crise militar

Luiz Werneck Vianna explica, na RádioFAP, os riscos da crise militar para a democracia brasileira

Tema do segundo podcast da FAP, a crise causada com a saída simultânea dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica em função da demissão do ministro da Defesa Fernando Azevedo é inédita no país e provocou preocupação internacional

A queda do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e o pedido de demissão
dos comandantes das Forças Armadas acenderam alertas sobre os riscos para a democracia brasileira. Os chefes do Exército, Edson Leal Pujol, Marinha, Ilques Barbosa, e Aeronáutica, Antônio Carlos Bermudez, deixaram os cargos em 30 de março. A saída simultânea dos militares é inédita no país e provocou preocupação internacional.

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Para discutir os desdobramentos da maior crise militar no governo desde 1977, o segundo podcast da RádioFAP conversa com o cientista social Luiz Werneck Vianna. Professor reverenciado Brasil afora, Werneck é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e autor dos livros Liberalismo e sindicato no Brasil, Democracia e os três poderes no Brasil e A Modernização sem o moderno, entre outros.

O programa de áudio é publicado em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts, ncora, RadioPublic e Pocket Casts. O episódio
conta com áudios da TV Globo e BBC News.

O RádioFAP será publicado semanalmente, as sextas-feiras. O programa é produzido e apresentado pelo jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz, gerente de Comunicação da FAP.


Vinicius Sassine: Braga Netto assume Defesa com Exército ressentido e crítico a gestos de Bolsonaro na pandemia

Cúpula militar volta a se incomodar com o presidente após anúncio de uso das Forças Armadas como reforço à vacinação

O general da reserva Walter Braga Netto toma posse no cargo de ministro da Defesa nesta terça-feira (6), na presença de Jair Bolsonaro e com parte expressiva da cúpula do Exército ainda ressentida com a troca dos principais postos de comando efetuada pelo presidente na semana passada. A ação detonou a maior crise militar já vista desde a redemocratização.

Generais que integram o Alto Comando do Exército (a maior das três Forças Armadas) criticam em conversas reservadas o mais recente discurso de Bolsonaro sobre a pandemia.

No sábado (3), ao lado do novo ministro da Defesa, o presidente afirmou que as Forças vão começar a participar da aplicação de vacinas contra a Covid-19 e que os quartéis têm condições de colaborar nesse sentido.

No mesmo contexto da fala de Bolsonaro, Braga Netto e o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) discutiram no fim de semana a participação dos militares na vacinação. Queiroga afirmou que essa era uma determinação do presidente.

A fala incomodou a cúpula do Exército porque, segundo militares em postos de decisão, a Força já colabora há tempos com a vacinação, em parceria com instituições e governos locais.

Militares também defendem que, após ser demitido por Bolsonaro, o general Edson Leal Pujol não deve sair pela porta dos fundos do comando do Exército.

A recente crise militar começou quando o presidente demitiu o general da reserva Fernando Azevedo e Silva do cargo de ministro da Defesa, no começo da tarde da segunda passada (29). Braga Netto, então, foi deslocado da Casa Civil da Presidência para o ministério.

No dia seguinte, diante de um movimento dos líderes das três Forças para entregar os cargos, Bolsonaro demitiu os comandantes. Na quarta (31), os novos comandantes de Exército, Aeronáutica e Marinha foram escolhidos e anunciados pelo ministro.

Até agora, não há informações sobre quando e como serão feitas as trocas de comandos. “A data e outros detalhes de passagem de comando do Exército serão definidos após a avaliação e adequação das agendas das autoridades envolvidas no evento, sendo oportunamente informada”, disse o Exército, em nota.

A cúpula da Força quer que a troca de comando ocorra de maneira formal e conforme protocolos militares de eventos do tipo, dentro das limitações impostas pela pandemia, e não sem nenhum tipo de cerimônia.

Em 11 de janeiro de 2019, Pujol assumiu o cargo com pompa, no Clube do Exército em Brasília, com o ritual militar adotado tradicionalmente nessas cerimônias. Seu antecessor, o bolsonarista Eduardo Villas Bôas, hoje abrigado em um cargo no Palácio do Planalto, compareceu e levou um discurso de transmissão do posto. Bolsonaro e diversas autoridades estiveram presentes.

Um consenso também se formou entre integrantes do Alto Comando do Exército: o general da ativa Eduardo Pazuello, demitido do cargo de ministro da Saúde, não tem condições de retornar à Força, muito menos de voltar a comandar uma tropa.

Pazuello foi ministro de junho de 2020 a março de 2021. Exerceu o cargo e permaneceu na ativa do Exército, com o aval de Pujol. Foi demitido em meio ao descontrole da pandemia –no momento da demissão, o país se aproximava de 2.000 mortes por dia; agora a quantidade diária está perto de 4.000.

O general e ex-ministro é investigado pela Polícia Federal por supostos crimes ao se omitir diante da anunciada crise de escassez de oxigênio em Manaus, em janeiro. Pazuello era investigado em inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal).

Ao perder o foro especial, o caso foi remetido à primeira instância da Justiça Federal em Brasília. Um processo ainda não foi formalizado.

Na avaliação de generais do Alto Comando, o cargo exercido por Pazuello foi essencialmente político. Tanto que o general encampou a política de “tratamento precoce” que é o carro-chefe de Bolsonaro no combate à pandemia. Medicamentos como a cloroquina não têm eficácia comprovada para Covid.

A cloroquina movimentou as estruturas do Exército e da Aeronáutica. Com aval de Pujol e intermediação do então ministro da Defesa, Azevedo e Silva, o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército fabricou 3,2 milhões de comprimidos da droga, a um custo de R$ 1,2 milhão. Aviões da FAB transportaram o medicamento a regiões isoladas na Amazônia.

Um ato do último dia 25, assinado por Pujol, “reverteu, a contar de 23 de março de 2021, ao respectivo quadro o general de divisão intendente Eduardo Pazuello”.

O ex-ministro ainda está sem destino definido. Antes de assumir um cargo da linha de frente do governo Bolsonaro, Pazuello comandou tropas da 12ª Região Militar, em Manaus.

Uma semana depois do começo da maior crise militar desde 1977, as relações ainda não estão integralmente pacificadas, ao contrário do que faz crer uma foto divulgada pelo Exército na quinta-feira (1º), dia seguinte ao anúncio do nome do novo comandante da Força, general Paulo Sérgio de Oliveira.

Aparecem na foto Oliveira, Pujol e Villas Bôas. É o registro de uma visita feita pelos dois primeiros ao ex-comandante, que ganhou um cargo de assessor especial no Planalto desde sua saída do comando do Exército.

Para tentar evitar um aprofundamento da crise, Bolsonaro decidiu respeitar critérios de antiguidade na escolha dos novos comandantes.

Oliveira era o terceiro mais antigo na lista de militares com quatro estrelas e na ativa. O novo comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, era o segundo em antiguidade. E o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, o primeiro da Aeronáutica.

A posse de Braga Netto estava prevista para as 9h no Planalto, sem presença da imprensa e com transmissão pelos canais oficiais do governo federal.

Também participam da cerimônia formal, na mesma ocasião, mais seis ministros anunciados por Bolsonaro no último mês: Flávia Arruda (Secretaria de Governo da Presidência), general da reserva Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública), Carlos Alberto França (Itamaraty), André Mendonça (AGU) e Marcelo Queiroga (Saúde).


Roberto Godoy: Crise prejudica forças bolivarianas; mísseis tiveram investimento

Segundo agências de inteligência da Defesa dos EUA, o inventário do arsenal venezuelano não vai bem

A força militar da Venezuela está reduzida, duramente atingida pela crise que destroçou a economia do país com uma inflação de 1.700.000% ao ano. A tropa de 115 mil homens e mulheres registrada em 2015 perdeu cerca de 23% do melhor pessoal, técnicos e profissionais de nível universitário, saídos rumo à iniciativa privada internacional ou, pior, por desencanto - o número de deserções é tão alto que deixou de ser informado pelo governo bolivariano. A oficialidade anda aborrecida com a manipulação da carreira. Há perto de 2 mil generais - 1 para cada 57 soldados -, grande parte deles premiados com promoções políticas. Segundo agências de inteligência da Defesa dos EUA, o inventário do arsenal não vai bem. Tanques T-72 e blindados sobre rodas, fornecidos pela Rússia há pouco tempo, precisam de manutenção pesada. Os dois submarinos leves classe Sabalo, de 1.300 toneladas, estão em péssimo estado, recolhidos em diques secos. Das seis fragatas Lupo da esquadra, apenas duas manteriam o poder de ataque.

Na estratégica aviação de combate a situação é grave. Os caças de múltiplo emprego Su-30 Mk2V, comprados da Rússia em 2006 pelo então presidente Hugo Chávez, enfrentam sérias dificuldades para sair do chão - de acordo com a análise de informações americanas, a frota operacional está limitada a 10 ou 12 supersônicos - só dois deles dotados de recursos eletrônicos para disparar mísseis antinavio de alta velocidade Kh-31 com alcance na faixa de 150 quilômetros. O comando da aeronáutica venezuelana recebeu 24 jatos Su-30. Perdeu um, em acidente. Utiliza parte da frota de 23 unidades como banco de peças e componentes para preservar os três esquadrões remanescentes. Ontem, dois Sukhoi teriam voado, armados e a baixa altura, trovejando as turbinas sobre a região de Cúcuta, fronteira com a Colômbia. Os jatos são espetaculares - podem levar de 8 a 12 toneladas de mísseis, foguetes, bombas inteligentes e tanques extras, além de um canhão de 30 mm. A força aérea emprega jatos subsônicos chineses K-8 Karakorum nas missões de bombardeio leve. As aeronaves, 18 delas, podem receber até 1 tonelada de armas de baixa sofisticação ou acessórios óticos de reconhecimento.

Os caças russos e um único grupo formado por antigos F-16 A/B americanos, na média com 30 anos de uso, foram deslocados de suas bases regulares para El Libertador, em Maracay, no eixo centro-norte da Venezuela. É um enorme complexo, que abriga um aeroporto civil, mais unidades de transporte e vigilância. Há dois dias, uma bateria de mísseis russos S-300 de defesa antiaérea foi fotografada no local por um satélite militar dos EUA. A Venezuela tem três batalhões completos. É a mesma arma cuja presença na Síria e no Irã desagrada à Casa Branca sob Donald Trump. Simples e letal. Uma bateria é formada por 6 carretas lançadoras blindadas, cada uma levando quatro mísseis, 1 radar de longa distância, 1 veículo de comando e controle, e 1 remuniciador. A versão adquirida pelo presidente Maduro, recebida a partir de 2012, custa cerca de US$ 115 milhões, fora o míssil 9M82M, cotado a US$ 1 milhão. Funcionando no modo automático - o sistema digital rastreia os alvos, prioriza o grau de ameaça e faz o disparo - o tempo de reação é de 3 segundos. Atinge mísseis balísticos e de cruzeiro, aviões e projéteis de artilharia no limite máximo de 150 km a 200 km, a altitudes de 30 km. De acordo com os dados da inteligência, o S-300 tem recebido dinheiro, atenção e cuidados.

No lado brasileiro da fronteira, em Roraima, o cenário tático seguiu as definições do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Na sexta-feira, Azevedo e Silva havia dito ao Estado que “não há possibilidade de confronto militar” entre Brasil e Venezuela. A 1.ª Brigada de Infantaria de Selva, de Boa Vista, manteve as ações previstas de apoio logístico.