Crise migratória

Arnaldo Jordy: Brasileiros na fronteira

Os brasileiros ficaram chocados nas últimas semanas com as imagens de crianças aprisionadas em abrigos nos Estados Unidos, detrás de grades, muitas delas chorando, amedrontadas porque haviam sido separadas dos seus pais, levados para outras prisões distantes, em um desespero que lembrava um campo de concentração. Entre elas, hoje se sabe que há 51 crianças brasileiras, ainda sem perspectiva de rever os pais ou outros parentes.

Esse foi o resultado imediato do endurecimento da política de imigração dos Estados Unidos, uma promessa de campanha do presidente Donald Trump, que elegeu os ilegais como inimigos preferenciais. O crime dos país dessas crianças foi sair em busca de uma vida melhor em outro país. Trump é o porta-voz de uma tendência isolacionista e nacionalista, na contramão do sentimento de colaboração entre as nações surgido após a Segunda Guerra Mundial e que levou ao surgimento das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Trump acirra o protecionismo no comércio exterior dos Estados Unidos e provoca instabilidade na economia global. Na questão migratória, elegeu-se com a promessa de construir um muro para separar os Estados Unidos do México, como se fosse possível, em um mundo globalizado, isolar um país e impedir a livre circulação de pessoas. Os Estados Unidos, por ter a economia mais forte e ser a principal potencial militar, é favorecido pela economia globalizada. Isso, no entanto, precisa ser mediado para que o aspecto humano seja considerado, até que, num futuro próximo, a figura do estrangeiro não mais exista e ninguém seja diminuído pelo local de nascimento.

Esta semana, encaminhei requerimento ao Itamaraty para que o governo brasileiro solicitasse informações sobre a situação das crianças brasileiras aprisionadas na fronteira com os Estados Unidos, inclusive sobre um jovem de 17 anos que poderá ser transferido para o sistema penal daquele país. É lamentável, no entanto, que ao receber a visita do vice-presidente dos Estados Unidos, esta semana, o governo brasileiro tenha sido bem pouco incisivo na cobrança de uma solução para a situação dos brasileiros, enquanto Mike Pence, muito à vontade, dirigia palavras duras aos países latino-americanos, no que muitos viram uma indelicadeza diplomática, ainda mais em um país formado por imigrantes de todas as partes do mundo, como é o Brasil, que recebeu tantas contribuições étnicas em sua formação e que deve cultivar a tolerância.

A fronteira dos Estados Unidos com o México é só uma das frentes de uma grande crise migratória que atinge o mundo e que também leva milhares de pessoas à Europa e ameaça implodir a União Europeia, já que os países têm visões diferentes sobre permitir ou proibir a entrada de fugitivos da fome e da guerra vindos da África e do Oriente Médio. Dependendo da posição política dos governos europeus, os imigrantes são aceitos ou descartados.

A crise migratória está em todos os continentes, incluindo a América do Sul, onde milhares de migrantes vindos da Venezuela, sobretudo indígenas, fugindo da pobreza e da crise econômica naquele país, cruzam as fronteiras brasileiras e chegam também a Belém. Em nome do sentimento de humanidade, não podemos descartar essas pessoas, mas apoiá-las para que consigam sobreviver e retornar ao seu país com seus direitos fundamentais e sociais minimamente respeitados.

Toda essa crise migratória é, também, decorrente de uma ordem econômica internacional injusta, na qual alguns são extremamente bem aquinhoados, enquanto outros estão na miséria. Os Estados Unidos tem responsabilidade por esse quadro de desigualdade que gera o fluxo migratório que se vê hoje. Esses fatores tornam o momento atual crucial para a humanidade, que precisará decidir se adota uma política de solidariedade global para resolver a crise, ou se irá se isolar dentro de suas fronteiras para tentar evitar uma contaminação que é inevitável. Vivemos todos no mesmo planeta e devemos torná-lo o melhor lugar possível. Os países precisam pensar em uma nova ordem econômica na qual os mercados financeiros não sejam os únicos atores principais.

*Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA


Cristovam Buarque: E agora, Merkel?

A chegada de um partido xenófobo e conservador ao Parlamento é prova de que até mesmo uma líder como ela não consegue atrair a população inteira para um projeto democrático e humanitarista

A vitória do partido da chanceler Angela Merkel mostra que ela é a grande líder no mundo em transformação de hoje. Mostra também que o eleitor alemão não recusa sua política econômica responsável e sua generosidade nas relações com os imigrantes. Mas a redução no número de eleitores em seu partido e o crescimento da bancada neonazista, ganhando direito a participar do Parlamento, apontam para o esgotamento das bandeiras e do partido de Frau Merkel.

Com o crescimento da imigração para a Europa, com rebeliões de países contra a Comunidade Econômica Europeia, o desemprego crescente, crises econômicas, esgotamento das finanças estatais e corte em gastos sociais, cada vez será mais difícil reeleger a proposta que Merkel simboliza. Ela própria reconheceu isso, ao dizer que o eleitorado deu um recado, e seu partido precisa rever suas posições para recuperar eleitores perdidos.

Com essa fala, mostrou sua grandeza, pois no lugar de só lamentar o crescimento da direita, admitiu que a vitória do adversário decorreu de erros dela própria e de seu partido. O que acontece na Alemanha não é muito diferente do resto do mundo democrático.

Tudo indica uma tendência ao crescimento da preferência do eleitor por posições xenófobas e conservadoras, que no Brasil se manifestam com o crescimento de candidatura com propostas claramente autoritárias, manifestações de militares a favor de uma possível intervenção e com a forte rejeição da população contra os políticos.

É provável que no futuro Frau Merkel tenha pouca chance de eleger propostas moderadas e solidárias. Possivelmente serão crescentes as resistências à sua coalizão, se não for capaz de apresentar soluções para um novo modelo civilizatório, sustentável e humanitário, e de sensibilizar a opinião pública a favor de um novo pensamento e nova filosofia social.

Há quase 40 anos, os alemães comemoram o bom funcionamento da economia e aceitam pagar um imposto para permitir a redução da desigualdade social com a Alemanha Oriental. Nos últimos dois anos, a Alemanha de Angela Merkel vem estendendo a mão aos imigrantes que atravessam o Mediterrâneo, recebendo quase um milhão de refugiados.

O eleitor deu aval a essa postura, mas a chegada de um partido xenófobo e conservador ao Parlamento é prova de que até mesmo uma líder como ela não consegue atrair a população inteira para um projeto democrático e humanitarista. Nos próximos anos, as forças progressistas do resto do mundo precisarão perceber que a população alemã votou por uma economia eficiente, usando socialmente os recursos obtidos pela economia, mas sem interferir na sua sustentação e equilíbrio.

A Alemanha é um exemplo do compromisso com a eficiência e com o equilíbrio fiscal como forma de garantir fundos para os investimentos sociais com sustentabilidade. Fica o alerta para que as forças progressistas de cada país reconheçam que não estão convencendo a população de suas propostas e, em consequência, iniciando a marcha para alternativas autoritárias e conservadoras conduzirem o país. (O Globo – 30/09/2017)

 


Caos perto da Europa

A situação na Síria e Líbia torna mais convulsivas as fronteiras da UE

Em apenas 48 horas, entre segunda-feira e terça-feira passados, as patrulhas de resgate que operam no Mediterrâneo resgataram 10.655 migrantes e refugiados. Viajavam em barcos precários e superlotados. Ninguém que não esteja desesperado se joga ao mar em condições aterrorizantes. Quando os sobreviventes abandonavam os navios, o chão estava coberto com os cadáveres dos asfixiados, tal era a superlotação imposta pelas máfias. Estes números não só representam o drama de uma crise humana sem precedentes; também mostram a dimensão e a gravidade da situação de caos e destruição que ocorre às portas da Europa.

A UE aprovou nesta quinta-feira enviar à Bulgária o primeiro contingente da nova polícia de fronteira da Europa, mas pouco servirá este instrumento, se nada for feito sobre as causas do êxodo. A quebra da trégua na Síria continua alimentando uma diáspora que atingiu seu pico em 2015, mas que está longe de terminar. Na ausência de expectativas de poder voltar para seu país, muitas famílias que passaram anos vivendo pessimamente em campos de refugiados turcos ou libaneses fazem o caminho para a Europa, mesmo sem garantias de chegar ou de serem bem recebidos. Enquanto isso, na Líbia se concentram dezenas de milhares de migrantes procedentes de vários países africanos. Alguns fogem de conflitos, outros da miséria. Após viagens longas e perigosas, ficam presos sem possibilidade de voltar. Na situação perigosa de desgoverno que vive a Líbia, muitos são vítimas de abusos, trabalho forçado e estupro. Correr o risco de uma travessia incerta é para eles o mal menor.

Até agora este ano já chegaram à Europa através do Mediterrâneo mais de 300.000 migrantes — 166.000 através da Grécia, 130.000 pela Itália — e se afogaram ou desapareceram mais de 3.500. Desde que há seis meses foi assinado o acordo com a Turquia, o fluxo através do Egeu foi reduzido, mas agora é a Itália que recebe a maior pressão. Devemos celebrar a resposta muito positiva por parte de seu Governo, que não reduziu os esforços e mantém a política de acolhida. O mesmo deve ser dito da Grécia, apesar da falta de solidariedade do resto da UE, que se mostra incapaz de cumprir sequer com seus próprios acordos. Agora faz exatamente um ano que foi aprovado o plano que devia distribuir 160.000 refugiados entre os diferentes membros da UE. Na metade do prazo previsto, apenas 5.651 foram realocados, só 3,5%. O resto continua aí. A má gestão deste problema leva a Europa cada vez mais para posições que violam não só seus princípios fundadores, mas também suas leis. A pressão sobre suas fronteiras não vai diminuir por mais que olhemos para o outro lado.


Fonte: brasil.elpais.com