ainda mais claro quando se olha para as transferências públicas entre os grupos etários. Laura Muller Machado e Ricardo Paes de Barros chamam a atenção para isso e destacam um estudo da Cepal de 2014 que aponta que os idosos recebem cerca de seis vezes mais gasto público do que a juventude (“O legado de uma pandemia”, 2021).

A exclusão de talentos é outra caricatura nacional interessante. Curiosamente, os negros são bons só dentro de campo e, fora dele, o mundo do futebol é dominado pelos homens brancos.

Nesse cenário, a falta de uma gestão eficiente voltada para formação e a promoção de talentos afeta a produtividade da economia e, consequentemente, a competitividade.

Assim, para um país que sonhava jogar em grande estilo na série A das economias globais, a série B já é uma dura realidade. E, no ritmo que a deterioração está acontecendo, a série C não está distante.

O texto é uma homenagem à música “Brasil”, de Cazuza, George Israel e Nilo Romero.

*Michael França é doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.


El País: O fantasma da internacional nacionalista não nos abandonará em 2018

Recuperação econômica não enfraquece o nacional-populismo, que com vigor e sintonia com Trump e Putin constitui uma séria ameaça ao projeto integrador europeu

Um fantasma percorre a Europa e, obviamente, já não é o comunismo ou a internacional socialista: é a internacional nacionalista. O sintagma pode parecer um paradoxo, uma mera figura retórica, mas não é. Em quase todo continente, alimentadas por múltiplas insatisfações e ansiedades próprias do século XXI, prosperam formações de viés nacionalista que representam uma ameaça existencial para o projeto europeu, e que compartilham estratégia e tática. A maioria é de direita, mas algumas também são de esquerda ou de inspiração ideológica atípica.

Seu potencial para desestabilizar a União Europeia, além disso, foi redobrado pela sintonia natural desses movimentos e partidos com as instâncias nacionalistas representadas por Vladimir Putin e pelo próprio Trump. Falta saber até onde essa sintonia pode chegar, mas já há múltiplos casos de sinergia, do financiamento russo à Frente Nacional francesa à escolha da Polônia como destino da primeira grande viagem europeia do presidente norte-americano; do pacto de cooperação entre o partido de Putin e a Liga Norte italiana ao retuíte por parte de Trump de vídeos islamofóbicos de ativistas britânicos de extrema-direita.

O quadrilátero de Visegrado

Justamente a Polônia e os países do Grupo de Visegrado (Hungria, República Tcheca e Eslováquia) constituem um dos nós de maior importância para o futuro do projeto europeu. Juntos os quatro somam uma população parecida à da França ou a da Itália e o quinto PIB da UE (quarto após a saída do Reino Unido). Representam a espinha dorsal dessa Europa centro-oriental que tanto ansiou a adesão à UE após a queda do muro de Berlim, quando o papa João Paulo II clamava para que a Europa voltasse a “respirar com seus dois pulmões”. Sua mudança de atitude é, em certo sentido, assombrosa. Depois de ter recebido transferências vultuosas em forma de fundos estruturais e de ter protagonizado uma etapa de desenvolvimento sustentado, agora formam um combativo grupo de oposição a um leque de polícias europeias, especialmente as relacionadas com questões migratórias e com uma visão liberal da sociedade. O quarteto, encabeçado pelos Governos polonês e húngaro, mostra que a resistência ao projeto integrador não se deve somente aos problemas econômicos.

Frequentemente se relaciona o atual auge nacional-populista no Ocidente com a Grande Recessão de 2008-2009. O caso do Visegrado evidencia que há muito mais além disso. Todos os países da zona do euro entraram em recessão em 2009; das 39 economias consideradas como avançadas pelo FMI, só Austrália, Israel, Coreia do Sul e Macau se salvaram.

No meio desse vendaval, a Polônia nunca entrou em recessão e, no entanto, sua população optou por uma guinada radical com a eleição de um Governo ultraconservador em 2015. Os outros três países do grupo até entraram em recessão, mas conseguiram sair rapidamente dela. Nesses casos se vê que o apoio a líderes e a políticas nacional-populistas não é fruto apenas da rejeição aos aspectos econômicos da globalização, mas também, e em boa parte, ao apego a tradições, valores culturais e morais que são considerados em risco. A Europa precisa dar uma resposta a isso se quer prosseguir com seu projeto integrador.

Europa ocidental

No outro pulmão da Europa, como diria João Paulo II, a situação é diferente. Os representantes da internacional nacionalista não alcançaram o poder. No entanto, suas propostas políticas têm exercido enorme influência nos partidos tradicionais.

Observemos os acontecimentos no coração do projeto europeu, o eixo franco-alemão. Na Alemanha, os democratas-cristãos da Baviera (CSU), aliados de Merkel, acabam de eleger como líder um político defensor de duras políticas migratórias. A CSU, de fato, já mostrou no passado grande sintonia com o pensamento do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban. Por outra parte, na França, os republicanos, partido herdeiro da tradição gaullista, realiza neste fim de semana primárias nas quais se espera a vitória de um candidato que representa a ala radical. Depois da curva à direita liderada por Nicolas Sarkozy, o partido parece distante de posições centristas, ocupadas por Emmanuel Macron, e prossegue sua caminhada para a direita. O fenômeno se repete, com características distintas, em muitos países. O próprio Brexit parece ser resultado de uma tentativa dramática dos conservadores de fechar a porta para a expansão do antieuropeu UKIP.

A questão migratória é a prova por excelência dessa osmose política, e não apenas nas correntes de transmissão internas das ágoras nacionais entre radicais e moderados, mas também em escala continental. No início da crise, as propostas migratórias do húngaro Orban eram consideradas extremistas, em geral. Mas várias de suas teses estão atualmente no coração da política migratória europeia, que fez do fechamento das pontes levadiças sua estratégia principal, como demonstra o acordo coletivo com a Turquia ou a ação italiana na Líbia.

Resta saber se a Orbanização da política migratória europeia poderá se repetir, por exemplo, em questões de cunho social, moral e educativo. Mas o que está claro é que do gabinete de comando – nos países do Visegrado – ou nas retaguardas parlamentares – no pulmão ocidental –, a internacional nacionalista representa um desafio enorme para o desenvolvimento do projeto europeu em seu eixo histórico liberal. Emmanuel Macron parece ter entendido bem a situação e aposta tudo na busca por um equilíbrio que conjugue esses instintos liberais com a ordem de forjar uma “Europa que protege”, um de seus lemas favoritos. Uma Europa liberal que protege pode, também, parecer um paradoxo. Não mais que a internacional nacionalista, esperam muitos europeístas.